O terreno onde a prefeitura do Rio de Janeiro faz operações para demolir prédios considerados irregulares, no Complexo de Favelas da Maré, zona norte do Rio de Janeiro, pertence à União. A confirmação é da Secretaria do Patrimônio da União (SPU) em resposta ao Ministério Público Federal (MPF), que busca informações sobre a legalidade da ação.
“A área objeto da operação onde se realiza a demolição de edificações na comunidade da Maré, considerando o que foi veiculado na imprensa, é caracterizada como terreno acrescido de Marinha, de dominialidade da União”, registra o ofício da Superintendência do Patrimônio da União no Rio de Janeiro.
A SPU é ligada ao Ministério de Gestão e Inovação em Serviços Públicos e responsável por bens da União, como o uso de terrenos e imóveis.
Operação
A ação conduzida pela Secretaria de Ordem Pública (Seop) entrou no 13º dia, nesta sexta-feira (30), com apoio das polícias Civil e Militar. De acordo com a Seop, as construções irregulares ficam em um condomínio com 41 imóveis. Até esta sexta-feira, foram demolidos parcialmente 32 prédios, somando mais de 162 apartamentos.
A Polícia Civil suspeita que as construções tenham sido erguidas em esquema de lavagem de dinheiro de organizações criminosas que comandam o tráfico na região.
Moradores do Parque União – comunidade da Maré onde ocorrem as demolições – relatam que a ação ocorre de forma irregular e já fizeram protestos.
“As pessoas estão tristes, destruídas por dentro, todos os dias acordamos cedo demais, entre 4h40 e 5h da manhã, com caveirão [veículo blindado] entrando, muitos policias fortemente armados, invadem casas, comércios sem mandando [judicial]”, contou à Agência Brasil Caitano Silva, comunicador popular ligado à Associação de Moradores do Parque União. Segundo ele há relatos também de abuso de poder.
Um dos principais impactos para a população local é no funcionamento das escolas. A Secretaria Municipal de Educação informou que, das 46 escolas municipais no Complexo da Maré, as 24 que ficam na área sob operação policial não abriram nesta sexta-feira. Mesmo questionada, a secretaria não informou quantos alunos foram impactados.
Na rede estadual, os dois colégios que ficam na área afetada, Ciep 326 César Pernetta e Colégio Estadual Professor João Borges de Moraes, que juntos atendem 1.424 alunos, não abriram por questão de segurança, de acordo com a Secretaria Estadual de Educação. A pasta afirmou que conteúdos pedagógicos perdidos serão repostos para evitar prejuízos aos alunos.
Pedidos de informação
Os pedidos de informação sobre a operação feitos pelo MPF foram conduzidos pelo procurador Julio José Araújo, da Procuradoria Regional dos Direitos do Cidadão.
A SPU afirmou também na resposta que a área onde ocorrem as ações da prefeitura não se insere no perímetro referente ao acordo de cooperação técnica celebrado, em 2022, entre a SPU e a Secretaria Municipal de Habitação (SMH), para regularização fundiária da comunidade.
“Sua vigência de 24 meses se encerrou em 04 de abril de 2024 sem que tenham sido efetivadas as ações previstas. Atualmente a SPU-RJ e a SMH encontram-se em tratavas com vistas à celebração de novo termo”, registra a correspondência assinada pelo superintendente substituto, Carlos Rodrigues.
O MPF também questionou à Secretaria Estadual de Segurança Pública (Sesp) sobre haver fundamento legal para a operação. Na interpretação da Procuradoria Regional, a resposta da Sesp indica que a ação foi uma empreitada administrativa da prefeitura do Rio.
O ofício assinado pelo secretário de Segurança, Victor dos Santos, afirma que “o apoio prestado pelas Polícias durante a operação realizada na Favela da Maré, no Parque União, visou garantir a integridade física não apenas dos agentes que participaram da mesma (inclusive daqueles responsáveis pelas demolições e remoções), mas principalmente dos moradores daquela comunidade”.
O documento acrescenta também o objetivo de “garantir de forma preventiva quaisquer possíveis alterações na ordem pública”.
Titularidade
A prefeitura do Rio solicitou à Procuradoria Regional mais 30 dias para fornecer informações. Para justificar a extensão do prazo para resposta, o ofício enviado pelo chefe de gabinete da prefeitura, Fernando dos Santos Dionísio, cita um despacho da Secretaria Municipal de Habitação.
“No momento, não dispomos da territorialização das ações policiais ocorridas, e, portanto, não temos como afirmar a titularidade da área onde tais ações se deram”.
Para o procurador Julio José Araújo, a ação da prefeitura não poderia ter sido feita sem consultar a União.
“É necessário entender por que o Município atuou no terreno da União, sem consultá-la, para remover pessoas de suas casas sem o devido processo legal. E mais: entender por que não cumpriu o acordo que havia assinado para fazer regularização fundiária na região”, disse à Agência Brasil.
A Agência Brasil pediu posicionamentos às secretarias municipais de Ordem Pública e Habitação, mas não recebeu resposta até a conclusão da reportagem.