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Comissão reconhece Clarice Herzog como anistiada política

“Nenhum Estado tem direito de abusar de seu poder e investir contra seus próprios cidadãos”. Com estas palavras, a presidenta da Comissão de Anistia, a advogada Enéa de Stutz e Almeida, proferiu, nesta quarta-feira (3), um pedido de desculpas do Estado brasileiro à jornalista e publicitária Clarice Herzog, vítima da perseguição estatal durante o regime militar (1964-1985).

A concessão da declaração de anistiada política à viúva do jornalista Vladimir Herzog, torturado e morto em outubro de 1975, nas dependências do Departamento de Operações de Informações – Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-Codi), do Exército, em São Paulo, foi aprovada por unanimidade. O julgamento do requerimento de anistia ocorreu em conjunto com um seminário que a Comissão de Legislação Participativa da Câmara dos Deputados realizou para lembrar os 60 anos do golpe civil-militar de 1964.

Além de declarar Clarice anistiada política e pedir desculpas em nome do Estado brasileiro pela perseguição estatal que a jornalista e publicitária sofreu por anos, por contestar a versão oficial de que seu marido havia se enforcado em uma sala do Doi-Codi enquanto aguardava para prestar depoimento, a Comissão de Anistia aprovou o pagamento de uma indenização equivalente a 390 salários mínimos (cerca de R$ 550 mil), mas, com o teto legal, a viúva receberá R$ 100 mil. 

“A partir da análise conjunta da narrativa, do material probatório [reunido no processo] e do contexto histórico, são incontestes os atos de exceção mencionados e a inequívoca motivação política dos mesmos”, afirmou a relatora do processo, a conselheira Vanda Oliveira, ao proferir seu voto. “Fica claro que a requerente [Clarice] sofreu prejuízos decorrentes da atuação da ditadura militar instalada no Brasil em 1964, devido à privação da convivência familiar com seu marido, morto por motivação exclusivamente política”.

Segundo as informações apresentadas pelos representantes legais de Clarice, após assumir a direção de jornalismo da TV Cultura, Vladimir Herzog passou a ser “hostilizado por integrar o Partido Comunista”. Na manhã de 25 de outubro, ele se apresentou voluntariamente no DOI-Codi a fim de prestar esclarecimentos sobre sua atuação política e profissional. Horas mais tarde, Clarice recebeu a informação de que o marido tinha se matado.

“Desde então, ela tem travado uma luta contínua e permanente para esclarecer as circunstâncias e os responsáveis pela morte de Vlado. Viúva aos 34 anos de idade, Clarice foi a primeira [pessoa] a romper o silêncio e dizer “mataram o Vlado”, conduzindo os dias seguintes à morte com intervenções que davam cada vez mais visibilidade ao que tinha acontecido”, pontuou a conselheira Vanda Oliveira.

“Dali para frente, Clarice travou muitas lutas. A primeira contra a mentira forjada pelo Exército de que Vlado havia cometido suicídio. ‘Mataram Vlado’: uma frase que, não podendo ser escrita pelos jornalistas, passou a correr de boca em boca como uma senha contra a farsa montada pelos militares. Clarice não recuou diante de ameaças anônimas que recebeu por telefone. Nem com a constante vigilância policial montada diante de sua casa”, acrescentou a relatora, lembrando que, já em 1978, em pleno regime de exceção, Clarice recorreu à Justiça contra o Estado brasileiro e, em um fato histórico, obteve uma sentença do juiz Márcio José de Moraes condenando o Estado pela morte de Vladimir e obrigando-o a indenizar a família do jornalista. Em 2013, 38 anos após o crime, Clarice conseguiu a retificação do atestado de óbito, fazendo constar que seu marido foi mais uma vítima da violência do Estado brasileiro.

“A longa resistência de Clarice é uma luz que ilumina os erros que o país tem cometido diante da sua própria história. Ao ser tão determinada, ela ajudou o Brasil, um país que se acostumou ao esquecimento e à impunidade”, afirmou a relatora, lembrando que outras pessoas, como os jornalistas Rodolfo Konder e George Benigno Duque Estrada, que estavam nas dependências do Doi-Codi no mesmo dia, e o rabino Henry Sobel, que se recusou a enterrar Vlado no espaço do cemitério israelita destinado aos suicidas, entre outras, também passaram a questionar abertamente a versão oficial.

“Minha mãe nunca quis nenhuma reparação financeira”, destacou o engenheiro Ivo Herzog, filho de Vlado e Clarice e autor do requerimento de reparação à mãe, que, aos 82 anos e com Alzheimer, precisa de cuidados especiais. “Minha mãe não queria que se pagasse pela morte do meu pai. Tomei a decisão de entrar com este processo porque agora ela precisa”, disse Ivo ao lembrar um episódio com o escritor Marcelo Rubens Paiva, cujo pai, o ex-deputado federal Rubens Paiva, também foi morto pelo regime.

Ivo Herzog, filho de Clarice Herzog chora durante seu discurso na Comissão de Anistia- Lula Marques/ Agência Brasil

“O Marcelo Rubens Paiva me disse: “Teu pai, meu pai, eles não foram heróis. Foram vítimas. As verdadeiras heroínas foram as companheiras deles. As mães, irmãs e tantas outras que dedicaram suas vidas, com coragem, à busca pela verdade e justiça. Agradeço esta homenagem da Comissão de Anistia a Clarice Herzog, uma destas heroínas. Tenho muito orgulho de ser filho dela. E acho que todos devemos nos sentir muito privilegiados em termos tido Clarice e tantas outras heroínas ao nosso redor, lutando pela democracia neste país”.

Entenda como fica a vacinação contra o HPV no Brasil

A vacinação contra o papilomavírus humano, o HPV, no Sistema Único de Saúde (SUS) vai deixar de ser feita em duas doses e passará para dose única. A mudança passa a valer a partir da divulgação de uma nota técnica, ainda nesta terça-feira (2).

“A partir da publicação, as pessoas que receberam uma dose já estão plenamente vacinadas e não precisarão receber a segunda”, reforçou o diretor do Programa Nacional de Imunização do Ministério da Saúde, Eder Gatti.

A vacina utilizada no novo esquema da rede pública permanece sendo a dose quadrivalente produzida pelo Instituto Butantan, que protege contra quatro subtipos de HPV associados ao câncer de colo de útero.

Em entrevista à Agência Brasil, a presidente da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm), Mônica Levi, considerou a mudança uma estratégia acertada.

“É uma tendência. Vários países do mundo estão migrando para a dose única. Alguns porque não têm vacina e o único jeito de introduzir é com uma dose apenas. Outros, como Austrália, Escócia e Dinamarca, migraram para a dose única porque já conseguiram controlar ou reduzir em mais de 90% a circulação do vírus, das lesões e do câncer propriamente dito. Então, eles estão migrando para uma dose para manter o vírus com circulação baixa ou até ausente”.

