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STF autoriza fornecimento de remédio de alto custo para distrofia musc

O ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), revogou nesta quinta-feira (19) sua própria decisão que desobrigava o governo federal a comprar o medicamento Elevidys, considerado um dos mais caros do mundo. Usado para o tratamento de Distrofia Muscular de Duchenne (DMD), o remédio é importado e custa cerca de R$ 17 milhões.

A medida foi tomada após a homologação de um acordo entre a União e a farmacêutica Roche Brasil para que as decisões judiciais que obrigaram o governo a fornecer o medicamento sejam cumpridas.

Pelo acordo, a União terá prazo de 90 dias para cumprir os trâmites administrativos para o fornecimento do remédio, e a empresa que fabrica o Elevidys deverá reduzir o preço do medicamento.

Mendes também fixou que as decisões judiciais que autorizarem o fornecimento do medicamento devem seguir os critérios da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).

Conforme os parâmetros definidos, o Elevidys só pode ser autorizado para crianças entre 4 anos a 7 anos, 11 meses e 29 dias de idade, com capacidade de deambulação e sem deleção [perdas de parte de um cromossomo].

A conciliação para tratar do fornecimento do medicamento foi convocada por Gilmar Mendes para evitar a concessão desordenada de decisões judiciais sem negociação prévia que impactam nos custos do Sistema Único de Saúde (SUS). Estima-se que as decisões somem cerca de R$ 1 bilhão.

PGR analisa pedido para compartilhar inquérito do golpe com caso Abin

O ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), concedeu nesta quinta-feira (19) prazo de cinco dias para a Procuradoria-Geral da República (PGR) se manifestar sobre o pedido da Polícia Federal (PF) para compartilhar os dados do inquérito do golpe com as investigações sobre a atuação da “Abin Paralela” durante o governo do presidente Jair Bolsonaro.

O pedido foi enviado ao ministro, que é relator do caso, no dia 6 deste mês, pelo delegado Fábio Shor, responsável pelas investigações. Segundo o delegado, as provas colhidas na investigação sobre a tentativa de golpe podem auxiliar a apuração do uso ilegal da Agência Brasileira de Inteligência (Abin).

Segundo a PF, policiais e delegados da corporação que estavam cedidos para a Abin, além de servidores do órgão, teriam participado de uma organização criminosa para monitorar ilegalmente autoridades públicas durante o governo Bolsonaro.

O compartilhamento do inquérito do golpe também poderá ser usado pela corregedoria da PF para apurar a conduta de seus profissionais que estavam cedidos à Abin.

No mês passado, Bolsonaro e mais 36 aliados foram indiciados pela PF pela tentativa de golpe. De acordo com as investigações, Bolsonaro tinha conhecimento do plano para matar Alexandre de Moraes, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o vice-presidente Geraldo Alckmin.

Barroso dá 5 dias para MP e Defensoria opinarem sobre câmeras da PMSP

O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Luís Roberto Barroso, deu prazo de cinco dias para o Ministério Público de São Paulo (MPSP) e a Defensoria Pública de São Paulo se manifestarem sobre o pedido do Polícia Militar de usar câmeras corporais somente em “operações policiais de grande envergadura”.

Barroso é o relator do processo no qual foi determinada ao governo do estado a obrigatoriedade de uso dos equipamentos. Após receber a manifestação dos dois órgãos, o ministro vai decidir a questão.

Em um ofício enviado ontem (18) ao Supremo, a Procuradoria-Geral do Estado de São Paulo alega que o ministro criou uma interpretação ampla ao determinar o uso de câmeras em operações policiais. A procuradoria sustenta que nem todas as operações oferecem riscos de confronto.

“Caso interpretada a decisão com a amplitude de tornar obrigatório o uso de câmeras em todas as operações policiais, haverá clara impossibilidade material e operacional de cumprimento, eis que o estado de São Paulo, como já informado em outras oportunidades, conta com um efetivo de cerca de 80 mil policiais militares, que atuam em 645 municípios, mas possui 10.125 câmeras corporais portáteis”, argumentou o governo. 

Histórico

O governo de São Paulo se comprometeu com o STF, em abril deste ano, a usar câmeras corporais em operações policiais no estado e apresentou cronograma que estabelecia a implementação do sistema. O estado previa nova licitação e aquisição de novas câmeras.

