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Escola de Brasília denuncia racismo e preconceito durante jogo

A Escola Franciscana Nossa Senhora de Fátima, de Brasília, denunciou nesta sexta-feira (12) um caso de racismo contra alunos da instituição, ocorrido durante uma partida de futebol realizada no início do mês. Segundo a escola, durante o jogo, alunos do Colégio Galois, também da capital federal, proferiram palavras ofensivas aos estudantes da escola Fátima, como “macaco”, “filho de empregada” e “pobrinho”. Ambas são escolas privadas.

De acordo com a escola Nossa Senhora de Fátima, embora diversos responsáveis da outra escola estivessem presentes no local, não foi tomada nenhuma providência adequada no momento. “Os alunos agressores encontravam em sua maioria uniformizados, ou seja, estavam sob a guarda e responsabilidade do Colégio Galois que, neste caso, mostrou-se conivente com a situação humilhante e vexatória vivida pelos alunos da Escola Fátima”, diz em nota a diretora-geral da escola, Inês Alves Lourenço. 

A escola também defende que o preconceito racial e social não deve ter espaço em nenhum ambiente, especialmente em uma escola. “É inadmissível que em pleno século XXI, ainda tenhamos que presenciar atos tão repugnantes como os que foram direcionados aos nossos atletas”, disse a diretora, garantindo que os fatos narrados serão remetidos à coordenação do campeonato esportivo e à delegacia competente. 

O Colégio Galois considerou os fatos expostos de extrema seriedade e informou que não está inerte ao ocorrido. “Solidarizamo-nos profundamente com os alunos e a comunidade da Escola Franciscana Nossa Senhora de Fátima que se sentiram ofendidos e magoados”, disse em nota o diretor pedagógico, Angel Andres. 

Segundo o diretor, já foi iniciada investigação interna rigorosa sobre o caso. “Estamos comprometidos em não apenas identificar os envolvidos, mas também a aplicar medidas disciplinares e ampliar, ainda mais, ações educativas necessárias pertinentes. Mais uma vez, reiteramos que supostos comportamentos não representam nossos valores e que repudiamos veementemente qualquer forma de discriminação”. 

O deputado distrital Gabriel Magno (PT-DF), presidente da Comissão de Educação, Saúde e Cultura da Câmara Legislativa do Distrito Federal, informou que oficiou o Conselho de Educação do DF e irá acionar os órgãos competentes. “São inadmissíveis os atos racistas em qualquer espaço, principalmente nos espaços escolares, bem como a omissão dos responsáveis. É fundamental reforçamos compromisso com uma educação para os direitos humanos e antirracista”, disse o deputado nas redes sociais.

Formação integral 

Os termos utilizados pelos alunos para ofender os colegas falam não só sobre raça, mas também sobre classe social.  A avaliação é da professora Gina Vieira Ponte, licenciada em língua portuguesa e especialista em desenvolvimento humano, educação e inclusão escolar. 

“Neste caso específico, é preciso refletir sobre como para os estudantes ‘ser filho de empregada’ ou ‘pobrinho’ é algo de que alguém deveria se envergonhar, ou algo que torna alguém passível de ser desumanizado, humilhado ou constrangido”, disse à Agência Brasil.

Segundo ela, por trás deste discurso está a ideia de que acumular bens materiais e ostentá-los é o indicador de sucesso na vida.

A professora também aponta que as escolas deveriam priorizar a formação integral, democrática, cidadã e humanizadora, mas muitas vezes reduzem seu trabalho a treinamento para passar em provas.

Professora Gina Vieira Ponte – Marcelo Camargo/Arquivo Agência Brasil

“Treinar alguém para passar em uma prova específica é relativamente fácil. Formar um ser humano em uma perspectiva integral, crítica, cidadã, socialmente referenciada é algo bem mais complexo”, aponta, lembrando que, a depender das famílias destas crianças e adolescentes, o acesso aos discursos racistas começa em casa.

Embora existam leis que determinem a inclusão, no currículo das escolas, da história e cultura afro-brasileira, a professora acredita que não há vontade política para garantir o cumprimento dessa determinação, o que reflete também no apagão de iniciativas voltadas a formar profissionais da educação para que levem o tema para a organização do trabalho pedagógico. 

“É fundamental que a educação antirracista ou a educação para a promoção da equidade étnico-racial, não seja trabalhada de forma esporádica e episódica, com eventos que não se articulam com os conteúdos a serem ensinados, mas a partir de uma perspectiva de currículo integrado e integrador, que traga a educação em direitos humanos, com foco em promoção de equidade de raça transversal a todo o currículo, estruturando todos os conteúdos a serem ensinados e orientando todas as práticas e relações na escola”, diz Gina.

Entenda decisão de Moraes que incluiu Musk em investigação no STF

A decisão do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), de incluir o multibilionário Elon Musk nas investigações das milícias digitais, está fundamentada e deve ser compreendida em um contexto de ameaças às instituições e da suposta tentativa de golpe de Estado envolvendo o 8 de janeiro. O entendimento é de duas juristas entrevistadas pela Agência Brasil.  

Após ser atacado por Musk, Moraes incluiu o dono da plataforma X, antigo Twitter, no inquérito que investiga os supostos grupos criminosos que se articulariam na internet para promover ataques às eleições e às instituições brasileiras. No último fim de semana, iniciou uma cruzada contra o Judiciário brasileiro personificado no ministro Moraes.

Illustration shows Elon Musk’s photo and Twitter logo – REUTERS/Dado Ruvic /Direitos reservados

O também dono da Tesla, uma das principais fabricantes de veículos elétricos do mundo, acusa o magistrado de censurar a plataforma e repete o discurso de parte dos investigados pelo dia 8 de janeiro. De acordo com essa tese, o Brasil viveria uma onda de cerceamento da liberdade de expressão.

A professora de direito constitucional da Universidade Estadual de Pernambuco (UPE), Flávia Santiago, destacou que não existe, em nenhuma democracia do mundo, uma liberdade de expressão ilimitada e, por atuar dentro do Brasil, a plataforma está sujeita às leis e decisões judiciais do país.

“Cada democracia estabelece os seus limites. A democracia brasileira tem limites e um deles é não pôr em dúvida as próprias instituições democráticas. Isso faz parte da nossa proposta de democracia que está na Constituição de 1988”, explicou.

Os perfis suspensos que Musk defende estão envolvidos nos inquéritos que apuram crimes como a abolição violenta do Estado democrático de direito, que está tipificado na Lei 14.197 de 2021.

A professora Flávia Santiago acrescentou que a decisão de Moraes está nesse contexto de ameaças às instituições, situação que tornou o STF mais reativo. 

Professora de direito constitucional da Universidade Estadual de Pernambuco (UPE), Flávia Santiago. Foto: Arquivo Pessoal

“A gente tem, por isso, um tribunal sob pressão. Temos ainda o poder de mobilização desses discursos em relação à população e aos interessados, aos grupos políticos envolvidos, em especial quando você está tensionando as instituições. É isso que eles estão fazendo e o Supremo está numa situação muito difícil. Ele se tornou o fiador das instituições democráticas, que é o as cortes constitucionais fazem”, afirmou.

Não é a primeira vez que o bilionário Elon Musk se manifesta diretamente sobre a política interna de países da América do Sul. Em julho 2020, em um debate no “X” sobre a acusação de que os Estados Unidos estariam por trás da destituição do presidente boliviano Evo Morales, ocorrida em 2019, Musk afirmou: “vamos dar golpe em quem quisermos! Lide com isso”.

Conexão com milícias

A advogada Tereza Mansi, da Associação Brasileira de Juristas Pela Democracia (ABJD), também avalia que a decisão de Moraes está fundamentada uma vez que ele tipifica os possíveis crimes praticados pelo dono do “X”, entre eles, obstrução de justiça, desobediência a decisões judiciais e incitação ao crime.