“Esse cenário depende de cobertura vacinal e não do número de doses. Se você tem uma baixa cobertura vacinal, ainda que seja com duas doses, você não vai ter mais sucesso do que quando há muita gente vacinada – que seja com uma dose só”, explicou.

Mônica destacou ainda que a mudança se aplica estritamente ao SUS e que o esquema de duas doses para adolescentes de 9 a 14 anos está mantido na rede particular. Isso porque, segundo ela, estudos apontam a eficácia da dose única contra o HPV na prevenção do câncer de colo de útero, mas o vírus está associado a outros tipos de câncer, como de orofaringe, pênis, ânus, vagina e vulva.

“O Brasil é signatário de um acordo da Organização Mundial da Saúde para eliminar o câncer de colo de útero e tomar todas as medidas necessárias até 2030. Essas medidas incluem vacinação, rastreamento adequado com dois testes, pelo menos, ao longo da vida das mulheres e acesso ao tratamento. Hoje, o Brasil está focado na eliminação do câncer de colo de útero. Agora, quem se vacina no sistema privado, quer também proteção contra a verruga genital e outros tipos de câncer. E esses dados a gente não tem com dose única porque não foi estudado. Não quer dizer que não vai funcionar, mas a gente não tem esse dado.”

Confira os principais trechos da entrevista:

Presidente da SBIm Mônica Levi conversou com a Agência Brasil – Sarah Daltri/SBIm/Divulgação

Agência Brasil: Como a Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm) avalia a decisão do ministério? A senhora acredita que ela foi tomada no momento correto, considerando o cenário brasileiro atual de baixa cobertura vacinal contra o HPV?

Mônica Levi: Considero um dado positivo para o Brasil. Nós estávamos realmente com baixa cobertura, uma baixa adesão para a segunda dose. Com uma dose só, a gente vai conseguir aumentar a cobertura vacinal. É mais fácil, né? A logística fica mais fácil. E o que a gente tem de dado é que, se você tiver uma grande cobertura com uma dose, talvez você consiga um benefício maior do que com duas doses pra menos gente. É isso que a gente está vendo acontecer no mundo. Por um período de oito a 10 anos, a gente tem dados de estudos mostrando que a proteção é semelhante com uma, duas ou três doses.

A Escócia é um exemplo. A gente viu que lá, quem se vacinou com 12 ou 13 anos – com uma, duas ou três doses – praticamente não teve nenhuma lesão de colo uterino. E isso desde 2007, quando a Escócia começou a vacinação. Então, a análise deles hoje é que, independentemente do número de doses, o benefício foi igual. Esse é um mote pra se ter uma equidade maior da vacinação no mundo. O grande benefício que eu vejo é que quem tem hoje de 15 a 19 anos e perdeu a oportunidade – principalmente por conta da pandemia – e já não está mais na idade do público-alvo da vacinação vai ter a chance também de se vacinar e se proteger.

Agência Brasil: Adolescentes que já tomaram uma dose estariam, até o momento, com o esquema vacinal incompleto. A partir da publicação da nota técnica, eles automaticamente não precisam mais da segunda dose? Como ficam esses casos?

Mônica Levi: Essa é uma mensagem que a gente tem que ter cuidado ao passar porque as sociedades médicas não vão migrar para a dose única. A Sociedade Brasileira de Imunizações e a Federação Brasileira de Ginecologia e Obstetrícia vão manter o esquema de duas doses até aos 20 anos e de três doses para acima de 20 anos. Passa a ser uma preocupação individual. Quem se vacina quer uma proteção contra tudo que a vacina pode proteger. O Brasil é signatário de um acordo da Organização Mundial da Saúde (OMS) para eliminar o câncer de colo de útero e tomar todas as medidas necessárias até 2030. Essas medidas incluem vacinação, rastreamento adequado com dois testes, pelo menos, ao longo da vida das mulheres e acesso ao tratamento. Hoje, o Brasil está focado na eliminação do câncer de colo de útero. Agora, quem se vacina na rede privada, quer também proteção contra a verruga genital e outros tipos de câncer. E esses dados a gente não tem com dose única porque não foi estudado. Não quer dizer que não vai funcionar, mas a gente não tem esse dado.

Agência Brasil: O ministério também pediu que estados e municípios façam uma busca ativa por jovens de até 19 anos, homens e mulheres, que ainda não receberam nenhuma dose contra o HPV. Por que uma busca ativa nesse grupo? Há possibilidade de ampliar o público-alvo atual?

Mônica Levi: Não quer dizer que nós vamos vacinar contra o HPV [o público] de 9 anos a 19 anos como rotina, para sempre. Vai haver um período, talvez de seis meses a um ano, em que vai ser feito um catch-up, que é buscar todos aqueles que deveriam ter recebido a vacinação entre 9 e 14 anos e, por conta da pandemia ou por outro motivo qualquer, não receberam e agora não tem mais idade pra se vacinar pelo SUS. Então, esses meninos e meninas que estão com idade entre 15 e 19 anos vão ser vacinados, mas reforçando: em período de catch-up. Não é uma vacinação rotineira pra sempre.

É uma coisa muito positiva. Se a gente tiver uma adesão grande, vamos ter um benefício maior no sentido de caminhar para a eliminação do câncer de colo de útero. A vacina é importante para meninos e meninas, já que também há doenças associadas ao HPV no sexo masculino. O foco dessa decisão do ministério pela dose única é a eliminação do câncer de colo de útero e muitos países estão fazendo a mesma coisa. A OMS recomenda isso e a gente espera proteger mais pessoas. Os desfechos provavelmente vão ser melhores do que mantendo duas doses só de 9 a 14 anos e não conseguindo cobertura vacinal para a segunda, que é o que está acontecendo.

Agência Brasil: Como estava a cobertura vacinal contra o HPV no Brasil até o momento, com o esquema de duas doses?

Entre os meninos, só 27% têm a segunda dose. Isso desde 2017 – uma cobertura acumulada até 2023. Entre as meninas, 56% têm a segunda dose, segundo dados do Instituto Nacional do Câncer (Inca). Se agora a gente concentrar aos esforços para aumentar a cobertura vacinal em dose única, fizermos um trabalho coordenado de campanha, acho que a gente pode ter um resultado melhor a longo prazo. Melhor que manter duas doses com baixa cobertura e ficar patinando nisso, além de deixar tanto adulto ou adolescente mais velho sem a proteção contra o HPV.

