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Voto feminino faz 92 anos; ação de ativista alagoana marca luta

Homens observam uma mulher diante da urna. Ela, vestida como para uma festa, com a cédula na mão e o sorriso no rosto, está pronta para exercer um direito básico de cidadania. A caminhada da alagoana Almerinda Farias Gama até o voto (para eleição de deputados classistas), em 20 de julho de 1933, é feita de luta com os barulhos da voz e da máquina de escrever. Neste sábado (24/2), quando se completam 92 anos da garantia do voto feminino, os passos que foram invisibilizados dessa sufragista negra, feminista e nordestina refletem a necessidade de reconhecimento e revisão histórica como inspiração para o país. 

Foi diante do silêncio e de lacunas que a pesquisadora em história, jornalista e também alagoana Cibele Tenório se deparou quando resolveu saber mais sobre a conterrânea. Não havia registro nem mesmo de data de morte. Depois de dois anos de caminhada, descobriu que Almerinda viveu entre maio de 1899 e 31 de março de 1999.  A pesquisa de mestrado (concluída em 2020, pela Universidade de Brasília) vai render livro depois de vencer prêmio literário da editora Todavia. A pesquisa foi orientada pela professora Teresa Marques. 

Luta pelo voto feminino tem protagonista negra invisibilizada – Foto FGV

A pesquisadora fez também um documentário sobre Almerinda a partir dos raros documentos disponíveis no Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea da Fundação Getulio Vargas.

Almerinda, a luta continua

Filme realizado na 2ª Oficina de Produção Audiovisual do Núcleo de Audiovisual e Documentário FGV/CPDOC. Direção: Cibele Tenório Sinopse: “Almerinda, a luta continua!” faz um resgate histórico da vida dessa personagem, uma das primeiras militantes feministas brasileiras.

Comprometimento

Cibele Tenório, que atualmente cursa doutorado em história na UnB, avalia que Almerinda teve participação ativa na Federação Brasileira pelo Progresso Feminino.

 “A federação era uma entidade que reunia, naquele período, entre 80 e 100 mulheres. Ela não era uma pessoa que estava ali e assistia às palestras. Era completamente ativa naquele ambiente e a quem a Bertha Lutz (liderança sufragista que criou a federação) entregou muitas tarefas. E era uma pessoa que se comprometia com as tarefas”, explica.

Poder na máquina 

Almerinda atuava em várias frentes e estava empoderada por ser datilógrafa. “Era uma ferramenta que nem todo mundo dominava. Além de datilografar, escrevia e se expressava bem”. Assim, foi assumindo tarefas naquele lugar, incluindo lobby parlamentar, textos com divulgação para a imprensa e até roteiro de programa de rádio.  

Luta pelo voto feminino tem protagonista negra – Foto FGV

Almerinda passou a ter outras frentes de atuação. “Na política, inclusive, ela sai candidata, logo após o código eleitoral permitir que mulheres alfabetizadas pudessem votar. É preciso lembrar que Almerinda nasceu pouco mais de uma década depois da abolição da escravidão no Brasil”. 

Na eleição de 1934, a professora Antonieta de Barros foi a primeira mulher negra eleita (como deputada estadual de Santa Catarina). Ela e a Almerinda podem ter sido as primeiras mulheres negras a concorrerem a cargos eletivos no Brasil. Além da federação das mulheres, Almerinda ainda atuou, com Bertha Lutz, no sindicato das datilógrafas e taquígrafas. 

Para a pesquisadora, as questões de gênero e de classe estão muito intrincadas. “Almerinda nunca escreveu sobre si. Embora tenha sido uma mulher ligada ao ofício textual, o que a gente sabe dela é por meio das fontes da pesquisa, diferentemente de outras sufragistas. Esse apagamento se torna ainda maior pelo fato de ela ser uma mulher negra”. A data de morte foi conhecida depois de um contato com familiares. Cibele lia sobre sufragistas e nunca apareciam muitos dados sobre Almerinda, o que seria a materialidade desse apagamento.

Reconhecimento do legado  

Diante de mais pesquisas e informações, como as que chegaram pela conterrânea Cibele Tenório, a administração municipal de Maceió busca jogar luzes na história de Almerinda. A cidade natal da sufragista criou iniciativas em busca de reduzir esse apagamento. A coordenadora de Igualdade Racial da prefeitura, Arísia Barros, diante da inexistência de registros na cidade e em Alagoas, diz que iniciou um movimento para reconhecer e divulgar o legado de Almerinda. 

 “Foi criada uma praça (no bairro da Jatiúca), que é o Parque da Mulher, onde 100 mulheres referenciais de Alagoas serão homenageadas”. Almerinda está entre elas, no parque que pode ser inaugurado oficialmente no mês que vem. Outra proposta apresentada na Câmara de Vereadores é a criação do “Dia de Almerinda” em 16 de maio, data de nascimento da sufragista. 

ALuta pelo voto feminino tem protagonista negra invisibilizada – Foto FGV

“Começamos uma mobilização para trazer essa mulher tão importante para Maceió, para os bancos da escola, para os livros escolares e fazer ela caminhar”, diz a representante do município.  Ela entende que uma campanha educativa é fundamental para buscar o reconhecimento. “Ela foi apagada. A gente agora quer criar essa luz sobre ela. Essa história de luta e de persistência pelo voto feminino foi fundamental e precisa realmente ser visibilizada. A Almerinda fez revoluções”.

Esse apagamento, de acordo com a coordenadora, tem relação com o racismo estrutural. “É necessário levar a Almerinda para a escola, dar nome a uma escola e a uma praça, por exemplo”. Arísia também tem pedido a parlamentares apoio para inclusão do nome da sufragista no livro de Heróis e Heroínas da Pátria.

 “Lutava pela igualdade”, diz neta

Neta de Almerinda, Juliana Leite Nunes, de 52 anos, diz que tem ficado feliz com mais pesquisas e reconhecimento sobre o papel da avó para o Brasil.

 “Ela lutava pela igualdade de salário, de direitos trabalhistas, pelo direito ao voto. A gente sabia da importância porque tinha fotos na parede da sala de voto, mas não tinha essa noção que tem hoje”. A neta lembra que mesmo depois dos 90 anos fazia questão de estar muito bem informada sobre o que ocorria no Brasil em leitura diária do noticiário.

Hostilidade e violência

Evidentemente, a invisibilização e violência contra a mulher no espaço político não são fenômenos restritos ao século passado. Pesquisadora em direitos humanos, Leonor Costa entende que existe maior discussão sobre o tema. “A partir de muita luta, está sendo possível trazer as demandas das mulheres negras. O mundo da política é hostil com a mulher em geral e muito mais com as mulheres negras”. 

Leonor, que no mestrado da UnB estudou o legado de Marielle Franco para mulheres negras na política institucional, considera que o assassinato da vereadora chamou atenção para o problema. “A gente já tem a violência contra as mulheres na política muito forte desde sempre. Não à toa que temos poucas mulheres que trilharam um caminho de sucesso, que estão aí há muito tempo. Marielle foi assassinada e seu assassinato escancarou o nível a que pode chegar a violência contra as mulheres”. 

