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Saiba como cada ministro do STF votou sobre porte de drogas até agora

O Supremo Tribunal Federal (STF) tem na pauta desta quarta-feira (6) a retomada do julgamento que pode resultar na descriminalização do porte de drogas para consumo pessoal. Com votação iniciada em 2015 e placar de 5 a 1 favorável a algum tipo de flexibilização, o tema aguarda há 9 anos por um desfecho.

No caso concreto, os ministros julgam um recurso contra uma decisão da Justiça de São Paulo, que manteve a condenação de um homem flagrado com 3 gramas de maconha. Ele foi enquadrado no Artigo 28 da Lei das Drogas (Lei 13.343/06), segundo o qual incorre em crime quem “adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo” droga ilícita para consumo pessoal.

Maconha – Arquivo/Agência Brasil

As penas são brandas e incluem advertência sobre os efeitos das drogas, prestação de serviços comunitários e outras medidas educativas. No Supremo, contudo, a controvérsia envolve saber se o usuário causa, de fato, algum tipo de dano à sociedade ao consumir substância ilícita, para que tal ato possa ser enquadrado como crime.

Outro ponto em debate é saber em que medida o Estado pode interferir na opção feita por alguém de consumir uma substância, seja lícita ou ilícita, sem ferir os princípios da intimidade e do direito a ter uma vida privada. De modo preliminar, os ministros respondem também a questão se cabe ao Supremo deliberar sobre o assunto, ou se isso seria tarefa apenas do Congresso.

O julgamento é o primeiro item da pauta do plenário desta quarta-feira, na sessão marcada para as 14h. O caso será retomado com o voto do ministro André Mendonça, que pediu vista (mais tempo de análise) na retomada do julgamento anterior, em agosto do ano passado. 

O recurso em julgamento tem repercussão geral. Isso significa que, ao final, o plenário do Supremo deverá estabelecer uma tese que servirá de parâmetro para todos os casos semelhantes na Justiça. 

Descriminalização X legalização

Ministro do STF Gilmar Mendes, relator da ação sobre a descriminalização da maconha – Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

Para o relator do caso, ministro Gilmar Mendes, a conduta do usuário de drogas não é crime. Por seu voto, proferido há cerca de 8 anos, o consumo de qualquer substância é uma decisão privada, e eventual dano causado recai sobretudo sobre a saúde do próprio usuário. “Está-se a desrespeitar a decisão da pessoa de colocar em risco a própria saúde”, argumenta.

Gilmar Mendes sustenta que criminalizar a conduta do consumidor de drogas resulta em estigmatização, o que prejudica os esforços de redução de danos e prevenção de riscos preconizados pelo próprio Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas.

Ao fundamentar sua decisão, o relator se valeu da tradição doutrinária alemã, e concluiu ser dever do Supremo ajustar a proporcionalidade de normas penais que tratem de danos abstratos, como é o dano contra a saúde pública supostamente praticado pelo usuário de drogas. Nesse caso, ao criminalizar a conduta, o legislador teria sido desproporcional, extrapolando suas atribuições, disse o ministro, o que justificaria a intervenção da Corte.

O relator se empenhou ainda em argumentar a diferença entre descriminalizar o consumo e legalizar drogas ilícitas. Legalizar, frisou Mendes, é um processo legislativo autorizador e regulador do consumo, nos moldes do que foi feito em países como o Uruguai e em alguns estados dos Estados Unidos.  

“Quando se cogita, portanto, do deslocamento da política de drogas do campo penal para o da saúde pública, está se tratando, em última análise, da conjugação de processos de descriminalização com políticas de redução e de prevenção de danos, e não de legalização pura e simples de determinadas drogas”, afirma.

Na retomada mais recente do caso, o relator decidiu recuar um pouco em seu voto, de modo a descriminalizar o porte somente em relação à maconha. 

Autocontenção

O ministro Edson Fachin também votou na linha de Gilmar Mendes, concordando que o consumo de drogas faz parte da autodeterminação individual, que “corresponde a uma esfera de privacidade, intimidade e liberdade imune à interferência do Estado”. 

Dizer que usar drogas é crime seria uma atitude estatal moralista e paternalista, argumentou Fachin.  

Ministro Edson Fachin votou com o relator pela descriminalização da maconha – Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

O ministro, contudo, ressalvou que o tema é “hipercomplexo”, havendo “ausência de resposta perfeita”. Fachin frisou ainda que o caso concreto em julgamento trata do porte de maconha, e que, por dever de autocontenção, a decisão do Supremo de descriminalizar o porte de drogas para consumo pessoal deve se ater apenas a essa droga.

Fachin destacou que, a seu ver, o porte de drogas para consumo próprio não causa, em si, dano a bem alheio. “São somente condutas derivadas desse consumo que resultam em tais danos – como o furto para sustentar o vício. Tais condutas derivadas, porém, já são previstas como crime por outros dispositivos penais, não sendo necessário criminalizar o porte de drogas para consumo próprio”, concluiu o ministro em seu voto.

O ministro Luís Roberto Barroso, presidente da Corte, seguiu a mesma linha de raciocínio, votando pela descriminalização do consumo exclusivamente de maconha, em virtude dos direitos à intimidade e à vida privada garantidos pela Constituição.

Assim como Gilmar Mendes, Barroso frisou que a medida significa dizer que o Estado não tem poder de interferência, ou muito menos de punir, sobre o porte de drogas para consumo pessoal. “Tal afirmativa, porém, não resulta na legalização do consumo de drogas ilícitas, nem mesmo da maconha”, sustentou o ministro.

O ministro Barroso admitiu ser inconsistente descriminalizar o consumo ao mesmo tempo em que a produção e a distribuição de drogas seguem sendo crimes. Ele defendeu, contudo, que caberá ao Legislativo, um dia, equacionar tal inconsistência por meio de eventual legalização. O ministro também citou exemplos, que para ele são bem-sucedidos, como os de Portugal e Uruguai.

“Estamos lidando com um problema para o qual não há solução juridicamente simples nem moralmente barata”, disse.

Quantidade

Presidente do STF,Luís Roberto Barroso, sugeriu a quantidade de até 25 gramas como adequada para diferenciar o porte para consumo do tráfico – Foto Valter Campanato/Agência Brasil

Indo um pouco além, Barroso focou seu voto também nas consequências da criminalização do porte de pequenas quantidades de maconha para os altos índices de encarceramento no Brasil, sobretudo de jovens negros.

Nessa linha, Barroso insistiu ser necessário estabelecer uma quantidade específica para distinguir o usuário do traficante, “pois deixar essa distinção a critério das autoridades, seja policial ou judicial, apenas escancara o racismo presente nas instituições”, argumentou.

Em seu voto, Barroso disse considerar prioridade “impedir que as cadeias fiquem entupidas de jovens pobres e primários, pequenos traficantes, que entram com baixa periculosidade e na prisão começam a cursar a escola do crime, unindo-se a quadrilhas e facções. “Há um genocídio brasileiro de jovens pobres e negros, imersos na violência desse sistema”, alertou.

Valendo-se do exemplo de Portugal, país pioneiro ao ter legalizado o consumo de todas as drogas, em 2011, Barroso sugeriu a quantidade de até 25 gramas como adequada para diferenciar o porte de maconha para consumo ou para o tráfico. Em nome da coerência, já que comprar a droga seguiria sendo crime, o ministro sugeriu a liberação do cultivo de seis plantas fêmeas de maconha.

Esse entendimento foi reforçado no voto do ministro Alexandre de Moraes, que trouxe dados da Associação Brasileira de Jurimetria, segundo os quais 25% dos presos no país respondem pelo crime de tráfico de drogas. Ele sustentou que a maior parte desses presos poderiam ser enquadrados como usuários, se houvesse um critério objetivo. Como não há, vão para cadeia em geral jovens e negros, disse. 

