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Entenda como o mau uso da floresta compromete a vida no planeta

A crise ambiental global apressa a busca por soluções que permitam um equilíbrio entre os recursos existentes no planeta e a existência da humanidade. Neste dia 21 de março, Dia Internacional das Florestas, pesquisadores alertam que as medidas adotadas pelo mundo, até o momento, ainda são insuficientes para que essa relação seja duradoura.

O pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa) Philip Fearnside recebeu o Prêmio Nobel da Paz em 2007 por pesquisas sobre as consequências das mudanças climáticas. Para ele, é necessário que o Brasil lidere essas iniciativas, não apenas por possuir a maior reserva de biodiversidade de todo o globo, mas também por ser o país que mais será atingido se a crise ambiental continuar em curso.

“Está tudo caminhando para ter menos floresta e mais aquecimento global, mesmo se o desmatamento for freado.”

Segundo Fearnside, o Brasil e o mundo dependem totalmente dos serviços ecossistêmicos prestados pelas florestas, que além de produzirem sombra, alimento e oxigênio, também retêm gás carbônico, transportam água em parte do ciclo hídrico e resfriam o planeta.

O Nobel da Paz e pesquisador do Inpa Philip Fearnside – Rádio Nacional/EBC

Para o Nobel da Paz, a forma como o aquecimento global afeta o planeta já pode ser observado em problemas reais. Um exemplo é a interrupção dos chamados “rios voadores”,  que são os fluxos de vapor que têm origem na Floresta Amazônica e que são transportados pela atmosfera para outros lugares.

Algumas pesquisas que Fearnside realizou, indicam que isso vem acontecendo com maior frequência nos últimos anos. “Tem que lembrar que, em 2014, São Paulo quase ficou sem água até para beber e, depois, em 2021 houve uma enorme seca naquela região do país, então, o clima lá já mudou e deve piorar mais ainda”.

Iniciativas como a redução do desmatamento na Amazônia e em outros biomas brasileiros são caminhos necessários, aponta o pesquisador, mas somente isso não é capaz de evitar que as reservas naturais cheguem a um ponto de não retorno.

“Todas a floresta precisa ser convertida em unidade de conservação, que pode ser de uso sustentável pela população que vive dentro dela, mas não pode ser APA [área de proteção ambiental], porque nesse caso é difícil controlar quando abre para uso particular e desmatamento legalizado.”

Ameaça

As políticas públicas também precisam convergir para a preservação das florestas, afirma o pesquisador, ao criticar projetos como o de recuperação da BR-319, que liga Manaus a Porto Velho. O projeto prevê a abertura de novas estradas, como a AM-366, em uma região intacta de floresta, a oeste do Rio Purus, no estado do Amazonas.

Com a inclusão da proposta ao Plano de Desenvolvimento Regional da Amazônia (PRDA) para 2024-2027 pelo governo federal a ameaça ganhou forma de projeto de lei (4.994/2023), no Congresso Nacional.

O pesquisador explica que se for aprovado, além da abertura de mais cobertura verde, toda a região ficará suscetível a ação de grileiros, pecuaristas, agricultores e madeireiros, que não se interessam atualmente pela área por causa da dificuldade de acesso.

Essa parcela de floresta também inclui a maior parte da Amazônia de terras públicas não designadas, o que significa uma área mais desprotegida, segundo pesquisa divulgada pelo Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam), em fevereiro deste ano.

Destinação

Desmatamento do cerrado aumenta o risco de colapso hídrico – Adriano Gambarini/WWF Brasil/Divulgação

O Brasil possui mais de 55% de seu território coberto por florestas dos seis biomas: Amazônia, Cerrado, Mata Atlântica, Caatinga, Pampa e Pantanal. Desse total, 327,3 milhões de hectares são de florestas públicas, ou seja, 38,4% de todo o território, segundo a última atualização do Cadastro Nacional de Florestas Públicas, de junho de 2023.

De acordo com o estudo do Ipam, 57,5 milhões de hectares – que equivale ao tamanho da Espanha – nunca foram designados, seja para unidade de conservação, ou para outras finalidades, como terras indígenas ou regularização fundiária, conforme previsto na Lei de Gestão de Florestas.

“Hoje, mais da metade do desmatamento na Amazônia acontece em terra pública, ou seja, é espoliação de patrimônio público e o dono é o povo brasileiro. A demora em destinação, seja pelos governos federais ou pelos governos de estado, permite que a grilagem invada essas áreas e transforme, em grande proporção, em pastagens clandestinas na Amazônia, especialmente nos últimos cinco anos”, afirma Paulo Moutinho, pesquisador do Ipam que participou da pesquisa.

Paulo Moutinho, pesquisador do Ipam – Arquivo pessoal

O estudo utilizou imagens de satélites do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), sobrepondo as áreas de desmatamento identificadas às bases de dados cartográficas das florestas públicas não destinadas.

“Também por análise de satélite, a gente consegue acompanhar que, após o desmatamento dessas florestas, 70% permanecem como pastagem e 20% são praticamente abandonadas.”

Outra etapa do estudo avaliou como se dá a dinâmica da invasão e concluiu que a prática de depositar documentos em caixa de grilos para que aparentassem envelhecimento – daí o nome grilagem – foi substituída atualmente pelo Cadastro Ambiental Rural. No entanto, o documento autodeclaratório criado com a finalidade de regularização ambiental, passou a ser usado como documento fundiário de maneira fraudulenta.

Ciclo

Em todos os casos, os pesquisadores são unânimes em considerar que o mau uso das florestas atinge diretamente os seres humanos, seja pela interrupção dos serviços ecossistêmicos, seja pela diminuição dos ativos ambientais, que utilizados de forma sustentável podem gerar renda e contribuir com a diminuição dos efeitos da crise climática.

“Tem o estoque de carbono que está retido na floresta, inclusive no solo em baixo da floresta, que pode ser emitido por causa do desmatamento, ou por mudanças climáticas, ou incêndios florestais e essa é a chave para a crise global, porque esse estoque enorme de CO2 sendo liberado para o ar, em poucos anos, pode vir a ser a gota d’água para o clima global alcançar o ponto de não retorno”, explica o pesquisador, ao concluir: 

“Ou seja, [a temperatura] cada vez mais quente, tem mais incêndios florestais, esquenta mais o solo, derrete as calotas polares e tudo mais, até sair do controle humano”

Governo

Em setembro de 2023, o governo federal retomou a Câmara Técnica de Destinação e Regularização Fundiária de Terras Públicas Federais Rurais, com o objetivo de promover a governança responsável das terras públicas federais. De caráter deliberativo sobre a destinação de terras públicas, a câmara é coordenada pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar (MDA) e tem a participação dos ministérios do Meio Ambiente e dos Povos Indígenas.

Nos últimos meses algumas florestas públicas foram destinadas ao usufruto de povos originários, ou para estudos de destinação pelo Serviço Florestal Brasileiro.

A reportagem da Agência Brasil contactou o MDA e o MMA, sobre o andamento dessas demandas, mas até a publicação da matéria não houve resposta.

Entenda críticas ao PL do ensino médio no Congresso Nacional

Especialistas e organizações ligadas à educação elogiaram a previsão de 2,4 mil horas de formação básica comum incluída no novo relatório do projeto de lei (PL) que pretende revisar o atual ensino médio. O relatório foi apresentado nesta quarta-feira (20)

No entanto, organizações ligadas ao setor consultadas pela Agência Brasil pedem mudanças no texto. A expectativa é que a matéria seja votada nesta semana no Plenário da Câmara dos Deputados, antes de ir ao Senado Federal.   

O relator da matéria, deputado Mendonça Filho (União-PE), retomou a carga horária de 2,4 mil horas para a formação geral básica (FGB), conforme previsto no projeto original enviado pelo Executivo, mas abriu exceção com carga horária básica menor (1,8 mil horas) para aqueles que optarem por seguir formação técnica profissional. Mendonça era ministro da Educação em 2017, no governo de Michel Temer quando o novo ensino médio foi aprovado.

A Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE) defende a formação básica de 2,4 mil horas, mas mantém críticas ao projeto, especialmente no que diz respeito à não obrigatoriedade do ensino do espanhol e à manutenção da figura do professor por notório saber, o que permitiria a contratação de profissionais sem formação especifica em licenciatura.

“Por mais que ainda tenha problemas no PL enviado pelo governo federal, nós consideramos que ele é mais próximo do que reivindicamos do que o relatório do Mendonça”, disse à Agência Brasil o presidente da CNTE, Heleno Araújo.

Para o representante dos trabalhadores em educação, a exclusão do espanhol é absurda. “Situação colonizadora em relação aos Estados Unidos e à língua inglesa. Isso quebra a possibilidade de integração do Brasil com a América Latina”, afirmou.

O CNTE também criticou a possibilidade de contratação de profissionais com notório saber, sem formação em licenciatura, para disciplinas técnicas e profissionalizantes. Para a confederação, a medida visa baratear a mão de obra ao incluir no mercado muitos profissionais sem formação de professor.

“O notório saber descaracteriza a profissão do professor”, criticou Heleno, para quem existem outros instrumentos legais que permitem utilizar profissionais de áreas técnicas na educação básica.

Fórum Nacional de Educação

Em nota publicada nesta quarta-feira (20), o Fórum Nacional de Educação (FNE), concordou com as críticas da CNTE à audência à língua espanhola e ao notório saber. O fórum pede aos deputados e senadores que escutem as vozes representadas na Conferência Nacional de Educação de 2024.

Criado em 2010, o FNE reúne 50 entidades e órgãos da sociedade civil e do Poder Público e tem a missão de acompanhar o Plano Nacional de Educação.

Na nota, o fórum defendeu as 2,4 mil horas de formação básica, alegando que a reforma de 2017 ampliou as desigualdades entre escolas públicas e privadas. “A implementação da Lei 13.415/2017 [novo ensino médio] já demonstrou que escolas particulares criam formas alternativas de garantir a formação básica, o que não acontece nas escolas públicas”, destacou.

Educação técnica e profissional

O FNE defendeu ainda a obrigatoriedade de 13 disciplinas científicas mais a língua espanhola. Para a entidade, é preciso ampliar o investimento na educação técnica e profissional para não sobrecarregar as escolas públicas.

“A proposição de articular a formação técnica profissional nas escolas que ofertam o ensino regular é atraente”, dia a nota, alertando, porém, para o “risco de, ao tencionar para que as gestões escolares estejam obrigadas a ofertar uma trajetória profissional, os arranjos não sejam os mais adequados, gerando formações insuficientes ou inadequadas. O caminho para a formação profissional técnica de nível médio é o investimento nas reconhecidas escolas técnicas”.

Dualidade

O professor Daniel Cara, da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (USP), destacou que o acordo para as 2,4 mil horas de formação básica foi um avanço, “diminuindo o desperdício de tempo dos estudantes com disciplinas inúteis dentro dos itinerários formativos”.

Daniel é membro da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, organização que reúne sindicatos, movimentos sociais, estudantis e comunitários contrários à reforma do ensino médio de Temer.

O professor teme que a retomada das 2,4 mil horas de formação básica “desestruture a reforma profundamente”, mas lamenta que o texto tenha mantido o que chama de “dualidade” no ensino, separando a formação técnica e profissional da formação básica geral.

“Um profissional que não tem uma formação estruturada em ciências humanas, em ciências da natureza, ele tem pouca capacidade crítica e analítica para, de fato, realizar a sua profissão. E o relatório do Mendonça Filho, acordado com o ministro Camilo Santana, retoma a questão da dualidade, o que é uma pena”, destacou Daniel, para quem o correto seria garantir formação geral básica somada à educação profissional num modelo integrado.

Meio termo

Já a organização não governamental (ONG) Todos pela Educação, que teve um posicionamento mais favorável à reforma de Temer, comentou que o acordo entre o governo e os parlamentares foi positivo e representou um meio termo entre a proposta do MEC e o texto substitutivo do deputado Mendonça Filho.

“[O acordo] preserva os princípios da reforma e ao mesmo tempo traz modelagem melhorada frente à reforma original”, afirmou Priscila Cruz, presidente do Todos Pela Educação, organização que informa que é financiada apenas por recursos privados.

Por sua vez, a União Brasileira dos Estudantes Secundarias (Ubes) defende a revogação integral da reforma do ensino médio de 2017, com a exclusão dos itinerários e a obrigatoriedade da oferta da língua espanhola.

“Nenhum passo atrás! Em defesa das 2.400 horas da formação geral básica, pelo fim dos itinerários formativos e pelo espanhol como 13ª disciplina obrigatória”, publicou a ONG em uma rede social, informando que está presente na Câmara para pressionar parlamentares.

Entenda como a nova onda de fake news influencia a guerra digital

Há uma nova onda de desinformação no Brasil, impulsionada por conteúdos e notícias falsas – fake news – nas áreas de saúde, educação, atreladas aos costumes. Neste primeiro trimestre de 2024, teorias conspiratórias se propagam nas redes sociais com informações falsas sobre vacinas, dengue, aborto, escola sem partido, doutrinação de esquerda, cultura LGBT e erotização, observam pesquisadores.

Em anos eleitorais, atesta a jornalista e pesquisadora Magali Cunha, do Instituto de Estudos da Religião (Iser), do Rio de Janeiro, a propagação de fake news é intensificada. 

“Os anos de 2018, 2020 e 2022 foram muito intensos com desinformação nos ambientes digitais. Já entre 2019 e 2021, houve deliberadamente uma política de desinformar, promovida pelo governo [do presidente Jair] Bolsonaro. Mas desde outubro do ano passado, é cada vez mais alta a intensidade e quantidade de notícias falsas”, constata Magali. Uma verdadeira guerra digital, acrescenta.

Magali Cunha, do Instituto de Estudos da Religião (Iser) – Foto: magalicunha/instagram

Há ainda um ataque sistêmico à mídia tradicional. “A manipulação da informação também é promovida pelo grande ataque à credibilidade dos jornais, rádios, emissoras de televisão e jornalistas. Outro objetivo é identificar pontos mais sensíveis na polarização da sociedade e minar o trabalho sério da imprensa tradicional”, explica Solano de Camargo, presidente da Comissão de Privacidade, Proteção de Dados e Inteligência Artificial da Ordem dos Advogados do Brasil, seccional São Paulo (OAB SP).

Grupos conservadores e de extrema direita estão sendo eficientes nessa guerra de informação pelas redes sociais. Quando o assunto é saúde, a disseminação de ideias-chave pelas redes sociais vive um momento crescente e “utiliza a política para convencer a população e criar pânico verbal”, alerta a especialista em comunicação e religião Magali Cunha.

“O nosso monitoramento de grupos de influenciadores religiosos aponta um verdadeiro bombardeio de conteúdos falsos, que depois acaba sendo alimentado pela própria grande mídia. São notícias com títulos enganosos, que podem induzir leitores a construir pensamentos e ações negativas sobre determinadas pautas. Estamos num momento muito grave do ponto de vista da comunicação e da informação. Isso passa pelos produtores e disseminadores da desinformação, os chamados influenciadores das fake news. Mas a grande imprensa e muitos políticos também têm seu papel negativo nesse ecossistema, porque municiam a desinformação com conteúdo não verdadeiro, que depois é trabalhado por esses grupos”, avalia Magali.