Luta pelo voto feminino tem protagonista negra invisibilizada – Foto FGV

 Para a pesquisadora, o crime possibilitou mais atenção para a violência e as hostilidades em relação às mulheres que se colocam no mundo da política, sobretudo as mulheres negras e também as trans. “Eu acho que mais de 90 anos depois do direito ao voto feminino, obviamente muita coisa melhorou. Hoje, a gente tem cada vez mais mulheres se colocando nos espaços, participando dos partidos, das organizações políticas, das entidades sindicais, com muita luta, nunca por concessão dos homens. Mas é preciso avançar muito mais”. 

Esses avanços incluem o não cerceamento da liberdade de expressão no espaço público, nem ameaças de qualquer tipo. “Há muito caminho para construir e luta a empenhar para que, finalmente, a gente consiga estar nos espaços sem ter a presença questionada ou aviltada”.

Vila Socó: há 40 anos, incêndio matou pelo menos 93 pessoas

Naquele dia 24 de fevereiro de 1984, Neigila Aparecida Soares da Silva e sua irmã, Márcia, foram deixadas por seus pais na casa da avó para passar o fim de semana. Ela tinha apenas quatro anos de idade na época. Foi a última vez que  viu a mãe e o pai.

Algumas horas depois, seus pais e um tio morreram carbonizados em um dos maiores incêndios já ocorridos na história do Brasil: o da Vila Socó, em Cubatão, município encravado entre a capital paulista e o porto de Santos, no litoral sul do estado. Oficialmente, 93 pessoas morreram naquele incêndio, mas levantamentos independentes e que incluíram as crianças que deixaram de frequentar escolas e famílias inteiras que desapareceram sem deixar notícia poderia elevar o número a 508.

As irmãs Neigila e Márcia perderam os pais no incêndio que matou pelo menos 93 pessoas na Vila Socó, em 24 de fevereiro de 1984 – Neigila e Márcia/Arquivo Pessoal

“Fui criada por meus avós porque, no dia do incêndio, a minha mãe foi levar minha irmã para passar o final de semana na casa dos meus avós. E eu acabei ficando por lá também”, contou Neigila, em entrevista à Agência Brasil. “Só sei que eles estavam na casa dos meus pais quando o incêndio começou e que eles não conseguiram se salvar. Perdi meu pai, minha mãe e meu tio, que tinha 19 anos na época”.

Neigila e a irmã foram criadas pelos avós e pelas tias. “Isso não me afetou porque eu tinha quatro anos de idade, e minha irmã, cinco anos. Éramos crianças e não entendíamos muito. Mas sabíamos que a vila tinha pegado fogo e que a mamãe e o papai não iriam mais voltar para pegar a gente. Crescemos sabendo disso. Tenho memórias ativas daquele dia. Lembro de tudo. Mas não tenho uma lembrança de rosto de pai e mãe, a não ser por fotos. Não cresci revoltada porque fui muito amada por meus avós e tias. Mas não tive a presença física de pai e mãe”, relata Neigila.

O fogo foi provocado pelo vazamento de combustível de uma tubulação que ligava a Refinaria Presidente Bernardes, da Petrobras, ao terminal portuário da Alemoa, em Santos. Essa tubulação passava pela Vila Socó, uma região alagada e de mangue onde havia um aglomerado de palafitas. O vazamento ocorreu durante a transferência de combustíveis por essa tubulação, que não aguentou a pressão e espalhou gasolina pelo mangue. Com a movimentação das marés, o produto se espalhou por toda a área alagadiça e provocou o incêndio, destruindo as moradias, feitas madeira.

Apesar do forte cheiro que foi sentido por famílias que viviam no local horas antes da explosão, nenhuma providência de evacuação foi tomada pela empresa ou por autoridades da época. “Passados 40 anos, o que ficou desse incêndio foi a ausência de pai e de mãe”, ressaltou Neigila.

Segurança nacional

Cubatão era, em 1984, um dos cinco municípios do estado paulista considerados pela ditadura militar como área de segurança nacional Isso ocorria porque a cidade é um grande parque industrial. Além dela, as cidades paulistas de Santos e São Sebastião (por causa do porto), Paulínia (polo petroquímico) e Castilho (que abriga a hidrelétrica Engenheiro Souza Dias, mais conhecida como Usina Jupiá) também eram consideradas áreas de interesse da segurança nacional e, por isso, seus prefeitos não eram eleitos democraticamente, mas nomeados pelo governador de São Paulo mediante aprovação do presidente da República.

Advogado Dojival Vieira dos Santos era vereador de Cubatão na época do incêndio na Vila Socó – Dojival Vieira /Arquivo Pessoal

“A despeito do regime enquadrar Cubatão como área de segurança nacional por ser um polo petroquímico e de fertilizantes dos maiores do país, o povo era privado do direito de votar para prefeito. A preocupação com a segurança nacional não se estendia à população e não se estendia aos moradores que, desde o primeiro momento, nunca tiveram acesso a direitos básicos como moradia, saúde e saneamento básico”, disse Dojival Vieira dos Santos, jornalista, advogado e criador do Coletivo Cidadania Antirracismo e Direitos Humanos. Dojival era também vereador de Cubatão quando ocorreu o incêndio.

No meio dessa área de segurança estava a Vila Socó, também chamada de Vila São José, que em 1984 era um aglomerado de palafitas, habitada principalmente por migrantes nordestinos.

“A Vila Socó era um bairro, uma favela em que moravam cerca de 6 mil pessoas na época. Em sua imensa maioria, pretos, pobres e migrantes nordestinos que chegaram dentro daquele período em que os empregos na área industrial [da cidade] eram abundantes”, contou.

“Havia emprego mas, embora a cidade fosse considerada área de segurança nacional pelo regime militar desde 1968, não havia local para moradia. Então, os trabalhadores iam morar em palafitas nos mangues. Aliás, o nome Socó é porque era muito comum naquele mangue uma ave chamada Socó”, relata Dojival. “Toda vez que as marés enchiam, as palafitas ficavam praticamente dentro da água”, acrescentou.

“O vazamento aconteceu coincidindo com a subida das marés. Havia a péssima manutenção das tubulações, a gasolina sendo bombeada e a trágica coincidência das marés estarem subindo. Há relatos de que o cheiro forte da gasolina começou a ser sentido por volta das 11h30 do dia 24 [de fevereiro], que era uma sexta-feira. A explosão ocorreu por volta das 23h30 daquele dia”, explicou o advogado e ativista.

Nesse intervalo, a prefeitura de Cubatão e a Petrobras foram informadas sobre o cheiro forte, mas não fizeram nada para evitar a tragédia. “Havia tempo hábil para que toda a população fosse evacuada e, portanto, se salvasse, porque o vazamento ocorreu entre 11h30 da manhã e 23h30 da noite”, acrescentou. “Passaram-se pelo menos 12 horas entre o início do vazamento, em que a população se queixava do forte cheiro de gasolina, e a explosão do incêndio. Então, há aí omissões em série, responsabilidades em série”, reforçou.