Agência Brasil: Com base na experiência de outros países, é possível pensar em uma janela de tempo pra que a gente possa falar em eliminar o câncer de colo de útero no Brasil?

Mônica Levi: A eliminação do câncer de colo de útero acontece quando você chega a um percentual de quatro ou menos casos para cada 100 mil mulheres. Alguns países já caminham rumo a esse cenário desde 2022, como Suécia, Austrália e Dinamarca. A Austrália está com seis casos para cada 100 mil mulheres, muito próximo da eliminação.

Eliminar o câncer de colo de útero não é chegar a zero, mas transformar a doença em uma patologia rara. Vai haver escape de casos, claro que vai. Mas muito pouco. Ele deixa de ser um dos cânceres que mais mata mulheres no mundo pra se tornar um câncer raro. Essa é a ideia. Eliminação é isso. E, no Brasil, a gente ainda tem entre 13 e 16 casos de câncer de colo de útero por 100 mil mulheres. São 17 mil casos novos e 6,6 mil óbitos todos os anos.

Inquérito mostra como delegado agiu para livrar assassinos de Marielle

Ao desvendar o assassinato da vereadora Marielle Franco e de seu motorista, Anderson Gomes, ocorrido em 2018, a Polícia Federal (PF) revelou também um esquema envolvendo autoridades da segurança pública do Rio de Janeiro que, em vez de atuarem para desvendar o caso, adotaram estratégias para evitar o avanço das investigações. No centro do esquema estava o delegado Rivaldo Barbosa, então chefe da Polícia Civil. 

Se, na teoria, cabia a ele desvendar o caso, na realidade, segundo a Polícia federal, o delegado teria feito mais do que obstruir a investigação. As suspeitas são de que ajudou no planejamento do crime, algo que surpreendeu até a família de Marielle, de quem o delegado se aproximou e ganhou confiança logo no início das investigações.

No inquérito, tornado público pelo Supremo Tribunal Federal (STF), Rivaldo é acusado de obstruir os trabalhos policiais, de forma a proteger os autores de crimes cometidos por diversos contraventores, deste e de outros casos, em especial envolvendo milicianos e bicheiros. Entre os crimes imputados a ele está o de participar de organização criminosa, lavagem de dinheiro e corrupção passiva.

A indicação de Rivaldo para o cargo na Polícia Civil foi feita pelo general de Exército Richard Nunes, mesmo diante de um parecer do setor de inteligência que informava sobre “atividades suspeitas” que associavam o delegado a contraventores locais, em especial bicheiros. A nomeação foi assinada pelo então interventor do governo federal no estado, general Walter Braga Netto.

Segundo a PF, a lista de acusados envolvidos com o assassinato da vereadora abrange Ronnie Lessa, autor dos disparos contra Marielle e Anderson; Élcio de Queiroz, que dirigiu o carro que perseguiu o de Marielle na ocasião do assassinato; o ex-bombeiro Maxwell Simões Corrêa, o “Suel”, a quem coube monitorar a rotina da vítima, além de ajudar a dar sumiço na arma utilizada no crime; e Edilson Barbosa dos Santos, mais conhecido como “Orelha”, dono do ferro-velho onde foi feito o desmanche do carro usado no crime. Os investigadores apontam como mandantes do crime o deputado Chiquinho Brazão (União Brasil-RJ) e seu irmão Domingos Brazão. Tanto os irmãos Brazão quanto Rivaldo Barbosa foram presos preventivamente no último domingo (24).

Investigadores criminosos

Um dia após o assassinato de Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes, Rivaldo Barbosa, já chefe da Polícia Civil do Rio de Janeiro, nomeou o delegado Giniton Lages, com quem tinha comprovadamente relações próximas – inclusive relatadas pelo próprio Lages no livro “Quem Matou Marielle?”, escrito por ele -, para presidir as investigações do caso.

O inquérito da PF apresenta depoimentos e diversas provas indiciárias do esquema criminoso envolvendo a Delegacia de Homicídios. Algumas apontam que Rivaldo seria “conivente com os homicídios envolvendo a participação de milicianos e contraventores, dos quais recebia vantagens indevidas”, e que ele teria feito alertas a “alvos de investigação quando da menção de seus nomes em procedimentos criminais ou quando da existência de medidas restritivas em desfavor deles”.

Segundo a investigação da PF, entre os crimes acobertados está o assassinato do presidente da Portela, Marcos Falcon, em setembro de 2016; de Haylton Carlos Gomes Escafura e de sua mulher, na Barra da Tijuca, em 2016, assim como o de Geraldo Antônio Pereira, no mesmo ano; José Luís de Barros Lopes, em 2011, e Marcelo Diotti da Matta, em 2018. Uma das frentes de investigação da PF que comprovaram a ligação entre investigadores e criminosos partiu do depoimento da filha de Marcos Falcon, Marcelle Guimarães Vieira Souza. 

Falcon era, na época, candidato ao cargo de vereador do município do Rio de Janeiro, mas foi assassinado a menos de uma semana do pleito. Sua filha disse à PF que o delegado Brenno Carnevale, responsável pela investigação da morte de seu pai, havia manifestado “descontentamento com as ingerências praticadas por Rivaldo Barbosa na investigação”. Entre as ingerências estaria o pedido de Rivaldo para que Carnevale não mexesse em “nada das novas descobertas”, e que as informações deveriam sempre passar antes diretamente por ele, Rivaldo.

Carnevale teria falado, também à filha de Marcos Falcon, sobre o “sumiço repentino” de procedimentos apuratórios atrelados a Falcon e Geraldo Pereira.

“Marcelle ressaltou que todos com quem conversava sobre a morte de seu pai, sobretudo policiais, desestimulavam-na a procurar a DH [Delegacia de Homicídios, quando chefiada por Rivaldo], pois essa delegacia estaria comprada e de nada adiantaria seu empenho”, detalha o documento divulgado pela PF. Além disso, segundo ela, Rivaldo teria marcado um encontro com Falcon pouco tempo antes de ser morto, mas que o encontro acabou não se concretizando em razão de seu assassinato.

Brenno Carnevalle estava lotado, em 2018, na delegacia que era responsável pela apuração dos homicídios envolvendo agentes de segurança pública. Em depoimento ao Ministério Público do RJ, ele informou que não houve nenhuma elucidação de crimes envolvendo bicheiros entre agosto de 2016 e março de 2018; e que materiais apreendidos e inquéritos haviam desaparecido de forma misteriosa.

No depoimento, ele reiterou o que havia sido dito por Marcelle e acrescentou outros fatos que ampliaram ainda mais as suspeitas contra Rivaldo. Foi o caso do sumiço de inquéritos como o de André Serralho, em 2016, bem como de alguns materiais apreendidos durante as investigações. Citou também o excesso de exigências burocráticas que inviabilizavam diligências; e as “súbitas trocas de presidências de inquéritos”, como o que envolvia a morte de Haylton Escafura, filho do contraventor conhecido como Piruinha.