Em setembro, o governo anunciou assinatura de contrato com a empresa Motorola para a compra de 12 mil câmeras corporais. A compra foi criticada, no entanto, por prever mudanças na forma de acionamento do equipamento. Pelas regras do edital, o acionamento do equipamento de gravação poderia ser feito pelo próprio policial ou por uma central de operações da Polícia. Dessa forma, a gravação pode ser interrompida durante as operações.

O modelo previsto no contrato não faz gravação ininterrupta, ou seja, o policial, ou a corporação, acionará o equipamento quando desejar, ponto criticado por entidades de direitos humanos. Segundo a Secretaria da Segurança Pública (SSP), isso é compensado por outras funcionalidades, como o acionamento automático, por software, à distância pelo Centro de Operações da PM (Copom) e o acionamento manual pelo próprio policial.

Meses antes, em maio, a Defensoria Pública de São Paulo e entidades de direitos humanos pediram ao STF mudanças no edital da compra.

No mês seguinte, Barroso indeferiu o pedido, mas decidiu que o governo de São Paulo deveria seguir os parâmetros do Ministério da Justiça e Segurança Pública na licitação para compra de câmeras corporais.

Em seguida, a Defensoria Pública pediu a Barroso a reconsideração da decisão. Na segunda-feira (9), a decisão que obriga utilização das câmeras foi proferida.   

Viúva de Evaldo Rosa: “257 tiros não são legítima defesa”

A família do músico Evaldo Rosa, morto a tiros por militares do Exército no Rio de Janeiro em 2019, ainda não sabe se vai recorrer da decisão que absolveu os réus. Depois de tudo o que viu e ouviu durante o julgamento no Supremo Tribunal Militar (STM), nessa quarta-feira (18), a viúva de Rosa, Luciana Nogueira, perdeu a pouca esperança que tinha.

“Eu já imaginava que seria um julgamento difícil, que sendo militares julgando militares, eles iriam favorecer o lado deles e não iriam se sensibilizar pela minha dor. Mas eu não imaginava que seriam uns votos tão horrorosos da forma que foi. Um ministro falou que a família está atrás de vingança. Eu não estou atrás de vingança. Eu simplesmente queria que a justiça fosse feita pelo absurdo gigantesco que eles cometeram contra a minha família. Nós sabemos infelizmente que no Brasil a justiça é falha. Eu já desacreditava da Justiça e agora muito mais”, afirmou.

O crime

Evaldo Rosa dirigia o carro da família e estava acompanhado de Luciana, o filho do casal, o sogro e uma amiga, indo para um chá de bebê, na tarde do dia 7 de abril de 2019. Quando eles passavam por uma via no bairro de Guadalupe, na zona norte do Rio, o carro foi alvejado por militares do Exército que faziam policiamento na região, por força de um decreto de Garantia da Lei e da Ordem.

Os militares alegam que confundiram o carro da família com outro que tinha sido roubado, e dispararam 257 tiros de fuzil contra o veículo: 62 atingiram o automóvel. Evaldo foi baleado mortalmente, e o sogro ficou ferido. O catador de material reciclável Luciano Macedo, que tentou ajudar a família em meio aos disparos, também foi atingido e morreu.

“Todas as provas são bem nítidas. Você não vai atirar 257 vezes por legítima defesa, 257 tiros você atira pra matar. Até mesmo porque a gente não passou perigo nenhum para eles, nós somos pessoas de bem. Aí eles querem alegar que porque tem tráfico pela redondeza, naquele momento eles estavam muito nervosos”, contesta a viúva de Evaldo.

Decisão

Doze militares foram denunciados pelos crimes de duplo homicídio qualificado e tentativa de homicídio, e em primeira instância, oito foram condenados: o tenente, que coordenava a operação a 31 anos de prisão, e os outros agentes a 28 anos. Quatro militares foram absolvidos por não terem efetuado disparos.

A defesa dos réus recorreu ao STM e nessa quarta-feira, sete membros da corte decidiram seguir o entendimento do ministro Carlos Augusto Amaral, relator do caso. Para ele, os militares não podem ser culpados pela morte de Evaldo, porque há dúvidas sobre a origem do disparo que ceifou a vida do músico, já que ele teria ocorrido durante uma troca de tiros entre a patrulha do Exército e os assaltantes. Com isso, os militares foram inocentados.