Operação Abafa

Para Dojival, o que ocorreu na Vila Socó foi crime, e além disso, houve tentativa de abafamento pelos ditadores para que o impacto fosse diminuído.

Foi por isso que, em 2014, a Comissão da Verdade da Assembleia Legislativa de São Paulo reabriu o caso para apurar as responsabilidades. “Reduzir o impacto da tragédia tinha três objetivos básicos: evitar a repercussão nacional e internacional para a empresa [Petrobras], reduzir o custo das indenizações e garantir a impunidade. E isso tudo foi feito”, avaliou Dojival Vieira em depoimento à Comissão Estadual da Verdade de São Paulo, em 2014.

Na mesma audiência da Comissão da Verdade, Shigeaki Ueki, presidente da Petrobras na época, negou a existência de uma operação para abafar o episódio. “Não houve, dentro da Petrobras, um envolvimento em acobertamento ou desvio ou sumiço de documentos ou [tentativa de] evitar o andamento do processo. Não houve nenhum movimento para abafar [o caso]”, disse o ex-presidente da Petrobras. “O número de 500 pessoas [mortas], a empresa nunca admitiu e nem vai admitir porque não há como comprovar isso. Não há provas”, disse Ueki, na ocasião.

Dojival, no entanto, insiste que houve abafamento do caso para diminuir as consequências do que lá ocorreu. Segundo ele, houve inclusive uma tentativa de incinerar os processos físicos sobre o incêndio para que jamais se soubesse o que de fato ocorreu. “Depois de 30 anos, os processos físicos são incinerados. Pois bem, os 22 volumes do caso da Vila Socó estavam na fila da incineração. Foi a partir da intervenção feita em conjunto com a Comissão da Verdade Rubens Paiva, da Assembleia Legislativa, que nós conseguimos fazer carga desses 22 volumes e digitalizá-los, porque senão toda essa história e documentos simplesmente teriam virado cinzas, que era o que se pretendia para garantir de vez o silêncio e a impunidade”.

O advogado ressalta que, enquanto o Ministério Público contabilizava de 500 a 700 mortes na tragédia, a Petrobrás e o governo apontavam 93. “Esta redução do número de mortes foi para reduzir os impactos sobre a empresa. Estamos falando de uma estatal gigante como é a Petrobras e obviamente isso tem reflexos no mercado. E, depois, houve a garantia da impunidade dos responsáveis. Ninguém jamais foi punido [pelo incêndio]”, disse Dojival.

Para Dojival, o incêndio não foi um acidente, o incêndio é um crime que precisa ser apurado e punido.

“Seus responsáveis ainda precisam responder à justiça porque é sabido – desde sempre se soube – que a Petrobras não fazia manutenção das tubulações que passavam ao lado da Vila Socó. Então era muito previsível que, sem fazer manutenção, essas tubulações estivessem corroídas”, afirmou. 

Incêndio foi causado por vazamento de combustíveis de oleodutos que ligavam a Refinaria Presidente Bernardes de Cubatão (RPBC) ao terminal portuário da Alemoa – SINDPETRO-LP/Divulgação

Memória

Para impedir que essas cinzas do passado sejam soterradas pela história, Dojival destaca que é preciso fazer o resgate dessa memória. “Se nós não preservarmos essa memória, essa história poderá se repetir, como tem se repetido em muitas coisas e em muitas situações neste país. Uma das vitórias e um dos objetivos dos opressores e dos que se beneficiam pela ganância de situações como a Vila Socó é sempre apagar a história. Porque apagando-se a memória, apagando-se a história, eles impõem o discurso e a narrativa que justificam esses crimes”. 

Para não permitir o esquecimento dos 40 anos deste incêndio, neste domingo (25) a Comissão da Verdade da Organização dos Advogados do Brasil (OAB) de Cubatão vai realizar um ato ecumênico, às 9h, no Centro Comunitário da Vila São José. Depois disso, uma coroa de flores será colocada em frente ao marco para relembrar as vítimas da tragédia. Já na segunda-feira, no final do dia, será feita sessão solene por memória, verdade e justiça, no auditório da OAB.

A comissão também pretende lutar para que se decrete um feriado municipal para marcar a data. “Queremos um feriado municipal e um monumento digno em memória das vítimas e que ele comporte uma biblioteca e uma sala de audiovisual para que as novas gerações não permitam que essa história morra”, defende o advogado.

A comissão também estuda levar o caso à Corte Interamericana de Direitos Humanos. “Queremos ainda ganhar força para levar esse caso à Corte Interamericana de Direitos Humanos, levantando elementos concretos para demonstrar que o Estado brasileiro é cúmplice  desse crime. Não julgou, não condenou e não pagou indenizações”.

Condenação e Indenização

Neigila conta que chegou a receber uma indenização na época pela morte dos pais. Ela não se recorda bem do valor que foi recebido, mas se lembra que não foi um valor justo. “Não foi justo porque eu e minha irmã perdemos nossos pais. Não tivemos nossos genitores para cuidar da gente”.

Hoje ela tenta reabrir esse inquérito. “Alguns receberam mais, outros receberam menos. Meu avô, que recebeu a indenização do meu tio, foi bem inferior ao que eu e minha irmã recebemos. Éramos menores [de idade] na época, mas sei que não foi um valor justo”, disse Neigila.

Na audiência na Comissão da Verdade, em 2014, Ueki não revelou valores, mas disse que as indenizações pagas pela empresa às famílias não foi contestado na época. “Todos ficaram satisfeitos”, disse ele, na ocasião.

Apesar do grande número de mortes, ninguém foi responsabilizado ou cumpriu pena. Oito funcionários da empresa chegaram a ser condenados em primeira instância, mas foram absolvidos depois de recursos. “No caso de Cubatão, ninguém sentou no banco dos réus. Houve até uma condenação em primeira instância que depois foi anulada pelo Tribunal de Justiça de São Paulo. Condenação de algumas figuras técnicas, sempre técnicas, sempre do baixo escalão”, conta Dojival.

Prefeitura

Procurada pela Agência Brasil, a Petrobras não se manifestou sobre o tema. Já a prefeitura de Cubatão disse, por meio de nota, que a tragédia marcou profundamente a cidade. “ Apesar do número oficial de vítimas apurado à época, 93 pessoas, há que se respeitar a Comissão da Verdade da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) de Cubatão (constituída em 2014) que desenvolve trabalho, além de social, em busca de elementos que possam comprovar a realidade do número de vitimados naquela ocasião”, diz a nota da administração municipal.

