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Brasil não trata meio ambiente com seriedade, diz promotor

A Associação de Membros do Ministério Público do Meio Ambiente (Abrampa) promove, entre os dias 24 e 26 de abril, em Belém, no Pará, a 22ª edição do Congresso Brasileiro do Ministério Público de Meio Ambiente. O tema é “Amazônia e Mudanças Climáticas: uma atuação socioambiental estratégica e integrada”. Mais de 30 especialistas vão discutir os desafios e as soluções para lidar com os impactos das mudanças climáticas.

Promotor Alexandre Gaio defende ações efetivas de defesa do meio ambiente e da Amazônia. Foto arquivo pessoal

A Agência Brasil entrevistou o presidente da Abrampa, Alexandre Gaio. Ele falou sobre os principais problemas relacionados à preservação do meio ambiente, em especial, os que envolvem a atuação dos Ministérios Públicos estaduais e federal. O promotor destacou a falta de seriedade com que o país ainda lida com questões ambientais, o crescimento do crime organizado, a falta de proteção com ativistas e comunidades tradicionais, assim como os riscos de que os desmatamentos em curso nos principais biomas do Brasil se tornem irreversíveis.

Agência Brasil: O Congresso Brasileiro do Ministério Público de Meio Ambiente vai reunir dezenas de especialistas para debates e palestras. Sendo um setor que demanda ações urgentes, como esse encontro pode resultar em medidas práticas e efetivas de proteção do meio ambiente no Brasil?
Alexandre Gaio: Os congressos da Abrampa tradicionalmente buscam palestrantes de várias instituições, que têm uma atuação prática nas temáticas discutidas. Não se trata apenas de trazer diagnósticos, mas também proposições do que precisa ser feito para o enfrentamento dos problemas levantados. Nossos convidados são escolhidos pela atuação destacada para que possam servir de exemplo e referência, e os conhecimentos serem replicados nas mais variadas regiões do Brasil.

Também temos participado, seja a partir dos procuradores ou das instituições de forma ativa de Conferências das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas (COP). A Abrampa foi nas duas últimas e vai estar presente na próxima. É um processo contínuo de debate e discussão, de convencimento em relação a prioridades e de enfrentamento às mudanças climáticas. Temos defendido nossos pontos de vista. É um espaço para discutir questões jurídicas e qual deve ser a política de Estado para enfrentar os problemas climáticos.

Agência Brasil: Hoje é possível dizer que o país enfrenta uma série de desafios ambientais. Um, que parece ter cada vez mais ramificações nacionais, é a criminalidade ambiental organizada. Como lidar com essas redes ilícitas complexas?
Alexandre Gaio: Esse tema precisa de muita atenção não só dos Ministérios Públicos, mas das demais instituições públicas do Poder Judiciário e da própria sociedade. A gente sabe que há crimes ambientais em todo o Brasil. E eles são constantes, ocorrem rotineiramente, merecem uma atenção destacada dos órgãos do sistema judiciário. Envolvem grupos especializados, associados com outros ilícitos. Atuam no desmatamento, na dinâmica ilegal do comércio da madeira, entre outras coisas. Há organizações que tratam do desmatamento ligado à grilagem de terras públicas. Outras que são especializadas no tráfico de animais silvestres. Essas situações merecem atuação também especializada dos órgãos de fiscalização, dos Ministérios públicos e do Poder Judiciário. Caso contrário, não teremos uma resposta proporcional a esse tipo de crime, que envolve complexidades, necessita de aprofundamento de investigações e técnicas diferenciadas. Primeiro, precisamos de disposição dos Ministérios Públicos, dos órgãos de Segurança Pública e dos órgãos de fiscalização, especialmente de fiscalização ambiental. E todos esses órgãos devem dispor de recursos humanos, de planejamento, de capacitação e de uma atuação articulada e integrada entre eles. Há uma série de elementos necessários para que esse enfrentamento ocorra de modo efetivo. Dentre esses elementos a gente pode citar a implementação de grupos de atuação especializada na defesa de Meio Ambiente. A gente tem buscado estimular, junto com o Conselho Nacional do Ministério Público, os Ministérios Públicos estaduais a formarem esses grupos. Que tenham equipes técnicas com uso de tecnologia, com integração com os órgãos de segurança pública e com órgãos de fiscalização ambiental. Isso tudo vai permitir uma atuação minimamente à altura das organizações que trabalham na criminalidade ambiental.

Agência Brasil: O país é conhecido negativamente pelo número alto de perseguições e assassinatos de ativistas. No que estamos falhando e como melhorar a proteção de lideranças e de instituições que atuam em defesa do meio ambiente?
Alexandre Gaio: Primeiro, precisamos de recepção e tratamento mais adequados para esses casos de agressões, ameaças e violências contra ativistas, lideranças de organizações ambientais, de povos indígenas e populações tradicionais. Um protocolo ou uma prioridade de atuação em relação a esses casos, porque são atores importantes, que muitas vezes são desestimulados a continuar a luta por causa dessas violências. E quando não há respostas efetivas rápidas a crimes praticados contra os ativistas fica uma sensação de impunidade e de que não haverá resposta estatal à altura. Em segundo lugar, existe a questão do discurso, de como se maneja o discurso ambientalista pela mídia, poder público, sociedade civil. Há ainda um menosprezo em relação aos argumentos ambientais. A pauta ambiental não é tratada com a seriedade que deveria ser tratada, a ponto de se conscientizar e se convencer a sociedade brasileira de que crimes ambientais são fatos de gravidade. Que eles afetam toda a comunidade, a qualidade de vida geral e a própria possibilidade de as gerações futuras usufruírem de um meio minimamente equilibrado.