Para Eliara Santana, pesquisadora associada do Centro de Lógica, Epistemologia e História da Ciência da Universidade Estadual de Campinas (CLE/Unicamp), onde atua no projeto Pergunte a um/uma cientista e integrante do Observatório das Eleições, houve um recuo programado na disseminação de fake news no fim de 2022, com a eleição de Luiz Inácio Lula da Silva para a Presidência da República. 

“Mas ao longo de 2023 isso foi retornando. Trata-se de uma estratégia. Agora tudo volta com muita força”, analisa Eliara.

A manipulação da opinião pública através da desinformação, rememora Solano de Camargo, ficou evidente no processo de consulta da população do Reino Unido sobre a saída da União Europeia em 2020 e vem se aperfeiçoando cada vez mais, principalmente agora com o uso de inteligência artificial.

“Os processos são muito elaborados e planejados com o uso de deep fake [técnica que permite alterar um vídeo ou foto com ajuda de inteligência artificial] para alterar discursos, alterar textos escritos, áudios, fotos e vídeos. Pode-se manipular a opinião pública como quiserem, o que terá reflexos, inclusive, em pesquisas de opinião”, afirma o advogado.

Solano de Camargo, presidente da Comissão de Privacidade, Proteção de Dados e Inteligência Artificial da OAB SP – Foto: Solano Camargo/Arquivo Pessoal

Somente uma plataforma de checagem de conteúdo, a Agência Lupa, que integra o The Trust Project no combate à desinformação e educação midiática, registra que em janeiro e fevereiro, mais os 15 primeiros dias de março deste ano, foram analisadas 137 informações que circulam pelas redes sociais com conteúdo falso.

A dengue é uma pauta predominante nesse período, com 28 postagens listadas pela Lupa. São falsas notícias com receitas milagrosas para a cura da doença, indicação de medicamentos como a ivermectina – fármaco para tratamento de parasitoses, mas sem eficácia, e que fora recomendada para o tratamento da covid durante a epidemia da doença –, entre outros temas relacionados, que chamam a atenção do cidadão e criam teorias conspiratórias que se propagam pelas redes sociais com informações falsas.

Ainda de acordo com registros da Lupa, em 2023 houve a checagem de 4.009 postagens falsas com inúmeros conteúdos, o que perfaz uma média de 5,5 notícias desinformativas e manipuladoras por dia.

Circuito desinformativo

O ecossistema de desinformação é retroalimentado por um circuito onde as fake news trafegam e ganham cada vez mais espaço, sem que as pessoas percebam.

“Tudo começa com um meme com desinformação que viraliza. Então esse meme é replicado por um veículo de imprensa normalmente atrelado ao campo da direita ou extrema-direita, que vai usar a informação, fazer entrevistas, repercutir tal fato/caso. Na sequência, um parlamentar sobe na tribuna da Câmara, em Brasília, ou nos estados ou municípios, e faz um discurso sobre o mesmo tema, dando legitimidade ao conteúdo. É o que faltava para que a grande mídia faça matérias a respeito, alimentando esse ecossistema de desinformação”, explica Magali Cunha.

Tudo isso é transformado em mensagens, que são repetidas à exaustão em grupos de WhatsApp e em redes sociais. “Cria-se uma bolha informacional na medida em que pessoas com interesses parecidos compartilham entre si os mesmos conteúdos”, chama a atenção a pesquisadora Eliara Santana. Assim, o algoritmo detecta essa ocorrência e aprende aquilo que o grupo entende ser importante e quer receber.

Eliara Santana, pesquisadora associada do Centro de Lógica, Epistemologia e História da Ciência da Universidade Estadual de Campinas – Foto: Unicamp/Divulgação

Na prática funciona assim: um parlamentar federal conservador de extrema direita faz comentário sobre um trecho específico de vídeo de debate na Conferência Nacional de Educação, realizada em janeiro. Ele critica a militância LGBT. Só que o trecho utilizado na crítica é manipulado de modo a parecer que o governo federal trabalha para formar militância LGBT nas salas de aula.

Esse deputado pega um trecho do debate onde representante do movimento LGBT diz ser preciso ter os próprios materiais e conteúdo nas salas de aula e formar militantes do movimento. Mas nesse ponto exato da fala, o vídeo é pausado e o deputado comenta em tom de denúncia: “ele acaba de admitir que vão formar militantes LGBT dentro das escolas”.

Essa fake news começa a ser espalhada nas redes sociais por meio de grupos evangélicos, conservadores e vários outros. Atrelada a essa informação falsa, surgem outras desinformações, promovidas pelo algoritmo.

Uma dessas manobras desinformativas é refletida numa notícia de agosto de 2023, na mídia de extrema-direita. A matéria diz que o “governo Lula retoma educação sexual nas escolas”. Uma outra destaca que o “Ministério da Saúde vai liberar R$ 90 milhões para a iniciativa”.

Assim, os comentários sobre esses posts se sucedem sempre no tom escandaloso de “como o governo Lula permite isso”, além de conter críticas, ofensas e xingamentos. Tudo o que vai contribuir para a construção de uma má avaliação do governo federal e para a criação de imagem falsa sobre o trabalho na área de Educação nas escolas do país.

Foto: Pixabay

A Agência Lupa, ao checar os posts citados acima, e a suposta informação de que “governo Lula retoma educação sexual nas escolas”, comprova a manipulação no post desinformativo. 

O fato real é que em 26 de julho de 2023, o Ministério da Saúde anunciou a retomada da promoção da educação sexual e reprodutiva e da prevenção de doenças sexualmente transmissíveis no Programa Saúde na Escola. A iniciativa – conforme a Portaria nº 1.004/2023 – prevê a destinação de R$ 90,3 milhões para os municípios que aderiram ao programa para o ciclo 2023/2024.

Os grupos evangélicos, diz Magali Cunha, é uma das partes responsáveis por essa hegemonia conservadora na propagação da desinformação. “Mas os grupos católicos conservadores também atuam com muita intensidade”, chama a atenção a pesquisadora. Ela cita ainda jornalistas, políticos, artistas e os chamados influencers como pontos base na disseminação de fake news.

O Código Penal e o Poder Judiciário são importantes respostas da sociedade para combater a desinformação e fake news. “Mas a melhor resposta é o letramento, o ensinamento sobre o que é desinformação e suas consequências, além da divulgação de fontes de informação confiáveis e a valorização da mídia tradicional e do trabalho de jornalistas éticos e respeitados”, observa Solano de Camargo, da OAB SP.

Foto: Joédson Alves/Agência Brasil

Pesquisa Senado

Pelo menos 76% da população brasileira foi exposta a informações falsas sobre política no segundo semestre de 2022. Essa é uma das constatações registradas no Panorama Político 2023, uma pesquisa do Senado Federal que investigou as opiniões sobre democracia, sociedade e prioridades do cidadão em um contexto pós-eleitoral.

A pesquisa revelou que 89% dos entrevistados disseram ter tido contato com notícias falsas sobre políticas que acreditavam ser falsas. Mais ainda, entre os usuários de WhatsApp e Telegram, 67% entendem que tiveram acesso a algum tipo de conteúdo que pode ser desinformativo. Esse número sobe para 83% no Facebook, Instagram e Youtube.

Entenda a estratégia do Brasil para a transformação ecológica

Com o objetivo de adotar modelo de desenvolvimento mais sustentável no país, o Plano de Transformação Ecológica foi anunciado em setembro de 2023, no Brasil, e lançado oficialmente pelo governo federal no mês de dezembro, durante a 28ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP), em Dubai. A estratégia reúne políticas públicas em quase toda a estrutura do Executivo brasileiro, com ações organizadas em seis eixos e coordenadas pelo Ministério da Fazenda.

Ao todo são mais de 100 políticas públicas anunciadas, com diferentes naturezas e prazos de execução, classificadas nos eixos finanças sustentáveis, transformações tecnológicas, bioeconomia, transição energética, economia circular, infraestrutura verde e de adaptação.