Aprendizado

De acordo com a nota, o incêndio, além de um enorme pesar, trouxe lições para o município. “Referem-se, especialmente, à proteção da vida humana e à preservação do meio ambiente, uma vez que as medidas tomadas após o incêndio entrelaçam-se com as ações assumidas em prol da recuperação ambiental do município que culminou, inclusive, no reconhecimento mundial de Cubatão como Cidade Símbolo de Recuperação Ambiental na ECO-92, conferência das Nações Unidas (ONU) pelo Meio Ambiente realizada no Rio de Janeiro, em 1992″..

A prefeitura acrescentou que, após o incêndio, a Petrobras promoveu o aterro de toda a área da Vila Socó, atualmente denominada Vila São José. Também foi aterrada a tubulação e feito “um controle rigoroso da tubulação por meio de sofisticados equipamentos que monitoram a pressão e resistência dos tubos de maneira diária, incluindo as condições climáticas, além da ampla sinalização da área. Vale destacar que, à época do incêndio, a tubulação passava sobre o mangue e se misturava às águas que passavam embaixo das palafitas da Vila Socó”.

A administração municipal também relatou que a empresa construiu, por meio de um convênio com a prefeitura, um núcleo residencial na Vila São José, com 400 casas. “Sobreviventes da tragédia da Vila Socó foram indenizados e passaram a habitar o local que foi totalmente urbanizado, recebendo escola, creche, posto de saúde, infraestrutura urbana e calçamento. A partir de 2017, o bairro passou por processo de regularização fundiária e em 2019, essas 400 famílias iniciaram o processo de recebimento das escrituras definitivas de seus imóveis”.

A Secretaria Municipal de Segurança Pública e Cidadania de Cubatão informou ainda que a tragédia definiu novas diretrizes na cidade para situações de emergência. “A partir desse incidente, foram intensificados sistemas de apoio para respostas mais rápidas e eficientes envolvendo não apenas a refinaria, mas todas as indústrias do Parque Industrial. O Plano de Auxílio Mútuo (PAM) – que, embora existisse desde 1978, só passou a funcionar efetivamente na década de 80, tornando-se referência regional – mantém um sistema de combate a acidentes de qualquer natureza que possam colocar em risco vidas, meio ambiente, patrimônio público ou privado no Polo e na Baixada Santista. Já o Plano de Contingência envolve todas as secretarias municipais da prefeitura de Cubatão, que estão preparadas para responder a eventuais emergências do tipo”.

* Colaborou Eliane Gonçalves, da Radioagência Nacional

Motoboy negro agredido com faca é indiciado por agressão

O motoboy Éverton Henrique Goandete da Silva, de 40 anos, foi indiciado por lesão corporal leve e desobediência policial pela Polícia Civil do Rio Grande do Sul após o episódio em que ele próprio foi agredido com um canivete no pescoço pelo aposentado Sérgio Kupstaitis, de 71 anos, no bairro Rio Branco, em Porto Alegre (RS). O caso ocorreu no último sábado (17) e gerou revolta na internet, no dia seguinte, com a repercussão das imagens.

De acordo com manifestações de testemunhas e vídeos postados nas redes sociais, policiais da Brigada Militar prenderam o motoboy que havia chamado a polícia após ter sofrido tentativa de homicídio, por parte do idoso, uma pessoa branca, que portava a faca usada no crime. Enquanto prendia o motoboy, o agressor conversava tranquilamente com os policiais.

Sérgio Kupstaitis também deve responder na Justiça, mas apenas pelo crime de lesão corporal leve. De acordo com a investigação, cujos resultados foram divulgados nesta sexta-feira (23), em uma coletiva de imprensa, os dois envolvidos tinham desavenças desde o ano passado e que o episódio foi uma agressão mútua. O caso foi remetido ao Poder Judiciário, que decidirá sobre oferecer ou não denúncia contra os indiciados.

“Caso o Ministério Público ou o próprio Poder Judiciário entenda que houve um crime mais grave, o inquérito policial retorna à delegacia para novas diligências. Porém, entendemos que o fato está devidamente elucidado por parte da Polícia Civil”, afirmou o subchefe da Polícia Civil do Rio Grande do Sul, delegado Heraldo Chaves Guerreiro.

A repercussão do caso mobilizou autoridades. O ministro dos Direitos Humanos e da Cidadania, Silvio Almeida, afirmou que o caso retrata o racismo institucionalizado ainda presente no país, e criticou a ação da Brigada Militar. Já o governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite, determinou abertura de sindicância, concluída nesta sexta.

Ação da Brigada Militar

Já o resultado da sindicância da Brigada Militar não apontou indícios de crime militar ou de crime comum de parte dos policiais militares envolvidos na ocorrência. Em apresentação aos jornalistas, o corregedor-geral da BM, coronel Vladimir da Rosa, explicou as conclusões.

“Não houve agressão física perpetrada pelos policiais militares. Todas as 21 testemunhas que foram trazidas voluntariamente ou se apresentaram ratificaram que não houve nenhum tipo de agressão física por parte dos policiais em relação aos presos e que não houve qualquer agressão verbal, nem qualquer tipo de discriminação”, disse o coronel.

No entendimento da Corregedoria, houve uma “transgressão da disciplina militar” porque os policiais não acompanharam Sérgio Kupstaitis até sua casa para vestir uma camiseta e buscar documento. O autor da agressão com canivete também não foi conduzido à delegacia em um camburão, mas no banco de trás da viatura, diferentemente do motoboy.  

Agora, a Corregedoria tem oito dias para notificar os quatro policiais do resultado da sindicância. Uma vez notificados, eles têm o prazo de 15 dias para apresentar as defesas. Depois disso, conforme o entendimento da Corregedoria, eles poderão cumprir um período de detenção. Como não houve indiciamento pela abordagem realizada pelos policiais, o caso não será remetido à Justiça comum ou à Justiça Militar.

Se for do entendimento dos seus comandos, os PMs podem voltar imediatamente ao trabalho nas ruas. Dois deles haviam sido deslocados para trabalhos administrativos até o final da sindicância, informou a BM.

Estudo aponta impacto etnorracial no desenvolvimento infantil

Estudo do Centro de Integração de Dados e Conhecimento para Saúde (Cidacs/Fiocruz Bahia) sugere que etnia e cor da gestante afetam a trajetória de ganho de peso e crescimento de seus filhos. Em especial, a pesquisa alerta para maior desigualdade em relação ao desenvolvimento infantil de filhos de mulheres indígenas.

Publicada no periódico BMC Pediatrics, a pesquisa constatou que filhos de mães indígenas tiveram maiores taxas de baixa estatura para a idade (26,74%) e baixo peso para a idade (5,90%). Características de magreza foram mais prevalentes entre crianças filhas de mães pardas e pretas (5,52% e 3,91%, respectivamente), indígenas (4,20%) e de descendência asiática (5,46%), em relação às crianças filhas de mulheres brancas (3,91%).