“A atuação dele reforça a conexão entre as milícias digitais e as plataformas digitais. Porque poderia ser o contrário. Ele poderia estar trabalhando para coibir essas condutas dentro da plataforma e ele está fazendo o inverso”, comentou.

Para a jurista, ao afirmar que não respeitará a decisão judicial, o que é crime de acordo com o artigo 330 do Código Penal, ele está incentivando as pessoas a continuarem promovendo a ruptura democrática na internet.  

“Se eles tiveram aquela pena de conta suspensa e ele [Musk], arbitrariamente, reativa essas contas, ele está sim incentivando as pessoas a continuarem cometendo crimes. Há essa conexão (entre o pronunciamento do Musk e os crimes investigados pelo STF)”, completou Mansi. 

Ainda segundo a especialista, a liberdade de expressão, no Brasil, não permite discurso de ódio, discriminação, racismo ou notícias falsas que coloquem em risco a democracia. “Como a gente não tem censura prévia, a pessoa pode até falar, mas ela vai arcar com as consequências das falas dela posteriormente”, acrescentou.

Desafio à Constituição

Em nota, a ABJD afirmou que a atitude do bilionário representa um grave desafio à ordem constitucional e à independência do Poder Judiciário, além de configurar ingerência estrangeira nos assuntos internos do Brasil.

“Em um contexto em que a disseminação de informações é um elemento essencial para o funcionamento saudável da democracia, é imperativo que a circulação dessas informações seja regida por princípios democráticos e éticos”, diz a entidade.

A coordenadora da Executiva Nacional da ABJD, Tereza Mansi, relembrou que os perfis já estavam suspensos há algum tempo e que a plataforma do Musk tem participado dos grupos de trabalho no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) para encontrar formas de combater a desinformação que coloque em risco a integridade do processo eleitoral brasileiro. 

Coordenadora da Executiva Nacional ABJD, Tereza Mansi. Foto: Arquivo Pessoal

 

“O ‘X’ têm participado das discussões de como coibir a instrumentalização criminosa que vem acontecendo nas redes sociais. Porque é através dela que as pessoas se organizam e se organizaram, por exemplo, pelo 8 de janeiro”, completou.

A ABJD lembrou ainda que Musk enfrenta acusações de permitir a circulação do discurso de ódio na plataforma X. “Relatos de crescimento de conteúdo racista e extremista desde que assumiu a direção da rede social X levantam sérias questões sobre seu compromisso com valores democráticos fundamentais”, acrescentou.

De acordo com o Centro de Combate ao Ódio Digital (CCDH), aumentou em 202% a média diária de publicações com palavras racistas e 58% a com termos homofóbicos se comparado com antes da aquisição da plataforma pelo multibilionário. Musk processou o CCDH nos Estados Unidos alegando que os relatórios são falsos, mas perdeu a ação na 1ª instância. O “X” prometeu recorrer.  

Regulação das plataformas

O ataque de Musk contra Moraes reacendeu o debate, no Brasil, da regulação das plataformas. Lideranças ligadas ao governo federal argumentam que a medida é necessária para disciplinar melhor o funcionamento desses ambientes digitais no Brasil. O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PDS-MG), acrescentou que a regulamentação é inevitável. 

O tema chegou a ser pautado no ano passado. De acordo com o presidente da Câmara, deputado Arthur Lira (PP-AL), mas não avançou por pressão das grandes empresas de tecnologia, as chamadas big techs.

Por outro lado, a acusação de Musk reacendeu as críticas da oposição à condução das investigações sobre o 8 de janeiro. Lideranças oposicionistas da Câmara e do Senado se reuniram para discutir estratégias de atuação no Parlamento.

Por unanimidade, STF diz que Forças Armadas não são “poder moderador”

Por 11 votos a zero, os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) esclareceram que a Constituição não permite, às Forças Armadas o papel de “poder moderador” no país, tese alardeada pelo ex-presidente Jair Bolsonaro, usada como argumento para justificar uma eventual intervenção militar no caso de haver conflitos entre os Três Poderes – Executivo, Legislativo e Judiciário.

A decisão decorre de uma ação protocolada em 2020 pelo PDT para impedir que o Artigo 142 da Constituição seja utilizado para justificar o uso das Forças Armadas para interferir no funcionamento das instituições democráticas.

Em junho de 2020, o relator do caso, ministro Luiz Fux, concedeu liminar para confirmar que o Artigo 142 não autoriza intervenção das Forças Armadas nos Três Poderes. Pelo texto do dispositivo, os militares estão sob autoridade do presidente da República e se destinam à defesa de pátria e à garantia dos poderes constitucionais.

Segundo Fux, o poder das Forças Armadas é limitado e exclui qualquer interpretação que permita a intromissão no funcionamento dos Três Poderes e não pode ser usado pelo presidente da República contra os poderes.

“A missão institucional das Forças Armadas na defesa da pátria, na garantia dos poderes constitucionais e na garantia da lei e da ordem não acomoda o exercício de poder moderador entre os poderes Executivo, Legislativo e Judiciário”, afirmou o relator.

60 anos do golpe: como Estados Unidos apoiaram os militares

“Espero que você esteja tão feliz em relação ao Brasil quanto eu estou”, sugeriu Thomas Mann, ao telefone.
 
“Eu estou”, respondeu  Lyndon  Johnson, do outro lado da linha.
 
“Creio que essa seja a coisa mais importante que aconteceu no hemisfério em três anos”, destacou Mann.
 
“Espero que eles nos deem algum crédito em vez de inferno”, devolveu Johnson.
 
A conversa telefônica aconteceu no dia 3 de abril de 1964. De um lado da linha estava o subsecretário de Estado para Assuntos Interamericanos dos Estados Unidos, Thomas Mann. Do outro, ninguém menos que o presidente norte-americano, Lyndon Johnson.

O assunto, como dá para inferir pela data em que ocorreu a ligação, era o golpe civil-militar que havia ocorrido poucos dias antes, no Brasil. O diálogo demonstra, ao mesmo tempo, a satisfação da administração norte-americana com a derrubada do governo de João Goulart e a implícita ideia de que os EUA participaram do golpe.

Autor de um livro sobre o papel dos EUA na desestabilização do governo Jango, o professor da Universidade de São Paulo (USP) Felipe Pereira Loureiro lembra que, na época, o mundo vivia a Guerra Fria, um embate ideológico entre o bloco capitalista, liderado pelos norte-americanos, e o bloco comunista, capitaneado pela União Soviética, hoje extinta.

O modelo soviético tinha recentemente fincado pé na América Latina, região historicamente influenciada pelos Estados Unidos, através da revolução cubana, em 1959. E os norte-americanos temiam a expansão dos ideais comunistas para o resto do continente. 

O destino do Brasil, maior país da América Latina, era, portanto, uma preocupação da administração norte-americana.

“O governo João Goulart era um governo que se colocava como reformista. Mas havia uma dúvida dentro do governo Kennedy, e isso vai se manter no governo Johnson, sobre até que ponto esse reformismo do governo Goulart poderia se transformar, com o tempo, em algo mais radical, que saísse do controle”, explica Loureiro.

João Goulart havia sido vice-presidente nos governos Juscelino Kubitschek e Jânio Quadros e assumiu a presidência em 1961, depois da renúncia de Quadros. Apesar de ser um empresário do ramo agropecuário, Jango não era bem visto pela cúpula militar, devido a suas ligações passadas com Getúlio Vargas e a suas propostas de reformas sociais.

Goulart propunha, entre outras medidas, a reforma agrária, a subordinação de instituições financeiras a um Banco Central, a reforma tributária e a permissão do voto aos analfabetos e militares de baixa patente.