Outro fato narrado por Marcelle mostra que a delegacia chefiada por Rivaldo era conivente com os homicídios envolvendo a participação de milicianos e contraventores, dos quais, segundo a PF, Rivaldo recebia vantagens indevidas. A PF acrescenta que o delegado civil alertava alvos de investigação, quando tinham seus nomes mencionados em procedimentos criminais ou quando ficava a par de medidas restritivas que seriam aplicadas em desfavor deles.

“Uma análise, ainda que superficial desses inquéritos, infelizmente, revela uma lamentável realidade: historicamente, os homicídios ligados a disputas da contravenção, invariavelmente, não resultam em efetivas respostas estatais; rumam em via única destinada a uma deplorável impunidade institucionalizada”, diz o inquérito.

A sentença assinada pelo juiz da 1ª Vara Criminal Especializada em Organização Criminosa, Bruno Monteiro Rulière, destaca que o exame dos procedimentos adotados “permite inspirar particular questionamento sobre a adequação e regularidade na condução dos inquéritos policiais (inconclusivos), que são marcados por rotinas engessadas, despidas de profícuos atos apuratórios, com uma manifesta situação de letargia e omissão deliberada de alguns agentes e/ou autoridade públicas”. “Com isso, todos inquéritos acabam sem conclusão”, detalhou o juiz.

Federalização

O inquérito mostra que o chefe da Polícia Civil, Rivaldo Barbosa, estava preocupado com a possibilidade de federalização do caso. Nesse sentido, relata uma manifestação dele na mídia, após ser indagado sobre a possibilidade de eventuais colaborações da PF na investigação. Ele disse ter convicção de que a Polícia Civil tinha condições de elucidar o caso.

Segundo o inquérito, chamou a atenção o fato de, antes da entrevista concedida ao RJTV 12 horas após o assassinato de Marielle, a Delegacia de Homicídios da Capital ter vazado a informação de que as munições empregadas na emboscada contra a vereadora decorriam de um lote vendido para a PF em 2006.

Isso, segundo o inquérito, foi feito “com o claro objetivo de repelir a atuação da força de segurança federal no caso”. No mesmo dia, 15 de março, o procurador-Geral de Justiça do RJ, José Eduardo Gussem, defendeu que, diante desses fatos, era importante “evitar que a investigação passe para a esfera federal”. A declaração foi feita após visita da procuradora-Geral da República, à época, Raquel Dodge, ao estado, ocasião em que anunciou que iria instaurar uma apuração preliminar do caso no MPF.

Dodge havia nomeado cinco procuradores para acompanhar a investigação do caso. “Entretanto, Gussem, no dia 21 de março de 2018, ingressou com um pedido no Conselho Nacional do Ministério Público para que a apuração dos procuradores da República fosse suspensa, o que foi deferido liminarmente pelo conselho e ensejou a revogação da portaria de nomeação do grupo”, diz o inquérito, ao apresentar algumas manifestações públicas de Gussem em favor de Rivaldo Barbosa.

“Avançando na análise da relação de Rivaldo Barbosa com Gussem, entretanto chamou a atenção desta equipe de investigação que, na ocasião em que o primeiro foi denunciado pelo MPRJ pela suposta prática de crimes contra a lei de licitações, por firmar contratos emergenciais na área de informática no valor de R$ 191 milhões, o então procurador não adotou a postura de proteger sua instituição, bem como de seus membros, outrora realizada com afinco, mas, de forma surpreendente, atacou os promotores de Justiça signatários da exordial acusatória, e defendeu Rivaldo Barbosa”, complementa o inquérito da PF.

Sabotagem

Entre os atos praticados para obstruir as investigações, reforçados com a nomeação de Lages, a PF aponta “exemplos inequívocos de que o aparato policial não somente se absteve de promover diligências frutíferas, mas também favoreceu para a sabotagem do trabalho apuratório”. Um desses exemplos foi a negligência para se obter as imagens do veículo utilizado para o crime contra a vereadora, que acabou por não abranger, inicialmente, a rota de fuga dos executores.

O inquérito fala também de uma “duvidosa dinâmica” da delegacia de homicídios que teve como ponto de partida uma denúncia anônima, que tentou associar o crime ao então vereador Marcelo Siciliano, adversário político dos verdadeiros mandantes citados pela PF, os irmãos Domingos e Chiquinho Brazão.

A investigação levantou também, falsamente, suspeitas contra Orlando Curicica, miliciano que atuaria na Zona Oeste do Rio de janeiro. Curicica havia delatado esquemas de pagamentos mensais por milicianos a delegacias do estado; e que pagamentos extras teriam sido feitos para evitar investigações específicas de alguns homicídios.

Em maio de 2018, uma equipe da delegacia de homicídios comandada por Lages esteve na Penitenciária de Bangu 1 com o intuito de obter uma confissão de Orlando Curicica, que apontasse a autoria do crime a Marcelo Siciliano. “Diante da negativa de Curicica, tal equipe teria o ameaçado de lhe atribuir outros homicídios como meio de coerção (ou coação) a confessar aquela hipótese pré-moldada”, descreve o inquérito da PF. “Imputar o delito ao então vereador Marcelo Siciliano teria o condão não só de garantir-lhes a impunidade, mas também fulminaria politicamente um dos concorrentes eleitorais da família Brazão nos bairros da Zona Oeste carioca”, complementa o documento.

Vantagens indevidas

O inquérito cita “vantagens indevidas” que Gussem teria recebido do ex-secretário de Saúde do estado, Sérgio Côrtes, para arquivar investigações que o tinham como alvo. Todo esse contexto levou os investigadores a constatar que Rivaldo Barbosa “conseguiu atingir seu segundo intento, de modo que os órgãos de persecução penal federais foram alijados das investigações”.

O inquérito descreve também algumas estratégias adotadas por Rivaldo para lavar o dinheiro recebido dos contraventores. Ele inclusive teria constituído, com sua esposa, Erika Araújo, uma empresa, com o propósito de justificar o aumento de patrimônio obtido no período em que dirigia a delegacia de homicídios e, posteriormente, quando foi chefe da Polícia Civil.

“Rivaldo e sua esposa Erika se lançaram às atividades empresariais justamente no período em que Rivaldo foi nomeado para chefiar a Delegacia de Homicídios da Capital, de modo a se protrair enquanto ele foi diretor da Divisão de Homicídios (21/5/2016) e chefe da Polícia Civil (8/3/2018). Recorda-se que é justamente quando está na DHC ou à frente da Polícia Civil que foram encontrados relatos, depoimentos e formalizadas denúncias envolvendo episódios de corrupção e outras atividades ilícita”, diz o inquérito.