Agência Brasil: Em relação às questões sociais, ainda estamos muito aquém do que deveríamos na proteção de comunidades tradicionais. Que inclusive são reconhecidas como protetoras do meio ambiente. O que pode ser feito nesse sentido?
Alexandre Gaio: As populações tradicionais são fundamentais para o combate ao desmatamento, à grilagem e às queimadas. São fundamentais para a defesa da biodiversidade. E têm sido vítimas de pressão de grileiros e de proprietários de terras, que querem expandir suas fronteiras agrícolas. E muitas vezes há violações de direitos dessas populações. É preciso ouvir a voz delas e entender suas dinâmicas. O Estado deve proteger e auxiliar os que trazem essas demandas. Atuar fortemente na resposta a essas violações de direitos, garantir a consulta prévia e livre às informações de qualquer atividade, obra ou empreendimento que possa afetar diretos ou modos de vida tradicionais desses povos. Há uma série de medidas, iniciativas e atuações indispensáveis para a defesa dessas comunidades e desses povos. Também vale destacar as discussões que faremos sobre o tema das desigualdades socioambientais. A questão do racismo ambiental, como as decisões de governança, decisões de políticas públicas, são diferentes quando é para atender, por exemplo, grandes empreendimentos e quando é para atender populações socialmente vulneráveis. E como essas populações são atingidas com muito mais frequência do que aquelas mais favorecidas do ponto de vista econômico.

Agência Brasil: Recentemente, o chefe do clima da Organização das Nações Unidas disse, enfaticamente, que a humanidade tem dois anos para tentar salvar o planeta. Uma frase forte, que alerta para a gravidade da proteção ao meio ambiente. Como estamos contribuindo no Brasil para salvar o planeta? Estamos avançando bem ou construindo um futuro sombrio?
Alexandre Gaio: Os desafios são atuais e constantes. O Brasil tem demonstrado esforços, desde o ano passado até abril desse ano, para a redução do desmatamento da Amazônia. É necessário reconhecer esse esforço, especialmente dos órgãos de fiscalização, dos integrantes do Ministério do Meio Ambiente no governo federal. E também a participação de alguns estados e municípios. É um avanço importante, mas há muito a ser feito. A situação é muito delicada, muito preocupante. Primeiro, porque o índice de grilagem de terras públicas na Amazônia ainda é muito alto. Houve redução do desmatamento, mas ele continua acontecendo. Em outros biomas, o desmatamento continua com índices bem elevados, exemplo do cerrado. E a gente continua com muitas dificuldades de estabelecer atuações integradas, planejadas, articuladas e constantes nesse combate ao desmatamento. Ele é a principal causa de emissão de gases do efeito estufa, considerando a alteração no uso do solo. Essa deve ser uma prioridade absoluta: que todas as instituições atuem no combate ao desmatamento ilegal. Há uma série de iniciativas que ainda precisam ser concatenadas com a fiscalização do desmatamento. Por exemplo, a interrupção dos financiamentos feitos por instituições financeiras. A capacidade de rastrear os produtos, algo que não funciona de modo adequado. A cadeia econômica do gado, da madeira.

Além da questão do desmatamento, estamos a passos muito lentos em relação à questão climática. Quando se fala em geração de energia, por exemplo, a transição energética é muito lenta. A matriz de impactos climáticos não é observada nos grandes licenciamentos ambientais. A Abrampa tem um trabalho sobre isso, produziu uma matriz de impactos climáticos e disponibilizou para todos os estados e todos os Ministérios Públicos para fazer o convencimento dos órgãos ambientais. Para que os MPs estaduais convençam os órgãos ambientais de que é necessário se observar condicionantes e pressupostos relacionados às mudanças climáticas nos grandes licenciamentos.

Os desafios são muito grandes. E não tem nada para ser comemorado. Pelo contrário. Há grandes porções territoriais da Amazônia que já não conseguem resgatar mais as suas funções ecológicas. Ou seja, entraram em um processo de irreversibilidade, que já afeta o regime hídrico não só da Amazônia, mas de outras regiões brasileiras. O cerrado, então, que abrange e dá origem a maior parte das bacias hidrográficas brasileiras, tem índices de desmatamento galopantes, que precisam de uma resposta imediata. Isso, sob pena também de irreversibilidade. O cenário não é positivo e a gente precisa ter uma atuação mais efetiva do poder público e da sociedade para freá-lo. Precisamos cumprir as metas que nos obrigamos a cumprir internacionalmente pelo Acordo de Paris. Estamos muito longe de conseguir isso.

 

Chuvas devem ficar acima de média em maio no Norte e Sul, diz Inmet

O mês de maio promete ser de chuvas acima das médias históricas, pelo menos para grande parte das regiões Norte e Sul do Brasil. Também estão previstas chuvas acima da média para o leste da região Sudeste (principalmente São Paulo) e para o Rio Grande do Norte e Paraíba, além de áreas pontuais do centro sul nordestino (tons de azul na 1ª figura). A previsão é do Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet).  

Para o leste de São Paulo e o sudoeste de Mato Grosso do Sul também estão previstas chuvas acima da média em maio (tons de cinza e azul da 1ª figura). “Entretanto, na parte oeste do Paraná, há possibilidade de restrição hídrica nas lavouras onde a previsão aponta chuvas ligeiramente abaixo da média”, destaca o instituto.

O Inmet prevê ainda chuvas próximas ou abaixo da média (tons de cinza, amarelo e laranja na 1ª figura) para o extremo-norte e sul da região Norte, norte da região Nordeste, região Centro-Oeste e interior da Região Sudeste, além de áreas do centro-norte do Paraná.

“Não estão descartados eventos de chuva na parte norte e leste da região Nordeste, ainda devido à atuação da Zona de Convergência Intertropical (ZCIT), bem como o aquecimento do Atlântico Tropical”, informa o instituto.