Quadros renunciou em 1961, enquanto Goulart estava em viagem oficial ao exterior. Os ministros militares não queriam que Jango assumisse a presidência, o que gerou um impasse e um racha nas Forças Armadas. A solução foi a implantação de um regime parlamentarista no Brasil, para que o novo presidente fosse aceito.

O historiador norte-americano James Green, da Universidade Brown, coordena o projeto Opening the Archives, que busca documentar as relações entre Brasil e EUA entre as décadas de 60 e 80. Segundo ele, houve um erro de leitura do Departamento de Estado americano em relação às intenções de Goulart.

60 anos do golpe: Jango (a direita) e o embaixador dos Estados Unidos, Lincoln Gordon – Foto: Arquivo Nacional

“O embaixador [dos EUA no Brasil na época] Lincoln Gordon chegou em 61, justamente na transição de governo entre Jânio Quadros e João Goulart, com a missão de acompanhar, no Brasil, entre o Departamento de Estado e as pessoas que acompanham a América Latina, de que o Brasil poderia ser a próxima Cuba, de que poderia haver uma revolução socialista que levasse ao comunismo e um governo contra os Estados Unidos”, afirma Green.

Havia, dentro do Departamento de Estado norte-americano, uma preocupação que João Goulart se aproximasse dos comunistas e desse um golpe de Estado. “Então Lincoln Gordon tinha a clara indicação de evitar uma possível revolução socialista, uma mudança radical no governo”.

Goulart mantinha boas relações com Cuba e havia se posicionado de forma contrária ao embargo econômico ao regime de Fidel Castro. Além disso, algumas expropriações de empresas americanas no Brasil desagradaram a Washington.

A transcrição de um encontro de Gordon com Kennedy, em julho de 1962, mostra que os EUA já temiam os rumos que seriam tomados pelo governo Jango e cogitavam reduzir os poderes do presidente brasileiro ou até mesmo retirá-lo da presidência. Também já havia planos de fortalecer o poder dos militares. Havia conversas para investir US$ 1 milhão nas eleições parlamentares brasileiras daquele ano para apoiar candidatos opositores de Goulart.

Nessa mesma reunião, definiu-se que Gordon contaria com a ajuda de Vernon Walters para estabelecer uma boa relação com os militares brasileiros. Walters havia servido como homem de ligação entre as Forças Expedicionárias Brasileiras (FEB) e o Comando do Exército americano na campanha da Itália, durante a Segunda Guerra Mundial, e seria apontado como adido militar na embaixada dos EUA no Brasil.

“Walters foi chamado por Gordon para assessorá-lo nas relações com as Forças Armadas brasileiras. A missão de Walters era juntar as várias conspirações que já estavam fervendo dentro das Forças Armadas [brasileiras] e uni-las em uma conspiração única. Ele foi muito importante em dar unidade nas Forças Armadas brasileiras e de mostrar que os americanos iam apoiar o golpe”, afirma Green.

Pelo menos desde 1974, quando os primeiros documentos secretos foram tornados públicos, já se sabia do papel dos Estados Unidos no golpe.

“Os EUA ajudaram a orquestrar toda uma operação não declarada de desestabilização do governo João Goulart, sob a forma de financiamento da oposição nas eleições de 1962, no suporte a governadores críticos ao governo e fomentando a propaganda política oposicionista. Houve contribuição efetiva, portanto, na conspiração para derrubar o governo. Além disso, já ocorriam, há anos, programas de treinamento de forças policiais e militares nos EUA, ou no Brasil, por oficiais estadunidenses”, explica a pesquisadora da Universidade do Estado de Santa Catarina (Udesc) Mariana Joffily.

Além de estimular manifestações contrárias a Jango, havia um plano pronto para ser executado, caso os militares brasileiros não conseguissem derrubar o presidente. Chamado de operação Brother Sam, o plano previa o uso de apoio militar norte-americano aos golpistas para garantir que um novo regime fosse implantado.

Em 27 de março de 1964, o embaixador Lincoln Gordon enviou um telegrama a diversas autoridades americanas solicitando o envio imediato de embarcações, para garantir, aos oposicionistas de Jango, combustível e suprimentos. No mesmo documento, Gordon sugere a entrega clandestina de armas aos golpistas.

60 anos do Golpe – João Goulart e Lincoln Gordon. Foto: Arquivo Nacional

Segundo o embaixador, o golpe estava próximo de ocorrer. Documentos da Agência Central de Inteligência (CIA) americana também informam a iminência da movimentação dos militares.

“Havia um temor muito grande de que comunistas pudessem ter se infiltrado em postos estratégicos na Petrobras e que, sem combustível, tanques, caminhões, veículos militares não teriam como circular pelo país. Então, havia uma preocupação muito grande com o petróleo. Portanto, há uma promessa efetiva da embaixada norte-americana às principais lideranças golpistas, de apoio logístico, sobretudo petróleo”, explica Felipe Loureiro.

O pesquisador ressalta que a chegada de uma força naval também teria um efeito psicológico, ainda que ela não atacasse necessariamente as facções resistentes ao golpe. Os americanos, àquela altura, esperavam uma dissidência nas Forças Armadas e, portanto, uma guerra civil.

No dia 31 de março, um telegrama enviado pelo secretário de Estado norte-americano Dean Rusk a Gordon informava sobre a mobilização de um navio-tanque, de um porta-aviões, quatro destroieres, além de 110 toneladas de armas, dez aviões de carga e seis caças.

As forças golpistas brasileiras, chamadas de “forças amigas” por Gordon, acabaram colocando seu plano em movimento naquele mesmo dia, com a mobilização de tropas em um quartel de Juiz de Fora (MG) pelo general Olímpio Mourão Filho.

Na tarde de 31 de março, o subsecretário de Estado dos EUA, George Ball, e Thomas Mann ligaram para o presidente Lyndon Johnson, e falaram sobre o golpe em andamento em Minas Gerais. Eles reforçaram a necessidade de garantir apoio logístico aos golpistas, mas ainda se mostravam indecisos, sob que rumo a revolta contra Goulart tomaria.

“Penso que devemos dar todos os passos que pudermos, estar preparados para fazer tudo o que for necessário, tal como fizemos no Panamá, se isso for viável”, Lyndon Johnson orientou.

Novo Governo

No dia 1º, parte da ajuda americana já estava a caminho do Brasil. Naquele dia, o golpe ganharia força com o passar das horas e, à noite, Jango deixaria Brasília rumo a Porto Alegre. Os EUA ainda se mantinham cautelosos, evitando se expor para não dar, a Jango, um pretexto “anti-yankee” para angariar apoio.

No dia 2 de abril, a força naval continuava a caminho do Brasil, devido ao receio de que o deputado federal Leonel Brizola, cunhado de Jango, liderasse uma resistência no Rio Grande do Sul e que as refinarias como a Reduc (Duque de Caxias) permanecessem controladas pelos “commies” (gíria americana para “comunistas”).

O presidente da Câmara dos Deputados, Ranieri Mazzilli, havia assumido a presidência da República temporariamente, depois de o Senado ter declarado a vacância do cargo, mesmo com Jango ainda em território nacional. Os EUA esperavam que o Congresso ou a Suprema Corte brasileiros legitimassem a autoridade de Mazzilli, por isso ainda se mantinham cautelosos em reconhecer o novo governo.

A transcrição de um encontro do Conselho de Segurança Nacional norte-americano, ao meio-dia de 2 de abril, mostra um Lyndon Johnson preocupado com a situação de Mazzilli, já que ele ainda possuía minoria no Congresso para reconhecê-lo como presidente.

O secretário de Estado Dean Rusk responde, então, que o embaixador Gordon estava usando os recursos à sua disposição para encorajar os deputados brasileiros a reconhecer Mazzilli como presidente da República.