Ministro do Supremo Tribunal Federal Alexandre de Moraes votou favorável à descriminalização da maconha – Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

“O STF tem o dever de exigir que a lei seja aplicada identicamente a todos, independentemente de etnia, classe social, renda ou idade”, defendeu Moraes. Para diferenciar consumo próprio de tráfico de maconha, o ministro sugere o porte de uma quantidade de 25g a 60g.

Em agosto do ano passado, poucos dias antes de se aposentar, a ministra Rosa Weber votou com o relator, no sentido de descriminalizar o porte de maconha. 

“Penso que o STF pode ajudar nessa solução, sem prejuízo na atuação do Congresso. Quem despenalizou para o usuário foi o Congresso, em 2006. Se mantém apenas a criminalização, o Supremo daria um passo no sentido de descriminalizar quando se trata de uso próprio”, disse Weber.

Divergência 

O único a divergir, até o momento, foi o ministro Cristiano Zanin. O ministro argumenta que a descriminalização apresenta “problemas jurídicos” e pode agravar o combate às drogas.

“Não tenho dúvida que os usuários de drogas são vítimas do tráfico e das organizações criminosas para exploração ilícita dessas substâncias. A descriminalização, ainda que parcial das drogas, poderá contribuir ainda mais para esse problema de saúde pública”, afirmou.

Apesar de se manifestar contra a descriminalização, Zanin votou para fixar a quantidade de 25 gramas de maconha ou seis plantas fêmeas de cannabis para configurar a situação de uso pessoal em apreensões policiais. 

Ministro Cristiano Zanin é contrário à descriminalização da maconha – Foto: Fabio Rodrigues-Pozzebom/Agência Brasil

Situação no mundo

Ao menos 38 países do mundo promoveram algum tipo de permissão para o porte e o consumo de drogas. Além de Portugal, Uruguai e alguns estados norte-americanos, também adotaram certo grau de liberação países tão diversos como Quirguistão, Espanha e África do Sul.

Um dos movimentos mais recentes para a descriminalização das drogas ocorreu na Alemanha, onde o parlamento aprovou em fevereiro a descriminalização do uso recreativo de maconha, embora a compra da droga esteja submetida a regras rigorosas. 

Em parte desses países – como na Argentina, Colômbia e Polônia – a flexibilização para o porte e o consumo de drogas ocorreu por decisão judicial. Em outros – como em estados dos EUA, em Portugal e no Uruguai – foi o Legislativo que atuou para legalizar e estabelecer regras para o porte e o uso de drogas ilícitas.

Países como República Tcheca e Suíça têm regras específicas para maconha, enquanto outros, como a Estônia, flexibilizam o porte de qualquer substância.

Em países como a Holanda, a solução foi processual, sendo uma política oficial das autoridades policiais e de acusação não atuar contra o consumo de pequenas quantidades de drogas. 

Há lugares – como em alguns estados da Austrália e na Itália – em que ser flagrado andando com a droga, apesar de não ser crime, resulta em sanções administrativas, como multas e confisco do material. Já na Bolívia e Paraguai, não há sanções previstas.

As origens da liberação, bem como as minúcias legais, variam bastante ao redor do mundo. O estado atual da descriminalização é compilado periodicamente pelo projeto Talking Drugs, mantido pela organização não governamental britânica Release em parceria com a International Drug Policy Consortium, consórcio internacional formado por 194 entidades, em 75 países, dedicado ao tema das drogas.

Barroso diz que risco à democracia era maior do que se pensava

O ministro do Supremo Tribunal Federal, Luís Roberto Barroso, disse nesta segunda-feira (4) que o risco de uma ruptura com a democracia nos últimos anos era maior do que se pensava. “As investigações estão revelando que nós estivemos mais próximos do que pensávamos do impensável. Nós achávamos que já havíamos percorrido todos os ciclos do atraso institucional para ter que nos preocupar com ameaça de golpe de Estado quando já avançado o século 21”, disse ao dar uma aula magna na Pontifícia Universidade Católica (PUC), na capital paulista.

Durante a palestra, Barroso destacou a estabilidade institucional vivida pelo país desde a Constituição de 1988 entrar em vigor. Essa tranquilidade só foi rompida, na avaliação do ministro, com as tramas golpistas que vêm sendo reveladas pelas investigações da Polícia Federal envolvendo integrantes do governo do ex-presidente Jair Bolsonaro. “Esse problema só entrou no radar da sociedade brasileira, infelizmente, nos últimos anos. E vai ficando para trás. Mas entrou de uma maneira muito preocupante”, enfatizou.

O ministro também criticou “politização das Forças Armadas” que, segundo ele, também participaram das tentativas de desacreditar as eleições de 2022. “Foram manipulados e arremessados na política por más lideranças. Fizeram um papelão no TSE [Tribunal Superior Eleitoral]. Convidados para ajudar na segurança e para dar transparência, foram induzidas por uma má liderança a ficarem levantando suspeitas falsas”, afirmou Barroso.

O que aconteceu no Brasil faz parte, na opinião do ministro, de “onda de um populismo autoritário” que atinge diversos países. “O mundo assiste a uma onda de um populismo autoritário, anti-institucional e antipluralista. O populismo pode ser de direita, pode ser de esquerda, embora hoje no mundo os riscos estejam vindo mais intensamente dos populismos de direita, com as suas manifestações de racismo, de xenofobia, de misoginia e de anti-ambientalismo”, disse.

A divulgação de informações falsas é, segundo o ministro, uma das estratégias desses grupos de extrema-direita. “A circulação da desinformação já se tornou uma estratégia de destruição, de desconstrução de reputações desse mundo desencontrado que nós estamos”, ressaltou.

Barroso ressaltou que nos regimes democráticos as diferentes formas de pensamento devem conviver. “A democracia é plural. Ninguém tem o monopólio da representação do povo. Democracia tem espaço para progressistas, para liberais e para conservadores. Só não tem espaço para aqueles que não aceitam o outro, para intolerância, para quem não seja capaz de respeitar as regras do jogo”, pontuou.

Investigações

No último dia 8 de fevereiro, foi lançada uma operação da Polícia Federal que teve como alvo o ex-presidente Jair Bolsonaro e integrantes de seu governo, incluindo ministros e militares. Eles são investigados por formarem uma suposta organização criminosa para atuar na tentativa de golpe de Estado. A operação foi batizada de Tempus Veritatis ou Hora da Verdade, em tradução livre.

As investigações apontaram que o grupo formulou uma minuta, com a participação de Bolsonaro, que previa uma série de medidas contra o Poder Judiciário, incluindo a prisão de ministros da Suprema Corte. Esse grupo também promoveu reuniões para impulsionar a divulgação de notícias falsas contra o sistema eleitoral brasileiro e monitorou o ministro do STF, Alexandre de Moraes.

Entenda regras do TSE para uso de inteligência artificial nas eleições

O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) aprovou na última terça-feira (27) as 12 resoluções eleitorais com as regras finais para a eleição municipal de outubro. O passo é obrigatório e deve ser realizado até 5 de março, no ano do pleito.

Por meio desses normativos, os ministros do TSE buscam adaptar o processo eleitoral às mudanças na realidade, embora sempre limitados ao que prevê a legislação eleitoral e a Constituição.

Com os avanços tecnológicos cada vez mais rápidos, neste ano foram alvo de preocupação temas que na eleição anterior sequer estavam no radar. Um exemplo é a inteligência artificial (IA) e seu potencial de turbinar problemas já de difícil controle, como as notícias falsas e a desinformação sobre o processo eleitoral.