Matopiba

O Inmet avalia o impacto da chuva para a safra de grãos. Ele prevê que a região do Matopiba (que engloba Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia e concentra boa parte do agronegócio brasileiro), está apresentando níveis satisfatórios de umidade do solo nos últimos meses, favorecendo o plantio.

“Para maio/2024, a previsão de chuva próxima e acima da média na região poderá beneficiar o potencial produtivo das lavouras em desenvolvimento e colheita”, diz o instituto, acrescentado que, a partir de maio, há uma redução da chuva no interior do Brasil, em particular no semiárido nordestino.

“Assim, algumas áreas do norte de Minas Gerais, parte central da Bahia, sul de Tocantins, divisa de Mato Grosso e Goiás, oeste de São Paulo e de Mato Grosso do Sul podem sofrer redução dos níveis de umidade do solo”, finalizam os meteorologistas.

Alexandre de Moraes diz que soberania brasileira está sob ataque

O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) e presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Alexandre de Moraes, afirmou nesta sexta-feira (19) que a soberania brasileira está sob um ataque promovido de forma articulada entre mercantilistas estrangeiros ligados às redes sociais e políticos brasileiros extremistas. Alvo de uma série de acusações do empresário norte-americano Elon Musk, proprietário da rede social X, o ministro disse que a Justiça brasileira não irá se abalar.

“A Justiça Eleitoral continuará a defender a vontade do eleitor contra a manipulação no poder econômico nas redes sociais, algumas das quais só pretendem o lucro e a exploração sem qualquer responsabilidade. O Poder Judiciário está acostumado a combater mercantilistas estrangeiros que tratam o Brasil como colônia e políticos extremistas e antidemocráticos, que preferem se subjugar a interesses internacionais do que defender o desenvolvimento do Brasil”, afirmou Moraes, sem citar nomes.

As declarações foram dadas durante a cerimônia de lançamento da pedra fundamental do Museu da Democracia. Resultado de um acordo entre o TSE e a Prefeitura do Rio de Janeiro, a sede do espaço será no prédio do Centro Cultural da Justiça Eleitoral (CCJE), no centro da cidade. O edifício ainda passará por intervenções e não há data estipulada para a inauguração.

“Democracia não combina com abuso de poder político e de poder econômico. E nós também vamos contar aqui no Museu da Democracia o combate histórico da Justiça Eleitoral contra o abuso do poder político e do poder econômico que reiteradas vezes vieram ameaçar a democracia brasileira”, disse Moraes.

Elon Musk, que nos últimos meses tem realizado encontros com lideranças da extrema-direita internacional e se alinhado no Brasil a teses propagadas por apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro, vem afirmando que o ministro age de forma autoritária ao ordenar a censura de diversos perfis. Ele chegou a ameaçar uma desobediência de decisões judiciais.

Além das acusações de Musk, Moraes também se tornou alvo nos últimos dias de um relatório do Comitê de Assuntos Judiciários da Câmara dos Deputados dos Estados Unidos, produzido por influência de congressistas do Partido Republicano próximos do ex-presidente americano Donald Trump. O documento, intitulado O ataque à liberdade de expressão no exterior e o silêncio da administração Biden: o caso do Brasil, sugere que houve censura com a suspensão de quase 150 contas na rede social X. A circulação do relatório pela internet foi impulsionada por perfis de apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro.

Em seu discurso, Moraes não fez comentários específicos sobre essas alegações. Ele elogiou a definição de democracia citada em vídeo institucional produzido pela Prefeitura do Rio de Janeiro e veiculado na cerimônia. “Democracia é liberdade com responsabilidade. Todo mundo tem que conhecer e respeitar as regras. Pode discordar, pode divergir, mas não pode descumprir, não pode afrontar”, diz um trecho do vídeo.

PF diz que perfis bloqueados por Moraes continuam realizando lives

A Polícia Federal (PF) concluiu que perfis bloqueados por determinação do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes continuam realizando transmissões ao vivo e interações com usuários brasileiros na rede social X. A conclusão está no relatório parcial da investigação aberta pelo ministro contra o empresário norte-americano Elon Musk, enviado nesta sexta-feira (19) ao STF.

Os investigadores citaram postagens e transmissões feitas por usuários investigados no inquérito sobre milícias digitais que moram nos Estados Unidos, como os jornalistas Allan dos Santos e Rodrigo Constantino e o empresário Paulo Figueredo. De acordo com o levantamento, que foi realizado pela PF no início deste mês, foi possível acessar do Brasil as transmissões feitas pelos usuários e seguir os perfis bloqueados. 

Na avaliação da PF, os investigados seguem realizando transmissões e postagens fora do Brasil com ataques ao ministro Alexandre de Moraes e disseminando informações falsas. A PF acrescentou que um recurso chamado “Espaços” permite que usuários brasileiros possam interagir com os usuários que estão com perfis bloqueados.

“Os investigados intensificaram a utilização da estrutura da milícia digital fora do território brasileiro com os objetivos de se furtar ao cumprimento das ordens judiciais e tentar difundir informações falsas ou sem lastro para obter a aderência de parcela da comunidade internacional com afinidade ideológica com o grupo investigado para impulsionar o extremismo do discurso de polarização e antagonismo aos poderes constituídos no país”, diz o relatório da PF.

Durante o processo inicial de diligências, a rede social X declarou à PF que todas as contas alvo de ação judicial estão bloqueadas e não houve habilitação do recurso de transmissão ao vivo. No entanto, a PF constatou que os perfis bloqueados estão realizando as lives.