Mais tarde, chegam informações, incorretas, de que Jango havia deixado o Brasil rumo ao Uruguai. Naquele mesmo dia, mesmo sem ter a certeza de que Goulart havia saído do Brasil ou os deputados votarem a favor de Mazzilli, os norte-americanos decidiram reconhecer o governo dos golpistas, sob orientação do embaixador Gordon.

Lyndon Johnson então autoriza o envio de um telegrama em que ele deseja sucesso a Mazzilli e parabeniza a “comunidade brasileira” por resolver as dificuldades políticas e econômicas que o Brasil “vinha enfrentando” de acordo com “a democracia constitucional e sem conflitos civis”. A operação Brother Sam, portanto, não chega a ser colocada em prática e os navios retornam ao porto, no Caribe.

Golpe sem EUA

A historiadora Mariana Jofilly diz que é difícil afirmar se o golpe ocorreria mesmo sem o apoio dos EUA, mas afirma que receber o aval de uma grande potência foi importante para que os golpistas levassem, à frente, seu plano de derrubar Jango.

“Não foi apenas o Brasil que se certificou do apoio dos EUA antes de partir para a derrubada de um presidente democraticamente eleito. Isso aconteceu também no Chile e na Argentina. Na época, fazia parte da agenda golpista a obtenção do apoio dos EUA. A garantia de que o novo governo seria reconhecido e legitimado pela grande potência e que o novo poder instituído seguiria recebendo financiamento estadunidense não era um item do qual se pudesse abrir mão”, pondera Mariana Joffily.

James Green diz que os brasileiros seriam capazes de derrubar Jango mesmo sem o apoio dos EUA e que outros golpes de Estado já haviam ocorrido no Brasil antes de 1964, mesmo sem a ajuda norte-americana.

“Os brasileiros são muito capazes de dar golpes de Estado. Pode-se dizer que haviam americanos envolvidos [no golpe de 64], mas a questão principal foram as Forças Armadas brasileiras e a elite brasileira, que queriam manter controle sobre a situação político-social que estava fugindo de seu controle. O apoio americano deu mais determinação, foi fundamental para a luz verde”, afirma o brasilianista.

Procurada pela Agência Brasil, a Embaixada dos Estados Unidos, por meio da assessoria de imprensa, afirmou que o presidente norte-americano Joe Biden tem expressado, publicamente e em conversas privadas, o apoio do país às instituições democráticas brasileiras, incluindo “o sistema eleitoral, a transferência pacífica de poder e a autoridade civil sobre as Forças Armadas”. 

“Ambas as nações reconhecem a importância de se posicionar contra o extremismo político, a violência, o discurso de ódio e a desinformação que possam prosperar em sociedades democráticas”, destacou a representação diplomática norte-americana.  

Em junho de 2014, Joe Biden, então vice-presidente na gestão Barack Obama, entregou ao governo brasileiro 43 documentos produzidos por autoridades norte-americanas entre os anos de 1967 e 1977. Os relatórios detalham informações sobre censura, tortura e assassinatos cometidos pelo regime militar no Brasil.

Público infantojuvenil vota propostas sobre os próprios direitos

Os delegados da 12ª Conferência Nacional dos Direitos das Crianças e dos Adolescentes (12ª CNDCA), realizada em Brasília (DF), debateram e votaram, nesta quinta-feira (4), as propostas de ações que podem servir de base para elaboração de políticas públicas de enfrentamento às consequências da pandemia de covid-19, que atingiram mais fortemente crianças e adolescentes, além da restituição desses direitos pós-pandemia.

As conferências têm como principal marca a participação social. Neste espaço de discussões na 12ª CNDCA, as articulações coletivas foram feitas diretamente pelo público infantojuvenil. As crianças e adolescentes tiveram direito de participar da conferência nacional na condição de delegados para analisar as 596 propostas aprovadas nas 27 etapas estaduais e distrital e levadas para o encontro nacional.

A presidente do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda), Marina de Pol Poniwas, exaltou a participação democrática que considera as opiniões desta faixa etária da sociedade. “É a volta do país democrático, de fato, que prioriza a participação social e, especialmente, deixa de ser adultocêntrico e entende o quanto crianças e adolescentes precisam ser protagonistas da construção de políticas públicas no nosso país a eles destinadas.”

Marina Poniwa, durante a 12ª Conferência Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescentes – Jose Cruz/Agência Brasil

Outro conselheiro do Conanda, o representante da Confederação Nacional dos Trabalhadores Rurais, Agricultores e Agricultoras Familiares, Antônio Lacerda Souto, fala sobre este momento. “Jamais poderíamos fazer uma conferência de crianças e adolescentes sem os sujeitos de direito estarem aqui, construindo e defendendo suas propostas. Para aquelas propostas polêmicas, eles mesmos vêm aqui defender ou renunciá-las.”

Nada sobre nós, sem nós

A 12ª CNDCA com duração de 2 a 4 de abril de 2024 permitiu que no momento de tomada de decisão, crianças e adolescentes munidos de um aparelho eletrônico pendurado no pescoço declarassem seu voto a favor de cada proposta numerada com objetivo de dar transparência e agilidade no processo de votação. 

12ª Conferência Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescentes. Foto: Jose Cruz/Agência Brasil – Jose Cruz/Agência Brasil

A estudante de Buriticupu no Maranhão, Raíssa Dias Lima, de 16 anos, é uma das 1,3 mil participantes da conferência e bate na tecla de que é vital que os adolescentes estejam em espaços que vão deliberar sobre os seus próprios direitos. Raíssa repetiu a frase que está estampada em cartazes pendurados em toda a 12ª Conferência Nacional dos Direitos das Crianças e dos Adolescentes: Nada sobre nós, sem nós.

“Crianças e adolescentes têm realmente que participar desses espaços que discutem coisas que vão impactar diretamente na vida deles. Todos aqui têm que demonstrar suas opiniões, têm que dar suas ideias. Então, sempre vai ser sobre: Nada para nós, sem nós”, enfatiza a ativista.

Durante toda a manhã desta quinta-feira, adolescentes formaram filas na plenária final para defender propostas ao microfone para fechar o texto que servirá para elaborar conjuntamente políticas públicas. Uma das jovens que subiu no palco para pedir mais orçamento público para garantia de direitos de adolescentes foi a indígena de 17 anos, Thaís Hellen Silva, identificada por seu nome indígena – Aimara Pitaguary. A liderança jovem que saiu de Pacatuba, município próximo a Fortaleza (CE) avisou que os jovens não devem ser subestimados.

“Vim aqui para demarcar espaço como indígena e mostrar, também, que nós, adolescentes, sabemos debater política pública para dentro dos nossos territórios e que não somos leigos, como muita gente acha. Conhecemos nossos direitos, nossas garantias. Subir nesse palco é uma forma de resistência, uma maneira de mostrar que nós, adolescentes, estamos presentes e sabemos defender políticas públicas para nossos estados, para o nosso país”.

Aimara Pitaguary defende que jovens não deve ser subestimados- Jose Cruz/Agência Brasil

Quem rivalizou nas discussões sobre orçamento público para que os delegados presentes escolhessem o melhor argumento foi o estudante de Artur Caldeira Nascimento, de 13 anos, morador de Vitória (ES) e estudante do 8º ano do Ensino Fundamental. Artur Caldeira se destaca entre os demais delegados, desde a etapa estadual da conferência, e foi bastante aplaudido. Artur acredita que estes momentos de embate são necessários e saudáveis.

“É muito bom a gente incentivar as crianças e adolescentes a se interessarem por estes assuntos para a gente conseguir criar políticas públicas de alta qualidade para todos os públicos, não só para nós, as crianças adolescentes, mas para os idosos, para os adultos e todos os outros públicos que precisam de políticas públicas, nacionais, estaduais e municipais. E precisa de dinheiro para isso e eu gosto muito de economia”.