A decisão indignou Luciana: “Eles buscaram fundamentos que não existiram, né? Foi um resultado muito lamentável. Eles continuam com a vida deles e eu e meu filho, a gente vai continuar com um trauma pelo resto das nossas vidas”

Os ministros também requalificaram a condenação pela morte de Luciano Macedo, de homicídio doloso, para homicídio culposo, quando não há intenção de matar, aceitando a tese de legítima defesa. Agora, o tenente terá que cumprir 3 anos e 7 meses e os outros sete agentes foram sentenciados a 3 anos de prisão em regime aberto.

voto pela condenação original

Somente a ministra Maria Elizabeth Rocha, única mulher da corte, votou para manter as condenações originais. Ela argumentou que o caso demonstra o racismo estrutural da sociedade brasileira, e o perfilamento feito pelas forças de segurança, na abordagem violenta de pessoas negras e pobres.

“Autorizar o disparo de fuzis, incessantemente, até a morte de meros suspeitos, em função da periculosidade de um local e em razão dos soldados supostamente já terem corrido o risco de morte em situação anterior e diversa da que se está vivenciando é colocar a população, sobretudo a que se encontra em locais considerados perigosos, em um risco iminente, o que é inaceitável em um Estado democrático de direito”, defendeu a ministra em seu voto.

“Eu parabenizo muito a ministra, pelas palavras dela. Eu acredito que ela se ponha no meu lugar, ela é mulher igual a mim, é mãe igual a mim, é esposa Igual a mim. Por isso, eu acredito que pra ela sentir a minha dor foi bem mais fácil. Porque pros outros ministros que estavam ali, a nossa vida parece insignificante”, disse Luciana.

A família ainda poderá recorrer ao próprio STM e ao Supremo Tribunal Federal, caso entenda que há um direito constitucional em discussão. Luciana vai discutir essa possibilidade com seus advogados e com os irmãos de Evaldo, mas não sabe se o esforço valerá a pena. “Agora que tinha todas as evidências, para que ocorresse um resultado justo, não ocorreu, então eu vou continuar lutando, vou continuar brigando, e será que lá na frente eu vou ter um resultado positivo?”

Gilmar Mendes diz que plano golpista gera “perplexidade e indignação”

 

O ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), disse nesta quinta-feira (19) que a descoberta de uma trama para implantação de um golpe de Estado no país em 2022 gera “perplexidade e indignação”. Na condição de decano da Corte, Mendes discursou durante a sessão de encerramento dos trabalhos de 2024 no Supremo.

O ministro também demonstrou apoio ao ministro Alexandre de Moraes, relator do chamado inquérito do golpe. Segundo Gilmar, Moraes “enche de orgulho” o país pela atuação no caso e na defesa da democracia.

“Diante de notícias públicas de que uma organização criminosa estaria planejando típico golpe de Estado, é preciso reconhecer que chegamos a graus de paroxismo desconhecidos na história brasileira, cenário que gera perplexidade e indignação a todos nós democratas brasileiros”, afirmou o decano.

Mendes também destacou os julgamentos nos quais o Supremo defendeu a democracia, como a decisão que confirmou que as Forças Armadas não exercem poder moderador e as condenações dos envolvidos nos atos golpistas de 8 de janeiro.

“Sempre que provocado, por meio do devido processo legal, o Supremo saberá dar resposta penal que o caso exige, como forma de condenar culpados e absolver reais inocentes nos exatos termos em que prescreve a Constituição”, completou.

Os trabalhos da Corte serão retomados no dia 1° de fevereiro de 2025.

Menos de 2% dos PMs investigados em São Paulo são condenados por júri

Em setembro, a advogada Débora Nachmanowicz tornou-se mestre em “Direito Penal, Medicina Forense e Criminologia” pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP). Sua dissertação mostra como os policiais militares podem ficar sem punição quando matam. Observando casos de morte cometidas por PMs de São Paulo entre 2015 e 2020, a advogada verificou que de 1.224 inquéritos sobre os crimes, apenas 122 foram denunciados pelo Ministério Público à Justiça (cerca de 10%).