“Ao contrário da resposta encaminhada pela empresa X, identificou várias contas objeto de constrição judicial, que estão ativas no Brasil, permitindo que os usuários brasileiros da plataforma sigam os perfis bloqueados. Além disso, apesar de não disponibilizar os tweets publicados, o provedor da rede social X está viabilizando que as referidas contas disponibilizem link para que os usuários da rede social no Brasil acessem o recurso de transmissão ao vivo live para acompanharem o conteúdo publicado pelas pessoas investigadas que tiveram suas contas bloqueadas”, concluiu a PF.

Na semana passada, Elon Musk foi incluído pelo ministro Alexandre de Moraes no inquérito que investiga atuação de milícias digitais para disseminar notícias falsas no país. A medida foi tomada após Musk insinuar que não vai cumprir determinações do Supremo para retirada de postagens que forem consideradas ilegais.

Nas postagens publicadas no início deste mês, Musk prometeu “levantar” [desobedecer] todas as restrições judiciais, alegando que Moraes ameaçou prender funcionários do X no Brasil ao determinar a remoção de conteúdos ilegais. O empresário também acusou Moraes de trair “descarada e repetidamente a Constituição e o povo brasileiro”.

Quem preserva biomas defende direitos humanos, diz relatora da ONU

O que marca o Brasil é uma “impunidade endêmica”. E, apesar de serem “criminalizados” e “destruídos por autoridades”, defensores de direitos humanos são quem preserva biomas no país e também quem cobra a atuação da Justiça em casos de violência do Estado e oferece uma alternativa de “dignidade, solidariedade e respeito a todos”.

Essas foram algumas das colocações feitas hoje (19), por Mary Lawlor, relatora especial da Organização das Nações Unidas (ONU) sobre a situação das pessoas defensoras de direitos humanos, apresentadas em coletiva de imprensa. A porta-voz da ONU chegou ao Brasil em 8 de abril de 2024 e se encontrou com autoridades do governo brasileiro, da Esplanada dos Ministérios, e nomes do Ministério Público Federal, da Defensoria Pública da União e do Conselho Nacional de Justiça. O ponto central de sua agenda, porém, como é de praxe em visitas oficiais de representantes da entidade, são as reuniões com líderes que articulam reações às violações de direitos socioambientais e, como consequência disso, ficam em evidência e sofrem perseguições.

Mary Lawlor também esteve na Bahia, no Pará, em São Paulo e no Mato Grosso, estados que identificou como sendo “particularmente graves”, em relação aos perigos que se impõem diante daqueles que lutam em defesa dos direitos humanos e de biomas. A especialista da ONU disse que, por todo o país, há pessoas que protegem a vida, a terra e a natureza sob cerco ou mesmo sendo mortas e que acabam tendo que enfrentar um sistema que reforça injustiças.

O cenário, acrescentou ela, é de desigualdades e abandono por parte das instituições que deveriam protegê-las. Ao ler seus apontamentos, Mary Lawlor explicou que muitas lideranças têm medo de retaliação após denunciarem os casos de violações que chegam ao seu conhecimento e que muitas delas, além de serem criminalizadas pelo papel que exercem, lidam, com frequência, “com ameaças de morte na porta de casa”.

Povos originários

“Líderes indígenas repetidamente disseram que tiveram que deixar seus territórios, com medo de serem mortos”, ressaltou ela, em sua fala aos jornalistas, afirmando, em alusão ao Dia dos Povos Indígenas, comemorado hoje, que os povos originários “devem ser celebrados e protegidos”, e citando o caso de uma guarani kaiowá que teve que deixar tudo para trás, depois de um familiar ser executado e ela receber um aviso de que seria a próxima a ser assassinada.

Para a porta-voz da ONU, o Supremo Tribunal Federal (STF) deve ser questionado quanto à discussão em torno do marco temporal, tese jurídica que restringia o direito às terras indígenas aos seus respectivos povos originários àqueles que as ocupassem em outubro de 1988, na promulgação da Constituição Federal. No entendimento de Mary Lawlor, a corte deveria ter se empenhado mais em assegurar o direito aos indígenas, acelerando a derrubada da tese.

Política nacional de proteção a defensores

Um dos ministros com quem esteve foi Silvio Almeida, da pasta de Direitos Humanos e da Cidadania, que teria explicitado a ela as ações já implementadas ou em vias de aplicação, no âmbito do Programa de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos, Comunicadores e Ambientalistas (PPDDH), que, em 2024, completa 20 anos, sob a batuta do ministério. No que concerne a esse aspecto, a crítica foi em relação ao orçamento e à falta de efetividade.

“Raramente as políticas que estão sendo desenvolvidas pelo governo federal foram levantadas comigo pelos defensores dos direitos humanos. A principal exceção a isso foi o trabalho realizado no âmbito do Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania através do Grupo de Trabalho (GT) Sales Pimenta. O estabelecimento do Grupo de Trabalho é positivo e necessário. No entanto, ouvi repetidamente preocupações de defensores de direitos humanos sobre sua falta de progresso e a falta de investimento por parte do governo federal. O GT precisa ter um orçamento adequado para que consiga desenvolver aquilo que foi encarregado de fazer e deve contar com a participação genuína de todos os ministérios relevantes, bem como dos próprios defensores dos direitos humanos que estão em risco. Em suma, precisa ser politicamente priorizado e devidamente financiado”, resumiu Mary.

Sanções ao empresariado que viola direitos

Um dos aspectos abordados no relatório que produziu foi a cota de responsabilidade pela qual devem responder o empresariado, em seus diversos segmentos, e o governo brasileiro, no que diz respeito à manutenção da atmosfera de “violências extremas”. Nesse sentido, seu argumento é de que o governo federal precisa barrar companhias que devastam os territórios e cometem violações de direitos vários.