Diante da inércia do Congresso em regulamentar o tema, a Justiça Eleitoral decidiu colocar balizas ao uso da IA nas eleições, de modo a tentar proteger a decisão bem informada do eleitor.

As medidas foram bem recebidas pela comunidade jurídica, que viu na iniciativa uma tentativa de adequar o tempo mais lento da criação de normas à velocidade acelerada das atualizações tecnológicas.

“É uma corrida contínua, onde a tecnologia, os métodos de manipulação, evoluem exponencialmente, então as estratégias de defesa devem ser igualmente dinâmicas”, ressalta o advogado Alexander Coelho, especialista em direito digital e proteção de dados.

Há dúvidas sobre a eficácia das regras ante manipulações cada vez mais realistas, mas a avaliação é que, uma vez havendo normas, fica mais fácil outros atores sociais auxiliarem a Justiça Eleitoral na fiscalização das campanhas.

“Muitos casos vão chegar à Justiça por meio dos advogados dos candidatos e partidos”, aposta o professor e advogado Renato Ribeiro de Almeida, coordenador acadêmico da Associação Brasileira de Direito Eleitoral e Político (Abradep). “Com certeza teremos eleições muito judicializadas, seguindo a tendência de pleitos anteriores”, acrescenta.

Confira abaixo as regras aprovadas pelo TSE sobre o uso de inteligência artificial nas eleições: 

Exigência de rótulos de identificação de conteúdo multimídia fabricado – qualquer material visual feito por meio de inteligência artificial deverá trazer o aviso explícito sobre o uso da tecnologia;
Restrição ao uso de chatbots e avatares para intermediar a comunicação da campanha – fica proibido simular conversas com o candidato ou outro avatar que aparente ser uma pessoa real; 
Vedação absoluta, seja contra ou a favor de candidato, do uso de deep fake – conteúdo fabricado em formato de áudio, vídeo ou combinação de ambos e que tenha sido gerado ou manipulado digitalmente para criar, substituir ou alterar imagem ou voz de pessoa viva, falecida ou fictícia; 
Paralelamente, os provedores de aplicações na internet (redes sociais e aplicativos de mensagem, por exemplo) ficam obrigados a retirar do ar, sem a necessidade de ordem judicial, contas e materiais que promovam condutas e atos antidemocráticos e também discursos de ódio, como racismo, homofobia, fascismo e qualquer tipo de preconceito.

Mãe de Marielle convida ao aquilombamento nos seis anos do assassinato

O combate ao racismo, a luta contra desigualdades raciais, a busca por titulação de territórios quilombolas e o clamor por justiça são oportunidades para aquilombamento. A avaliação é da advogada Marinete da Silva, mãe da vereadora carioca Marielle Franco, assassinada há quase seis anos, no Rio de Janeiro, ao lado do motorista Anderson Gomes.

Marinete participou, na sexta-feira (1º), de um encontro de representantes de comunidades quilombolas, promovido pela Defensoria Pública do Rio de Janeiro.

Para uma plateia de centenas de ativistas, de várias gerações – alguns tendo percorrido centenas de quilômetros para participar do evento – a mãe da vereadora convocou as pessoas para se unirem, ao longo do mês deste março, em uma série de atividades que vão homenagear a memória de Marielle e Anderson e pedir, mais uma vez, justiça.

“A gente está iniciando o ‘Março com Marielle e Anderson’ com várias atividades no Brasil todo, nas capitais e no interior. [O marco de] seis anos do assassinato é bem doloroso, mas um encontro para a gente se aquilombar cada vez mais”, disse.

A resistência de comunidades quilombolas faz parte do conjunto de ações antirracistas que permeava a ação política da vereadora, nascida no complexo de favelas da Maré. De acordo com o Censo 2022, o Brasil tem cerca de 1,33 milhão de quilombolas. Desse universo, 87% (1,07 milhão) vivem fora de territórios oficialmente reconhecidos.

Em conversa com a Agência Brasil, Marinete da Silva explicou como sofrimentos vivenciados pela população negra agem como combustível para o que chama de aquilombamento.

“Eu acho que esse aquilombamento é o que temos vivido hoje, enquanto instituto [Instituto Marielle Franco], enquanto mulheres negras se aquilombando cada vez mais, se reinventando nesse estado que a gente vive, de racismo, falta de estrutura, de falta de incentivo para a mulher, principalmente para a comunidade quilombola, de modo geral”, comentou.

“Esse aquilombamento é juntar, unir, agregar. É isso que a gente tem feito por esse Brasil afora, tanto nas ações do instituto como do Ministério [da Igualdade Racial]. A gente vive no Rio de Janeiro com tantos quilombos não sendo reconhecidos, e essas mulheres estão aqui, são as mulheres que estão na ponta”, completou, citando o ministério comandado pela filha Anielle Franco.

Março por justiça

O Instituto Marielle organiza e divulga diversas ações (inclusive organizadas por terceiros) previstas para março para marcar os seis anos do crime. No dia 14, data do assassinato, já está confirmada uma missa às 10h na Igreja Nossa Senhora do Parto, no centro do Rio de Janeiro.

A região é emblemática para a trajetória política de Marielle, uma vez que fica a poucos metros do Buraco do Lume, uma praça pública em que ela costumava fazer discursos abertos à população. Hoje, o centro do Lume dá espaço para uma estátua da vereadora, com o braço erguido.

“Independentemente de qualquer coisa, Marielle estava lá toda sexta-feira, com um turbante”, lembra a mãe.

Às 17h começará o Festival Justiça Por Marielle & Anderson, na Praça Mauá, também no centro do Rio. A atração será de graça e contará com apresentações artísticas e exposições com obras em homenagem à Marielle.

O crime

Marielle Franco e Anderson Gomes foram mortos em uma noite de terça-feira. Ela tinha saído de um encontro no Instituto Casa das Pretas, no centro do Rio. O carro dela foi perseguido pelos criminosos até o bairro do Estácio, que faz ligação com a zona norte carioca. Investigações e uma delação premiada apontam o ex-policial militar (PM) Ronnie Lessa como autor dos disparos.

Lessa está preso, inclusive tendo já sido condenado por contrabando de peças e acessórios de armas de fogo. O autor da delação premiada é o também ex-PM Élcio Queiroz, que dirigia o Cobalt usado no crime.

Outro suspeito de envolvimento preso é o ex-bombeiro Maxwell Simões Correia, conhecido como Suel. Seria dele a responsabilidade de entregar o Cobalt usado por Lessa para desmanche. Segundo investigações, todos têm envolvimento com milícias.

Desde 2023, a Polícia Federal está à frente do caso.

Violência contra mulher quilombola é dupla, diz líder comunitária

A garantia da posse da terra é o maior desafio de comunidades quilombolas. Esse é o principal recado que moradores de quilombos do Rio de Janeiro fizeram questão de frisar para representantes de órgãos do poder público que participaram do Seminário Quilombola Nego Bispo, nesta semana, no Rio de Janeiro.

O encontro promovido pela Defensoria Pública do Rio de Janeiro leva no nome a homenagem a um dos maiores intelectuais quilombolas do país. O evento reuniu líderes comunitários que puderam expressar as principais dificuldades e necessidades enfrentadas pelos territórios uma vez ocupados por negros escravizados e descendentes. Foram convidadas autoridades do Poder Judiciário, de ministérios e do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), que trata de titularização das comunidades quilombolas.

Lucimara Muniz vive no quilombo de Custodópolis, em Campos de Goytacazes, no norte do estado do Rio. Ela enfrentou a distância de aproximadamente 280 quilômetros para estar no seminário e denunciar o que considera o maior problema da população quilombola.

“A questão da demarcação fundiária das terras quilombolas é o ponto chave, objetivo principal para as comunidades, porque se você não tiver o direito da terra, as comunidades, principalmente as lideranças, ficam constantemente ameaçadas. As outras pessoas que ajudam as lideranças também sofrem ameaça”, disse à Agência Brasil.