Menos da metade dos casos denunciados (60) foi a júri após decisão do juiz. Após o julgamento, apenas um terço (20 casos), houve condenação – menos de 2% dos inquéritos iniciais.

Além da conta da impunidade da PM paulista, Débora Nachmanowicz acompanhou julgamentos e entrevistou jurados no 1º Tribunal do Júri em São Paulo, onde verificou outro mecanismo que serve para inocentar os réus quando são policiais: o constrangimento.

Os julgamentos são acompanhados na plateia por inúmeros PMs que dispõem de informações sobre cada jurado.

A audiência é “lotada de pessoas que têm acesso ao aparato de violência estatal”, assinala a advogada e acadêmica.

Outro mecanismo, usado pelos advogados, é a alegação da legítima defesa, pouco confrontada porque faltam testemunhas desde o inquérito para esclarecer como se deram os crimes. As testemunhas evitam falar também por constrangimento e medo.

>> A seguir os principais trechos da entrevista de Débora Nachmanowicz à Agência Brasil.

Brasília (DF) 18/12/2024 – Advogada Débora Nachmanowicz, autora do mestrado sobre o julgamento de policias militares de São Paulo. Foto: Fabio Risnic/Divulgação

Agência Brasil: Qual a razão de sua pesquisa tratar dos julgamentos dos PMs?

Débora Nachmanowicz: A origem do meu interesse é ligada à minha história profissional. Eu atuei em casos pelo Instituto Pro Bono, no início da minha carreira, e muitos deles envolviam abordagens policiais, prisões. Existia ali um entendimento de que muitas dessas situações eram, de alguma forma, abusivas ou arbitrárias. Mas um caso foi determinante para a definição da minha pesquisa.

Um cliente que foi preso em 2018 com dez gramas de maconha em Taboão da Serra [região metropolitana de São Paulo]. Consegui soltá-lo com base em decisão do Superior Tribunal de Justiça. Mais ou menos um mês depois, a mãe dele fez contato para contar que o filho foi morto pela polícia. A mãe soube pelos moradores que seu menino foi espancado e colocado na viatura. Mas o que consta nos autos oficialmente é que ele teria roubado um carro e quando a polícia tentou pará-lo, houve troca de tiros, um suposto comparsa teria fugido e assim ele morreu.

Na verdade, não houve nenhuma troca de tiros. A vítima do carro roubado não reconheceu ele como o ladrão. Procuramos a delegacia, contamos a história levantada pela mãe, mas todos os moradores não quiseram testemunhar por medo da polícia. A polícia sabe quem são essas pessoas. O caso foi arquivado com a única versão que existia nos autos, a versão dos policiais.

Agência Brasil: O episódio chegou a ter um inquérito?

Débora Nachmanowicz: Inquérito quase sempre existe quando envolve morte decorrente de intervenção policial. Depois da análise do fluxo dos procedimentos que eu fiz, percebi mais ou menos 90% de arquivamento ainda na fase policial.

 

Agência Brasil: Conforme sua dissertação, entre 2015 e 2020, foram concluídos 1.224 inquéritos contra policiais militares, mas efetivamente só 122 viraram denúncias do Ministério Público. Por que esse afunilamento?

Débora Nachmanowicz: A maior descoberta não é o grande arquivamento entre inquéritos e denúncias. Isso é objeto de várias outras pesquisas antes da minha.

O grande achado da pesquisa que fiz é como os jurados julgam policiais militares. O que acontece com os casos que viram denúncia. Mesmo quando existe um investimento investigativo, muitas vezes não se consegue angariar elementos suficientes para sustentar a denúncia, para sustentar a acusação.

O que suportaria a denúncia são elementos que anulem a versão da legítima defesa dos PMs, que é o que geralmente sustenta a defesa desses policiais. Mas como disse no caso do meu cliente, as pessoas não querem testemunhar por medo.

Há ameaças veladas e, às vezes, não veladas. A mãe do meu cliente narrou que a polícia ficava fazendo ronda na rua que morava. Quando só tem a palavra do policial e não tem imagens ou não tem testemunhas, sobra muito pouco para sustentar uma denúncia, a não ser quando o caso tem contradições gritantes, e aí os promotores têm como denunciar.