“As pessoas defensoras de direitos humanos não estão contra o desenvolvimento, mas não pode haver desenvolvimento sustentável sem respeito pelos direitos humanos e pelo meio ambiente. Os direitos que dizem respeito à conduta de empresas não se tornarão a norma sem uma regulamentação efetiva por parte do governo, inclusive em respeito a OIT 169 [Convenção n° 169 da OIT sobre Povos Indígenas e Tribais]. Como tal, faço um forte apelo ao governo federal e aos governos estaduais”, afirmou.

A Agência Brasil procurou os ministérios da Justiça e Segurança Pública e dos Direitos Humanos e da Cidadania para comentar os apontamentos e recomendações feitos no relatório e aguarda retorno. A reportagem também pediu posicionamento ao STF e, caso seja enviado, esta matéria será atualizada.

Agência de notícias do Irã diz que não houve explosões no país   

A agência oficial de notícias do Irã Fars News informou, na madrugada desta sexta-feira (19), que as origens dos sons de supostas explosões registrados em duas cidades foram, na verdade, de baterias antiaéreas que dispararam contra “objetos suspeitos”. De acordo com o veículo de imprensa, não houve explosões nas cidades de Tabriz, no noroeste, nem em Isfahan, no centro do país. 

“As investigações do nosso repórter mostram que não houve explosão em Tabriz e que o fogo antiaéreo da cidade foi desencadeado pelo avistamento de um objeto suspeito. Os relatórios dizem que a cidade do noroeste do Irã está completamente calma agora”, afirma a agência iraniana.

Sobre a suposta explosão em Isfahan, a mídia afirma que o barulho ouvido também foi de baterias antiaéreas e que a situação está normal na região.

“Fontes também disseram à Agência de Notícias Fars que três explosões foram ouvidas perto de uma base militar do Exército no nordeste de Isfahan, no centro do Irã. Dizem ainda que a defesa aérea estava em atividade em resposta ao voo de um pequeno objeto suspeito sobre a cidade”, completou a reportagem.

A informação contraria notícia divulgada por um canal de TV estadunidense que informou, nesta sexta-feira, que Israel teria atacado o Irã, a partir de fontes não identificadas do governo dos Estados Unidos. As autoridades de Israel, do Irã e dos Estados Unidos ainda não se pronunciaram oficialmente sobre o tema, nem confirmando nem negando o ocorrido. 

O mundo monitora o possível desfecho do conflito após Israel ser atacado pelo Irã em seu próprio território. O Irã, por sua vez, havia revidado o ataque à sua embaixada em Damasco, na Síria, no início de abril.

Especialistas ouvidos pela Agência Brasil temem que a escalada do conflito entre as duas potências militares regionais arraste o mundo para uma guerra global, com repercussões em todo o planeta. 

Cooperativismo inclui pequenos produtores no mercado, diz ex-ministro

O cooperativismo rural foi um dos temas centrais dos debates do primeiro Encontro de Líderes Rurais que ocorre esta semana na Costa Rica, promovido pelo Instituto Interamericano de Cooperação para a Agricultura (IICA). “É uma solução extraordinária para incluir no mercado produtores pequenos e até médios que, individualmente, seriam expulsos e excluídos do mercado”, defendeu o coordenador do Centro de Agronegócios da Fundação Getúlio Vargas (FGV) e ex-ministro da Agricultura, Pecuária e Abastecimento do Brasil, Roberto Rodrigues, que participou do encontro de forma remota.

No Brasil, de acordo com a Organização das Cooperativas Brasileiras, Sistema OCB, 54% da produção agrícola vêm de cooperativas. O país é considerado um modelo nesse quesito. Isso não significa, no entanto, que todos os problemas estejam resolvidos e que não haja desafios tanto de produção e organização quanto burocráticos. A conversa com Rodrigues foi uma das mais aguardadas, pois em toda a América, de acordo com os líderes que participam do encontro, sobretudo para os pequenos produtores, as cooperativas apresentam-se como forma de organização.

Rodrigues define o cooperativismo como “doutrina que visa corrigir o social por meio do econômico”. A cooperativa rural é associação de produtores para que possam, juntos, comercializar os produtos e ter acesso a serviços e mesmo a máquinas que, sozinhos, não conseguiriam. “A cooperativa oferece ao cooperado condições que individualmente não teria condições de resolver”, diz Rodrigues. “As cooperativas agregam pequenos, transformando-os, em conjunto, em produtor que compete com grandes”, acrescenta.

As situações são diferentes nos países, mas um ponto comum é que o cooperativismo não é tarefa fácil. Para a secretária de Agricultura Familiar de Betânia, no Piauí, Francisca Neri, uma das líderes que representam o Brasil no encontro, o cooperativismo é a solução para a região onde vive, mas é preciso que os mais jovens aprendam e também se entusiasmem sobre a forma de organização. “Como nós vamos fazer as pessoas entenderem que o associativismo e o cooperativismo são os negócios do futuro, que estão acontecendo no presente e que a gente enquanto agricultor não pode ficar de fora?”, questiona. Ela defende que o cooperativismo seja ensinado nas escolas.

Em Honduras, segundo a líder Eodora Méndez, o desafio é que os produtores permaneçam na cooperativa. “Muita gente pensou que cooperativismo era organizar-se e receber benefícios. É mais que isso, é trabalhar em conjunto, aglutinando a produção e poder comercializar. Muita gente se retirou e somos poucos os que estamos em cooperativa. Muita gente jogou a toalha, mas estamos lutando sempre para que as cooperativas se mantenham”, diz.

