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Ministério lança casa de acolhida para pessoas LGBTQIA+ em Belém

O Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania (MDHC) lançou nesta sexta-feira (7) a primeira casa de acolhimento pública para pessoas LGBTQIA+ no Pará. A unidade, resultado de uma parceria com a prefeitura de Belém, vai acolher pessoas LGBTQIA+ em situação, ou na iminência, de rompimento dos vínculos familiares em razão de sua identidade de gênero, orientação sexual e/ou características sexuais.

A casa foi intitulada de Darlah Farias, nome de uma advogada e ativista paraense que morreu no último domingo (2). Mulher negra e lésbica, Darlah Farias foi fundadora do Coletivo Sapato Preto, que atuava no combate ao racismo e lesbofobia em Belém e na Amazônia, além de compor a Coalizão Negra por Direitos. Ela atuava como Coordenadora de Diversidade Sexual e de Gênero do Estado do Pará e deixou um legado de luta e resistência.

“[Essa homenagem] é fundamental numa política tão importante, porque é uma política de memória, de direitos humanos. Temos que saber que aquilo que a gente tem no presente é o resultado da luta de muitos e muitas que tombaram para que pudéssemos aqui estar”, disse o ministro dos Direitos Humanos e da Cidadania, Silvio Almeida, durante o lançamento.

A ação compõe o Programa Nacional de Fortalecimento das Casas de Acolhimento LGBTQIA+ e a Estratégia Nacional de Enfrentamento à Violência contra Pessoas LGBTQIA+.

“Estamos construindo o caminho para que as pessoas que ainda virão tenham uma vida digna, tenham uma vida melhor. Isso é trabalhar com direitos humanos”, concluiu Almeida.

Entre os objetivos da estratégia está o fortalecimento de casas de Acolhimento LGBTQIA+, organizadas pela sociedade civil por meio do envio de investimentos financeiros para compra de materiais de consumo e a contratação de dois bolsistas para auxiliar no atendimento e na formação das pessoas que trabalham nesses locais.

Os frequentes casos de violência nas escolas, as dificuldades de entrada e permanência no mercado de trabalho formal, bem como os conflitos familiares enfrentados pelas pessoas LGBTQIA+ muitas vezes levam à expulsão dos lares, ao abandono familiar e à ruptura de vínculos sociais, o que gera uma grande vulnerabilidade social. A falta de políticas públicas se reflete na ausência de dados oficiais sobre essa população, pois não há uma política que leve em consideração essas especificidades e vulnerabilidades.

“Começamos a pagar agora em junho os recursos para 12 casas no país. O que estamos construindo é uma política para as pessoas LGBTQIA+ que são abandonadas pela família”, disse a secretária nacional dos Direitos das Pessoas LGBTQIA+, Symmy Larrat.

Segundo a pasta, o governo federal vai investir R$ 611 mil na construção da casa de acolhimento pública modelo, na capital do Pará. A ação faz parte do programa LGBTQIA+ cidadania, composto por três programas voltados para ações de enfrentamento à violência e do trabalho digno.

“Esse programa é uma trajetória que quer culminar na construção da política nacional que é um marco regulatório que vai reger a política das pessoas LGBTQIA+. É um marco porque compõe o maior orçamento da política pública federal das pessoas LGBTQIA+”, completou a secretária.

Entidades criticam demora na punição de assassinos de Bruno e Dom

Os assassinatos do indigenista Bruno Pereira e do jornalista britânico Dom Phillips, em 5 de junho de 2022, causaram comoção internacional, mobilizando a opinião pública para além do Brasil. Apesar disso, organizações não governamentais (ONGs) que promovem a liberdade de imprensa e o livre acesso à informação criticam a demora na punição dos criminosos e na ampliação das medidas de proteção a comunicadores e ativistas dos direitos humanos que atuam na Amazônia.

“Passados dois anos da morte de Dom e Bruno, poucas mudanças efetivas se concretizaram no Brasil”, sustentam as entidades que integram a Coalizão em Defesa do Jornalismo, em um documento divulgado hoje.

“O país tem falhado em oferecer informações sobre o caso […] As poucas informações compartilhadas evidenciam uma apuração e linha investigativa frágeis que, somadas às estratégias de proteção processual empregadas pela defesa dos acusados, tornam as possibilidades de responsabilização devida distantes.”

Bruno e Dom foram mortos a tiros em 5 de junho de 2022. A dupla tinha se reunido poucos dias antes, em Atalaia do Norte (AM), na fronteira com Peru e Colômbia. O experiente indigenista e o jornalista pretendiam viajar pela região e chegar próximos à Terra Indígena Vale do Javari, segunda maior área da União destinada ao usufruto exclusivo indígena e a que abriga a maior concentração de povos isolados em todo o mundo.