Foi avaliada ainda a incidência de padrões de baixa estatura para a idade e baixo peso entre os filhos de mulheres de diferentes grupos etnorraciais. De acordo com os resultados, a taxa de prevalência destas questões foi maior entre crianças nascidas de mães indígenas (26,71% e 5,90%), seguidos por crianças de mulheres pardas (11,82% e 3,77%) e de mães com descendência asiática (10,99% e 3,64%), mães pretas (10,41 e 3,48%), e entre mulheres brancas (8,61% e 2,48%). 

De forma geral, os achados da equipe de pesquisa demonstram como a vulnerabilidade social de uma gestante pode afetar o desenvolvimento de seus filhos. Para Helena Benes, primeira autora do artigo, esses índices podem “ser atribuídos a uma série de fatores decorrentes do impacto persistente do racismo estrutural em nossa sociedade”.

“O racismo pode influenciar desde o acesso desigual a oportunidades de trabalho e educação até o nível de estresse enfrentado em diferentes comunidades. Enquanto medidas governamentais e de saúde pública para eliminar o racismo não forem suficientes, continuaremos a ver seus efeitos prejudiciais, inclusive no crescimento das crianças”, disse a pesquisadora.

No total, foram avaliadas as informações de 4.090.271 crianças, nascidas entre janeiro de 2003 e novembro de 2015, e que tiveram seu desenvolvimento acompanhado no período entre 2008 e 2017.

Do grupo total, formado por mais de 4 milhões de crianças, analisado nos estudos, 64,33% eram filhos de mães pardas, 30,86% de mães brancas, 3,55% de mães pretas; 0,88% de mães indígenas e 0,38% de mães com descendência asiática.

Os resultados obtidos indicaram que filhos de mães indígenas apresentaram, em média, 3,3 centímetros a menos que os nascidos de mães brancas. Crianças de mães pardas também apresentaram uma média menor de altura (0,60 cm a menos), seguidos pelos nascidos de mães pretas (0,21 cm a menos) e descendentes asiáticos (0,39 cm a menos). 

“Embora a literatura científica já tenha discutido amplamente como o racismo impacta em desfechos negativos ao nascer, como prematuridade e baixo peso, poucos estudos se aprofundaram no impacto do racismo no crescimento infantil de crianças brasileiras”, afirmou Helena.

Em relação à trajetória de peso das crianças, comparados aos nascidos de mães brancas, crianças indígenas registraram 740 gramas a menos; seguidos por filhos de mães pardas (250 gramas a menos); filhos de mães pretas apresentaram 150 gramas a menos, e de descendentes asiáticas 220 gramas a menos.

Vulnerabilidade materna

As gestantes que fizeram parte do corpus de análise também são identificadas por outras características: a maior parte dessas mulheres eram residentes de áreas urbanas (com exceção das mulheres indígenas, das quais 73,83% viviam em zonas rurais), e residiam em condições de habitação consideradas mais precárias (30,04%). 

Mulheres indígenas e pretas possuíam os menores níveis educacionais (27,52% e 13,76%, respectivamente). Essas mulheres também registraram maiores índices de incompletude do acompanhamento pré-natal (67,44% para as indígenas e 47,02% para mulheres pretas), acompanhadas pelas declaradas pardas (48,55%). 

A equipe de pesquisa ressalta que a trajetória de crescimento infantil esteve dentro dos limites de “normalidade” determinados pela Organização Mundial da Saúde. “No entanto, ao avaliar as trajetórias de cada criança dentro de um grupo sociodemográfico, crianças nascidas de mães mais vulneráveis socialmente apresentaram características menos favoráveis”, completam os pesquisadores. 

Governo define regras para Programa Manoel Querino de Qualificação

O Programa Manuel Querino de Qualificação Profissional (PMQ), lançado em novembro de 2023 com a meta alcançar 100 mil trabalhadores, vai integrar oficialmente o Sistema Nacional de Emprego (Sine), a partir de março. Uma resolução com regras de funcionamento da nova política pública foi publicada, nesta quarta-feira (21), no Diário Oficial da União e entrará em vigor no dia 1º do próximo mês.

O PMQ passa a substituir o Programa Brasileiro de Qualificação Social e Profissional (Qualifica Brasil), que foi extinto, com o objetivo de contribuir com a formação geral, o acesso e a permanência no mercado do trabalho. A política funcionará estruturada em um sistema de quatro modalidades: qualificação social e profissional; passaporte qualificação; certificação profissional; e fomento a estratégias de geração de emprego e renda.

De acordo com o texto, o PMQ tem como público prioritário os beneficiários do seguro-desemprego; trabalhadores desempregados, que integram o banco de dados do Sine, ou que tenham sido afetados por transformação tecnológica ou reestruturação econômica; e beneficiários de políticas de inclusão social, como o CadÚnico, por exemplo. As populações vulnerabilizadas, da promoção da equidade de gênero, do combate ao racismo e de todas as formas de discriminação também são prioritárias, segundo as regras, que citam outros 17 grupos populacionais nessas condições, além de tornar obrigatória a destinação de 10% das vagas para atendimento a pessoas com deficiências.

Qualificação

As ações formativas serão parte de projetos específicos para a oferta de cursos de iniciação e aperfeiçoamento profissional, de forma presencial e híbrida, ou seja, parte à distância e parte presencial. A carga horária mínima de conteúdos básicos, será de 40 horas, para cursos de iniciação ou aperfeiçoamento. Os conteúdos de formação profissional, terão um mínimo de 60 horas, sendo 30% de prática profissional.

Passaporte qualificação

O passaporte qualificação será viabilizado por parcerias com instituições de ensino profissionalizante, para a disponibilização de vagas em cursos, conforme a necessidade do trabalhador e as exigências do mercado de trabalho.

Certificação profissional

Essa modalidade tem como foco a validação de conhecimentos, competências e saberes desenvolvidos pela experiência profissional, ou por meio de educação formal. A ideia é promover políticas públicas nacionais em articulação com o Ministério da Educação para viabilizar essa modalidade.

Emprego e renda

As ações de fomento a estratégias de geração de emprego e renda preveem investimentos de acordo com as finalidades do PMQ, e têm como referência as iniciativas e boas práticas em qualificação social e profissional.

Os recursos para financiamento do programa têm origem no Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT) e podem ser executados diretamente pelo Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) , com a contratação de instituições privadas ou por colaboração com instituições sem fins lucrativos; ou ainda indiretamente por meio de outras unidades federativas, com transferência de recursos fundo a fundo, ou pela execução descentralizada com órgãos da União. Outras fontes de recursos também poderão complementar os investimentos necessários ao programa.

Lula propõe parceria estratégica com o Egito

Os governos do Brasil e do Egito assinaram, nesta quinta-feira (15), dois acordos bilaterais para facilitar a exportação de carnes e ampliar a cooperação em ciência e tecnologia. Os atos ocorreram durante a visita oficial do presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao país, quando o brasileiro ainda propôs elevar as relações entre os dois países ao nível de parceria estratégica.