San José – Cooperativismo inclui pequenos produtores no mercado, defende ex-ministro – Foto IICA/Divulgação

Eodora pertence ao povo originário Lenca e vem de uma família que se dedica ao cultivo de grãos e hortaliças. Foi presidente da Empresa Campesina Agroindustrial de Reforma Agrária de Intibucá (Ecarai), uma organização rural com visão empresarial que representa comunidades de uma das zonas do Departamento Intibucá. Seu trabalho impacta 325 pequenos agricultores. “Quando nos organizamos, temos alternativas de produção, podemos vender a preços melhores e é preciso que isso funcione para que sigamos ativos”, defende.

A líder brasileira Simone Silotti, defende que sejam criadas formas de facilitar a participação dos próprios associados e a articulação entre cooperativas. Ela sugere a criação de uma plataforma “para dar transparência à cooperativa, acompanhar as contas a pagar e a receber sem ter que esperar a prestação de contas. Podemos ter outras abas nessa plataforma para levar conhecimento e formação, inclusive para líderes de cooperativas que quase sempre são pequenos produtores”, afirma.

Silotti é uma pequena produtora rural, de Quatinga, Mogi das Cruzes, São Paulo, e é criadora do Faça um Bem Incrível, projeto que começou em 2020, em meio à pandemia, que busca reduzir o desperdício rural, direcionando os alimentos que seriam descartados para pessoas em situação de vulnerabilidade. O projeto acabou transformando-se em cooperativa. Ela aponta a burocracia como um dos principais desafios e conta que foram mais de dois anos para que conseguissem se formalizar e acessar políticas públicas como o Programa Nacional de Alimentação Escolar (Pnae) do Ministério da Educação.

San José – Costa Rica – Líderes rurais discutem cooperativismo – Foto IICA/Divulgação

Roberto Rodrigues apresentou aos líderes as condições para que sejam formadas as cooperativas. Uma delas, segundo ele, é que é necessário que as elas surjam do interesse dos próprios produtores, por isso também é preciso que a sociedade conheça e saiba o que é cooperativismo. “Tem que vir de baixo para cima, como desejo do povo. Toda vez que governos tentaram impor, quando terminou o governo terminou o cooperativismo”, disse. Além disso, acrescentou, cooperativas são como empresas, precisam ser viáveis e é preciso comprometimento dos associados.

Apesar das dificuldades apresentadas, Rodrigues incentivou os participantes: “Temos que lutar todos os dias. Eu dava aula e diziam que eu estava repetindo sempre a mesma coisa. Eu dizia: olha, os padres, nas igrejas, há 2 mil anos falam a mesma coisa. É preciso repetir, repetir”.

O primeiro Encontro de Líderes Rurais promovido pelo IICA na Costa Rica reúne 42 produtores rurais presencialmente e remotamente, que foram reconhecidos pela organização como líderes rurais por causa do trabalho que desenvolvem em suas regiões. Eles representam praticamente todos os países americanos. O encontro ocorre ao longo da semana, promovendo visitas técnicas, consultorias e o intercâmbio de experiências entre as lideranças.

*A repórter viajou a convite do Instituto Interamericano de Cooperação para a Agricultura (IICA).

Chefe militar queniano morto em acidente de helicóptero, diz presidente

O presidente queniano William Ruto

19 de abril de 2024

 

O chefe militar do Quénia estava entre as nove pessoas mortas num acidente de helicóptero na quinta-feira, segundo o presidente queniano, William Ruto.

O general Francis Ogolla, chefe das forças de defesa do Quénia, estava no helicóptero com outros 11 militares. Duas pessoas sobreviveram ao acidente e estão hospitalizadas.

Pouco depois da descolagem, o helicóptero caiu no Vale do Rift, no Quénia, no oeste do país, e pegou fogo, informou a imprensa local.

Ruto classificou o incidente como um “momento trágico” durante entrevista coletiva.

“Nossa pátria perdeu um de seus generais mais valentes”, disse Ruto. “A morte do General Ogolla é uma perda dolorosa para mim.”

Anteriormente, Ruto convocou uma reunião urgente do conselho de segurança queniano.

Ogolla ingressou nas Forças de Defesa do Quênia em 1984, onde treinou como piloto de caça na Força Aérea dos Estados Unidos e como piloto instrutor na Força Aérea do Quênia, de acordo com um perfil do Ministério da Defesa.

Ogolla acabou chefiando a Força Aérea Queniana antes de ascender a vice-chefe militar.

Ruto promoveu Ogolla para liderar o exército no ano passado. Na época, Ruto acusou Ogolla de participar de uma tentativa de anular o resultado das eleições presidenciais de 2022, mas disse ser a pessoa mais qualificada para o cargo.

Fonte
 

Ministra diz que indígenas preservam 80% da biodiversidade do planeta

Em pronunciamento em cadeia nacional de rádio e televisão, veiculado nesta quinta-feira (18), a ministra dos Povos Indígenas, Sônia Guajajara, destacou a riqueza cultural das populações tradicionais e seu papel na preservação do meio ambiente.  

“Os territórios indígenas preservam 80% de toda a biodiversidade do planeta. E são as áreas onde ocorre a menor taxa de desmatamento. Sem o nosso cuidado com o meio ambiente, a crise climática se agravaria, provocando secas, inundações, ciclones e outros eventos ainda mais severos em todo o país”, afirmou a ministra.

O pronunciamento teve duração de quase cinco minutos e foi veiculado um dia antes do Dia dos Povos Indígenas, celebrado em 19 de abril.

“É o momento de celebrarmos a riqueza cultural dos 305 povos indígenas que vivem neste nosso Brasil, que fazem parte do grande mosaico de tradições e histórias de resistência do nosso país. Vivemos em florestas, alguns de nós em áreas isoladas, mas estamos também nas cidades”, observou Guajajara, também mencionando como os indígenas estão inseridos no contexto da sociedade brasileira.