 

Agência Brasil: Nem todos os casos foram denunciados. O juiz tem que aceitar?

Débora Nachmanowicz: A primeira fase do júri termina com a decisão do juiz, que pode ser de pronúncia, de impronúncia ou de absolvição sumária. Tanto a impronúncia quanto a absolvição sumária terminam o caso e o réu não vai a julgamento.

 

Agência Brasil: O que quer dizer impronúncia? Qual a diferença com absolvição sumária?

Débora Nachmanowicz: A absolvição sumária é quando foi comprovado que não tem o fato. [O acusado] não foi o autor do crime, o fato não é uma infração penal, ou quando ficar demonstrada causa de exclusão do crime. A impronúncia vai ocorrer quando o juiz não se convence da materialidade do crime. Ou seja, não se convence que aquele fato é um crime ou não se convence que tem indícios suficientes de autoria.

 

Agência Brasil: Depois do crivo dos juízes, dos 122 casos, apenas 60 foram a júri popular. Necessariamente, tinham que ir a júri popular?

Débora Nachmanowicz: Sim, necessariamente. Porque envolve assassinato. Em 1996, houve uma mudança da lei. A chamada Lei Hélio Bicudo [que alterou os códigos Penal Militar e de Processo Penal Militar] determinou que homicídios dolosos contra civis cometidos por policiais militares deveriam ser julgados pela justiça comum. Antes, eram julgados pela Justiça Militar.

 

Agência Brasil: É possível imaginar que à época dos julgamentos na Justiça Militar a impunidade já fosse alta?

Débora Nachmanowicz: Sim. Os defensores da volta desses julgamentos para a Justiça Militar alegam que antes da Lei Hélio Bicudo se condenava muito mais. Isso não é verdade. Temos dados de outras pesquisas que demonstram que a porcentagem de absolvição ou de desclassificação do crime para uma tentativa de homicídio ou para uma lesão corporal – o que levava a penas muito baixas – era muito grande. Na prática, era bem benéfico para os policiais.

 

Agência Brasil: Quanto aos julgamentos no tribunal do júri, a dissertação mostra que só um terço teve condenação, 60 casos apenas tiveram esse desfecho. Por que esse último crivo?

Débora Nachmanowicz: Os meus números de condenação envolvem todos os casos de policiais militares que cometeram homicídio. Isso é muito importante frisar. Não são apenas os casos de morte decorrente de intervenção policial em operações. Outras mortes que foram cometidas por policiais militares também estão nessas 20 condenações. Dessas 20 condenações, somente quatro são de casos decorrentes de algum confronto policial.

O que eu entendo que leva a uma alta absolvição em casos de confronto policial? São vários elementos. Existe um entendimento de que a versão do policial acaba tendo um peso maior quando há a alegação de legítima defesa. ‘Ah, mas se o morto era bandido, tinha histórico, estava em fuga, o policial vai esperar o cara atirar para depois atirar? É ele ou o bandido.’ Além disso, a maior parte dos julgamentos que observei de policiais militares em casos de confronto, julgamentos que acabam sendo midiáticos, são acompanhados na plateia por inúmeros policiais. E isso causa uma sensação de pressão, de constrangimento nos jurados.

Eu distribui questionários para os jurados do primeiro tribunal do júri e questionei sobre essa sensação, se isso poderia causar algum desconforto ou não, se influenciaria de alguma forma. Várias respostas revelam medo de retaliação, porque os advogados, os policiais, e até os réus que são policiais sabem o nome dos jurados e sabem a profissão dos jurados.

O jurado se sente muito exposto estando ali numa plateia lotada de policiais. São policiais à paisana. Eles não estão fardados, mas a presença deles é evidenciada, tanto pelos advogados, que mencionam a presença do apoio do batalhão, que geralmente está assistindo, e até pelo próprio promotor que menciona também isso. Uma plateia lotada de pessoas que têm acesso ao aparato de violência estatal.

 

Agência Brasil: O constrangimento que existe sobre eventuais testemunhas na fase de inquérito também existe de outra forma sobre o corpo de jurados?