Lucimara Muniz, do Quilombo de Custodópolis, defende que a demarcação de terras é ponto chave  Tânia Rêgo/Agência Brasil

Lucimara relatou o caso de um líder ameaçado que, além de perder o território, “acabou perdendo o direito à cidade” e a liberdade de ir e vir.

“Conheço o caso de um líder que mora dentro de um carro porque ele não pode ir ao território dele nem andar pela cidade para visitar a família. Quando ele vai, vai escondido. É uma pessoa que perdeu o direito de ir e vir”, conta a integrante da Coordenação Nacional de Articulação de Quilombos (Conaq).

Lucimara aponta a especulação imobiliária e o avanço da fronteira agrícola como causadores dessa perda de território por parte de descendentes de escravizados. Ela cita o episódio do assassinato de Maria Bernadete Pacífico, a Mãe Bernadete, em agosto de 2023, para expor que o problema não se limita ao Rio de Janeiro. Mãe Bernadete era líder do Quilombo Pitanga dos Palmares, na região metropolitana de Salvador.

Mulheres

A situação de insegurança de quilombolas é agravada quando se trata de ser mulher, diz Rejane Maria de Oliveira, do quilombo Maria Joaquina, em Cabo Frio, a 3,5 horas de carro da capital do Rio de Janeiro.

“Quem fica mais em casa é a mulher negra, porque existe um racismo grande em que as portas de emprego não se abrem. Ela acaba ficando dentro do território, cuidando dos filhos, da terra, e é ela que vê o território ser descaracterizado, sendo tomado”, diz a integrante da Conaq.

“O ataque vem duas vezes mais forte porque somos mulheres. A ameaça e a raiva vêm duas vezes mais fortes porque somos mulheres”, disse à Agência Brasil.

Rejane Maria de Oliveira, do Quilombo Maria Joaquina, ressalta que os ataques a quilombolas são maiores contra as mulheres – Tânia Rêgo/Agência Brasil

Rejane enfatiza, no entanto, que as mulheres não se deixam derrotar facilmente. Ela cita o exemplo de Dandara dos Palmares, companheira do herói negro Zumbi dos Palmares, morto em 20 de novembro de 1965. “A terra pela qual estamos lutando hoje é para aqueles que ainda não nasceram”.

Ancestralidade

No conjunto de diálogos dos representantes quilombolas, uma palavra diversas vezes pronunciada com ênfase é “ancestralidade”. Para os líderes dos movimentos, é como se fosse uma força interna que os mantêm vivos em uma batalha por direitos.

Natalia Lima representa uma geração de jovens dispostos a resistir e combater desigualdades. Ela é do quilombo Boa Esperança, no município de Areal, no centro-sul fluminense, a cerca de 50 quilômetros do Rio de Janeiro.

“Houve pessoas lá atrás que lutaram muito, e a gente sabe da luta dos nossos ancestrais, nossos antepassados. Hoje, vendo o mundo do jeito que está, não tem como aceitar. Somos um povo preto que tem que resistir a todo momento. A força da ancestralidade é uma coisa viva”.  

População quilombola

De acordo com o Censo 2022, o Brasil tem cerca de 1,33 milhão de quilombolas, o que representa 0,66% da população brasileira. Desse universo, 87% (1,07 milhão) vivem fora de territórios oficialmente reconhecidos. Há presença de quilombolas em 1,7 mil municípios brasileiros.

Os desafios dos quilombolas não terminam com a titularidade da terra. A presidente da Associação das Comunidades Remanescente de Quilombos do Estado do Rio de Janeiro (Acquilerj), Bia Nunes, acredita que não basta haver a garantia de propriedade do território.

Bia Nunes, presidente da Acquilerj, fala durante o Seminário Quilombola Nego Bispo – Tânia Rêgo/Agência Brasil

“Depois que a gente consegue conquistar o título da terra, tem que haver as políticas públicas para a comunidade”, defendeu à Agência Brasil. “A gente precisa das políticas públicas dentro da comunidade antes e depois do título da terra”.

Bia lista como principais carências políticas o acesso à saúde pública e a presença da educação quilombola dentro dos territórios.

“Enquanto a gente não conseguir, dentro da comunidade, fazer esse trabalho de conscientização com as crianças e com os jovens, a gente não consegue se fortalecer. Quando o jovem está dentro da sala de aula e começa a se reconhecer, a se pertencer, fica muito mais fácil para ele entender depois, do lado de fora da comunidade, quem ele é”.

A Acquilerj reúne mais de 50 comunidades tradicionais. Bia Nunes acrescenta que a elaboração de políticas não pode ser uma coisa imposta aos quilombolas.

“Às vezes chega alguma política pública que não atende a determinada necessidade porque a coisa já foi formada por quem não sente [a necessidade]. Quando é feita por quem não sente, ela não nos atende”.

A Defensoria Pública do Rio de Janeiro conduz um programa que realiza visitas em comunidades tradicionais. Além de prestar assistências coletivas aos quilombos, também há atendimentos individualizados para resolver questões como divórcios, guarda de crianças e emissão de documentos, por exemplo. Serviços simples, mas que se tornam mais complicados em comunidades muitas vezes distantes de grandes centros.

Representatividade

Mulher negra, a defensora Daniele da Silva de Magalhães comanda a Coordenadoria da Promoção da Equidade Racial da Defensoria. Ela pleiteia que o poder público tenha cada vez mais representatividade, como o caso dela.

“A gente consegue institucionalizar a dor de 56% da população. O que eu faço é o que eu sinto”, ressalta, fazendo referência ao percentual de pretos e pardos na população brasileira.

“Às vezes, ao final do meu dia, eu estou exaurida emocionalmente porque eu não falo de algo que é do outro. Eu falo de algo que é meu, é dos nossos, é dos meus”, completa.

Daniele da Silva Magalhães pleiteia representatividade no poder público – Tânia Rêgo/Agência Brasil

Antirracismo

O Seminário Quilombola Nego Bispo faz parte da campanha 21 Dias de Ativismo Contra o Racismo, criada por ativista do movimento negro com a missão de incentivar a luta antirracista em diferentes contextos.

A campanha foi idealizada para lembrar o Massacre de Shaperville, bairro de Johanesburgo, na África do Sul. Em um protesto realizado em 21 de março de 1960, jovens negros realizaram uma marcha contra a Lei do Passe, que os obrigava a usar uma caderneta na qual estava determinado aonde eles poderiam ir, assim como a obrigatoriedade do ensino do africaner, a língua do opressor. Foram 63 jovens mortos e 186 feridos.

Nego Bispo

Antonio Bispo dos Santos, o Nego Bispo, morreu em 3 de dezembro do ano passado, aos 63 anos. Nascido no Vale do Rio Berlengas, no Piauí, em um povoado onde hoje fica a cidade de Francinópolis, Nego Bispo era considerado um dos maiores intelectuais quilombolas do país, tendo publicado dois livros Quilombos, modos e significados (2007) e Colonização, Quilombos: modos e significados (2015), além de vários artigos e poemas.

Além da atividade intelectual, Bispo atuou na Coordenação Estadual das Comunidades Quilombolas do Piauí (CECOQ/PI) e na Conaq.

Historiadora é indiciada por postagens contra judeus

A presidente da Academia Friburguense de Letras, Maria Janaína Botelho Corrêa, foi indiciada pela Polícia Civil do Rio de Janeiro pelos crimes de racismo e intolerância religiosa contra judeus. A acusação, encaminhada para a Justiça, leva em consideração postagens em redes sociais. O inquérito foi conduzido pela Delegacia de Crimes Raciais e Delitos de Intolerância (Decradi).