“Somos médicos, educadores, advogados, cientistas sociais, prefeitos, vereadores, deputados. Habitamos todos os biomas: Amazônia, Cerrado, Pantanal, Mata Atlântica, Pampa e Caatinga”, pontuou.

No pronunciamento, a ministra dos Povos Indígenas falou das ações do governo federal para enfrentar, por exemplo, a crise do povo yanomami, em Roraima, e o combate a atividades criminosas na maior terra indígena do país.

“Atuamos de forma enérgica contra os criminosos que destruíram suas florestas, contaminaram os rios com mercúrio, mataram os peixes e levaram doenças e fome aos nossos parentes”. Sônia Guajajara ainda destacou o fato de o país ter, pela primeira vez, uma pasta exclusiva e dedicada aos povos originários, além de indígenas na chefia de postos-chave, como da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) e da Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai) do Ministério da Saúde.

A ministra ressaltou também a realização da Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas de Belém, em 2025, que terá, segundo ela, “a maior e melhor participação indígena na história dos acordos ambientais”.

Sônia Guajajara ainda apontou a retomada da política de demarcação de terras indígenas, que havia sido abandonada pelo governo anterior.

Na véspera do Dia dos Povos Indígenas, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva participou da reunião de reabertura do Conselho Nacional de Política Indigenista (CNPI) e assinou decreto de demarcação de mais duas terras indígenas. Em evento na sede do Ministério da Justiça e Segurança Pública, nesta quinta-feira (18), foram homologadas as terras indígenas Aldeia Velha, na Bahia, e Cacique Fontoura, em Mato Grosso.

“Acredito no poder transformador da educação”, diz escritora indígena

Considerada a primeira mulher indígena a publicar um livro no Brasil, a escritora Eliane Potiguara conquistou o respeito e admiração de estudiosos e leitores de suas obras. Em 2014, a autora de A Terra É a Mãe do Índio (1989) e de Metade Cara, Metade Máscara (2004), entre outros títulos, foi agraciada com a Ordem do Mérito Cultural, com a qual o Ministério da Cultura distingue pessoas e instituições que contribuem para fomentar a cultura brasileira. Em 2021, recebeu do Conselho Universitário da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) o título de doutora honoris causa.

Eliane Potiguara, educadora e ativista, é considerada a primeira escritora indígena a publicar um livro no Brasil – Tânia Rêgo/Agência Brasil

O reconhecimento como escritora, educadora e ativista política não é pouca coisa. Principalmente para quem, como ela, só foi alfabetizada aos 7 anos de idade. À época, ela assumiu a tarefa de escrever as cartas que, do Rio de Janeiro, a avó queria enviar aos parentes que, na primeira metade do século passado, se espalharam para fugir de conflitos fundiários e de outras formas de violência contra os povos indígenas.

“Fui alfabetizada um pouco tarde, para escrever as cartas que a minha avó enviava principalmente para a Paraíba, de onde a família teve que fugir devido às ameaças de morte”, conta Eliane. Aos 73 anos de idade, a fundadora da Rede de Comunicação Indígena Grumim (criada em 1987 e inspirada “na saga de famílias indígenas que, após terem passado por um processo de violência, tiveram que peregrinar em busca da sobrevivência física, moral e étnica”) relembra a importância desse processo.

“A partir da escrita das cartas, da leitura das respostas que recebíamos e das histórias que minha avó contava, fui compreendendo essa espécie de exílio familiar que me levou a crescer no Morro da Providência, no Rio de Janeiro. Fiquei sabendo que parte da família tinha fugido para não ser assassinada, como tantos outros indígenas, mas daí a me entender como indígena em uma sociedade racista, discriminatória, demorou um pouco mais”, conta a escritora.

Defensora de uma educação pública de qualidade que leve em conta a diversidade cultural étnica que compõe o Brasil e forjada no movimento de resistência e autoafirmação indígena, Eliane se revela otimista, mas não ingênua. “A cultura indígena é maravilhosa e está viva. Seguiremos voltados a essa incrível fidelidade a nossa ancestralidade, mantendo-nos alinhados com as novas tecnologias.”

Leia, a seguir, trechos da entrevista que Eliane Potiguara concedeu para a série de entrevistas com intelectuais, lideranças e ativistas indígenas que a Agência Brasil publica esta semana, por ocasião do Dia dos Povos Indígenas, na sexta-feira (19).

Agência Brasil: A cartilha A Terra É a Mãe do Índio, que a senhora escreveu, é apontada como a primeira obra literária publicada no Brasil por uma mulher indígena, em 1989. Desde então, muitos outros autores e autoras indígenas surgiram, alguns com relativo sucesso comercial. O que tem motivado o surgimento de tantos autores indígenas nas últimas décadas?
Eliane Potiguara: Primeiramente, [a necessidade de libertar] a voz sufocada da população indígena. Ao transformarmos [registrarmos] o pensamento indígena em livros, encontramos um canal de resistência e de luta. Um canal por meio do qual podemos divulgar as situações que vivemos. Com o avanço das tecnologias e com a internet, encontramos novos meios [de expressão] e caminhos. Muitos líderes, professores, pensadores indígenas que têm algo a dizer à sociedade em geral têm se valido desses canais.