Segundo a subsecretária de Desenvolvimento Sustentável da Secretaria de Política Econômica do Ministério da Fazenda, Cristina Fróes Reis, juntas, essas ações deverão conduzir o país a abandonar um paradigma limitado e com prazo de validade e adotar um que seja sustentável nas dimensões econômica, ambiental e principalmente social.

“O Plano de Transformação Ecológica não visa somente a justiça ambiental climática, mas também uma transformação da estrutura produtiva que gere empregos de qualidade, renda e oportunidades de negócios e dessa forma vai reduzir desigualdades, sejam elas regionais, territoriais, entre o meio rural e o meio urbano, entre mulheres e homens, e gêneros, entre etnias, raças e também com um olhar para as faixas etárias”, explica.

Partindo dessa visão de readequação, o governo federal traçou uma estratégia comum para o conjunto de políticas públicas que estão sendo criadas, ou readequadas: tornar o caminho sustentável mais atraente em termos econômicos. “As vantagens, dependendo do instrumento, serão principalmente financeiras e regulatórias, de forma que na análise de custo-benefício seja favorável à sustentabilidade, seja a partir de taxas de juros mais interessantes, de condições de garantia, de novas remunerações, como o pagamento de serviços ambientais por exemplo; ou seja, de políticas afirmativas econômicas que tornem essas atividades preferidas pelo agente econômico”, diz Cristina.

A ideia é que o Estado atue como facilitador para que o Sistema Financeiro Nacional conceda incentivos às atividades econômicas sustentáveis. Com isso, haja um estímulo para novos investimentos, inclusive com recursos internacionais, ou para a migração espontânea da forma produtiva, a partir da avaliação de custo-benefício para reinvestimentos.

Políticas públicas

Duas das políticas desenhadas pelo Ministério da Fazenda são fundamentais para que a estratégia seja efetiva: a regulamentação do mercado de carbono, em fase avançada de tramitação no Congresso Nacional, e a taxonomia sustentável brasileira.

A primeira, vai precificar as emissões de gases do efeito estufa e estabelecer regras para o comércio, dentro e fora do país, do saldo positivo das metas brasileiras estabelecidas em acordos internacionais de enfrentamento à mudança climática. Esse mecanismo permitirá que outros países, com saldo negativo, possam reduzir suas emissões por meio de investimentos e transferência de tecnologia para a execução de projetos no Brasil.

A taxonomia sustentável brasileira, ainda em construção, vai classificar as atividades econômicas e os ativos financeiros de acordo com a contribuição para os objetivos climáticos, ambientais e sociais, por meio de critérios específicos estabelecidos pela Associação Internacional de Mercado de Capitais (em inglês International Capital Market Association – ICMA).

Com essas ferramentas, o governo federal poderá, inclusive desenhar de forma mais efetiva os incentivos que integrarão as iniciativas de todo o plano. Para Cristina, o papel de estruturar incentivos nas políticas públicas, desenvolvidas por diferentes órgãos, traz um novo paradigma para a própria organização do Ministério da Fazenda. “Esses instrumentos, esses incentivos, sejam eles financeiros, regulatórios tributários, fiscais, ou até mesmo de fiscalização ou monitoramento passam a ser orientados a partir dessa visão de desenvolvimento inclusivo e sustentável,” explica.

Antes mesmo de efetivar essas políticas, outras iniciativas do governo federal já passaram por reformulação alinhada à transformação ecológica, como o Plano Safra, do Ministério da Agricultura e Pecuária, por exemplo, que na atual edição ofertou melhores condições de financiamento às produções sustentáveis.

Prazos

De acordo com Cristina, a expectativa é que até 2026 todas as políticas públicas que integram o plano já estejam implementadas e que seus efeitos em termos de investimentos no país, de geração de emprego e no Produto Interno Bruno sejam efetivos. “Ainda estamos trabalhando com diferentes cálculos para quantificar esses impactos. A sociedade civil fez uma contribuição e o Ministério da Fazenda estabeleceu parcerias com algumas instituições multilaterais e bancos mundiais para chegarmos a números mais concretos sobre o impacto até o fim do governo.”

Os números apresentados pela sociedade civil foram contribuições do Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável, que reuniu pesquisas do setor, em um documento apresentado ao governo federal. Entre eles, um potencial de faturamento industrial adicional de US$ 284 bilhões por ano, até 2050, por meio da bioeconomia, e um acréscimo de R$ 2,8 trilhões ao Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro, pela oferta de serviços gerados pela biodiversidade.

Por outro lado, o documento também destaca a necessidade de investimentos necessários ao avanço na universalização do saneamento de até R$ 700 bilhões, para que a meta seja atingida em 2033.

“O Brasil está em um momento decisivo de sua história. Temos a oportunidade de nos tornarmos líderes globais e, ao mesmo tempo, aproveitar nossos ativos ambientais para reduzir nosso passivo social. Essa, porém, é uma janela de oportunidade única e curta”, alerta o documento.

Para Cristina, os efeitos da transformação ecológica poderão ser percebidos antes mesmo dessas projeções. “O ideal é que até 2030, tudo isso contribua tanto para a agenda dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável [agenda da Organização das Nações Unidas], quanto para as nossas metas de 2026”.

Entenda a nova tributação de investimentos no exterior

Obrigadas a pagar 15% de Imposto de Renda (IR) sobre o lucro do ano anterior, as empresas de investimento no exterior, conhecidas como offshores, passaram a ter normas sobre o tratamento dos ativos fora do país. A Receita Federal publicou nesta quarta-feira (13) instrução normativa que regulamenta a Lei 14.754/2023, que taxou os rendimentos no exterior.

A partir desta sexta-feira (15) e até 31 de maio, as pessoas físicas que moram no Brasil e mantêm aplicações financeiras, lucros e dividendos de empresas controladas no exterior poderão regularizar os bens. O prazo também vale para quem embolsa rendimentos e ganhos de capital associados a trustes, empresas cujo dono transfere bens para terceiros administrarem em outros países.

Desde o início do ano, esses cidadãos são obrigados a pagar 15% Imposto de Renda sobre rendimentos auferidos (ganhos) no exterior. Anteriormente, o tributo só incidia sobre o ganho de capital se o dinheiro voltasse para o Brasil. Nesse caso, a tributação ocorria de forma progressiva, variando de 0% a 27,5% conforme o tamanho do rendimento.

A lei dos fundos exclusivos e das offshores estabeleceu que quem antecipasse o pagamento do Imposto de Renda sobre o estoque dos rendimentos até o fim do ano passado pagasse 8% de alíquota em quatro vezes, com a primeira parcela em dezembro de 2023. Quem decidiu não antecipar pagará 15% de IR a partir de maio de 2024, em 24 vezes. A instrução normativa regulou tanto o pagamento dos estoques como a tributação do dinheiro que renderá a partir deste ano.

A própria lei estabeleceu duas situações em que os rendimentos ficarão isentos de IR, caso pessoas que mantenham dinheiro no exterior fora de aplicações financeiras lucrem com uma eventual desvalorização do real. A variação cambial de depósitos não remunerados, como contas-correntes, cartão de débito e de crédito fora do país, não pagará imposto. Eventuais ganhos de capital de moeda em espécie até o valor de US$ 5 mil também continuarão isentos.

Confira os principais detalhamentos trazidos pela instrução normativa:

Aplicações financeiras

•     Ativos que pagarão Imposto de Renda:

–     depósitos bancários remunerados;

–     carteiras digitais;

–     ativos virtuais (como criptomoedas);

–     investimentos financeiros;

–     cotas de fundos de investimento;

–     apólices de seguro;

–     títulos de renda fixa e de renda variável;

–     fundos de previdência;

–     operações de crédito em que devedor more ou tenha domicílio no exterior;

–     derivativos;

–     participações societárias.