 Artur Caldeira se destaca entre os demais delegados, desde a etapa estadual da conferência – Jose Cruz/Agência Brasil

Uma das mais jovens delegadas da conferência nacional é a Renata de Jesus de Santana, 11 anos, A estudante do 5ºano do ensino fundamental tomou nota das falas da conferência em um caderninho para não esquecer de nada que levará para sua cidade, Malhador (SE).

“Quero que todas as crianças sejam bem educadas e que cuidem bem dessas crianças, mesmo que muitos adultos ajam como se nós não pudéssemos ter direitos.”

Renata de Jesus Santana anotou todas as falas importantes em um caderninho para não esquecer Jose Cruz/Agência Brasil

Adultos

Os delegados infantojuvenis estiveram acompanhados de pais e de representantes de conselhos municipais dos direitos da Criança e do Adolescente. No caso da Renata de Jesus de Santana, a presidente do conselho municipal Caroline Santos fez questão de estar na capital federal para reforçar o que foi decidido primeiramente pelos participantes locais. “São participações muito importantes porque, por muito tempo, essa faixa etária não foi ouvida, não dão voz a essas crianças, aos adolescentes. Mas, eles têm sim o que falar. São experiências vivenciadas por eles, que podem compartilhar e falar o que é melhor para eles próprios.” 

O advogado de Vitória de Santo Antão (PE) Leonardo Araújo, de 27 anos, concorda que o momento é de volta da participação popular, após a última conferência nacional, realizada ainda em 2019. “É o retorno à reconstrução de uma política tão importante para o nosso país. Uma política que atenda aquele que realmente está na ponta, precisando, que são as nossas crianças e os nossos adolescentes.”

Leonardo Filipe defende que o momento é de volta da participação popular. Foto: Jose Cruz/Agência Brasil – Jose Cruz/Agência Brasil

O ativista pelos direitos de pessoas negras e pretas, morador de Guaianases, zona leste da cidade de São Paulo, Júlio Cezar de Andrade, acompanhou os debates sobre orçamento para financiamento de políticas de proteção integral dos direitos da criança e adolescente. “Nós estamos aqui para reconstruir uma política de proteção integral em memória às várias infâncias, e das mortes dos corpos baleados todos os dias pelas polícias, que são de crianças periféricas, pretas e negras, majoritariamente. Por conta desse desafio, queremos uma política de promoção, proteção e defesa e controle social para criança e adolescente que seja antirracista, anticapacitista e antiLGBTtransfóbica.”

Garantia de direitos

A 12ª CNDCA foi convocada pelo Conanda e tem como tema central a situação dos direitos humanos de crianças e adolescentes em tempos de pandemia pela covid-19: violações e vulnerabilidades, ações necessárias para reparação e garantia de políticas de proteção integral, com respeito à diversidade.

A organização da conferência considera importante enfrentar os reflexos da pandemia da covid19 na vida das crianças, adolescentes e suas famílias, com respeito à diversidade, em aspectos socioeconômicos, além de saúde, educação, recreação e até em temas políticos, culturais e históricos. Entre os temas votados nesta quinta-feira estiveram o trabalho infantil, a exploração sexual deste público, o ensino integral obrigatório e suas consequências, a migração de famílias do meio rural para as periferias urbanas, orçamento para promoção de direitos, entre outros.

A presidente do Conanda, Marina de Pol Poniwas diz acreditar que os avanços obtidos com a conferência serão percebidos pela população. “Temos muitos desafios com todas as questões que ocorreram durante a pandemia, como violações de direitos de crianças e adolescentes, mas a gente vai avançar muito com a participação deles nesse processo.”

O conselheiro do Conanda Antônio Lacerda Souto, que acompanhou todo o processo da conferência nacional, nestes dias, em Brasília, ao fazer um balanço do evento, admite que a conferência cumpre a proposta de construir proposições que vão fundamentar políticas públicas em prol da garantia do direito de crianças e adolescentes no Brasil.

12ª Conferência Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescentes Jose Cruz/Agência Brasil

A conferência adotou cinco eixos temáticos.

1 – Promoção e garantia dos direitos humanos de crianças e adolescentes no contexto pandêmico e pós pandemia;

2 – Enfrentamento das violações e vulnerabilidades resultantes da pandemia de covid-19;

3 – Ampliação e consolidação da participação de crianças e adolescentes nos espaços de discussão e deliberação de políticas públicas de promoção, proteção e defesa dos seus direitos, durante e após a pandemia

4 – Participação da sociedade na deliberação, execução, gestão e controle social de políticas públicas de promoção, proteção e defesa dos direitos de crianças e adolescentes considerando o cenário pandêmico;

5 – Garantia de recursos para as políticas públicas voltadas para crianças e adolescentes durante e após a pandemia de covid-19.

O evento foi realizado pelo Conanda em parceria com a Secretaria Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania e contou com o apoio pela Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais Sede Brasil (Flacso Brasil) e da Organização dos Estados Ibero-americanos para a Educação, a Ciência e a Cultura (OEI).

Público infantojuvenil vota propostas sobre os próprios direitos

Os delegados da 12ª Conferência Nacional dos Direitos das Crianças e dos Adolescentes (12ª CNDCA), realizada em Brasília (DF), debateram e votaram, nesta quinta-feira (4), as propostas de ações que podem servir de base para elaboração de políticas públicas de enfrentamento às consequências da pandemia de covid-19, que atingiram mais fortemente crianças e adolescentes, além da restituição desses direitos pós-pandemia.

As conferências têm como principal marca a participação social. Neste espaço de discussões na 12ª CNDCA, as articulações coletivas foram feitas diretamente pelo público infantojuvenil. As crianças e adolescentes tiveram direito de participar da conferência nacional na condição de delegados para analisar as 596 propostas aprovadas nas 27 etapas estaduais e distrital e levadas para o encontro nacional.

A presidente do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda), Marina de Pol Poniwas, exaltou a participação democrática que considera as opiniões desta faixa etária da sociedade. “É a volta do país democrático, de fato, que prioriza a participação social e, especialmente, deixa de ser adultocêntrico e entende o quanto crianças e adolescentes precisam ser protagonistas da construção de políticas públicas no nosso país a eles destinadas.”

Marina Poniwa, durante a 12ª Conferência Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescentes – Jose Cruz/Agência Brasil

Outro conselheiro do Conanda, o representante da Confederação Nacional dos Trabalhadores Rurais, Agricultores e Agricultoras Familiares, Antônio Lacerda Souto, fala sobre este momento. “Jamais poderíamos fazer uma conferência de crianças e adolescentes sem os sujeitos de direito estarem aqui, construindo e defendendo suas propostas. Para aquelas propostas polêmicas, eles mesmos vêm aqui defender ou renunciá-las.”

Nada sobre nós, sem nós

A 12ª CNDCA com duração de 2 a 4 de abril de 2024 permitiu que no momento de tomada de decisão, crianças e adolescentes munidos de um aparelho eletrônico pendurado no pescoço declarassem seu voto a favor de cada proposta numerada com objetivo de dar transparência e agilidade no processo de votação. 

12ª Conferência Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescentes. Foto: Jose Cruz/Agência Brasil – Jose Cruz/Agência Brasil

A estudante de Buriticupu no Maranhão, Raíssa Dias Lima, de 16 anos, é uma das 1,3 mil participantes da conferência e bate na tecla de que é vital que os adolescentes estejam em espaços que vão deliberar sobre os seus próprios direitos. Raíssa repetiu a frase que está estampada em cartazes pendurados em toda a 12ª Conferência Nacional dos Direitos das Crianças e dos Adolescentes: Nada sobre nós, sem nós.

“Crianças e adolescentes têm realmente que participar desses espaços que discutem coisas que vão impactar diretamente na vida deles. Todos aqui têm que demonstrar suas opiniões, têm que dar suas ideias. Então, sempre vai ser sobre: Nada para nós, sem nós”, enfatiza a ativista.