Outro lado

Ouvido pela PF durante as investigações, o general Richard Nunes prestou depoimento aos delegados e negou ter ingerência na escolha de Rivaldo. 

“A Subsecretaria de inteligência contraindicou o nome de Rivaldo, mas o depoente decidiu pelo seu nome, tendo em vista que tal contraindicação não se pautava por dados objetivos. Teve contato com Rivaldo na época da força de pacificação”, diz o depoimento.

A Agência Brasil entrou em contato com a defesa de Rivaldo Barbosa e aguarda retorno.

Em nota, a defesa de Braga Netto afirmou que “a seleção e indicações para nomeações eram feitas, exclusivamente, pelo então Secretário de Segurança Pública” e atribuiu sua assinatura na nomeação de Rivaldo Barbosa a “questões burocráticas”.

Correios atenderão a serviços da Caixa, como seguro-desemprego e FGTS

Serviços tradicionalmente oferecidos pela Caixa Econômica Federal, o Programa de Integração Social (PIS), o Fundo de Garantia do Tempo de Serviços (FGTS) e o seguro-desemprego também estarão disponíveis nas unidades dos Correios, anunciaram nesta segunda-feira (25) as duas estatais. Em troca, o cidadão poderá postar e retirar encomendas em pontos de coleta instalado nas casas lotéricas.

Os presidentes da Caixa, Carlos Vieira, e dos Correios, Fabiano Silva dos Santos, assinaram a parceria. O acordo também prevê que funcionários da Caixa realizem atendimentos presenciais ou virtuais em espaços nas unidades dos Correios.

Os clientes da Caixa poderão receber atendimento por videoconferência para os seguintes serviços: atualização cadastral; desbloqueio de senhas; consulta e autorização de saque de benefícios sociais; e orientações sobre o abono salarial, o seguro-desemprego, o FGTS e o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS).

Teste

A integração entre a Caixa e os Correios estava implementada em fase de teste desde 12 de março numa agência postal no município de Peixe-Boi (PA). O presidente da Caixa também anunciou que 500 dos 13 mil correspondentes bancários do banco já recebem encomendas dos Correios.

O objetivo, informou Carlos Vieira, é oferecer serviços do banco em todas as unidades dos Correios até o fim do ano, com prioridade para as localidades sem pontos de atendimento da Caixa. Em relação às lotéricas, a expansão do atendimento dependerá da adesão das unidades.

O acordo também prevê o compartilhamento de imóveis entre os Correios e a Caixa. Além de ampliar a cobertura presencial das duas empresas, o uso conjunto de prédios pretende ajudar na recuperação e na modernização de propriedades de imóveis da União.

Entenda como Marielle incomodou a expansão imobiliária criminosa

O relatório final do inquérito da Polícia Federal (PF) sobre os assassinatos da vereadora Marielle Franco e de seu motorista, Anderson Gomes, mostra que o estopim para o crime pode ter sido uma disputa política em torno de um projeto de regularização fundiária.

Neste domingo (24), os irmãos Domingos, conselheiro do Tribunal de Contas do Estado (TCE) e Chiquinho Brazão, deputado federal, foram presos por decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) como suspeitos de serem os mandantes do crime.

A principal hipótese de motivação para o crime seria, segundo a PF, uma indisposição dos irmãos, políticos de longa trajetória no Rio de Janeiro, com políticos do PSOL, em especial com Marielle.

Antes do crime, o partido havia se posicionado, por exemplo, contra a indicação do então deputado estadual Domingos Brazão ao TCE.

O estopim para que a decisão de assassinar Marielle fosse tomada, no entanto, pode ter sido uma disputa política em torno de um projeto de Chiquinho Brazão, em 2017, quando ainda era vereador e, portanto, colega da vítima na Câmara Municipal do Rio de Janeiro.

De acordo com o relatório da PF, Chiquinho teria ficado insatisfeito com a votação contrária de Marielle e do PSOL a um projeto de Brazão que envolvia a regularização de terras, o que, segundo a PF, beneficiaria áreas de milícia.

O relatório da PF ressalta que invasão e “grilagem” de terras são atividades intrínsecas “à atuação das milícias em geral”. O inquérito também aponta que áreas de milícia como Rio das Pedras e outras comunidades da zona oeste da cidade, seriam redutos eleitorais da família Brazão.

O relatório ressalta que a atuação de Chiquinho Brazão na Câmara Municipal seria pautada por “legislações questionáveis acerca de questões fundiárias e favorecimento a ocupações irregulares”.

Milícias

Milícia é um termo cunhado pela imprensa carioca na década de 2000 para se referir a grupos armados que atuam em comunidades do Rio de Janeiro e que têm ligação forte com agentes do Estado e políticos.

Essas organizações assumem a dominação armada de territórios e, por meio da ameaça e violência, passam a cobrar taxas de moradores e comerciantes, além de ter o controle de diversas atividades econômicas como monopólio sobre o comércio de gás, a venda de produtos alimentícios, o transporte alternativo e TV a cabo clandestina.

Uma outra atividade econômica lucrativa também passa a ser alvo das milícias: a exploração imobiliária.

Segundo a pesquisadora da Universidade Federal Fluminense (UFF) Carolina Grillo, as milícias têm se expandido no Rio de Janeiro de mãos dadas com a expansão urbana. “As milícias são as propulsoras do avanço do controle territorial armado porque elas coordenam o processo de urbanização nas franjas da região metropolitana do Rio. As milícias se utilizam da penetração que elas têm no poder público para realizar a grilagem de terras”, afirmou.

Carolina acrescenta que as milícias contam com o apoio de políticos para garantir a regularização das terras que são ou serão ocupadas pelo grupo criminoso. “Esse é um dispositivo que a Marielle vinha atacando na Câmara dos Vereadores para impedir o avanço das milícias, disse.

O pesquisador da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRRJ) José Cláudio Souza Alves afirma que a ocupação da terra traz não apenas ganhos financeiros para a milícia como também serve como um curral eleitoral.

“A terra, em si, é uma grande mercadoria, que serve para tudo o que você possa imaginar. Você vai ganhar muito dinheiro, vai fazer assentamento de pessoas na área urbana e vai dar emprego para as pessoas na construção. E aquele conjunto todo de compradores [dos imóveis] e dos construtores serão base eleitoral”, destacou o pesquisador.

Segundo Alves, esse “é um projeto de ganho a partir do roubo de terras, invasões, controle eleitoral”.