Em declaração à imprensa, após encontro com o presidente do Egito, Abdel Fattah Al-Sisi, Lula disse que Brasil e Egito são importantes em seus continentes e não podem ter uma relação pequena. “A nossa relação tem que ser muito forte, muito grande, e envolver todas as atividades possíveis, da agricultura à defesa, da economia à ciência e tecnologia, da nossa relação conjunta para tentar democratizar o funcionamento das Nações Unidas, no campo da educação, no campo da cultura”, disse.

Angola e África do Sul são os dois países africanos com o qual o Brasil tem uma parceria estratégica, que é um relacionamento bilateral aprofundado e de longo prazo, envolvendo, por exemplo, cooperação em áreas de interesse e alinhamento político em questões internacionais.

Este ano, o Egito se tornou integrante do Brics, bloco que reúne economias emergentes como Brasil, Rússia, Índia, China, África do Sul, Argentina e Irã. O país africano também participará do G20 a convite do governo brasileiro que, até dezembro, preside o bloco das 20 maiores economias do mundo.

“Somos dois grandes países em desenvolvimento que apostam na promoção do desenvolvimento econômico e social como pilares para a paz e segurança. Combatemos todas as manifestações de racismo, xenofobia, islamofobia e antissemitismo. O Brasil voltou a apoiar a iniciativa egípcia de criação de uma Zona Livre de Armas no Oriente Médio, à semelhança do que já existe na América Latina”, ressaltou Lula.

“No Brics, vamos trabalhar juntos pela reforma da ordem global e na construção da paz, especialmente num momento em que ressurgem pressões protecionistas e conflitos que penalizam os países mais pobres”, acrescentou o presidente, defendendo a discussão sobre a dívida externa dos países africanos.

A visita ao Cairo celebra, ainda, os 100 anos das relações diplomáticas entre Brasil e Egito. O país é, atualmente, o segundo maior parceiro comercial do Brasil na África, atrás apenas da Argélia.

Em 2023, o comércio bilateral entre os países chegou a US$ 2,8 bilhões, sendo US$ 489 milhões em produtos egípcios importados pelo Brasil e US$ 1,83 bilhão em produtos brasileiros exportados. No caso da Argélia, a balança comercial chegou a US$ 4,2 bilhões no ano passado.

A expectativa do governo brasileiro é que o comércio entre as nações aumente nos próximos anos, após a abertura do mercado egípcio para diversos produtos brasileiros em 2023, como peixes e derivados, carne de aves, algodão, bananas e gelatina e colágeno. O Brasil também negocia a habilitação de novos abatedouros e frigoríficos no Brasil para exportação de carne bovina.

Durante a reunião, Lula propôs ainda a negociação de acordo de cooperação e facilitação de investimentos, para maior integração empresarial. Também foi discutida a abertura de uma rota aérea entre os dois países, ligando São Paulo ao Cairo.

Exportações

Entre os atos oficiais, foi assinado um protocolo para exportação de carnes e produtos cárneos do Brasil para Egito, entre o Ministério da Agricultura e Recuperação de Terras do país africano e o Ministério da Agricultura e Pecuária do Brasil (Mapa). De acordo com o governo, o ato “garante segurança alimentar, padrões rigorosos de qualidade e retira amarras burocráticas à exportação de carnes bovinas, suínas e de aves”.

O Egito é um dos seis maiores importadores mundiais de carne bovina do Brasil e líder na importação de carne de aves.

O protocolo cria uma equivalência dos sistemas de inspeção de carnes, também conhecido como pre-listing (pré-listagem). Ele reflete o alto grau de confiança no controle sanitário brasileiro, especialmente no Serviço de Inspeção Federal (SIF), que já é reconhecido por mais de 150 países importadores.

Antes desse acordo, a renovação da habilitação de estabelecimentos brasileiros para exportação exigia auditorias presenciais por parte das autoridades egípcias. O procedimento implicava altos custos para os exportadores, sobrecarregava os auditores do Mapa e limitava o número de estabelecimentos autorizados a exportar.

Desde 2019, cerca de 30 estabelecimentos brasileiros estavam na fila de espera para a habilitação. Agora, as empresas certificadas pelo Brasil serão automaticamente reconhecidas pelo Egito, que tem o direito de visitar os estabelecimentos sempre que julgar pertinente para verificar o cumprimento dos requisitos.

Ciência e tecnologia

Durante a visita de Lula também foi assinado um memorando que reforça parcerias, cooperações e pesquisas nas áreas de ciência, tecnologia e inovação entre os dois países. O ato é entre o Ministério do Ensino Superior e Pesquisa Científica do Egito e o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação do Brasil.

O texto pretende elevar a cooperação bilateral na área e incentivar a colaboração entre empresas, universidades e institutos de pesquisa, incluindo projetos conjuntos de pesquisa, desenvolvimento e inovação, intercâmbios de pessoal e seminários.

Carnaval turístico do Rio também nasceu da luta política dos sambistas

Arte/Agência Brasil

O carnaval turístico no Rio de Janeiro, desde o início dos anos de 1930, foi uma articulação política, que envolveu diversos setores, incluindo a imprensa e as agremiações carnavalescas, mercado de turismo e o Estado. Essa é uma das conclusões de pesquisa da doutora em História Social pela Universidade Federal Fluminense (UFF) Fabiana Martins Bandeira. “Essa disputa aconteceu em torno de qual seria o carnaval que seria turístico”, explicou Fabiana

Intitulada Modernidade Negra na Praça Onze: escolas de samba, ação política e a construção do carnaval turístico, a pesquisa destaca a ação política das escolas de samba ao longo de todo o processo estudado, que se inicia em 1932, no primeiro desfile na Praça Onze, e vai até 1948, pegando o período do pós-guerra. 

“A principal conclusão a que eu chego é que o acesso à cidadania foi buscado por esses sambistas, negros, pobres, moradores de comunidades e subúrbios, através do seu carnaval, do seu desfile, e como essas comunidades foram agentes políticos de sua história. Elas lutaram, através dos seus desfiles, por maior acesso à cidadania e o reconhecimento do valor do samba das escolas de samba para a formação da brasilidade e o reconhecimento do valor do desfile para o crescimento desse carnaval político”, disse em entrevista à Agência Brasil.

Segundo Fabiana, há o entendimento de que foi uma ação política, que ficou mais evidente no pós-guerra, com a consciência do apoio dos sambistas para as eleições, em especial nos anos de 1945 e 1947, quando as escolas de samba atuaram diretamente nas campanhas políticas, com algumas lideranças sendo alvo de repressões e perseguições no governo de Eurico Dutra, principalmente após sua aproximação com o Partido Comunista do Brasil (PCB).

Cidadania

“Tudo isso mostra para a gente como essa ação de participação no carnaval turístico e nos rumos políticos da vida brasileira, as escolas de samba colocaram na rua discursos políticos”, avalia. 