Agência Brasil: Como esse trabalho de promover o acesso da população em geral às narrativas indígenas, transmitidas pelos próprios indígenas, pode contribuir para o futuro dos povos originários e da sociedade em geral?
Eliane: Contribui como um elemento de conscientização política da sociedade em geral. Conscientização sobre quem somos, para onde vamos e o que queremos enquanto brasileiros e enquanto povos indígenas. Por exemplo: levar um material escrito por indígenas para dentro das escolas é uma iniciativa transformadora, inspiradora. Mexe com o universo cultural e com o inconsciente de parte da população, pois se trata de um material que tanto pode conscientizar professores não indígenas, quanto ser trabalhado com estudantes indígenas e não indígenas. Há até pouco tempo, o material didático e literário usado nas escolas em geral estava em conformidade com a realidade do colonizador. Hoje, mesmo com todos os problemas, temos uma lei que torna obrigatório o estudo da história e das culturas indígena e afro-brasileira e uma educação que, de alguma forma, contempla os povos indígenas. Há muitos professores e gestores indígenas, o que também é um fato bastante relevante. Além do mais, as narrativas indígenas também ajudam a revelar como nós, indígenas, com nossos conhecimentos tradicionais, podemos contribuir para, por exemplo, preservarmos o que os não indígenas chamam de meio ambiente e nós chamamos de natureza.

Agência Brasil: Chama a atenção que a senhora, que diz ter sido alfabetizada tardiamente, tornou-se educadora e autora de tantos livros. Qual foi a importância da instrução formal e da leitura para sua trajetória pessoal? E qual é, a seu ver, a importância da educação para o futuro das comunidades indígenas?
Eliane: Fui alfabetizada um pouco tarde, entre 7 e 8 anos de idade, para escrever as cartas que a minha avó enviava principalmente para a Paraíba, de onde a família teve que fugir devido às ameaças de morte. Nasci no Rio de Janeiro e cresci no Morro da Providência, onde cresci fechada em uma espécie de gueto, protegida da violência ao redor. Minha avó não queria sequer que eu olhasse para as pessoas, tentava limitar nossos contatos. Nesses primeiros anos, eu tinha como que uma espécie de anteolhos psicológicos que me mantinham alienada da realidade. A partir da escrita das cartas, da leitura das respostas que recebíamos e das histórias que minha avó contava, fui compreendendo essa espécie de exílio familiar. Fiquei sabendo que parte da família tinha fugido para não ser assassinada, como tantos outros indígenas, mas daí a me entender como indígena em uma sociedade racista, discriminatória, demorou um pouco mais. Daí seguirmos lutando por uma educação indígena de qualidade, pela preservação das línguas e das tradições indígenas.

Agência Brasil: No poema Identidade Indígena, de 1975, há um trecho em que a senhora destaca a importância da ancestralidade e aposta que, no futuro, os povos indígenas “brilharão no palco da história”, não precisando mais “sair pelo mundo embebedados pelo sufoco do massacre, a chorar e derramar preciosas lágrimas por quem não lhes tem respeito”. A senhora mantém essa expectativa?
Eliane: Sim. Sou fruto desse nosso processo de colonização, assassinatos e de famílias migrantes sofridas, mas sou também uma pessoa que acredita nas mudanças, na conscientização política, em que vamos conseguir conscientizar a população em geral, que já vem se conscientizando. De um lado, temos, hoje, vários indígenas médicos, antropólogos, professores, advogados etc., além dos que estão em cargos de poder. De outro, há uma grande parcela de pessoas preocupadas, por exemplo, com a questão ambiental, com o aquecimento global. Então, a gente já percebe essa mudança que pode, sim, ser crescente. Como educadora, acredito em mudanças positivas e no poder transformador de uma educação mais de acordo com a realidade.

Agência Brasil: No mesmo poema, a senhora constata que “as contradições nos envolvem e as carências nos encaram”. Hoje, isso parece ainda mais evidente. De um lado, há pensadores indígenas viajando o mundo para proferir palestras e publicando livros de sucesso. Há indígenas no comando de órgãos públicos como o ministério e a fundação dos povos indígenas (Funai). O número de pessoas que se autodeclaram indígenas saltou de 294 mil, em 1991, para quase 1,7 milhão, em 2022. Por outro lado, os conflitos por terra persistem; há problemas na saúde e na educação indígenas e crises humanitárias como a que afetam os yanomami, na Amazônia, e os guarani e kaiowá, em Mato Grosso do Sul. Neste contexto, e considerando que o futuro não está dado, está sempre em disputa, como a senhora imagina o futuro dos povos indígenas?
Eliane: Vivemos um conflito, uma luta de classes, mas, apesar desse sistema opressor e egoísta que admite que um homem explore outro homem apenas para ampliar seu capital financeiro, acredito na evolução, em mudanças positivas. Veja o exemplo dos navajos [da América do Norte], cuja sociedade domina tecnologias modernas sem abrir mão da identidade, cultura, língua ou espiritualidade indígena. Temos condições de conciliar esses aspectos – que não são antagônicos. Há exemplos parecidos no México, na Finlândia. Obviamente, é preciso respeitar a diversidade étnica e cultural e a autodeterminação das comunidades que optam por viver isoladas, cujos modos de vida e tradição devem ser igualmente preservados.

Agência Brasil: Então a senhora aposta em um futuro em que os índios terão domínio e acesso aos avanços tecnológicos e seus benefícios, mas preservando suas identidades?
Eliane: Claro. Seguiremos voltados a essa incrível fidelidade a nossa ancestralidade, mantendo-nos alinhados com as novas tecnologias. Até por causa dos estereótipos, preconceitos e do tipo de educação de que falei no início, quando eu era mais jovem, acreditava que ser indígena é ser pobre e algo em vias de ser extinto. Não é. A cultura indígena é maravilhosa, está viva. Ela é extremamente resistente. Haja vista esses 524 anos de opressão a que seguimos resistindo. Com quase 74 anos de idade, ainda vejo um futuro promissor. O Brasil é terra indígena e os brasileiros precisam ter consciência de sua ancestralidade.

*Dentro da série especial sobre o futuro dos povos indígenas, a Agência Brasil publicará amanhã a entrevista com a ministra dos Povos Indígenas, Sonia Guajajara.