•     Momento da tributação:

–     Rendimentos: Imposto de Renda incide quando o investidor recebe o dinheiro;

–     Ganhos de capital e variação cambial: tributação no resgate, na amortização, na alienação, no vencimento ou na liquidação da aplicação financeira.

Entidades controladas no exterior

•     Base de cálculo:

–     Imposto de Renda incidirá em 31 de dezembro de cada ano sobre lucro apurado;

–     Lucro apurado inclui ganhos decorrentes de marcação a mercado (valores atualizados pela cotação do mercado).

–     Lucro apurado inclui variação cambial do valor principal aplicado (eventuais ganhos com desvalorização do real).

•     Proporção:

–     Imposto calculado com base na participação efetiva da pessoa física no capital, não da participação expressa em contrato;

–     Se marcação a mercado aumentar lucro expressivamente, a pessoa física poderá declarar bens e direitos da offshore como se fossem detidos diretamente por ela, na proporção de sua participação. No entanto, essa opção precisa ser informada na declaração do Imposto de Renda e vigorará durante todo o prazo da aplicação.

•     Apólices de seguros:

–     Apólices de seguros que permitem influência do detentor na estratégia de investimento passam a ser equiparadas a entidades controladas no exterior.

•     Passarão a pagar Imposto de Renda (fim de isenção):

–     Ganho na alienação, liquidação ou resgate de bens e direitos no exterior;

–     Bens e aplicações financeiras adquiridos quando pessoa física morava fora do Brasil;

–     Variação cambial na venda de bens, direitos e aplicações financeiras.

Trustes

•     Definição:

–     empresa estrangeira que terceiriza a administração de bens e direitos de uma pessoa ou família;

•     Declaração de bens:

–     Bens de um truste precisarão ser declarados no Imposto de Renda

•     Tributação:

–     Rendimentos e ganho de capital dos bens aplicados será devido pelo titular da truste;

–     Se bem tributado for transferido, seja por escritura ou por falecimento do titular, o beneficiário indicado pagará Imposto de Renda.

–     Transferência de bens pelo truste, por morte ou doação, também pagará Imposto de Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD), cobrado pelos estados, além de Imposto de Renda.

Compensação de perdas

•     Abatimento:

–     Perdas com aplicações financeiras no exterior poderão ser abatidas dos rendimentos de outras aplicações no exterior no mesmo período de apuração;

–     Compensação ocorre na ficha de “apuração de ajuste anual”

•     Se perdas superarem ganhos:

–     Compensação poderá ser feita no mesmo ano com lucros e dividendos de entidades controladas no exterior;

–     Caso haja acúmulo de perdas não compensadas, compensação poderá ser feitas em anos posteriores, diminuindo o Imposto de Renda a pagar.

•     Vedação:

–     Instrução normativa veda compensação de perdas com aplicações no exterior sobre o Imposto de Renda de aplicações oferecidas no Brasil.

Tributação antecipada

•     Atualização:

–     Todas as pessoas físicas residentes no Brasil com bens e direitos no exterior poderão atualizar o valor de aquisição pelo valor de mercado em 31 de dezembro de 2023;

–     Sobre a diferença entre os dois valores incidirá alíquota de 8%, com desconto em relação à alíquota geral de 15%.

•     Tipos de bens:

–     Atualização exercida sobre bens em conjunto ou em separado, para cada bem.

–     Bens de truste ou de offshores poderão pagar tributação antecipada.

•     Permissão para utilizar o mecanismo:

–     aplicações financeiras;

–     bens imóveis ou ativos relacionados;

–     veículos, aeronaves, embarcações, mesmo em alienação fiduciária (leasing);

–     participações em entidades controladas

•     Opção não abrange bens sem ganho de capital, como:

–     moeda estrangeira em espécie;

–     joias, pedras e metais preciosos;

–     obras de arte;

–     antiguidades com valor histórico;

–     animais de estimação ou esportivos;

–     bens comprados em 2023.

Entenda a disputa por dividendos da Petrobras que derrubou ações

A Petrobras anunciou, na última semana, o resultado financeiro da companhia em 2023 com um lucro líquido de R$ 124,6 bilhões, segundo maior valor da história. Ainda assim, as ações da petroleira caíram cerca de 10% na sexta-feira (8)

Analistas da imprensa especializada em mercado financeiro atribuíram a queda à decisão da companhia de reter os dividendos extraordinários, avaliados R$ 43,9 bilhões, adiando o pagamento desses recursos para o futuro. Os dividendos são a parte do lucro que é repassada para os acionistas da empresa.

Para entender esse movimento, a Agência Brasil ouviu três especialistas em economia e mercado de petróleo. Eles avaliaram que a reação do mercado financeiro à retenção dos dividendos foi uma resposta às mudanças na gestão da Petrobras em relação ao governo anterior, que dava maior prioridade ao pagamento dos acionistas.

O economista do Observatório Social do Petróleo, Eric Gil Dantas, avaliou que a reação negativa do mercado é um movimento especulativo com objetivo de pressionar a empresa a pagar os dividendos de forma imediata.

“Há uma pressão para que a Petrobras pague ainda mais dividendos. Mesmo ela sendo a maior pagadora de dividendos do Brasil, o mercado sempre vai querer que a Petrobras pague mais, mesmo que isso prejudique o caixa da empresa”, destacou.

“Não parece ter base na realidade uma chantagem de desvalorização da companhia. Primeiro, porque ela é a segunda maior geradora de caixa entre as petrolíferas do Ocidente e também porque ela já é a maior pagadora de dividendos do Brasil”, completou Dantas.

O especialista destacou ainda que a estatal brasileira ficou atrás apenas da petroleira estadunidense Exxon em volume de fluxo de caixa livre em 2023, que é o dinheiro líquido à disposição da companhia.

Para o diretor técnico do Instituto de Estudos Estratégicos de Petróleo, Gás e Biocombustíveis (Ineep), Mahatma Ramos, a reação do mercado é a expressão do descontentamento de alguns atores. “Em especial, aqueles acionistas que têm interesses de curto prazo, que ficaram insatisfeitos com a proposta de distribuição do volume de dividendos”, destacou.

Mahatma defendeu que esse descontentamento é desmedido, uma vez que os R$ 43 bilhões retidos devem ficar em uma reserva que é usada para remuneração de acionistas.   

“A Petrobras segue como uma empresa resiliente, lucrativa, com solidez financeira e pagando robustos dividendos, o que, em certa medida, não casa com o descontentamento desses atores de mercado que têm uma visão de que a Petrobras é uma empresa que deve apenas gerar lucratividade e distribuir dividendos no curto prazo, ao invés de pensar num plano de desenvolvimento energético sustentável de longo prazo para o país”, comentou.

Para o economista André Roncaglia, professor da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), a queda no preço das ações é um movimento localizado e circunstancial.

“A tendência é que, conforme a Petrobras vá se reconsolidando como empresa de energia orientada para a transição verde, esse planejamento estratégico leve os agentes de mercado a mudar sua visão, a mudar a forma como esperam que o valor da empresa deva ser tratado no preço da ação. E aí ela volta a subir”, destacou.

Roncaglia argumentou que a reação do mercado tem relação com o fato da empresa agora está atuando mais condizente sua natureza mista, que busca objetivos privados, mas também precisa atender a interesses públicos.   

“A frustração do mercado é porque ele estava acostumado a Petrobras ter uma natureza extrativista, ou seja, pegar o dinheiro e repassar na forma de dividendos. A nova gestão está olhando mais para o longo prazo, então está retendo mais lucros para poder investir”, destacou.

Justificativa

A diretoria da empresa, dirigida pelo presidente Jean Paul Patres, enviou ao Conselho de Administração proposta para pagar 50% dos dividendos extraordinários e reter os demais 50%.