Durante a guerra, as escolas cantaram sambas de apoio ao soldado combatente, sambas contra o nazifascismo. “Tudo isso foi mostrando que, mais do que simplesmente ter o direito de desfilar era, também, o direito de ser reconhecido como cidadão, como brasileiro, e ter o samba de morro, como a imprensa chamava na época, reconhecido como um grande valor cultural para o país”.

Boa parte da tese de Fabiana se concentra no período do Estado Novo de Getúlio Vargas. Foi quando ela observou o maior movimento de mostrar o samba no exterior e trazer também estrangeiros para a política da boa vizinhança com os Estados Unidos para verem o samba. Em algumas agremiações, ocorreram visitas importantes, como a do diretor Walt Disney, que esteve na Portela, em 1941; e do diretor de cinema Orson Welles, em 1942, que participou do carnaval na Praça Onze e tentou fazer um filme sobre a festa.

“Acho que a maior contradição que eu observei nesse período do Estado Novo e da política da boa vizinhança é sobre a identidade racial brasileira. De um lado, o samba vai sendo elevado no discurso da grande imprensa como representativo de uma suposta democracia brasileira e de uma suposta harmonia racial brasileira, que a gente sabe que é mito. Naquele período, o samba servia a esses propósitos da propaganda”, argumenta. 

Fabiana apurou, porém, que o que estava sendo mostrado no exterior era, principalmente, um samba branco, feito por sambistas e artistas brancos, como Carmem Miranda e o Bando da Lua, que participaram de movimentações oficiais brasileiras, como, por exemplo, na Feira Mundial de Nova York, entre 1939 e 1940.

Contradição

Ao mesmo tempo que o carnaval de rua popular e os desfiles das escolas de samba mostram a relação entre brasilidade e samba, o Estado brasileiro poucas vezes, naquele momento, associou isso ao sambista negro morador dos morros e subúrbios do Rio. 

“Pode-se dizer que o samba foi valorizado, mas o sambista continuou por muito tempo sendo estigmatizado, perseguido. O Estado Novo tem grandes contradições, tanto na questão da exportação do samba, do reconhecimento, da valoração do samba como típica música nacional, como no próprio cotidiano da cidade do Rio de Janeiro, durante a prefeitura do interventor Henrique Dodsworth, nomeado pelo presidente Vargas”.

Segundo a pesquisadora, foi na gestão de Henrique Dodsworth como prefeito do então Distrito Federal que as negociações das agremiações das escolas de samba com o Estado ficaram mais dificultadas, com o governo tentando se apropriar da recém-construída Avenida Presidente Vargas, espaço importante para a cultura popular, para fazer auto homenagem ao presidente e ao legado de seu governo. Ao mesmo tempo, se intensificavam as perseguições policiais e as regras eram cada vez mais rígidas para o carnaval de rua, enquanto havia incentivo para o carnaval interno de bailes em cassinos luxuosos e hotéis na orla de Copacabana, enquanto se enfraquecia o apoio ao carnaval popular, incluindo as escolas de samba.

Pacto

As agremiações de samba acabaram se organizando em associação e estabeleceram uma espécie de pacto político com o Estado para que essas comunidades tivessem algum benefício. Durante a prefeitura de Pedro Ernesto, antes do golpe de Estado, o pacto político começou a ser construído, com a inauguração, em janeiro de 1936, da Escola Municipal Humberto de Campos, na Mangueira, primeira unidade de ensino aberta em uma comunidade. Já a partir do Estado Novo, esse pacto político vai sendo rompido. Esse pacto significava que as escolas de samba entrariam com toda a sua festa, e sua performance para engrandecer e tornar mais interessante o carnaval turístico que estava sendo oficializado na prefeitura e cobrariam da municipalidade melhorias nas suas condições de vida e de acesso à cidadania.

O argumento de Fabiana Bandeira foi sendo construído em cima, principalmente, de uma percepção da ação política das escolas de samba, “do associativismo negro das escolas de samba como um motor para uma luta por cidadania de homens e mulheres negros, suburbanos, moradores de comunidades, que viviam sob uma sociedade extremamente racista, onde o discurso da eugenia era ainda muito forte”. 

“É uma luta antirracista que tem muitos desafios, contradições e dificuldades, mas tem também a vitória de ter conseguido se transformar no principal evento desse carnaval político”, explica. 

Na análise de Fabiana, a hegemonia das escolas no final dos anos de 1940 já é notável e coloca o sambista negro como o agente dessa história, símbolo do carnaval, da cultura popular. Para a pesquisadora, no entanto, essa “é uma luta contínua”.

Atualmente, o carnaval carioca se consolidou como um negócio, além de ter se tornado um grande momento de arrecadação para o Estado. O evento também se estabeleceu como mercado de trabalho para muitas pessoas, que trabalham o ano inteiro para colocar as escolas de samba na avenida, na visão de Fabiana. 

Segundo Fabiana, nos últimos anos as vozes e as intelectualidades negras vêm ganhando espaço novamente, deixando para trás uma fase polêmica de enredos patrocinados nas escolas de samba.

A pesquisadora entende, contudo, que ainda há uma permanência do racismo em muitos discursos da imprensa, principalmente pela mentalidade persistente na história recente que relaciona a figura do carnavalesco a um intelectual branco, oriundo da academia, considerado por muitos como mente criadora nas escolas de samba, deixando na invisibilidade os artistas das próprias agremiações que trabalham para a realização do carnaval.

Capoeiristas farão censo para mapear grupos na capital paulista

O Fórum da Capoeira do Município de São Paulo e o Instituto Caifazes Ação Social vão fazer uma pesquisa censitária na capital paulista para mapear os grupos de capoeira na cidade. A iniciativa conta com o apoio da Secretaria Municipal de Esportes e Lazer e da Casa da Capoeira de São Paulo.

A previsão é de que os dados sejam coletados durante três meses, aproximadamente. A etapa seguinte, de gestão e organização, deve durar outros seis meses, conforme o planejamento inicial. O resultado será apresentado no dia 17 deste mês. A ideia é visitar os espaços e entrevistar as pessoas responsáveis, além de produzir um banco de dados que fique disponível para entidades de capoeira e pesquisadores.

Em entrevista à Agência Brasil, o contramestre Renato Manoel de Souza, mais conhecido nas rodas como Palito, falou sobre o cuidado para envolver no projeto apenas pessoas comprometidas com a capoeira que, historicamente, é alvo de ataques originados do racismo.

“Sobre a discriminação, as pessoas sabem que a capoeira foi perseguida porque é uma manifestação cultural de africanos escravizados. Hoje, ela é direcionada a mestres negros, aqueles que são assassinados pelas costas por intolerantes políticos. São mestres que, apesar da grande carreira na área, dos prêmios e reconhecimento da sociedade, ainda morrem pobres, esquecidos, como foi o caso de Bimba e Pastinha. A discriminação é direcionada à pessoa negra e não à atividade em si.”

 O capoeirista milita em diversas frentes no movimento negro, como na Oluko ilé Ékó Escola do Saber e na Biblioteca Comunitária Assata Shakur, na Vila Formosa.