“Junto com a terra junto, vem os aterros que vão ser usados para levantar aquele solo. E, junto com a construção de imóveis, junto com os votos, vai entrar todo o resto: o gato net, a venda de água gás, a distribuição de energia elétrica, um conjunto de serviços”, ressaltou Alves.

Inquérito

O inquérito da PF informa que, em sua delação premiada, o suspeito de efetuar os disparos contra Marielle, o ex-policial militar Ronnie Lessa. receberia. como recompensa pelo crime, dois terrenos, a serem invadidos na Praça Seca, na zona oeste, onde ele poderia implantar sua própria milícia.

“Quando foi oferecido ao Ronnie Lessa um terreno para que ele criasse sua própria milícia não se tratava apenas de um empreendimento imobiliário que seria bastante lucrativo, mas de um empreendimento imobiliário que depois colocaria toda uma população refém das práticas de extorsão dele”, explicou a pesquisadora Carolina Grillo.

Em seu perfil na rede social X (antigo Twitter), o ministro dos Direitos Humanos e da Cidadania, Silvio Almeida, afirmou que o Estado brasileiro precisa retomar o controle dos territórios que estão nas mãos do crime organizado.

“Políticas de reforma urbana, reforma agrária, demarcação de terras indígenas e regularização de terras quilombolas conduzidas de modo firme pelo Estado e acompanhadas, simultaneamente, da defesa de direitos humanos e da promoção da cidadania são parte fundamental de qualquer política de segurança pública”, escreveu.

PF aponta irmãos Brazão como mandantes da morte de Marielle

A Polícia Federal (PF) concluiu que os irmãos Domingos e Chiquinho Brazão contrataram o ex-policial militar Ronnie Lessa para executar a vereadora Marielle Franco, em 2018. Na ocasião, o motorista dela, Anderson Gomes, também foi morto. 

A conclusão está no relatório final da investigação, divulgado após o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), retirar o sigilo do inquérito. 

Domingos Brazão, conselheiro do Tribunal de Contas do Rio de Janeiro, e Chiquinho Brazão, deputado federal, foram presos na manhã de hoje por determinação de Moraes

Para a PF, o assassinato de Marielle está relacionado ao posicionamento contrário da parlamentar aos interesses do grupo político liderado pelos irmãos Brazão, que tem ligação com questões fundiárias em áreas controladas por milícias no Rio, 

“Os indícios de autoria mediata que recaem sobre os irmãos Domingos Inácio Brazão e José Francisco Brazão são eloquentes. Com base na dinâmica narrada pelo executor Ronnie Lessa e pelos elementos de convicção angariados durante a fase de corroboração de suas declarações, extrai-se que os irmãos contrataram dois serviços para a consecução do homicídio da então vereadora Marielle Franco”, disse a PF no relatório. 

No documento, os investigadores mostram que o plano para executar Marielle contou com a participação de Rivaldo Barbosa, ex-chefe da Policia Civil do Rio. Segundo a PF, Rivaldo “planejou meticulosamente” o crime. Barbosa também foi preso na operação desta manhã. 

“Se mostra indubitável a conclusão de que Rivaldo Barbosa instalou na diretoria de divisão de homicídios um verdadeiro balcão de negócios destinado a negociatas que envolviam a omissão deliberada ou o direcionamento de investigações para pessoas que se sabiam inocentes. Para tanto, Rivaldo fez negócio com contraventores, milicianos e, como se vê no caso em tela, políticos, no afã de se locupletar financeira e politicamente”, afirmam os investigadores. 

Planejamento

Durante as investigações, a PF avaliou provas e os depoimentos de delação dos ex-policiais Ronnie Lessa e Elcio Queiroz para finalizar o detalhamento dos primeiros passos do planejamento do assassinato. 

Conforme o relatório, as tratativas ocorreram de forma clandestina e em breves encontros em locais desertos. 

A primeira reunião ocorreu em 2017, quando, segundo a PF, os irmãos Brazão contrataram Edmilson Macalé, pessoa identificada como miliciano que atua na Zona Oeste do Rio e próximo aos mandantes.

Em seguida, Macalé convidou Ronnie Lessa para participar da empreitada criminosa, e as armas e os veículos usados no crime foram providenciados. 

“Diante do teor da proposta, Macalé convidou Ronnie Lessa, notório sicário carioca, para a empreitada criminosa que, seduzido pela possibilidade de se tornar um miliciano detentor de uma extensa margem territorial, aceitou o convite e ambos foram à primeira reunião com os irmãos”, detalhou a investigação. 

Entenda como a chuva provoca deslizamentos e desmoronamentos

O Rio de Janeiro está em alerta este fim de semana por causa da ocorrência de temporais, que levam à população o temor de deslizamentos e desmoronamentos. O desabamento de uma residência em Petrópolis, município da região serrana, na sexta-feira (22), deixou quatro mortos.

Entre quinta-feira (21) e sábado (23), tinham ocorrido na cidade 113 deslizamentos. Em Teresópolis, município vizinho, foram feitas 15 notificações em dois dias seguidos.

Na localidade Chácara Flora, em Petrópolis, o acumulado de chuva chegou a 307,6 milímetros (mm) em 24 horas. Isso equivale a dizer que caíram, em média, 307,6 litros de chuva, em cada metro quadrado da região.

A Agência Brasil conversou com especialistas para entender, tecnicamente, como a ocorrência de fortes chuvas afeta o solo e pode causar desastres.

O especialista em geotecnia Marcos Barreto de Mendonça, professor da Escola Politécnica da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), explica que deslizamento “é um processo natural, é a evolução natural das encostas. O problema é o ser humano estar exposto.”

Pressão no solo

O professor detalha que os terrenos são porosos. Durante as chuvas, parte da água é escoada para a rede pluvial e parte se infiltra no solo.

“O solo fica lá na encosta paradinho, o que a gente chama de encosta estável, porque o solo é resistente, ele fica estável. Quando a água se infiltra, a pressão aumenta. Isso é normal, infiltra-se e vai alimentar os aquíferos, que são os lençóis d’água. Esse é o processo natural, faz parte do ciclo hidrológico”, pormenoriza.

“Mas, se aumentar muito a quantidade de água se infiltrando no terreno, pode gerar uma pressão tão grande que vai fazer com que o solo perca a resistência e deslize”, complementa.

Mendonça acrescenta que, em regiões onde há habitações, a situação se agrava. “O problema é a forma como a sociedade se organiza no território, que expõe a população a essas ameaças de deslizamento.” Ele critica a falta de infraestrutura em regiões notadamente ocupadas pela população mais pobre, como favelas.

