“Eu perdi meu filho, que me deixou um neto de 8 anos, e eu vejo que meu neto não sabe nem mesmo como o pai foi enterrado. Ele tinha 33 anos”, contou à Agência Brasil a segunda secretária da Associação dos Familiares de Vítimas e Atingidos pelo Rompimento da Barragem Mina Córrego do Feijão (Avabrum), Jacira Francisca Mateus Costa. Mãe de Thiago Matheus Costa, ela é uma das fundadoras da entidade criada em 2019 como uma reação dos familiares ao rompimento da estrutura da mineradora Vale localizada em Brumadinho (MG).
A tragédia, que matou 272 pessoas em poucos minutos em 25 de janeiro daquele ano, é assunto do livro Avabrum – 272 Vidas Presentes, que será lançado na noite desta terça-feira (27). A produção da obra é uma iniciativa do Projeto Legado de Brumadinho, que nasceu em 2022 a partir do desejo da Avabrum de construir um legado a partir dos aprendizados nascidos da dor da perda.
Suas ações são financiadas com recursos indenizatórios pagos pela Vale e que são administrados pelo Comitê Gestor do Dano Moral Coletivo, composto pela Avabrum, pela Defensoria Pública da União (DPU), pelo Ministério Público do Trabalho (MPT) e pelo Tribunal Regional do Trabalho de Minas Gerais (TRT-MG). Entre outras iniciativas do Projeto Legado Brumadinho, já foram produzidos uma revista jurídica sobre temas conexos com a tragédia, um gibi infantil sobre a reconstrução das comunidades e uma campanha virtual com vídeos que deu voz aos parentes das vítimas.
Capa do livro Avabrum – 272 Vidas Presentes – Projeto Legado Brumadinho/Divulgação
O livro será lançado no Teatro Municipal de Brumadinho, às 18h30. Também haverá transmissão online pelo canal do Projeto Legado de Brumadinho, na plataforma YouTube. A obra ficará disponível gratuitamente em português, inglês e espanhol. O livro foi organizado em verbetes, com base em outros livros escritos sobre a tragédia, artigos de jornais, documentos oficiais e o próprio convívio com os familiares.
Os dois primeiros termos trazem a história da Avabrum, formada pelos familiares das vítimas que passaram a ser chamadas carinhosamente de “joias”, e dos atos realizados mensalmente pela organização. “Todo mês, os familiares fazem um ato no letreiro da entrada de Brumadinho em homenagem às vítimas, exatamente no horário do rompimento das barragens. É feito um minuto de silêncio e são soltos balões que representam as 272 vítimas”, conta a coordenadora de Comunicação Institucional do Projeto Legado de Brumadinho, Viviane Raymundi.
Também responsável pela pesquisa e edição da obra, Viviane comenta que o livro é uma forma de contar a história da Avabrum, “que surge como uma reação ao crime e à indiferença da Vale”. “Esse é um projeto de não esquecimento, de mobilização, de cultura e de comunicação para que a tragédia não seja esquecida. Partimos do princípio de que, se for esquecida, o risco de se repetir é muito maior”, complementa.
Procurada pela Agência Brasil para comentar o lançamento do livro, a Vale não se manifestou. Em seu site, a mineradora afirma estar comprometida com a reparação integral dos danos causados às pessoas e aos territórios atingidos pelo rompimento da barragem em Brumadinho. “Desde 2019, são desenvolvidas ações nas frente sociais, ambientais e econômicas”, registra o texto, acrescentando que o acordo de reparação firmado em 2021 com o governo mineiro e com o Ministério Público está sendo executado.
A Avabrum
Passados mais de cinco anos da tragédia, a ação criminal continua tramitando sem que ninguém tenha sido condenado, situação que é criticada pela Avabrum. O processo de reparação de danos em curso por meio do acordo firmado em 2021 também é alvo de contestações dos atingidos.
À Agência Brasil, Jacira Francisca Costa, originalmente de Betim (MG), conta que a Avabrum começou como uma comissão formada pelos familiares das vítimas e atingidos pela avalanche de rejeitos liberados com o rompimento da barragem da Mina Córrego do Feijão. Hoje com 56 anos, a secretária da entidade compartilha que viu outros parentes das vítimas na televisão na época e decidiu que deveria se juntar a eles em Brumadinho. “Eu estava estagnada com o que houve com o meu filho. Foram todos praticamente enterrados vivos e eu ficava pensando no que fazer. Estava insuportável, não aguentava mais”, relata.
A Avabrum foi fundada em agosto de 2019, sete meses após a tragédia que, além das vidas ceifadas, gerou devastação ambiental e poluição na bacia do Rio Paraopeba. Segundo Jacira, a organização foi criada “embaixo de lágrimas, com o coração sangrando”. “A gente já estava no limite, não sabíamos mais que fazer, o peito estava despedaçado e Brumadinho estava um terror, porque ainda não haviam identificado todo mundo, metade das pessoas estavam desaparecidas. A nossa peleja era dia e noite focados naquilo, lutando para a gente ter justiça, o encontro dos corpos e a tragédia nunca mais se repetir, porque foi muito duro o que a gente passou”, acrescenta.
Para ela, o livro é também uma forma de preservar a história dos entes queridos e a luta dos familiares. “A gente luta por justiça, por encontro, já que ainda há três pessoas não identificadas, e pela não repetição”, reforça. Ela lembra também a tragédia ocorrida em Mariana (MG), em novembro de 2015, envolvendo o rompimento de uma barragem da mineradora Samarco, que tem como acionistas a BHP Billiton e a própria Vale.
“Em Mariana morreram 19 pessoas, em Brumadinho foram 272. Em Mariana, as pessoas foram destroçadas, então por que deixaram isso acontecer em Brumadinho? Se acontecer mais uma tragédia dessas é porque as autoridades não nos escutaram. Se acontecer alguma coisa, a gente não deixou de avisar.”
“A importância do livro é realmente manter a memória dessas 272 pessoas que desapareceram debaixo da lama, que foram mortas, então o livro é pelo não esquecimento”, concorda Viviane. “É uma leitura simples e rápida, mas não superficial. Ele se aprofunda no que é importante para os familiares, então cada um dos verbetes que escolhemos é importante. Terminamos o livro falando sobre zelo, porque não teve zelo, não teve cuidado com os trabalhadores ali, e foi isso que provocou a tragédia.”
*Estagiária sob supervisão de Léo Rodrigues.