Durante toda a manhã desta quinta-feira, adolescentes formaram filas na plenária final para defender propostas ao microfone para fechar o texto que servirá para elaborar conjuntamente políticas públicas. Uma das jovens que subiu no palco para pedir mais orçamento público para garantia de direitos de adolescentes foi a indígena de 17 anos, Thaís Hellen Silva, identificada por seu nome indígena – Aimara Pitaguary. A liderança jovem que saiu de Pacatuba, município próximo a Fortaleza (CE) avisou que os jovens não devem ser subestimados.

“Vim aqui para demarcar espaço como indígena e mostrar, também, que nós, adolescentes, sabemos debater política pública para dentro dos nossos territórios e que não somos leigos, como muita gente acha. Conhecemos nossos direitos, nossas garantias. Subir nesse palco é uma forma de resistência, uma maneira de mostrar que nós, adolescentes, estamos presentes e sabemos defender políticas públicas para nossos estados, para o nosso país”.

Aimara Pitaguary defende que jovens não deve ser subestimados- Jose Cruz/Agência Brasil

Quem rivalizou nas discussões sobre orçamento público para que os delegados presentes escolhessem o melhor argumento foi o estudante de Artur Caldeira Nascimento, de 13 anos, morador de Vitória (ES) e estudante do 8º ano do Ensino Fundamental. Artur Caldeira se destaca entre os demais delegados, desde a etapa estadual da conferência, e foi bastante aplaudido. Artur acredita que estes momentos de embate são necessários e saudáveis.

“É muito bom a gente incentivar as crianças e adolescentes a se interessarem por estes assuntos para a gente conseguir criar políticas públicas de alta qualidade para todos os públicos, não só para nós, as crianças adolescentes, mas para os idosos, para os adultos e todos os outros públicos que precisam de políticas públicas, nacionais, estaduais e municipais. E precisa de dinheiro para isso e eu gosto muito de economia”.

 Artur Caldeira se destaca entre os demais delegados, desde a etapa estadual da conferência – Jose Cruz/Agência Brasil

Uma das mais jovens delegadas da conferência nacional é a Renata de Jesus de Santana, 11 anos, A estudante do 5ºano do ensino fundamental tomou nota das falas da conferência em um caderninho para não esquecer de nada que levará para sua cidade, Malhador (SE).

“Quero que todas as crianças sejam bem educadas e que cuidem bem dessas crianças, mesmo que muitos adultos ajam como se nós não pudéssemos ter direitos.”

Renata de Jesus Santana anotou todas as falas importantes em um caderninho para não esquecer Jose Cruz/Agência Brasil

Adultos

Os delegados infantojuvenis estiveram acompanhados de pais e de representantes de conselhos municipais dos direitos da Criança e do Adolescente. No caso da Renata de Jesus de Santana, a presidente do conselho municipal Caroline Santos fez questão de estar na capital federal para reforçar o que foi decidido primeiramente pelos participantes locais. “São participações muito importantes porque, por muito tempo, essa faixa etária não foi ouvida, não dão voz a essas crianças, aos adolescentes. Mas, eles têm sim o que falar. São experiências vivenciadas por eles, que podem compartilhar e falar o que é melhor para eles próprios.” 

O advogado de Vitória de Santo Antão (PE) Leonardo Araújo, de 27 anos, concorda que o momento é de volta da participação popular, após a última conferência nacional, realizada ainda em 2019. “É o retorno à reconstrução de uma política tão importante para o nosso país. Uma política que atenda aquele que realmente está na ponta, precisando, que são as nossas crianças e os nossos adolescentes.”

Leonardo Filipe defende que o momento é de volta da participação popular. Foto: Jose Cruz/Agência Brasil – Jose Cruz/Agência Brasil

O ativista pelos direitos de pessoas negras e pretas, morador de Guaianases, zona leste da cidade de São Paulo, Júlio Cezar de Andrade, acompanhou os debates sobre orçamento para financiamento de políticas de proteção integral dos direitos da criança e adolescente. “Nós estamos aqui para reconstruir uma política de proteção integral em memória às várias infâncias, e das mortes dos corpos baleados todos os dias pelas polícias, que são de crianças periféricas, pretas e negras, majoritariamente. Por conta desse desafio, queremos uma política de promoção, proteção e defesa e controle social para criança e adolescente que seja antirracista, anticapacitista e antiLGBTtransfóbica.”

Garantia de direitos

A 12ª CNDCA foi convocada pelo Conanda e tem como tema central a situação dos direitos humanos de crianças e adolescentes em tempos de pandemia pela covid-19: violações e vulnerabilidades, ações necessárias para reparação e garantia de políticas de proteção integral, com respeito à diversidade.

A organização da conferência considera importante enfrentar os reflexos da pandemia da covid-19 na vida das crianças, adolescentes e suas famílias, com respeito à diversidade, em aspectos socioeconômicos, além de saúde, educação, recreação e até em temas políticos, culturais e históricos. Entre os temas votados nesta quinta-feira estiveram o trabalho infantil, a exploração sexual deste público, o ensino integral obrigatório e suas consequências, a migração de famílias do meio rural para as periferias urbanas, orçamento para promoção de direitos, entre outros.

A presidente do Conanda, Marina de Pol Poniwas, diz acreditar que os avanços obtidos com a conferência serão percebidos pela população. “Temos muitos desafios com todas as questões que ocorreram durante a pandemia, como violações de direitos de crianças e adolescentes, mas a gente vai avançar muito com a participação deles nesse processo.”

O conselheiro do Conanda Antônio Lacerda Souto, que acompanhou todo o processo da conferência nacional, nestes dias, em Brasília, ao fazer um balanço do evento, admite que a conferência cumpre a proposta de construir proposições que vão fundamentar políticas públicas em prol da garantia do direito de crianças e adolescentes no Brasil.

12ª Conferência Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescentes Jose Cruz/Agência Brasil

A conferência adotou cinco eixos temáticos.

1 – Promoção e garantia dos direitos humanos de crianças e adolescentes no contexto pandêmico e pós pandemia;

2 – Enfrentamento das violações e vulnerabilidades resultantes da pandemia de covid-19;

3 – Ampliação e consolidação da participação de crianças e adolescentes nos espaços de discussão e deliberação de políticas públicas de promoção, proteção e defesa dos seus direitos, durante e após a pandemia

4 – Participação da sociedade na deliberação, execução, gestão e controle social de políticas públicas de promoção, proteção e defesa dos direitos de crianças e adolescentes considerando o cenário pandêmico;

5 – Garantia de recursos para as políticas públicas voltadas para crianças e adolescentes durante e após a pandemia de covid-19.

O evento foi realizado pelo Conanda em parceria com a Secretaria Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania e contou com o apoio pela Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais Sede Brasil (Flacso Brasil) e da Organização dos Estados Ibero-americanos para a Educação, a Ciência e a Cultura (OEI).

MPF pede que União mude nome de quartel que homenageia golpe militar

Uma ação civil pública foi ajuizada pelo Ministério Público Federal (MPF) para que a União seja condenada a modificar o nome da 4ª Brigada de Infantaria Leve de Montanha, localizada em Juiz de Fora (MG), hoje denominada Brigada 31 de Março. O nome faz referência à data em que as tropas de Minas Gerais foram mobilizadas e deflagraram o golpe militar de 1964. Entre os pedidos estão a revogação dos atos que disponham sobre a homenagem, bem como supressão da denominação de sites e documentos oficiais, com a consequente remoção do monumento onde está inscrita a data das dependências do Exército, no prazo de até 30 dias.

A ação pede que a União seja condenada a suprimir, no prazo de 30 dias, a expressão “Revolução democrática”, ou expressões equivalentes que enalteçam o golpe militar, de sites e de qualquer documento oficial, para se referir ao histórico de atuação da brigada, no que diz respeito aos atos que levaram ao golpe militar de 1964.