Débora Nachmanowicz: E aí, em paralelo a isso, não digo que seja determinante, mas há o posicionamento de que o policial, sim, vive uma vida de perigo. Esse sentimento paira na sociedade e também pode colaborar com a absolvição. É claro que o policial convive com a violência e está super exposto. Mas isso não permite que ele ultrapasse tantos limites da arbitrariedade.

 

Agência Brasil: Qual o perfil dos jurados que responderam ao questionário de pesquisa?

Débora Nachmanowicz: Como indicado na dissertação, existe uma sobrerrepresentação de funcionários públicos, compondo aproximadamente 20%-25% dentre os jurados. Há uma grande presença de profissionais da educação e do direito. A ampla maioria dos jurados (aproximadamente 80%) tem alto grau de educação formal (ensino superior ou mais). Com exceção da escolaridade, que é um elemento super importante, o grupo de jurados do 1º Tribunal do Júri é relativamente representativo da cidade de São Paulo.

A gente tem um pouco mais de mulheres do que homens no júri. Quanto às porcentagens de brancos, pardos e pretos também está mais ou menos equilibrado; assim como a renda. Uma grande surpresa foi quanto à localização da residência dos jurados. Temos jurados espalhados por toda a cidade de São Paulo e cidades contíguas. Jurados que julgam em São Paulo que não são da cidade de São Paulo, moram nessas regiões limítrofes. Tem bastante gente da periferia.

 

Agência Brasil: Dos 20 condenados, quatro casos são decorrentes de algum confronto policial. Por que em um sistema que é tão difícil ser sentenciado, essas pessoas acabaram por ser condenadas? Pressão da opinião pública?

Débora Nachmanowicz: Eu acho que a questão da opinião pública não é tão elementar. Em diversos casos em que houve absolvição havia muita cobertura da mídia. É difícil a gente conseguir identificar exatamente as razões de uma condenação, porque as decisões dos jurados não são fundamentadas.

É tudo muito subjetivo. Eu não pretendi na pesquisa fazer relações de causalidade. Mas creio que os casos em que houve condenação, ficou muito evidente que o réu mentiu ou omitiu informações de uma maneira que não tinha muita justificativa. São casos muito explícitos, quando não há nenhuma possibilidade de sustentar a possibilidade de legítima defesa.

 

Agência Brasil: A pesquisa para a dissertação de mestrado foi feita no 1º Tribunal do Júri de São Paulo. Como hipótese inicial, é possível generalizar os resultados observados para o resto do país?

Débora Nachmanowicz: Eu acredito que sim e creio que pode ser até pior. Em São Paulo, a gente tem uma formação de jurados que é mais comprovadamente representativa do que em outros lugares. Em diversas capitais de outros estados, os jurados são quase 100% funcionários públicos. Isso pode afetar o resultado dos julgamentos.

 

Agência Brasil: Ainda falando como hipótese, se um número maior de inquéritos contra policiais tivesse desdobramento em denúncias do Ministério Público, e se essas denúncias fossem encaminhadas a julgamento, avalia que a violência policial diminuiria?

Débora Nachmanowicz: Há um conjunto de coisas aí. Temos em perspectiva o controle administrativo, o controle de orientação do comando. Em um primeiro momento, os policiais que matam podem ser presos, mas depois que o inquérito corre, tudo é arquivado.

O policial que foi alvo de inquérito é solto e volta para o batalhão, volta para a rua. Mas se houvesse um controle maior sobre esses casos, para que fossem julgados de uma maneira mais rígida – assim como, por exemplo, acontece com todos os acusados de roubo e tráfico -, isso poderia alterar a maneira como a polícia age. Haveria sim uma chance de reduzir a violência policial.

 

Agência Brasil: Recentemente o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, admitiu que as câmeras nas fardas dos policiais militares são “instrumento de proteção da sociedade e do policial.” Há expectativa que a câmera no uniforme vire um dispositivo comum no uniforme dos PMs?

Débora Nachmanowicz: Espero muito que isso aconteça e que seja feito com controle mais estrito, ou seja, com a câmera ligada 100% do tempo e gravando.

Também espero que haja punição imediata de qualquer policial que seja flagrado tentando burlar a captação das imagens.

 

Agência Brasil: Há mais alguma outra descoberta nas pesquisas?