Entre as publicações, feitas entre janeiro e fevereiro deste ano, estão textos como Judeus canalhas!; Judeus sionistas genocidas!; E também sou antissemita. E daí?; Está na hora do olho por olho dente por dente e fazer assassinatos seletivos de judeus sionistas.

Pela legislação, “crimes resultantes de discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional” podem ser punidos com pena de prisão de 1 a 3 anos, além de multa.

A historiadora Janaína Botelho enviou nota à reportagem da Agência Brasil se defendendo.

“Eu, Maria Janaína Botelho Corrêa, venho a público esclarecer que em relação a meus comentários em postagens no X (Twitter), a exemplo de “Mentiras, Mentiras e mentiras dos judeus genocidas” (12/02/24) e “Judeus canalhas!” (fevereiro 2024), que houve erro material neste texto, devido a uma falha na digitação que suprimiu a palavra “sionista”. A minha intenção era apenas externar minha posição crítica ao sionismo e a extrema-direita que governa o Estado de Israel, no contexto dos bombardeios de Gaza. Reafirmo que meus comentários tinham como alvo o sionismo enquanto corrente política-ideológica e jamais o povo judeu, mas a publicação suprimiu uma palavra que faz toda diferença, o que não aconteceu em outras citações: “Judeus sionistas genocidas!” (09/01/24), “Santo Deus. Que covardia. Malditos Judeus sionistas.” (24/01/24).

No que concerne a frase “E também sou antissemita. E daí?” (04/01/24) houve igualmente erro material na digitação, pois minha intenção era escrever “antissionista”. Infelizmente não percebi no momento esta lamentável substituição de palavra pelo sistema, sendo sabedora de que é crime a intolerância religiosa. A minha responsabilidade e confiança dos meus pares como presidente da Academia Friburguense de Letras, honrosa instituição no qual estou no segundo mandato consecutivo, me impediria de fazer tão execrável comentário, além de me prejudicar nos canais de comunicação em que presto serviços. 

Com relação a frase “Está na hora do olho por olho dente por dente e fazer assassinatos seletivos de judeus sionistas” (fevereiro 2024) trata-se de uma frase no qual eu me arrependo profundamente, estando ligada a um contexto de assassinatos seletivos de opositores, militares de alta patente, do primeiro-ministro Benjamin Netanyahu. Na realidade não foi uma afirmação, mas uma PROVOCAÇÃO, uma indagação a uma postagem. Insisto foi um comentário infeliz porque não comungo de violência mesmo em uma situação de guerra”.

 B20, C20, Y20; conheça as siglas que acompanham o G20

B20, C20, J20, Y20… Essas e outras siglas terminadas com o número 20 são grupos de engajamentos que atuam como se fossem satélites do G20 (Grupo dos 20, que reúne as principais economias do mundo), que tem o Brasil ocupando a presidência do fórum internacional ao longo de 2024.

Nesta semana em que ministros das Finanças e presidentes de bancos centrais dos países integrantes do bloco se reúnem em São Paulo, na quarta (28) e quinta-feira (29), a Agência Brasil apresenta os 13 grupos de engajamento que se propõem a discutir políticas públicas e caminhos para o desenvolvimento. Conheça as siglas:

B20

O Business 20 (B20) conecta a comunidade empresarial aos governos do G20. O grupo envolve cerca de 900 representantes empresariais e tem por objetivo propor recomendações de políticas elaboradas por diferentes forças-tarefa. No Brasil, os trabalhos são organizados pela Confederação Nacional da Indústria (CNI), com o lema Crescimento Inclusivo para um Futuro Sustentável.

O B20 reuniu-se oficialmente pela primeira vez na Cúpula de Toronto, no Canadá, em 2010, em um movimento para lidar com os efeitos da crise econômica de 2008.

C20

Um dos principais braços sociais do G20, o Civil Society 20 (C20) visa a assegurar que os líderes mundiais estejam atentos às recomendações e demandas da sociedade civil organizada. O princípio do grupo é “não deixar ninguém para trás”.

A igualdade de gênero, o antirracismo, os direitos humanos e as deficiências, como temas transversais, serão considerados em todas as ações do grupo. A Associação Brasileira de ONGs (Abong) atua como presidente do C20 brasileiro. O grupo foi formalizado em 2013, durante a presidência russa do G20.

J20

O Supreme Courts and Constitutional Courts 20 (J20) tem por objetivo o intercâmbio de ideias e de iniciativas sobre temas jurídicos de relevância na atualidade. Na presidência brasileira do G20 em 2024, o Supremo Tribunal Federal (STF) organiza o J20, tendo como convidados os presidentes das cortes supremas dos países do G20, da União Europeia e da União Africana.

A primeira reunião do J20 ocorreu em 2018 em Buenos Aires, na Argentina. A agenda incluiu discussões sobre direitos e justiça, desenvolvimento sustentável, fortalecimento do Estado de Direito, reforma judicial, democracia global e mercados globais, justiça e gênero, e o papel da justiça contra o tráfico de drogas.

L20

O Labour 20 (L20) representa os trabalhadores e vai apresentar as preocupações relacionadas ao emprego, aos direitos trabalhistas e que condições laborais justas sejam consideradas nas discussões. Questões previdenciárias também são assunto de debates do L20.

O grupo reúne representações sindicais dos países e da International Trade Union Confederation (ITUC), organização internacional de sindicatos. O L20 surgiu em 2011, sob a presidência francesa do G20.

O20

A preocupação com os oceanos é representada no G20 pelo Oceans 20 (O20). O fórum concentra as questões dos mares e promove debates e busca de soluções criativas à sustentabilidade marinha e à utilização sustentável de seus recursos. O grupo foi criado em 2022, durante a presidência indonésia do G20.

P20

O Parlament 20 (P20), criado em 2010, é liderado pelos presidentes dos parlamentos dos países do grupo. Visa envolver os parlamentos para fortalecer a colaboração global e garantir a aplicação prática de acordos internacionais nos países-membros.

Com a crescente e necessária participação das mulheres na política, pretende-se realizar, em 2024, uma reunião de parlamentares mulheres no Brasil, com objetivo de aprofundar as pautas de gênero, como fez a presidência indiana.

S20

O Science 20 (S20) é o grupo de engajamento para a área de ciência e tecnologia. Formado pelas academias nacionais de ciências dos países do G20, o grupo de engajamento promove o diálogo entre a comunidade científica e os formuladores de políticas.

No Brasil, a organização é responsabilidade da Academia Brasileira de Ciências (ABC), que definiu o lema Ciência para a Transformação Mundial. O grupo foi criado em 2017. Transição energética, inteligência artificial e equidade no acesso à saúde são temas de destaque na edição brasileira.

SAI 20

O Supreme Audit Institutions 20 (SAI20) desempenha papel crucial no fortalecimento da cooperação entre as instituições superiores de Controle (ISCs), em um compromisso de promover a transparência, a responsabilidade e a eficácia na governança global. As ISCs desempenham papel fundamental na fiscalização e auditoria dos gastos públicos, garantindo a transparência e a responsabilidade dos governos.

O grupo de engajamento foi estabelecido em agosto de 2022, durante a presidência indonésia do G20.

Startup 20

O Startup20 é um fórum que estabelece diálogo aberto entre as diversas partes interessadas no ecossistema de startups (pequenas empresas inovadoras com grande potencial de crescimento) e tecnologia, bem como as pequenas e médias empresas (PMEs), destacando as preocupações e desafios do setor aos líderes do G20.

O Startup20 é o mais novo grupo de engajamento do G20, estabelecido sob a presidência da Índia, em 2023.