Um inquérito civil foi instaurado após a publicação de notícias no jornal Folha de São Paulo, no dia 23 de março, informando que na antiga sede da 4ª Região Militar há um letreiro em homenagem ao 31 de março, local e data da mobilização das tropas do general Olympio Mourão Filho que deram início ao golpe militar no Brasil.

Segundo o MPF,  no próprio site da brigada consta a autodenominação “Brigada 31 de março”. Segundo a ação, a placa no local é ostensiva e facilmente perceptível, inclusive em imagens obtidas em sites de busca. O site e uma revista eletrônica publicada pela própria brigada apresentam uma justificativa para o nome usado, na qual afirmam que a unidade “desempenhou um papel decisivo e corajoso na eclosão da revolução democrática, que motivou o recebimento da denominação histórica de ‘Brigada 31 de março”, estabelecida pela Portaria Ministerial nº 1642, de 7 de novembro de 1974.

Golpe

O MPF garante ainda ser fato notório que “o regime de exceção instaurado, de forma sistemática e como política de Estado, assassinou, ocultou cadáveres, torturou, estuprou, sequestrou, silenciou, censurou, perseguiu, prendeu de forma arbitrária, massacrou povos indígenas, suprimiu direitos políticos e outros direitos fundamentais, fechou o Congresso Nacional, cassou parlamentares, manietou o Poder Judiciário, aposentou compulsoriamente ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) e se manteve, assim, por mais de duas décadas no poder.”

Para os procuradores da República Francisco de Assis Floriano e Thiago Cunha de Almeida, autores da ação, é evidente que não se tratou de uma “revolução democrática”. Segundo eles, manter a denominação “Brigada 31 de Março”, em reverência ao golpe militar, é incompatível com a Constituição e com o projeto Constituinte de um Estado Democrático de Direito.

A sociedade brasileira tem o direito de conhecer a verdade e de construir a sua memória. Isto inclui, por óbvio, o esclarecimento sobre o caráter inconstitucional e criminoso do golpe de Estado ocorrido em 1964. “O apagamento da violência é repetição da violência”, justificam os procuradores na ação.

Norma

A ação também sustenta que um ato normativo do próprio Ministério da Defesa, expedido pelo Comandante do Exército, que regula o procedimento para denominação de locais e instalações sob sua administração desautoriza a designação de “Brigada 31 de Março” conferida para a 4ª Brigada em Juiz de Fora.

A norma determina que se utilize nomes de vultos incontestes da história do Brasil, personagens consagrados regional ou nacionalmente, cuja avaliação esteja isenta de quaisquer influências de ordem passional e, finalmente, proíbe a aprovação de nomes de personalidades vivas e/ou ações (feitos), locais, datas e tradições controvertidos.

“A denominação, a divulgação de sua justificativa, e o monumento erguido são, portanto, contrários à ordem jurídica e, por isso, devem ser combatidos e os danos imateriais por eles causados devem ser reparados”, sustentam os procuradores.

Reflexos

A ação avalia que, 60 anos após o golpe militar, vivemos em uma época em que parcela da população sai às ruas clamando por intervenção militar, uma época em que centenas de pessoas, articuladas com setores da sociedade, públicos e privados, se sentiram encorajadas a praticarem atos golpistas no dia 8 de janeiro de 2023; uma época em que o Supremo Tribunal Federal se vê obrigado a afirmar, no julgamento de uma ação direta, que o art. 142 da Constituição não autoriza a intervenção militar, que as Forças Armadas não constituem um poder moderador.

Para os procuradores, não faltariam exemplos para constatar que a herança da ditadura não apenas sobrevive, como também é transmitida às novas gerações, deixando profundas marcas na vida do país. Mais do que nunca, é necessária a adoção de medidas que, para além de remoção do ilícito, promovam a memória e previnam, assim, a repetição das violações ao regime democrático.

Cobertura florestal mundial perde 3,7 milhões de hectares em 2023

Em 2023, os trópicos perderam 3,7 milhões de hectares de floresta primária, o que corresponde, em média, à destruição de dez campos de futebol por minuto ou a uma área do tamanho do Butão.

Tanto para autoridades locais como para a comunidade internacional, que tem metas estabelecidas em acordos, o Brasil representa um desafio, já que ainda lidera a lista dos países com os piores cenários, embora tenha tido uma queda de 36% no índice, puxada, sobretudo, pela melhora na Amazônia.

Os dados constam de relatório produzido anualmente pelo Laboratório de Análise e Descoberta de Terras Globais (Glad), da Universidade de Maryland, que toma como referência o monitoramento da plataforma Global Forest Watch (GFW), do World Resources Institute (WRI). A GFW está no ar desde 2014 e exibe dados praticamente em tempo real sobre proteção das florestas.

De acordo com o levantamento, enquanto Brasil e Colômbia apresentaram desempenhos positivos na conservação das florestas, houve retrocessos nas políticas da Bolívia, Laos, Nicarágua e outros cantos do globo.

No caso do Brasil, o que os especialistas pontuam é que as diretrizes ambientais do governo Lula, de modo geral, são o que é capaz de transformar os indicadores. Como exemplos, listam a promessa que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva fez de demarcar terras indígenas e a importância da aplicação da lei e da revogação de medidas que iam na contramão da preservação ambiental.

O que se recomenda ao Brasil é que se olhe para os diferentes biomas com o mesmo cuidado. A análise evidencia que, ao mesmo tempo que na Amazônia houve queda de 39% no desmatamento de floresta primária do que em 2022, o Cerrado teve um aumento de 6%, mantendo a tendência de aumento de cinco anos, e o Pantanal sofreu as consequências de perda florestal por queimadas que têm se alastrado por grandes perímetros.

Na Bolívia, a perda de floresta primária subiu 27% em 2023. O país vizinho registrou alta pelo terceiro ano consecutivo e ficou em destaque por ter a terceira maior perda de floresta primária dos países tropicais. O dado chama a atenção porque sua área de florestas já é menor do que a metade das existentes na República Democrática do Congo e na Indonésia.

Metas

De 2022 para 2023, a perda de floresta primária no Brasil caiu de 43% para 30%. Apesar disso, atualmente, o país tem um quadro mais grave do que o da República Democrática do Congo e o da Bolívia.

Em linhas gerais, o relatório demonstra que, ao se confrontar dados de 2023, 2019 e 2021, observa-se pouca variação no grau de perda florestal, o que significa que também não tem havido grandes saltos em direção à Declaração dos Líderes de Glasgow, que estabelece como meta o comprometimento dos países com a causa.

O tempo para alcançá-la, alertam os pesquisadores, vai se extinguindo, uma vez que o prazo fixado é o ano de 2030 e, a cada ano, nas últimas duas décadas, o mundo perdeu de 3 a 4 milhões de hectares de floresta tropical.

O Canadá também é mencionado pela equipe de pesquisadores, lembrado pelos inúmeros focos de incêndio que teve de debelar recentemente. O país, que está fora dos trópicos, mas dá também mostras do que acontece neles, conforme ressaltam os acadêmicos, viu a perda de cobertura florestal ocasionada por incêndios quintuplicar entre 2022 e 2023.

A Indonésia registrou um aumento de 27% na perda de floresta primária, no ano passado, quando houve a passagem do fenômeno El Niño na região, algo que gerou especulação sobre a possibilidade de o país assistir a uma reprise da temporada de incêndios de 2015. O relatório frisa que tal taxa segue historicamente baixa, em comparação com a daquela época.

Comissão da Verdade vai apurar violações e repressão na Uerj

Instituída em 11 de março deste ano e tendo a professora Dirce Eleonora Nigro Solis como primeira presidente, a Comissão da Memória e da Verdade Luiz Paulo da Cruz Nunes, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj),  vai apurar responsabilidades sociais e atos antidemocráticos ocorridos na instituição durante a ditadura militar (1964-1985).