“Se, porventura, durante uma perseguição, algum espaço hoje não mapeado deixar de existir, a gente nem vai saber”, pondera Palito.

Renato lembrou que o censo é um desdobramento de outras ações, iniciadas entre 2018 e 2019. A deputada estadual Leci Brandão (PCdoB) organizou uma audiência pública, no final de 2019, com os capoeiristas, como forma de agilizar o levantamento nos municípios, a partir da criação dos fóruns de capoeira.

“Em meio à pandemia e ao período eleitoral, lançamos o Mapa São Paulo da Capoeira, junto com a Candidatura Coletiva Ubuntu Capoeira e representantes de todas as macrorregiões da cidade. Foram mapeados cerca de 450 grupos. O Fórum da Capoeira do Município de São Paulo foi criado em dezembro de 2020 e se tornou o espaço onde passamos a discutir as demandas da capoeira na cidade que acabavam sendo suplantadas por outros atravessamentos”, disse. 

“A maior vulnerabilidade dentro da capoeira é esse apagão de informações que existe, que acaba mantendo no imaginário das pessoas aquela visão da capoeira folclórica, a capoeira do senso comum”, afirmou Palito, que é formado em pedagogia, com pós-graduado em relações étnico-raciais e dá aulas em oito locais diferentes.

Segundo o contramestre, a aproximação com autoridades governamentais resultou, em 2023, no lançamento do Edital de Fomento para a Capoeira, com um orçamento de R$ 2,5 milhões. “A prefeitura empenhou cerca de R$ 5 milhões para a capoeira no último ano, fruto da organização da categoria”, acrescentou.

Para o capoeirista, a pesquisa censitária ajudará a qualificar ainda mais as ações do movimento dos capoeiristas junto ao poder público e deve impulsionar uma descentralização de recursos e políticas públicas, fazendo com que diversos grupos sejam beneficiados. “E mostrará o quanto essa cultura afrodescendente, preta, diaspórica é importante para o desenvolvimento da maior cidade deste país”, destaca Palito. 

Brasília Amarela completa 10 anos homenageando Mamonas no carnaval

A nostalgia dos fãs do grupo Mamonas Assassinas comemora 10 anos no carnaval do Rio de Janeiro nesta segunda-feira (12) com o desfile do bloco Brasília Amarela (foto), às 10h, no Largo de São Francisco, no centro da cidade.

Os integrantes da banda morreram em um acidente de avião no auge da carreira, em 1996. Eles deixaram hits de sucesso como Pelados em Santos, que dá nome ao bloco que desfila desde 2014, e versos irreverentes como Money, que é good nós não have. No carnaval, essas músicas serão revisitadas em ritmos como samba-enredo, marchinha, frevo, ijexá, baião, ciranda e funk.

O fundador e cantor Caio Bucker diz que as músicas do grupo são eternas e ainda tocam em rádios, festas e outros eventos. Para ele, este ano o desfile será impulsionado pela cinebiografia do grupo Mamonas Assassinas: O Filme, lançado nos cinemas no fim do ano passado.

“Para as novas gerações é uma apresentação, esses são os Mamonas Assassinas. Tanto que a gente vê isso nos shows, as novas gerações marcam presença nos shows do Brasília Amarela. Sempre foi assim também, e é cada vez mais. As novas gerações estão indo, as crianças continuam indo, os adultos e os idosos, então nem se fala, sempre estão presentes”.

Humor

Com versos de humor considerados problemáticos diante de questões sociais que ganharam força desde a década de 1990, o repertório dos Mamonas é revisitado de forma cuidadosa pelo bloco, que inclusive suprime versos que hoje são reconhecidamente ofensivos.

“Eu não vou contra os Mamonas porque entendo que isso era de uma época, era datado dos anos 90, e isso ao longo dos anos foi se tornando uma questão que deve ser refletida e repensada, eu concordo com isso. Mas, como é que eu vou fazer? Eu vou mudar a letra? Não vou”, explica Caio.

Há uma parte numa música que fala “Te falei que o importante é competir, mas te mato de pancada se você não ganhar” – eu decidi não falar essa parte “te mato de pancada” justamente contra a violência contra as mulheres”, explica.

“Graças a Deus o mundo anda para frente, as coisas vão evoluindo, vão crescendo, e as questões sociais estão sendo cada vez mais debatidas e questionadas. Como a luta contra o racismo, contra o machismo, contra a misoginia, contra a homofobia, enfim, isso tudo deve ser, sim, questionado e levado em consideração na hora de fazer um projeto como esse”, argumenta.

Para Caio, o humor dos Mamonas Assassinas pode ser questionado, mas, também pode ser levado como uma crítica e ironia. O que ele garante é que o grupo do litoral paulista tem tudo a ver com o carnaval

“Mamonas Assassinas é irreverência, é alegria, é descontração, é liberdade e o carnaval também é tudo isso”, finaliza. 

Série Ouro: oito agremiações se apresentam no Rio neste sábado

O sambódromo do Rio de Janeiro será palco na noites deste sábado (10) dos desfiles de oito escolas de samba, fechando assim as apresentações da Série Ouro. A agremiação vencedora conquista o direito de se apresentar no próximo ano no Grupo Especial, a elite do carnaval carioca.

Irão se apresentar nessa ordem: Sereno de Campo Grande, Em Cima da Hora, Arranco do Engenho de Dentro, União da Ilha do Governador, Unidos de Padre Miguel, São Clemente, Unidos de Bangu e Império Serrano. Os enredos irão transitar por temas variados que envolvem tradições nordestinas, personalidades da cultura e da saúde, mensagens contra o racismo e práticas religiosas. Os desfiles se iniciam às 21h.

Na noite de sexta-feira (9), outras oito escolas percorreram a Marquês de Sapucaí: União do Parque Acari, Império da Tijuca, Acadêmicos de Vigário Geral, Inocentes de Belford Roxo, Estácio de Sá, União de Maricá, Acadêmicos de Niterói e Unidos da Ponte. A plateia acompanhou uma diversidade de enredos, que explorou temas como manifestações culturais regionais, cultos a ancestralidades e homenagens a trabalhadores informais.

Em geral, as agremiações da Série Ouro possuem menos recursos que as do Grupo Especial para levar seus enredos ao sambódromo. No primeiro dia de desfiles, foram registrados alguns contratempos com atrasos na chegada de fantasias, dificuldades com carros alegóricos e até um princípio de incêndio em um deles, durante a apresentação do Império da Tijuca.

Entre as 16 agremiações da Série Ouro, muitas delas já estiveram na elite do carnaval carioca e duas chegaram inclusive a se sagrar campeãs. A escola Estácio de Sá faturou o título em 1992 com o enredo Pauliceia Desvairada. Já o Império Serrano já foi coroado nove vezes, tendo sido uma das agremiações mais vitoriosas nas décadas de 1940 e de 1950. Seu último título foi em 1982, há mais de quarenta anos, com o enredo Bum Bum Paticumbum Prugurundum.