T20

Think Tanks 20 (T20) tem por objetivo principal produzir, debater, consolidar e apresentar ideias sobre como enfrentar os desafios atuais e emergentes que podem ser tratados pelo G20. O T20 reúne think tanks (institutos de pesquisa) dos países-membros e convidados.

O T20 difere de outros grupos de engajamento por não abordar uma temática específica, mas por contribuir com diversas delas. O grupo foi iniciado durante a presidência mexicana, em 2012.

Pesquisadores de instituições brasileiras como a Fundação Getulio Vargas (FGV), o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e o Centro Brasileiro de Relações Internacionais (CEBRI) participaram ou contribuíram com o T20 desde a origem do grupo.

U20

O Urban 20 (U20) é iniciativa de diplomacia que congrega cidades dos países-membros do G20, com o objetivo de promover o debate e a articulação política de recomendações nas pautas de economia, clima e desenvolvimento nessas cidades.

O U20 é permanentemente convocado pelo Grupo C40 de Grandes Cidades (C40 Cities, em inglês), rede global de prefeitos das principais cidades do mundo que estão unidos em ações para enfrentar a crise climática.

Lançado em 2017 em Paris, em 2024 o U20 será copresidido pelos municípios do Rio de Janeiro (cidade que receberá a reunião de cúpula, em novembro) e São Paulo, que realizarão dois encontros de prefeitos ao longo do ano.

W20

O Women 20 (W20) é um dos grupos de engajamento formado por mulheres de setores da academia, do empreendedorismo e da sociedade civil. O objetivo é elaborar recomendações para políticas públicas em prol do empoderamento econômico feminino.

O W20 foi concebido na Austrália em 2014 e iniciou oficialmente os trabalhos em 2015, na Turquia. Em 2024, o grupo pretende construir um mundo justo, sustentável e com equidade de gênero.

Y20

O diálogo entre jovens dos países-membros do G20 é uma proposta do Youth 20 (Y20). Os futuros líderes de nações e do mundo têm a oportunidade de refletir sobre a agenda prioritária da juventude, influenciar debates e contribuir para a formulação de políticas públicas.

A primeira cúpula do Y20 foi estabelecida em Vancouver, no Canadá, em 2010, e segundo a definição do G20, é direcionado a jovens de 18 a 30 anos.

Retomada diplomática

Para o professor de relações internacionais da Universidade Federal Fluminense (UFF) Thomas Ferdinand Heye, a presidência brasileira no G20 é uma forma de realçar o país novamente na arena internacional.

“A importância se verifica no esforço da diplomacia brasileira atual em superar o período recente que, apesar de curto, se orgulhava de ter transformado o país em um pária na comunidade dos Estados. Para superar a lamentável política externa do governo anterior [Jair Bolsonaro, 2019-2022], verifica-se o retorno da diplomacia presidencial que, a exemplo dos governos de Fernando Henrique Cardoso [1995-2002], marcou os dois primeiros mandatos do presidente Lula [2003-2010]”, contextualiza.

Williams Gonçalves, professor de relações internacionais da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), aponta um trunfo para o Brasil à frente do G20

“Não pode haver nenhuma discussão séria sobre meio ambiente sem a participação do Brasil, tendo em vista as nossas características geográficas, a Amazônia etc. A mesma coisa é em relação à matriz energética. O Brasil tanto é um grande produtor, um grande reservatório de petróleo, como é um país que usa diferentes matrizes energéticas, como eólica e hidrelétrica. Pelas nossas características, temos uma importância muito grande”, afirma.

Representatividade

Na opinião do professor Thomas Ferdinand Heye, a presença dos 13 grupos de engajamento no G20 é de extrema importância, pois amplia a representatividade e a diversidade de perspectivas no processo de tomada de decisões.

“Isso permite que o G20 aborde não apenas questões econômicas e financeiras, mas também temas sociais, ambientais e políticos, tornando suas deliberações mais abrangentes e inclusivas”, avalia.

Para Heye, ao considerar uma variedade de interesses e preocupações da sociedade civil, do setor empresarial, da juventude, das mulheres, entre outros setores, os grupos de engajamento enriquecem as discussões e contribuem para a formulação de políticas mais equilibradas.

“Não só ampliam a relevância do G20 além das questões econômicas e financeiras, mas também fortalecem sua legitimidade e capacidade de abordar desafios globais de forma mais inclusiva”, completa.

G20

O G20 é composto por 19 países – África do Sul, Alemanha, Arábia Saudita, Argentina, Austrália, Brasil, Canadá, China, Coreia do Sul, Estados Unidos, França, Índia, Indonésia, Itália, Japão, México, Reino Unido, Rússia e Turquia – e dois órgãos regionais, a União Africana e a União Europeia.

Os integrantes do grupo representam cerca de 85% da economia mundial, mais de 75% do comércio global e cerca de dois terços da população mundial.

Como presidente do G20, o Brasil tem o direito de chamar outros países e entidades. Entre os convidados estão Angola, Bolívia, Egito, Emirados Árabes Unidos, Espanha, Nigéria, Noruega, Paraguai, Portugal, Singapura e Uruguai. Em 2025, o G20 será presidido pela África do Sul.

O ponto máximo da presidência brasileira será a reunião de chefes de Estado e de governos, nos dias 18 e 19 de novembro, no Rio de Janeiro.

Sem Censura reestreia e fica entre assuntos mais comentados nas redes

O Sem Censura, programa histórico da televisão brasileira, voltou à grade da TV Brasil nessa segunda-feira (26). A apresentadora Cissa Guimarães recebeu convidados especiais na icônica bancada, em cenário repaginado. E o papo descontraído rendeu nas redes sociais – o programa ficou em primeiro lugar entre os assuntos mais comentados no X (o antigo Twitter).

Participaram da edição a atriz e bailarina Cláudia Raia; o ator, roteirista e diretor teatral Miguel Falabella e a jornalista e apresentadora Luciana Barreto, nova âncora e editora-chefe do Repórter Brasil Tarde, da TV Brasil. O programa contou ainda com a participação do cantor Xande de Pilares. Completou o time o jornalista e influenciador digital Murilo Ribeiro, o Muka, que é um dos debatedores do programa. O tema da edição foi recomeços.  

“Hoje eu me senti parindo uma criança, realmente. Não só eu, eu pari junto com uma equipe esse projeto novo e foi lindo. A sensação que eu tive mais forte foi de alegria e bem-estar. As pessoas estavam curtindo estar ali e a conversa fluiu generosamente entre nós todos”, contou Cissa após a estreia.  

Cláudia contou como descobriu a gravidez do último filho Luca, aos 55 anos, e os detalhes do parto. Ela também falou sobre o seu novo musical sobre a vida e a obra de Tarsila do Amaral.  

Xande de Pilares falou da emoção de gravar um álbum cantando Caetano Veloso e de como aprendeu a tocar com um tio. Miguel Falabella lembrou grandes sucessos na TV e compartilhou como amparou a amiga Cissa Guimarães na ocasião da morte do filho dela, Rafael Mascarenhas, em 2010, após um atropelamento no Rio de Janeiro.  

Luciana Barreto, que acabou de retornar à TV Brasil, destacou a alegria de fazer parte da emissora pública e comentou sua pesquisa sobre racismo.  

“Eu me diverti, foram momentos de emoção. Teve choro, alegria, boas gargalhadas. É isso que a gente quer levar para o público”, disse a apresentadora.  

Sucesso nas redes

O Sem Censura foi o assunto mais comentado do X (antigo Twitter) na tarde dessa segunda-feira. Os termos “Cissa Guimarães” e “TV Brasil” também ficaram entre os dez temas mais falados na rede.

Ato em Cubatão lembra 40 anos do incêndio da Vila Socó

A Comissão da Verdade da OAB de Cubatão (SP) vai pedir para que os nomes das vítimas do incêndio da Vila Socó passem a integrar a lista de mortos e desaparecidos políticos da ditadura militar. O pedido vai ser protocolado junto à Comissão Interamericana de Direitos Humanos.