“Se eu não tenho nenhum sistema de drenagem superficial para coletar essa água e direcionar rapidamente para o pé da encosta, o que vai acontecer é que mais água vai se infiltrando no terreno. Então essas áreas que são desprovidas de infraestrutura são mais suscetíveis a deslizamentos”, explica.

Além disso, o próprio esgoto sanitário dessas comunidades, não coletado de forma correta pela infraestrutura urbana, acaba contribuindo para o aumento de pressão da água no solo.

“O esgoto é como se fosse uma chuva antrópica, ou seja, o homem que está provocando essa infiltração de água, e não a natureza”, afirma.

Mapeamento

Segundo o professor Mendonça, as áreas mais suscetíveis a deslizamentos são as regiões montanhosas. Ele cita a região serrana no Rio, desde Cachoeira de Macacu, Teresópolis, Petrópolis, Nova Friburgo e Cantagalo. Em janeiro de 2011, chuvas provocaram a morte de cerca de mil pessoas em municípios serranos.

De acordo com Mendonça, outro ponto de atenção é a região metropolitana do Rio de Janeiro, como morros na capital, em São Gonçalo e em Niterói.

Apesar de as principais intercorrências causadas por temporais na Baixada Fluminense serem inundações, Mendonça adverte que há problemas com deslizamentos também. “Os municípios da Baixada Fluminense têm problemas também de deslizamentos – Duque de Caxias, Belford Roxo, Nova Iguaçu. Não tão grandes quanto Rio de Janeiro, Niterói e São Gonçalo.”

Na lista de localidades suscetíveis, estão ainda Angra dos Reis, na Costa Verde, e o entorno de Barra Mansa (sul fluminense) e Rio Claro (Médio Paraíba).

Baixa renda

O professor entende que condições socioeconômicas “pressionam” populações mais pobres e vulneráveis a habitar essas áreas, deixando-as expostas a riscos aumentados de desmoronamentos.

A opinião é compartilhada pela pesquisadora Thêmis Aragão, do Observatório das Metrópoles – um instituto nacional de ciência e tecnologia ligado ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).

Thêmis cita, por exemplo, vários pontos de alerta no Complexo do Alemão, conjunto de favelas na zona norte do Rio de Janeiro, e vê gravidade também na região serrana, onde qualquer expansão da população esbarra nas condições geográficas dos municípios. “Para onde a mancha urbana se expande, estará se expandindo por áreas íngremes”, ressalta.

Para a pesquisadora, o problema tem se agravado ao longo dos anos por questões demográficas, isto é, pelo aumento da população. A pesquisadora do  Observatório das Metrópoles chama a atenção para lacunas na atuação do poder público em relação a moradias.

“A ocupação irregular vai acontecer principalmente pela falta de política pública de habitação. O Estado não pode ficar ao largo dessas questões porque, de uma maneira geral, os territórios vulneráveis são resultados da ausência do Estado”, avalia Thêmis, que também vê falhas na infraestrutura dessas localidades.

“A gente tem tecnologia e engenharia que possa lidar com esse risco, mas você tem que ter uma política pública de monitoramento e uma agenda para promover essa infraestrutura, esses muros de contenção, a parte de drenagem”, conclui.

Poder público

Questionada pela Agência Brasil sobre infraestrutura e política de habitação relacionadas a áreas de risco, a prefeitura do Rio de Janeiro informou que tem protocolos de acionamento das equipes operacionais sempre que existe a previsão de eventos chuvosos, como sirenes, além de oferecer treinamento de segurança para moradores.

“Desde 2011, foram realizados 54 exercícios simulados, 12 deles apenas nos últimos quatro anos. São 164 sirenes instaladas em 103 comunidades. O sistema tem ainda 194 pontos de apoio cadastrados”, informou.

A prefeitura acrescenta que, desde 2021, as aplicações em ações preventivas somam R$ 2,1 bilhões. Além disso, a Fundação Instituto de Geotécnica do Município (Geo-Rio) vem recebendo grande investimento para obras e mitigação de risco em encostas da cidade. Desde 2021, “a Geo-Rio realizou mais de 150 obras com investimento vindo de recursos próprios, de cerca de R$ 215 milhões.”

Também procurado pela Agência Brasil, o governo do estado informou que monitora em tempo real, por meio do Centro Estadual de Monitoramento e Alerta de Desastres Naturais (Cemaden-RJ), as condições meteorológicas e os níveis pluviométricos em todo o território fluminense, enviando alertas para os municípios, quando necessário.

Segundo a nota, o governo vem investindo, desde 2021, por meio do programa PactoRJ, R$ 4,3 bilhões em obras de infraestrutura.

O Plano de Contingência para as Chuvas do verão de 2023/2024 prevê investimento de mais de R$ 3 bilhões em equipamentos de última geração, tecnologia e treinamento das equipes que atuam em situações de emergência. “Somente ao Corpo de Bombeiros, foram destinados cerca de R$ 1 bilhão em novas tecnologias, renovação, modernização de viaturas, equipamentos e treinamentos especializados.”

Chefe da ONU classifica bloqueio de ajuda a Gaza como escândalo moral

Uma longa fila de caminhões de ajuda estão bloqueados no lado egípcio da fronteira com a Faixa de Gaza, onde as pessoas enfrentam a fome, é um escândalo moral, disse o secretário-geral da Organização das Nações Unidas (ONU), António Guterres, durante uma visita à passagem de Rafah neste sábado (23).

Chegou a hora de Israel assumir um “compromisso férreo” de acesso irrestrito aos bens humanitários em toda Gaza, disse Guterres, que também apelou por um cessar-fogo humanitário imediato e pela libertação dos reféns israelenses detidos em Gaza.

A ONU continuará a trabalhar com o Egito para “agilizar” o fluxo de ajuda para Gaza, disse em frente ao portão da passagem de Rafah, um ponto de entrada para ajuda.

“Aqui, desta travessia, vemos a tristeza e a crueldade de tudo isso. Uma longa fila de caminhões de ajuda bloqueados de um lado dos portões, a sombra da fome do outro”, disse ele. “Isso é mais do que trágico. É um escândalo moral”.

A visita de Guterres ocorre em um momento em que Israel enfrenta uma pressão mundial para permitir mais ajuda humanitária a Gaza, que foi devastada por mais de cinco meses de guerra entre Israel e o Hamas.

Israel, que tem prometido destruir o Hamas e teme que o grupo militante palestino desvie a ajuda enviada, manteve fechadas todas as suas passagens terrestres para o enclave, exceto uma. O país abriu a passagem Kerem Shalom perto de Rafah no final de dezembro e nega as acusações do Egito e de agências humanitárias da ONU de que tem atrasado a entrega de assistência humanitária, dizendo que a ONU não conseguiu distribuir ajuda dentro de Gaza.