Débora Nachmanowicz: Sim, uma coisa essencial: a informatização dos procedimentos de alistamento, requisição e sorteio dos jurados. Em São Paulo, na 1ª Vara do Júri, existe um programa que informatizou o alistamento. Esse programa eletrônico é atualmente utilizado somente no 1º Tribunal do Júri.

Eu entendo que precisa ser expandido para os outros quatro tribunais da cidade de São Paulo e para o restante do estado, de forma a melhorar o funcionamento dos cartórios e de todos os procedimentos que estão ao redor do alistamento e da convocação dos jurados.

Prazo para diplomação de prefeitos e vereadores termina nesta quinta

Os prefeitos e vereadores eleitos em outubro devem ser diplomados até esta quinta-feira (19) pela Justiça Eleitoral. A data marca o fim do período eleitoral.

O diploma é entregue pelos tribunais regionais eleitorais (TREs) e serve para habilitar os eleitos para iniciarem seus mandatos, que têm duração de quatro anos. As posses nos respectivos cargos ocorrerão em 1° de janeiro de 2025.

As principais capitais do país vão realizar a diplomação hoje. As cerimônias estão previstas para os municípios de São Paulo, Curitiba, Fortaleza, Goiânia, Macapá, Natal e Porto Alegre.  As demais capitais já fizeram a diplomação dos eleitos.

Em São Paulo, a solenidade será às 11h, no Memorial da América Latina.

No Rio de Janeiro, a diplomação ocorreu na manhã de ontem (18). Receberam o documento o prefeito reeleito Eduardo Paes, o vice-prefeito Eduardo Cavaleire e mais 51 vereadores eleitos ou reeleitos para a próxima legislatura.

STM reduz penas de militares envolvidos em mortes de músico e catador

O Superior Tribunal Militar (STM) decidiu nesta quarta-feira (18) reduzir as condenações de oito militares do Exército acusados pela morte de dois homens durante uma operação de Garantia da Lei e da Ordem (GLO) no Rio de Janeiro, em 2019. O tribunal julgou um recurso apresentado pela defesa dos acusados para anular as condenações pelo duplo homicídio do músico Evaldo Santos e o catador de recicláveis Luciano Macedo.

Eles foram mortos com 257 tiros durante operação na qual militares buscavam autores de um roubo e dispararam contra o carro onde estava Evaldo, um Ford Ka branco. Luciano foi baleado ao tentar socorrer Evaldo. 

Por maioria de votos, os ministros entenderam que os homicídios cometidos pelos militares são culposos, e não dolosos, como foi sentenciado pela primeira instância da Justiça Militar. 

O tenente Ítalo da Silva, responsável pela operação, teve a pena de 31 anos de prisão reduzida para três anos e sete meses. Outros sete militares tiveram as condenações reduzidas de 28 anos para três anos.

Indenização

Em abril do ano passado, a Advocacia-Geral da União (AGU)  fechou um acordo para pagamento de indenização às famílias das vítimas.

O valor foi dividido da seguinte forma: R$ 493 mil serão destinados à mãe de Luciano, Aparecida Macedo; R$ 123,2 mil para cada uma das três irmãs; R$ 21,7 mil de pensão vitalícia atrasada; R$ 3,5 mil para pagamento de despesas com funeral e R$ 76,4 mil para honorários advocatícios.

Um acordo nos mesmos moldes deve ser fechado com familiares do músico Evaldo Santos.

STJ rejeita pedido de anulação da audiência do caso Mariana Ferrer

O Superior Tribunal de Justiça (STJ) rejeitou a anulação da audiência do processo que absolveu o empresário André de Camargo Aranha da acusação de estupro contra a influenciadora digital Mariana Ferrer. A decisão, que foi proferida ontem (17), também mantém absolvição do empresário.

O colegiado julgou um recurso da defesa da influenciadora para anular a audiência na qual ela foi humilhada pelo advogado do acusado. A audiência foi realizada em 2020 pelo juiz Rudson Marcos, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJ-SC).

Por unanimidade, os ministros da Sexta Turma da Corte seguiram o relator, ministro Sebastião Reis, e negaram o recurso por razões processuais. Para os membros do colegiado, a nulidade da audiência não foi solicitada no momento processual adequado, ou seja, na apelação dirigida à segunda instância.