A decisão foi anunciada neste domingo (25) em um Ato Ecumênico no memorial às vítimas do incêndio na Vila São José, como foi rebatizada a comunidade.

Há 40 anos, na madrugada de 25 de fevereiro de 1984, um incêndio provocado pelo vazamento de gasolina de um duto da Petrobrás incendiou a favela onde moravam cerca de 6 mil pessoas.

Segundo o relato de moradores, o cheiro de gasolina começou a ser notado na comunidade por volta das 11h da manhã. Mais de doze horas depois, por volta da meia noite, aconteceu a primeira explosão que deu início ao fogo que se alastrou por toda a favela, formada por barracos fincados em palafitas que foram encharcados pela gasolina que vazou ao longo de horas dos dutos que ficavam expostos no mangue.  

Para  Dojival Vieira dos Santos, advogado, ativista do Coletivo Cidadania Antirracismo e Direitos Humanos e que integra a Comissão da OAB de Cubatão, alguns elementos justificam o reconhecimento como vítimas da ditadura militar: o incêndio aconteceu no final do governo do último presidente militar, Joao Baptista Figueiredo e Cubatão era uma cidade classificada como Área de Segurança Nacional, portanto, administrada por um prefeito biônico indicado pelo governo federal.

Para Dojival, a tragédia poderia ter sido evitada se a prefeitura tivesse acionado a Defesa Civil quando havia tempo de evacuar os moradores da comunidade. Além disso, segundo ele, houve uma operação para impedir as investigações, o que ele chama de Operação Abafa:

“Por que que nós falamos de operação abafa? Primeiro, reduziu-se e minimizou-se para 93 um número de mortes que o próprio Ministério Público estimava entre 508 e 700. Segundo: esta redução do número de mortes também reduziu o impacto no mercado para a Petrobrás, tanto do ponto de vista nacional quanto internacional. Nós estamos falando de uma estatal gigante como é a Petrobras, e obviamente isso tem reflexos para a empresa. Depois, a garantia da impunidade dos responsáveis. Ninguém jamais foi punido”.

Para Dojival, o incêndio da Vila Soco em Cubatão foi uma espécie de retrato do modelo econômico implantado pela ditadura militar:

“Cubatão era e continua sendo uma área estratégica. Fica a 12 quilômetros do maior porto de exportação da América Latina e a 60 quilômetros do maior polo financeiro que é São Paulo. Agora, é possível instalar um parque industrial complexo, como esse debaixo de uma serra, que é a Serra do Mar, em uma área pantanosa, é possível? Para eles foi possível, sabe por quê? Porque o objetivo deles era só lucro. E a Vila Socó prova isso”.

Entre as poucas pessoas indenizadas pelo acidente, está Neigila Aparecida Soares da Silva. Ela Tinha 4 anos e sobreviveu porque na noite do incêndio estava na casa da avó. Ela e a irmã perderam a mãe, o pai e o tio. Receberam uma indenização, em 1985, de 19 mil cruzados. Em valores atuais, segundo cálculos apresentados por Dojival, o equivalente a cerda de R$ 7 mil.  Para Neigila, a justiça ainda não chegou:

“A gente ficou sabendo que a gente teria direito a uma pensão vitalícia. A gente nunca recebeu nenhum tipo de ajuda. Nenhum tipo de respaldo. Nunca recebemos nenhum tipo de pensão. Nem do governo, nem da prefeitura, nem de ninguém. Nunca fomos procurados por nada. Pagaram a indenização e acham que tá tudo ok. Eu acho que ainda há uma justiça a ser feita. Mesmo passados 40 anos, eu acho que a justiça ainda vai chegar.”

Abandono

O ato que celebrou a memória das vítimas foi organizado pela OAB de Cubatão e a Associação de Moradores da Vila São Jose. César da Silva Nascimento, Secretário de Governo da Prefeitura, participou da cerimônia. Questionado porque a gestão municipal não apoiou a homenagem, disse que a decisão foi deixar a tarefa para a sociedade civil.

Na semana passada, a prefeitura fez a manutenção do pequeno memorial instalado na comunidade para lembrar o incêndio que é um dos maiores da história do país. Mas nem mesmo a placa com os nomes das 93 vítimas identificadas permanece no local.

“Havia uma placa de bronze foi furtada. Colocamos uma placa de plástico. Mas também foi vandalizada. Tanto que hoje o pensamento do município é tirar esse monumento daqui e levar para a praça, lá para frente. Para fazer um monumento mais honroso que fique a vista de todos” explicou César

O monumento fica em um terreno baldio entre a Rodovia Anchieta e a linha de trem. A Petrobrás não participou da cerimônia. Questionada sobre a responsabilidade da empresa pela tragédia da Vila Socó, não houve retorno.

Esperança de justiça une mães de vítimas da violência policial no Rio

A longa espera por justiça é uma realidade presente entre as mães de vítimas da violência policial do Rio de Janeiro. Deise Silva de Carvalho, coordenadora e fundadora do Núcleo de Mulheres vítimas da violência do Estado, perdeu o filho Andreu Luiz Silva de Carvalho, em 2008, na época com 17 anos. O adolescente estava internado no Centro de Triagem e Reabilitação (CRT) na Ilha do Governador, zona norte do Rio.

Segundo a mãe, Andreu foi submetido à tortura por uma hora e meia por seis agentes do sistema socioeducativo no CTR na Ilha do Governador.

“Não estou falando de um jovem que se encontrava vulnerável dentro da favela e tomou um tiro [dado] pela PM [Polícia Militar], mas de um jovem que se encontrava sob a tutela do Estado, que veio a óbito com traumatismo craniano, cortes contundentes, mandíbula deslocada, pescoço quebrado, deslocamento da retina dos olhos. Segundo depoimento dos jovens, Andreu foi torturado com um saco plástico sobre seu rosto”, contou Deise, sobre parte da violência sofrida pelo filho morto e pelo qual luta por justiça há 16 anos.

“No Brasil, não vivemos um estado democrático de direito e sim um estado de violação ao direito da dignidade humana desses jovens. Andreu deveria pagar dentro das margens da lei, e não este estado democrático decidir quem vai viver ou morrer”, afirmou. “O Estado cometeu um crime e deve pagar pelo seu ato criminoso”, acrescentou.

Fundadora do Grupo Mães de Manguinhos, Ana Paula luta há 10 anos pela punição dos responsáveis pela morte do filho Johnatha – Tomaz Silva/Agência Brasil

Há quase 10 anos, a fundadora do Grupo Mães de Manguinhos, Ana Paula Oliveira, luta pela punição dos envolvidos no crime que provocou a morte do filho Jhonatha, no dia 14 de maio de 2014, quando voltava da casa da namorada, às 16h30. Na época, o jovem tinha 19 anos e foi baleado com um tiro nas costas.

Segundo Ana Paula, o policial autor do disparo já respondia, naquele momento, por triplo homicídio e duas tentativas de homicídio, além de ter sido preso um ano antes por causa de outros crimes. “Fato é que ele vivia livre, leve e solto com a certeza da impunidade dentro da favela de Manguinhos, fazendo uma nova vítima que infelizmente foi o meu filho”, acrescentou Ana Paula.

O  julgamento do policial no Tribunal de Justiça do Rio estava previsto para 2 de fevereiro, mas foi transferido para 5 de março. “O que eu e minha família esperamos é que haja condenação”, afirmou.