O ministro das Relações Exteriores de Israel, Israel Katz, criticou Guterres em uma publicação nas redes sociais por culpar Israel “sem condenar de forma alguma os terroristas do Hamas-Isis que saqueiam a ajuda humanitária”.

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Saiba como a parentalidade positiva contribui na formação da criança

Desde o momento que pais e mães recebem a notícia da chegada de uma criança, desafios e escolhas se alternam em cada nova etapa da infância até a vida adulta. De acordo com a estratégia da parentalidade positiva, toda a interação, prática e conhecimento que ocorrem ao longo dessa relação entre pais e filhos será definidora no futuro dessa pessoa em desenvolvimento.

Na última quinta-feira (21), a parentalidade positiva e o direito ao brincar viraram lei e uma ferramenta a ser adotada, inclusive, em política pública para o enfrentamento à violência doméstica e familiar contra a criança e o adolescente. A medida foi sancionada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva e publicada, no Diário Oficial da União.

Estratégia

A psicóloga especialista em desenvolvimento infantil, Elisa Altafim, explica que a estratégia surgiu baseada em estudos científicos que comprovaram o impacto de ações positivas ou negativas para o desenvolvimento infantil, na vida adulta. Ou seja, quando as práticas parentais na relação com a criança são positivas ao seu desenvolvimento, a criança tem mais chances de ter uma vida adulta saudável, que no caso contrário.

“Quando a criança vivencia situações adversas como punições físicas, ela pode desenvolver, no futuro, problemas como câncer, obesidade, dificuldades cognitivas, depressão e ansiedade, por exemplo.”

Partindo desse entendimento, o fotógrafo e professor universitário Lourenço Cardoso desde jovem decidiu que planejaria a paternidade e atuaria da forma mais positiva possível para o desenvolvimento e formação dos filhos. Antropólogo de formação, ele construiu conhecimento sobre o assunto e debateu com a companheira, Nara Fagundes, como cuidariam e educariam as crianças. “Eu defini que abriria mão de meus desejos em prol da formação deles”, relembra.

O casal teve dois filhos, João Moreno, hoje com 12 anos, e Lia, com oito anos de idade, que, segundo Lourenço, são educados com muito diálogo, manejo de comportamento que levam à reflexão e livres de punição. “Na primeira infância do João ele teve uma fase mais difícil que tivemos que apelar para o cantinho do pensamento, mas sempre tivemos uma relação franca e racional, na qual eu explicava de forma clara, com vocabulário robusto, e sem infantilizar a explicação. Com a Lia, não foi necessário nem isso”, explica.

Lourenço explica que, junto à companheira, cria os filhos com muito diálogo – Lourenço Cardoso/ arquivo pes

Para Lourenço, reconhecer a criança como um ser humano capaz de compreender e participar de um diálogo franco permite que ela possa se posicionar no mundo, mas também é uma fase que precisa de estímulos como o que vem garantido pelo direito à brincadeira.

“A infância precisa ser reconhecida como um processo de formação e tirar o direito de uma criança à brincadeira é tirar uma parte importante dessa formação, na qual ela se coloca em um processo criativo que permite o autoconhecimento, permite que ela se construa”, diz.

Essa autonomia para se desenvolver, apoiada pelos suportes adequados, como a proteção e a segurança que a mantém livre de violência, como punição física por exemplo, faz com que a criança tenha fatores positivos de desenvolvimento. E são esses fatores que a nova lei propõe que sejam utilizados como ferramenta nas políticas públicas.

Segundo Elisa, que é uma das autoras da cartilha O Cuidado Integral e a Parentalidade Positiva na Primeira Infância, produzida pelo Fundo das Nações Unidas para Infância (Unicef), diferente do Lourenço, muitos pais não conseguem romper com o “ciclo intergeracional de violência”, que se estabelece quando várias gerações perpetuam a punição física, por exemplo.

Para ela, a nova lei, além de enfatizar a necessidade de fortalecimento da parentalidade positiva, também incentiva a criação de programas estruturados por municípios, estados e pela União, possibilitem a articulação com as redes de assistência social e saúde já existentes. “O ambiente público pode oferecer programas para notificar as práticas negativas, que ainda ocorrem com as crianças e capacitação de estratégias educativas, que não envolvam a violência, sem culpabilizar as famílias e com oportunidade para reflexão sobre como foram cuidadas e educadas, por exemplo”, conclui.

Entenda como índice pluviométrico dimensiona água da chuva

A intensidade de uma chuva é medida por meteorologistas por meio do índice pluviométrico, mas a ideia de medir a água em milímetros (mm), uma unidade de tamanhos e distâncias, deixa muitas pessoas confusas e com dificuldade de saber o que esse índice significa.

O Instituto Nacional de Pesquisa Espaciais (Inpe) explica que o índice relaciona o tempo da chuva com a área que ela afeta, para indicar não apenas a quantidade de água, mas também sua intensidade.

“Se dissermos que o índice pluviométrico de um dia, em um certo local, foi de 2mm, significa que, se tivéssemos nesse local uma caixa aberta, com 1 metro quadrado de base, o nível da água dentro dela teria atingido 2 mm de altura naquele dia. Para chegar a esse índice, as centenas de estações meteorológicas espalhadas pelo país utilizam um aparelho conhecido como pluviômetro”, diz o instituto.

Essa matemática fica mais fácil de ser compreendida quando é esclarecido que 1 milímetro de altura de água acumulado nessa caixa, com 1 metro quadrado de base, equivale a 1 litro.

Ou seja: 1 milímetro de chuva em 24 horas em uma certa localidade significa que, em cada metro quadrado dela, caiu 1 litro de água, o suficiente para fazer com que essas “caixas” tenham uma poça de 1 milímetro de altura em seu interior.

Recorde

Com essa conta na cabeça, é possível entender o volume de chuvas que caiu em episódios recentes e causaram transtornos ou desastres em cidades brasileiras.

O temporal mais intenso já registrado no Brasil caiu sobre o litoral paulista em fevereiro do ano passado. No município de Bertioga (SP), o índice chegou a 680 milímetros em 24 horas – 680 litros em cada metro quadrado ao longo de um dia.

Isso significa que, em um terreno de 20 metros quadrados nesta cidade, ao longo de um dia, caíram 680 litros de água em cada metro quadrado: a impressionante soma de 13,6 mil litros de água. Isso são mais de 13 caixas d’água de 1 mil litros sendo entornadas neste terreno.

No cotidiano, uma chuva que some mais 5 milímetros por hora já é considerada de intensidade moderada. Nesse terreno de 20 metros quadrados, essa chuva moderada molharia o solo com 100 litros de água por hora, e se durasse um dia inteiro, com 2,4 mil litros.