Porém, o Conselho decidiu propor reter todo o valor dos dividendos extraordinários em um fundo de reserva que, segundo o estatuto da própria companhia, deve ser usado para remunerar os acionistas ou, caso necessário, cobrir possíveis prejuízos. Tal proposta ainda precisa ser aprovada pela Assembleia Geral Ordinária, que reúne os acionistas da Petrobras e se reúne no próximo dia 25 de abril.

O diretor financeiro e de relações com investidores da Petrobras, Sérgio Caetano Leite, justificou que o Conselho decidiu reter todo o valor para analisar melhor os cenários, levando em conta que estão previstos maiores investimentos.

“Olhando para os dois anos de forte investimento, 2024 e 2025, o conselho pede mais análise. Ele está no papel dele, no direito, talvez até no dever dele, de pedir essas análises. Essas análises vão ser feitas, vão ser levadas para o Conselho”, afirmou Sérgio, que disse saber que a decisão “frustra alguns investidores, mas, na prática, é uma decisão tomada pela alta gestão e que a diretoria vai acompanhar”.

Colchão de liquidez

A direção da empresa sustenta que, como não há previsão de prejuízo no médio ou curto prazo, a reserva para onde devem ir os R$ 43 bilhões de dividendos extraordinários será usada para a remuneração dos acionistas.  

Mesmo que não possa usar esses R$ 43 bilhões para outras finalidades, o professor André Roncaglia destacou que a retenção desse dinheiro tem o efeito positivo para empresa de aumentar o “colchão de liquidez”, ou seja, o dinheiro à disposição da Petrobras, reduzindo incertezas do mercado.

“O colchão de liquidez permite a ela acessar juros mais baixos e diminui a incerteza nos contratos da empresa porque ela tem mais dinheiro em caixa”, comentou.  

Dividendos e investimentos  

A Petrobras foi a petroleira que mais pagou dividendos aos acionistas em 2023 quando comparado com outras cinco grandes companhias do setor: Chevron, BP, Total, Shell e Exxon Mobil, segundo levantamento da Associação dos Engenheiros da Petrobrás (AEPET). Enquanto a Petrobras pagou US$ 20,28 bilhões, a 2ª colocada, que foi a Exxon, pagou U$S 14,95 bilhões em dividendos.

“Em 2023, a Petrobras, apesar de ter a menor receita entre as seis empresas, pagou o maior montante em dividendos. Além disso, foi a petrolífera que realizou o menor investimento líquido”, afirmou o presidente da AEPET, Felipe Coutinho.

Em 2023, a Petrobras investiu US$ 12,7 bilhões, um crescimento de 29% em relação ao ano anterior. Apesar do aumento nos investimentos, o economista do Observatório Social do Petróleo, Eric Gil Dantas, avaliou que eles ainda são baixos de considerados os planos da companhia. “Não faltam projetos que estão sendo tocados, são refinarias, eólicas, novas fronteiras exploratórias, novos produtos ligados à transição energética. Se a Petrobras não controlar o pagamento dos seus dividendos, ela terá que se endividar para fazer esses investimentos”, avaliou o economista.

Entenda as novas regras da declaração do Imposto de Renda

A partir do próximo dia 15, o contribuinte fará o acerto anual de contas com o Leão. Nessa data, começa o prazo de entrega da Declaração do Imposto de Renda Pessoa Física 2024 (ano-base 2023). Neste ano, a declaração terá algumas mudanças, das quais a principal é o aumento do limite de rendimentos que obriga o envio do documento por causa da mudança na faixa de isenção.

Em maio do ano passado, o governo elevou a faixa de isenção para R$ 2.640, o equivalente a dois salários mínimos na época. A mudança não corrigiu as demais faixas da tabela, apenas elevou o limite até o qual o contribuinte é isento.

Mesmo com as faixas superiores da tabela não sendo corrigidas, a mudança ocasionou uma sequência de efeitos em cascata que se refletirão sobre a obrigatoriedade da declaração e os valores de dedução. Além disso, a Lei 14.663/2023 elevou o limite de rendimentos isentos e não tributáveis e de patrimônio mínimo para declarar Imposto de Renda.

Os novos valores que obrigam o preenchimento da declaração são os seguintes:

•     limite de rendimentos tributáveis: subiu de R$ 28.559,70 para R$ 30.639,90;

•     limite de rendimentos isentos e não tributáveis: subiu de R$ 40 mil para R$ 200 mil;

•     receita bruta da atividade rural: subiu de R$ 142.798,50 para R$ 153.199,50;

•     posse ou propriedade de bens e direitos: patrimônio mínimo subiu de R$ 300 mil para R$ 800 mil.

Segundo a Receita Federal, as mudanças farão 4 milhões de contribuintes deixarem de declarar Imposto de Renda neste ano. Mesmo assim, o Fisco espera receber 43 milhões de declarações em 2024, mais que as 41.151.515 entregues em 2023.

Os limites de deduções não mudaram. A nova tabela não trouxe reflexos sobre o valor da dedução por dependente (R$ 2.275,08), no limite anual das despesas com instrução (R$ 3.561,50) e no limite anual para o desconto simplificado (R$ 16.754,34). A isenção para maiores de 65 anos também não mudou.

Fundos exclusivos e offshores

A Lei 14.754/2023, que antecipou a cobrança de Imposto de Renda sobre fundos exclusivos e taxou as offshores (empresas no exterior que abrigam investimentos) também provocou mudanças. Em três situações, o contribuinte será obrigado a preencher a declaração:

•     Quem optou por detalhar bens da entidade controlada como se fossem da pessoa física (artigo 8 da lei);

•     Quem possuir trust, instrumentos pelos quais os investidores entregam os bens para terceiros administrarem no exterior (artigo 11);

•     Quem desejar atualizar bens no exterior (artigo 14).

Os bens abrangidos pela lei terão de ser informados na declaração. A Receita editará uma instrução normativa específica sobre o tema até 15 de março. Essa instrução detalhará a cobrança de Imposto de Renda sobre as trusts e as offshores, além de uniformizar a tributação de fundos exclusivos à dos demais fundos de investimento.

Outras mudanças

A declaração de 2024 terá outras mudanças. A declaração pré-preenchida terá, pela primeira vez, informações sobre embarcações aéreas. Os dados foram obtidos do Registro de Aeronaves Brasileiro, operado pela Agência Nacional de Aviação Civil (Anac). Os formulários para criptoativos terão mais detalhes.

Em relação às doações, haverá aumento de limites para algumas categorias e o retorno de modalidades que voltarão a ser deduzidas. Além disso, há alterações na informação de alimentandos no exterior e no contribuinte não-residente que tenha retornado ao Brasil em 2023.

Confira as demais mudanças:

•     Identificação do tipo de criptoativo na declaração;

•     Preenchimento obrigatório do CPF de alimentandos no exterior e campo para informações de decisão judicial ou de escritura pública;

•     Informação de data de retorno ao país de contribuintes não-residentes que tenham regressado ao Brasil em 2023;

•     Aumento de 1 ponto percentual na dedução de doações para projetos esportivos e paraesportivos, podendo chegar a 7% do Imposto de Renda devido;

•     Doação de 6% (do imposto devido a projetos) que estimulem a cadeira produtiva de reciclagem;

•     Retorno da doação de 1% (do imposto devido) ao Programa Nacional de Apoio à Atenção Oncológica (Pronon);

•     Retorno da doação de 1% (do imposto devido) ao Programa de Apoio à Atenção da Saúde da Pessoa com Deficiência (Pronas).

arte imposto de renda 2024 – Arte/Agência Brasil

 

Entenda a situação do Haiti e o risco de paramilitares tomarem o poder

A situação de conflagração armada no Haiti é hoje mais grave do que nos momentos que antecederam às intervenções militares internacionais de 1994 e 2004, com risco real de grupos paramilitares tomarem o poder, segundo avaliaram dois especialistas no tema ouvidos pela Agência Brasil.