Escuta Popular

Em busca da mudança do cenário de violência que as mães costumam vivenciar, a plataforma de Direitos Humanos Dhesca Brasil [Direitos Humanos, Econômicos, Sociais, Culturais e Ambientais], com apoio das organizações filiadas Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (Ibase) e Justiça Global, reuniu integrantes de movimentos sociais, defensores de direitos humanos, pesquisadores e familiares para a Escuta Popular sobre a Letalidade Policial e seus Impactos nas Infâncias Negras. O encontro foi no auditório do Ibase, na sede da Ação da Cidadania, na Gamboa, região portuária da capital.

A ideia era que histórias marcantes como as de Ana Paula e Deise fossem ouvidas. Para isso, segundo a diretora do Ibase, Rita Correia Brandão, mães de vítimas da violência policial foram convidadas a dar depoimento, que, ao fim, resultaram na carta compromisso com propostas para a resolução dos crimes. Rita destacou que o objetivo é implementar tais propostas de forma mais incisiva, mais comprometida.

Crianças correm atrás de bala, não são balas que correm atrás de crianças, diz Benilda Brito, do Coletivo de Mulheres Negras – Tomaz Silva/Agência Brasil

Como seguidora do Candomblé do Ketu, Benilda Brito, do Coletivo de Mulheres Negras de Belo Horizonte, que integra a plataforma Dhesca, evocou Ogum, orixá guerreiro e forte, para proteger o encontro. “É sob a proteção de Ogum que a gente está abrindo essa escuta para nós e para qualquer outra religião que as pessoas queiram”, enfatizou.

“Na nossa concepção africana, as crianças são as ibejis. As crianças correm atrás de bala, para chupar bala e comer doce, não são as balas que correm atrás de nossas crianças como a gente está vivendo hoje”, afirmou.

Benilda definiu a entidade como uma plataforma que denuncia violações e destacou que, na gestão atual, o coletivo tem sete mulheres negras na administração. “A gente vem adubando esperança em tanto tempo de morte. Sou Benilda Brito, mulher negra, lésbica, do axé, sou quilombola e venho carregando no meu corpo todas as violências ‘cotidiárias’ do racismo. É por isso que a gente está junto, por isso, que a gente luta tanto e conhece tanto a dor umas das outras. A gente sabe o que é ser mulher negra neste país”, desabafou.

Na defesa de que os casos de violações não podem ser esquecidos, Benilda lembrou um ditado africano. “‘A pessoa só morre quando é esquecida’. Nossos mortos têm voz e história e não serão esquecidos”, afirmou.

Lembrança

No início do encontro, antes da apresentação, que emocionou os presentes, o artista Dudu Neves, integrante do coletivo Nós da Rua, pediu a participação de todos, para que durante um minuto, aplaudissem e cada um lembrasse os nomes de vítimas da violência policial. Logo depois, por meio da poesia Conto Ancestral, falou de ancestralidade, de violência contra corpos pretos, de violação de direitos, da morte da vereadora Marielle Franco e de povos originários do Brasil.

“Querem me silenciar, minha história apagar, minha ancestralidade ocultar. Querem me botar para trabalhar, salário mínimo ganhar, pra mim tentar me sustentar, na crise desse país. Bara [orixá mensageiro divino, guardião dos templos, casas e cidades], que zele pela minha vida, me livre da dura da viatura, do homem do saco, do capitão do mato e das balas perdidas. É que assim se foram tantas vidas, sonhos mutilados, por causa da melanina!”, disse Dudu Neves, citando um dos versos do poema.

Relatos

Dentro da programação da Escuta Popular, Ana Paula e Deise atuaram como porta-vozes de outras mães, transmitindo aos presentes os depoimentos delas e dos pais de vítimas da violência policiais. Um dos depoimentos foi o de José Luiz Faria da Silva, pai de Maicon, que há 28 anos busca por justiça pela morte do filho de apenas 2 anos. A criança brincava na porta de casa em Acari, zona norte do Rio, quando foi baleada.

Deise contou que nenhum dos policiais militares envolvidos foi levado à Justiça e que o caso do menino foi registrado na época como auto de resistência. “O termo é usado por policiais que alegam estar se defendendo de matar alvo suspeito em trocas de tiros nas favelas e periferias. Maicon tinha 2 anos de idade e entrou no chamado auto de resistência, onde o poder judiciário, o Ministério Público e os nobres representantes da lei encontraram essa brecha. Estamos falando de uma criança de apenas 2 anos de idade”, ressaltou Deise.

Ela acrescentou que, no Brasil, o crime já prescreveu mas está em avaliação da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, que “infelizmente para a dor e desespero desta família ainda não deu uma sentença condenatória ao Brasil por este crime hediondo”.

Outro caso apresentado foi o de Sandra Gomes, mãe de Matheus Gomes, que junto a mais 27 pessoas, perdeu a vida no dia 6 de maio de 2021, na mais letal operação policial do Rio, conhecida como Chacina do Jacarezinho, na zona norte da cidade. Segundo testemunhas, no momento em que foi baleado, Mateus estava sentado em uma cadeira porque estava tendo uma convulsão. Se Matheus estivesse vivo, teria completado 24 anos na quarta-feira (21).

Sandra conta que a vida de outro filho, Felipe, de 17 anos, se transformou com a tragédia. Felipe sofre com as lembranças da morte do irmão, que viu ferido, e há três anos não passa da 1ª série do ensino médio. A preocupação com o filho mais novo, João Paulo, de 10 anos, também é grande.

Como outras mães de vítimas da violência policial, Sandra vive fazendo tratamento de saúde e, além das questões psicológicas, sofre com o agravamento da diabetes. Além disso, depois da chacina, ela viu diminuir o movimento de sua atividade comercial, com a venda de churrasquinho, que tinha com o marido. Agora, restou apenas um trailer.

“Dentro de mim, eu tenho esperança de justiça, e a gente vem porque não pode deixar que esse sistema, que nos oprime todos os dias, nos silencie. A gente vem para continuar a dar voz para nossos filhos”, disse Sandra à Agência Brasil.

Melisanda Trentin, da da área de Justiça Socioambiental e Climática da Justiça Global, durante evento sobre letalidade policial – Tomaz Silva/Agência Brasil

Segundo a coordenadora da área de Justiça Socioambiental e Climática da Justiça Global, Melisanda Trentin, além da presença de familiares das vítimas, o encontro da escuta popular teve participação de representantes do poder legislativo do Rio, do Ministério Público Federal e da Defensoria Pública, o que é importante para o surgimento de medidas que possam alterar o andamento lento e muitas vezes sem resultado dos processos na Justiça.

“Essa escuta faz parte de uma missão da plataforma Dhesca, assim como a gente já fez outras missões. O objetivo é a denúncia mesmo, para que se chegue à resolução desses casos, na reparação, no acesso à Justiça. Enfim, tratar isso não como casos individuais ou isolados, mas como um fenômeno que acontece no Rio de Janeiro, muito marcado pelo racismo nas favelas”, enfatizou.

Melisanda Trentin disse que o que unifica, desde a chacina da Candelária, que já tem 30 anos, e a de Acari, com 33 anos, até casos do ano passado e deste ano, é justamente a política aplicada, que ela chama de “genocida e racista” da polícia do Rio de Janeiro. “A gente espera mudança na abordagem policial. Tudo isso é resultado da falida guerra às drogas, do racismo, e a gente espera que a polícia tenha outro tipo de atuação, sem blindados [veículos das polícias], sem helicópteros [que fazem voos rasantes sobre as comunidades], que as investigações tenham prosseguimento e de fato se chegue à justiça.”

Ao fim do encontro, realizado terça-feira, foi divulgada uma carta compromisso com propostas de medidas para mudar a forma de tratamento dos crimes. “É uma carta ampla, que abarca todas as possibilidades que cada um dos casos, cada uma das chacinas apresentarem”, observou a diretora do Ibase, Rita Correia Brandão.