A proposta de criação do colegiado foi apresentada no dia 2 de fevereiro deste ano. A comissão será formada por quatro professores, um de cada centro setorial da instituição (ciências sociais, ciências de educação e humanidades, ciências de tecnologia e centro de saúde), quatro técnicos administrativos e quatro estudantes. Os nomes estão sendo escolhidos.

“O que nós resolvemos, da forma mais democrática possível, foi verificar, dentro de cada centro, como poderíamos retirar, mediante alguns critérios, professores que pudessem fazer parte da comissão”, disse a professora Dirce Solis, do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Uerj, presidente do colegiado. Agora estão sendo selecionados professores que tenham participado de movimentos sociais ligados à Comissão da Verdade federal e de arquivos, notícias e depoimentos sobre a Uerj, que tenham estudado na Uerj de 1964 a 1988 e, dessa forma, participado dos movimentos, disse Dirce Solis nesta quarta-feira (3) à Agência Brasil.

A professora citou, entre os critérios para escolha dos membros do colegiado, a ligação com entidades de defesa dos direitos humanos, dos direitos sociais, o zelo com a questão da democracia, “porque isso é fundamental”. Até sexta-feira (5), Dirce Solis espera fechar todos os nomes dos integrantes da comissão.

Verdade histórica

A meta é instituir a comissão, a partir da resolução do Conselho Universitário, para apurar fatos e responsabilidades ocorridos no âmbito da Uerj no período de 1964 a 1988, “mas atendendo à questão da busca da verdade histórica, das responsabilidades sociais, e também visando contribuir para a pesquisa e o registro de situações com esse escopo que foi presenciado durante esse período, na universidade”.

Como presidente da comissão, Dirce Solis pretende atuar na formulação de questões a partir de grupos de trabalho. “Somos sistematizadores de grupos de trabalho que terão um conjunto de prioridades, envolvendo servidores, estudantes e familiares, para apurar os delitos, as manifestações políticas daquela época, a violação dos direitos humanos, toda a prática de movimentação antidemocrática ocorrida nas dependências da Uerj e mesmo fora dela, que acabaram atingindo servidores e estudantes durante o período da ditadura militar.”

Segundo a professora, o que se tenta garantir é que será tratada sempre a luta pela manutenção das práticas democráticas no Brasil.  “E, como não poderia deixar de ser em uma universidade inclusiva como é a Uerj”, [uma questão] de respeito às diferenças e à diversidade de raça, gênero, “enfim a todas as diferenças”.

Homenagem

O nome da Comissão da Memória e da Verdade da Uerj é uma homenagem ao estudante de medicina Luiz Paulo da Cruz Nunes, morto durante manifestação na porta do Hospital Universitário Pedro Ernesto, em frente à Faculdade de Medicina, no dia 22 de outubro de 1968.

A presidente da comissão ressaltou que é importante estudar esse período, ter uma documentação farta dele e que isso seja registrado, documentado em termos de vídeos, podcasts (programas de rádio pela internet), o que for possível para  resgatar essa memória. São duas coisas: verdade, que significa a apuração dos fatos, e a questão da memória, para resguardar esse período para a universidade, em termos em arquivo e tudo o que for possível, explicou.

Títulos honoríficos

A comissão pretende ainda revogar homenagens feitas pela Uerj a figuras da ditadura militar, uma questão que compete ao Conselho Universitário. Caberá à comissão enviar para o conselho, após apuração de vários fatos, nomes da ditadura militar que foram homenageados, mas contribuíram para a ocorrência de práticas antidemocráticas dentro da Uerj e no seu entorno.

Um dos casos é o do general Emílio Garrastazu Médici, um dos presidentes do período militar, já citado pelo Conselho Universitário e que recebeu título de doutor honoris causa em 21 de janeiro de 1974, na gestão do reitor Oscar Accioly Tenório. “Sabemos que, nesse período, as universidades brasileiras, com dirigentes simpatizantes, ou menos, do regime ditatorial, costumavam conceder títulos supostamente por ‘benefícios’ à educação que, se forem avaliados corretamente, muitos foram nefastos para a educação brasileira.”

Dirce Solis lembrou que muitos dos agraciados com tais títulos honoríficos foram mentores de atos que acabaram contribuindo para implementar a ditadura no país. “Foram mentores de atos repressivos de toda monta, de atos de perseguição política a nossos estudantes, professores e  funcionários da universidade. Por isso, é pertinente que, a exemplo de outras universidades que já o fizeram, a Uerj reavalie e possa revogar essas supostas honrarias”, afirmou a professora.

O primeiro nome da lista é o do ex-presidente Médici.

A comissão vai levantar nomes de outros personagens, verificar como as honrarias foram colocadas como fatos históricos e levar ao Conselho Universitário. “Na verdade, o que pretendemos fazer é pagar um tributo a nossos estudantes, técnicos, professores que sofreram durante a ditadura militar e cujos familiares também sofreram. Devemos pagar esse tributo aos familiares também, àqueles que já não estão mais aqui”, disse a presidente da comissão.

STF tem maioria de votos contra “poder moderador” das Forças Armadas

O Supremo Tribunal Federal (STF) formou nesta segunda-feira (1º) maioria de 6 votos a 0 contra a interpretação de que as Forças Armadas podem exercer “poder moderador” no país.

A maioria foi formada com o voto proferido pelo ministro Gilmar Mendes. Faltam os votos de cinco ministros. 

Ao se manifestar contra a tese do poder moderador, Mendes disse que a Corte está “reafirmando o que deveria ser óbvio”. “A hermenêutica da baioneta não cabe na Constituição. A sociedade brasileira nada tem a ganhar com a politização dos quartéis e tampouco a Constituição de 1988 o admite”, afirmou. 

O Supremo julga uma ação protocolada em 2020 pelo PDT para impedir que o Artigo 142 da Constituição seja utilizado para justificar o uso do Exército, da Marinha e da Aeronáutica para interferir no funcionamento das instituições democráticas. 

A tese do “poder moderador” foi alardeada pelo ex-presidente Jair Bolsonaro para justificar eventuais medidas contra outros Poderes durante seu governo. 

Entenda o julgamento

Os ministros julgam a ação da forma definitiva. Em junho de 2020, o relator do caso, ministro Luiz Fux, concedeu a liminar para confirmar que o Artigo 142 não autoriza intervenção das Forças Armadas nos Três Poderes. Pelo texto do dispositivo, os militares estão sob autoridade do presidente da República e se destinam à defesa de pátria e à garantia dos poderes constitucionais. 

Até o momento, prevalece o voto de Fux, relator do caso. Para o ministro, o poder das Forças Armadas é limitado e exclui qualquer interpretação que permita a intromissão no funcionamento dos Três Poderes e não pode ser usado pelo presidente da República contra os poderes. 

“A missão institucional das Forças Armadas na defesa da pátria, na garantia dos poderes constitucionais e na garantia da lei e da ordem não acomoda o exercício de poder moderador entre os poderes Executivo, Legislativo e Judiciário”, afirmou. 

Além de Fux, os ministro Luís Roberto Barroso, André Mendonça, Edson Fachin, Flávio Dino e Gilmar Mendes também votaram no mesmo sentido. 

Em seu voto, Dino afirmou que não existe no país um “poder militar”.

“Lembro que não existe, no nosso regime constitucional, um poder militar. O poder é apenas civil, constituído por três ramos ungidos pela soberania popular, direta ou indiretamente. A tais poderes constitucionais, a função militar é subalterna, como aliás consta do artigo 142 da Carta Magna”, concluiu. 

O julgamento é realizado no plenário virtual, modalidade na qual os ministros inserem os votos no sistema eletrônico da Corte e não há deliberação presencial. A votação será finalizada no dia 8 de abril.