O primeiro-ministro do Haiti, Ariel Henry, ainda não conseguiu voltar ao país depois que grupos paramilitares atacaram uma penitenciária, libertando 4 mil presos, e estiveram próximos de controlar o aeroporto internacional de Porto-Príncipe, capital do país caribenho. Sem conseguir voltar ao Haiti, Henry pousou em Porto Rico, território dos Estados Unidos no Caribe.

Para o professor Ricardo Seitenfus, o vazio de poder criado pela falta de eleições fortaleceu a ação das gangues no Haiti – Arquivo pessoal

“A situação hoje no Haiti é extremamente perigosa, extremamente volátil, e nós podemos, como sempre acontece no Haiti, esperar o pior: que é a tomada de poder por parte dessas gangues. Uma vez eles tomando o poder, desalojá-los será muito mais custoso”, destacou o o professor aposentado de relações internacionais da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) Ricardo Seitenfus, que atuou como representante da Organização dos Estados Americanos (OEA) no Haiti durante a ocupação liderada pelo Brasil.

O pesquisador do Grupo de Estudos em Conflitos Internacionais da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), João Fernando Finazzi, destacou que os grupos armados estão mais fortes hoje que antes das últimas intervenções internacionais e acredita que, por isso, há uma possibilidade real de que eles tomem o poder em Porto Príncipe.

“Os grupos estão mais profissionalizados, com operações com táticas mais complexas, armamento muito mais pesado, ponto 50, rifles, snipers e drones, sendo que boa parte desse armamento, os relatórios da ONU [Nações Unidas] já mostraram, vem dos Estados Unidos, principalmente da Flórida”, destacou.

As gangues

O líder de uma dessas gangues com mais visibilidade é Jimmy Cherizier, um ex-policial conhecido como Barbecue e alvo de sanções dos Estados Unidos e da ONU. Autointitulado revolucionário, ele foi a público pedir aos grupos armados que suspendam as hostilidades entre si e se unam para derrubar o primeiro-ministro.

“Esses grupos que estavam se matando, que estavam disputando o controle no país, eles convergem na pauta de oposição ao governo”, acrescentou Finazzi, que é doutor em relações internacionais pelo programa San Tiago Dantas.

Para o professor aposentado Ricardo Seitenfus, esses grupos são oportunistas e estão aproveitando o vácuo de poder causado pela fraqueza das forças policiais.

“Eles veem a oportunidade, primeiro, de fazer os sequestros e aferir lucros com os resgates. Mas notam hoje que eles podem ter um papel político. Há um discurso tentando dizer que esse é um suposto processo revolucionário. O que há por trás disso é que sempre houve uma espécie de conivência, de aceitação, às vezes até de colaboração entre o poder político e as gangues no Haiti”, afirmou.

Pesquisador João Fernando Finazzi diz que os grupos armados estão mais fortes atualmente do que antes das últimas intervenções internacionais – Arquivo pessoal

João Finazzi reforçou que sempre houve uma relação entre os grupos paramilitares e os partidos políticos no Haiti. Além das gangues com atuação criminosa, Finazzi enfatiza que o Haiti tem grupos armados de autodefesa dentro das comunidades.

“Tem grupos armados que, por vezes, não são necessariamente gangues puramente criminais. Você tem alguns grupos armados de autodefesa que têm uma certa representatividade comunitária também”, comentou Finazzi, que diz ser difícil definir a natureza desses grupos.

“É muito difícil distinguir se são grupos criminosos ou se são revolucionários porque pode ser um grupo revolucionário, mas que comete crimes. Ao mesmo tempo, pode ter grupos simplesmente criminosos que usam da ideia de revolução para conseguir alcançar seus fins particulares”, acrescentou.

Governo não eleito

Com cerca de 80% da população desempregada e 60%, analfabeta, o Haiti vem registrando uma deterioração da segurança pública desde o assassinato do presidente Jovenel Moïse, em julho de 2021. O caso ainda não foi resolvido e há dezenas de suspeitos, incluindo o próprio primeiro-ministro e a esposa de Jovenel, Martine Moïse.

Herdeiro político indicado por Moïse, Henry chegou ao poder sem passar por eleições. Apoiado pela comunidade internacional desde então, ele já prometeu realizar eleições por duas vezes. Na última vez, prometeu deixar o cargo em 7 de fevereiro deste ano, o que não aconteceu. Agora, o premiê informa a interlocutores que pretende ficar no governo até agosto de 2025.

“Ele está no poder há três anos governando por decretos. O Parlamento haitiano não tem nenhum membro. Então, a impressão que se tem, e certamente não é errônea, é de que há uma postergação indefinida desse governo que deveria ser de transição”, destacou o pesquisador João Antônio Finazzi, acrescentando que o Haiti está há sete anos sem eleições.

“A comunidade internacional falhou em lidar com esse processo exatamente na medida em que não pressionou o suficiente o primeiro-ministro Ariel Henry para que ele realizasse essas eleições”, completou.

Para o professor Seitenfus, o vazio de poder criado pela falta de eleições fortaleceu a ação das gangues. “O grupo do Ariel Henry argumenta que não tem acordo com a oposição para encontrar meios de organizar eleições confiáveis, eleições com participação ampla. Nesse vazio de poder, começaram a surgir e se afirmar cada vez mais essas gangues”, destacou.

Intervenção Internacional

Em outubro de 2023, sob a presidência temporária do Brasil, o Conselho de Segurança da ONU aprovou a Resolução 2.699, autorizando o envio de uma força internacional para ajudar a Polícia Nacional do Haiti a enfrentar os grupos paramilitares.

Ainda sem data para começar, a força internacional seria liderada por policiais do Quênia. O Benin, outro país africano, também anunciou a disposição de enviar policiais para o Haiti.

O especialista João Fernando Finazzi tem dúvidas do sucesso de uma ação como essa por considerar que as duas últimas intervenções não conseguiram resolver o problema de segurança do país. A última, liderada pelo Brasil, terminou em 2017.

“Quando essas intervenções acontecem, elas conseguem, em um ou dois anos, conter esses grupos armados porque existe uma diferença de poder de fogo. Só que, na medida em que essas tropas se retiram, esse quadro volta”, ponderou.

Ao contrário das intervenções anteriores, desta vez o apoio é bem menor. “Será que uma missão com 4 mil ou 5 mil policiais de diversos países, com baixo poder militar, vão fazer aquilo que os Estados Unidos, em 1994, não conseguiram fazer com 20 mil marines?”, questionou.

Finazzi lembrou que, na intervenção da década de 1990, os Estados Unidos construíram a atual Polícia Nacional haitiana, fizeram uma reforma no sistema de segurança, financiando e trenando as forças internas. “Poucos anos depois, em 2004, você teve um cenário muito parecido com o que a gente está enxergando agora”, comentou.

O professor Ricardo Seitenfus, por sua vez, acredita que essa possível intervenção encontrará forte resistência armada. “A confrontação ocorrerá, entre essa missão multinacional que diz que chegará no Haiti e não se sabe quando, composta por militares, mas sobretudo policiais do Quênia e de outros países, contra essas guerrilhas são muito bem armadas, são jovens, assassinos, sequestradores e que não têm nenhum receio de enfrentar essa missão”, destacou.

Entenda o que pode mudar no trabalho de motoristas de aplicativo

Negociação entre patrões e trabalhadores via acordos coletivos, inclusão obrigatória na Previdência Social e valor mínimo de remuneração são algumas das mudanças que podem ser consolidadas por meio do projeto de lei (PL) que regula a atividade de motorista de aplicativos sobre quatro rodas enviado pelo governo ao Congresso Nacional.