“Na leitura das razões da apelação da recorrente, verifica-se que inexiste pedido de declaração da nulidade da audiência em que foi ouvida, circunstância que rechaça a suposta omissão aventada”, disse Reis.

Relembre o caso 

Na audiência em que a modelo e influenciadora digital Mariana Ferrer prestou depoimento na condição de vítima, em julho de 2020, o advogado de defesa do empresário exibiu fotos pessoais de Mariana, fazendo comentários misóginos que não tinham relação com o mérito do processo em questão. O vídeo da audiência também mostra que o defensor humilhou e desrespeitou a influenciadora por várias vezes sem que o juiz ou o promotor de Justiça interviessem.

A divulgação do vídeo teve grande repercussão junto à opinião pública. 

Em novembro do ano passado, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) puniu o juiz Rudson Marcos com uma advertência. Conforme a decisão, o magistrado foi omisso durante a audiência e permitiu que o advogado desqualificasse Mariana.

Em 2021, foi publicada a Lei nº 14.245, que prevê punição para atos contra a dignidade de vítimas de violência sexual e das testemunhas do processo durante julgamentos, e que ficou conhecida como Lei Mariana Ferrer.

PM paulista pede para usar câmeras somente em grandes operações

A Procuradoria-Geral do Estado de São Paulo (18) pediu nesta quarta-feira (18) ao Supremo Tribunal Federal (STF) que o uso de câmeras corporais pelos policiais militares seja restringido a “operações policiais de grande envergadura”.

No documento enviado ao presidente da Corte, ministro Luís Roberto Barroso, o órgão que representa o governador Tarcísio de Freitas afirma que não há equipamentos suficientes para uso por toda a corporação.

Na semana passada, Barroso determinou a obrigatoriedade da utilização dos equipamentos após a divulgação de diversos casos de violência policial e a constatação de  “falhas reiteradas” no uso das câmeras em operações e o descumprimento dos protocolos de acionamento.

Segundo o governo estadual, a decisão do ministro criou uma interpretação ampla ao determinar o uso de câmeras em operações policiais. A procuradoria sustenta que nem todas as operações oferecem riscos de confronto.

Conforme a petição, já foram realizadas mais de 484 mil operações policiais em 2024, sendo mais 43 mil somente em novembro.

“Caso interpretada a decisão com a amplitude de tornar obrigatório o uso de câmeras em todas as operações policiais, haverá clara impossibilidade material e operacional de cumprimento, eis que o estado de São Paulo, como já informado em outras oportunidades, conta com um efetivo de cerca de 80 mil policiais militares, que atuam em 645 municípios, mas possui 10.125 câmeras corporais portáteis”, argumentou o governo.

Histórico

O governo de São Paulo se comprometeu com o STF, em abril deste ano, a usar câmeras corporais em operações policiais no estado e apresentou cronograma que estabelecia a implementação do sistema. O estado previa nova licitação e aquisição de novas câmeras.

Em setembro, o governo anunciou assinatura de contrato com a empresa Motorola para a compra de 12 mil câmeras corporais. A compra foi criticada, no entanto, por prever mudanças na forma de acionamento do equipamento. Pelas regras do edital, o acionamento do equipamento de gravação poderia ser feito pelo próprio policial ou por uma central de operações da Polícia. Dessa forma, a gravação pode ser interrompida durante as operações.

O modelo previsto no contrato não faz gravação ininterrupta, ou seja, o policial, ou a corporação, acionará o equipamento quando desejar, ponto criticado por entidades de direitos humanos. Segundo a Secretaria da Segurança Pública (SSP), isso é compensado por outras funcionalidades, como o acionamento automático, por software, à distância pelo Centro de Operações da PM (Copom) e o acionamento manual pelo próprio policial.

Meses antes, em maio, a Defensoria Pública de São Paulo e entidades de direitos humanos pediram ao STF mudanças no edital da compra.

No mês seguinte, Barroso indeferiu o pedido, mas decidiu que o governo de São Paulo deveria seguir os parâmetros do Ministério da Justiça e Segurança Pública na licitação para compra de câmeras corporais.

Em seguida, a Defensoria Pública pediu a Barroso a reconsideração da decisão. Na segunda-feira (9), a decisão que obriga utilização das câmeras foi proferida.