Porém, como o texto ainda vai ser analisado por deputados e senadores, o PL pode sofrer modificações em relação ao que foi assinado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Estima-se que a lei deve impactar, ao menos, 704 mil motoristas de aplicativos de quatro rodas, segundo o último levantamento sobre a categoria feito pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). 

Outra regulamentação proposta pelo Executivo é a obrigação das empresas informarem aos trabalhadores sobre os critérios para a oferta de viagens, pontuação, bloqueio, suspensão e exclusão da plataforma “em linguagem clara e de simples entendimento”.

Além disso, as empresas serão obrigadas a informar os critérios que compõem o valor da remuneração do motorista, detalhando, em relatório mensal, por exemplo, o valor médio da hora trabalhada e sua comparação com a remuneração mínima estabelecida na lei.

O texto ainda limita as possibilidades de exclusão dos motoristas de aplicativo a hipóteses de “fraudes, abusos ou mau uso da plataforma”, garantindo o direito de defesa, conforme as regras estabelecidas nos termos de uso e nos contratos de adesão à plataforma.  

Atualmente, os motoristas não sabem quais os critérios usados para a própria avaliação, nem como é definida a remuneração pelo trabalho. “Os(as) trabalhadores(as) em aplicativos estão submetidos(as), ainda, a uma avaliação rígida, sem direito a interferir nos critérios de avaliação e sem direito à contestação”, informou o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese). 

Acordo coletivo

Caso aprovado, o projeto de lei deve consolidar os acordos ou convenções coletivas como principal instrumento de negociação entre plataformas e motoristas. Atualmente, devido ao caráter dessa relação intermediada pela plataforma, não há uma mesa de negociação entre as partes que permita a apresentação de reivindicações coletivas da categoria.

Assim, benefícios ou direitos não previstos no PL, como plano de saúde, seguro de vida ou horas extras, poderão ser negociados no acordo coletivo. Além disso, o que for acordado em convenção coletiva não poderá ser desfeito por meio de acordos individuais. Os trabalhadores deverão ser representados por sindicatos devidamente registrados.

Remuneração

O projeto ainda estabelece um valor mínimo a ser pago por hora trabalhada de R$ 32,90, sendo R$ 24,07 para cobrir os custos do trabalho (gasolina, internet, manutenção do veículo, etc.) e, por isso, com caráter indenizatório, e R$ 8,03 de remuneração efetiva para o trabalhador.

O projeto ainda estima que a jornada será de 8 horas diárias ou 176 horas mensais, podendo chegar ao máximo de 12 horas diárias. Caso o motorista trabalhe 43 horas por semana, ele receberá, no mínimo, o valor atual do salário mínimo, de R$ 1.412, excluído os curtos para manutenção do trabalho. Esse é o valor mínimo, podendo o trabalhador receber mais pela hora trabalhada. 

O projeto ainda proíbe que as empresas limitem “a distribuição de viagens quando o trabalhador atingir a remuneração horária mínima”. Além disso, o reajuste do valor mínimo deve ser ajustado, todo ano, pelas mesmas regras do reajuste do salário mínimo.

Atualmente, estima-se que os motoristas trabalhem 48 horas semanais, ou 9,6 horas diárias, recebendo, em média, R$ 2.367, de acordo com pesquisa do IBGE realizada no 4º trimestre de 2022.

Previdência Social                                              

Atualmente, o motorista de aplicativo que quer ter aposentadoria, ou acessar auxílio doença e licença maternidade, tem que pagar o Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS) como Microempreendedor Individual (MEI). Porém, essa contribuição não é obrigatória e estima-se que apenas 23% dos motoristas de aplicativo paguem essa contribuição, segundo o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).

Como MEI, o motorista deve pagar, pelo menos, 5% sobre o salário mínimo. Porém, se escolher pagar apenas esse valor, o trabalhador só poderá se aposentar pelas regras de aposentadoria por idade, garantindo apenas um valor equivalente a um salário mínimo.

Para receber mais no futuro e poder se aposentar também por tempo de contribuição, é preciso pagar mais. Nesse caso, além dos 5% mínimos, é possível contribuir com até 15% do teto previdenciário, de acordo com o Sebrae. 

“No entanto, nessa modalidade, sabe-se que há uma alta inadimplência, acima dos 40%”, informa o Dieese.

Pelas regras previstas no projeto de lei, o motorista terá que pagar 7,5% sobre o valor de sua remuneração, fixado pelo projeto em, no mínimo, R$ 8,03 por hora trabalhada. Já as empresas de aplicativos terão que contribuir com 20% sobre o mesmo valor. 

Pelas regras, todos os trabalhadores serão obrigatoriamente enquadrados no Regime Geral de Previdência Social. A inclusão obrigatória de todos os trabalhadores no INSS dará direitos a benefícios como auxílio doença e licença maternidade.

Entenda regras do TSE para uso de inteligência artificial nas eleições

O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) aprovou na última terça-feira (27) as 12 resoluções eleitorais com as regras finais para a eleição municipal de outubro. O passo é obrigatório e deve ser realizado até 5 de março, no ano do pleito.

Por meio desses normativos, os ministros do TSE buscam adaptar o processo eleitoral às mudanças na realidade, embora sempre limitados ao que prevê a legislação eleitoral e a Constituição.

Com os avanços tecnológicos cada vez mais rápidos, neste ano foram alvo de preocupação temas que na eleição anterior sequer estavam no radar. Um exemplo é a inteligência artificial (IA) e seu potencial de turbinar problemas já de difícil controle, como as notícias falsas e a desinformação sobre o processo eleitoral.

Diante da inércia do Congresso em regulamentar o tema, a Justiça Eleitoral decidiu colocar balizas ao uso da IA nas eleições, de modo a tentar proteger a decisão bem informada do eleitor.

As medidas foram bem recebidas pela comunidade jurídica, que viu na iniciativa uma tentativa de adequar o tempo mais lento da criação de normas à velocidade acelerada das atualizações tecnológicas.

“É uma corrida contínua, onde a tecnologia, os métodos de manipulação, evoluem exponencialmente, então as estratégias de defesa devem ser igualmente dinâmicas”, ressalta o advogado Alexander Coelho, especialista em direito digital e proteção de dados.

Há dúvidas sobre a eficácia das regras ante manipulações cada vez mais realistas, mas a avaliação é que, uma vez havendo normas, fica mais fácil outros atores sociais auxiliarem a Justiça Eleitoral na fiscalização das campanhas.

“Muitos casos vão chegar à Justiça por meio dos advogados dos candidatos e partidos”, aposta o professor e advogado Renato Ribeiro de Almeida, coordenador acadêmico da Associação Brasileira de Direito Eleitoral e Político (Abradep). “Com certeza teremos eleições muito judicializadas, seguindo a tendência de pleitos anteriores”, acrescenta.

Confira abaixo as regras aprovadas pelo TSE sobre o uso de inteligência artificial nas eleições: 

Exigência de rótulos de identificação de conteúdo multimídia fabricado – qualquer material visual feito por meio de inteligência artificial deverá trazer o aviso explícito sobre o uso da tecnologia;
Restrição ao uso de chatbots e avatares para intermediar a comunicação da campanha – fica proibido simular conversas com o candidato ou outro avatar que aparente ser uma pessoa real; 
Vedação absoluta, seja contra ou a favor de candidato, do uso de deep fake – conteúdo fabricado em formato de áudio, vídeo ou combinação de ambos e que tenha sido gerado ou manipulado digitalmente para criar, substituir ou alterar imagem ou voz de pessoa viva, falecida ou fictícia; 
Paralelamente, os provedores de aplicações na internet (redes sociais e aplicativos de mensagem, por exemplo) ficam obrigados a retirar do ar, sem a necessidade de ordem judicial, contas e materiais que promovam condutas e atos antidemocráticos e também discursos de ódio, como racismo, homofobia, fascismo e qualquer tipo de preconceito.