Dom planejava entrevistar lideranças indígenas e ribeirinhos para escrever um livro-reportagem cujo título inicial era Como Salvar a Amazônia. Já Bruno tinha se licenciado da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) em fevereiro de 2020, durante o governo de Jair Bolsonaro, por discordar das novas orientações quanto à execução da política nacional indigenista. Na época, ele estava atuando como consultor da União dos Povos Indígenas do Vale do Javari (Univaja) e tinha reuniões agendadas com líderes de comunidades do entorno da terra indígena.

Os dois foram vistos pela última vez na manhã do dia 5. Seus corpos só foram localizados em 15 de junho, quando policiais já tinham detido ao menos cinco suspeitos de envolvimento no desaparecimento da dupla.

Em julho de 2022, o Ministério Público Federal (MPF) denunciou Amarildo da Costa Oliveira (conhecido pelo “Pelado”), Oseney da Costa de Oliveira (“Dos Santos”) e Jefferson da Silva Lima (“Pelado da Dinha”) por duplo homicídio qualificado e ocultação dos corpos de Bruno e Dom. Outros dois suspeitos, Ruben Dário da Silva Villar (o Colômbia) e Jânio Freitas de Souza, foram detidos e indiciados pela Polícia Federal (PF).

O processo judicial está em andamento, mas a subseção Judiciária Federal de Tabatinga (AM) ainda não marcou a data do julgamento dos três principais acusados.

Violação de direitos

Para a Coalizão em Defesa do Jornalismo, a demora da Justiça é um símbolo da grave situação de violação dos direitos humanos e das dificuldades para o exercício da profissão na Amazônia.

“Os assassinatos de Dom e Bruno foram mais uma violação de direitos humanos inserida em uma longa sequência de violências contra as pessoas que defendem a Terra Indígena Vale do Javari e seus povos”, afirmam as organizações, enfatizando que a impunidade mantém sob risco outras pessoas que seguem lutando pela preservação do bioma e pelos direitos das comunidades amazônidas, incluindo, comunicadores.

Segundo a coordenadora de Incidência da Repórteres Sem Fronteira na América Latina, Bia Barbosa, entre junho de 2022, quando Bruno e Dom foram mortos, e maio de 2024, foram registrados ao menos 85 casos de agressão contra jornalistas, comunicadores e meios de comunicação nos nove estados da região (Acre, Amapá, Amazonas, Maranhão, Mato Grosso, Pará. Rondônia, Roraima e Tocantins).

“Ouvimos dos comunicadores locais que há um ambiente de medo e de autocensura instalado na região. Muitos relatam que deixaram de publicar [uma informação] por temer represálias. Mesmo entre os que não receberam ameaças diretas ou foram agredidos. Ou seja, estamos falando de um histórico de violência estrutural que perpetua esta atmosfera de perigo para o exercício do jornalismo na região”, comentou Bia, destacando que o julgamento e a devida punição aos envolvidos nas mortes de Bruno e Dom são “uma oportunidade para o Estado brasileiro mudar este cenário” de impunidade.

Medidas cautelares

Em 17 de agosto de 2022, ou seja, um mês após os corpos de Bruno e Dom terem sido localizados, organizações da sociedade civil pediram à Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) que determinasse ao Estado brasileiro a adoção de providências necessárias para proteger os defensores dos direitos humanos e jornalistas que atuam no Vale do Javari, incluindo 11 pessoas ligadas ao caso de Bruno e Dom, bem como o território. A comissão acatou o pedido, ampliando o rol de medidas cautelares que havia determinado ao Brasil em junho de 2022.

Como resultado, foi criada, em dezembro de 2023, uma Mesa de Trabalho Conjunta com a participação de representantes das organizações autoras do pedido, do governo federal e da CIDH. Contudo, passados seis meses, as medidas para evitar a repetição dos fatos, zelar pela memória de Bruno e Dom, identificar todos os envolvidos no crime e nas ameaças contra os que lutam pela conservação do Vale do Javari e o próprio território não foram devidamente implementadas, segundo Raquel da Cruz Lima, da Artigo 19.

“A avaliação que fazemos dos objetivos desta mesa é que, simplesmente, eles avançaram muito pouco. Analisando cada uma das medidas estabelecidas no plano de ação, o que se vê é que nenhuma delas foi efetivamente cumprida até o momento”, comentou Raquel, apontando o que classificou como “as duas deficiências mais graves” do trabalho:

“Houve avanço insuficiente em relação à implementação das medidas cautelares nos aspectos de que as pessoas ameaçadas por estarem ligadas à luta pela proteção do Vale do Javari seguem sem [serem beneficiadas] por medidas concretas de proteção que garantam a continuidade dos seus trabalhos, mesmo tendo sido incluídas no Programa de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos, Comunicadores e Ambientalistas [vinculado ao Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania], e tem reduzido suas atuações públicas devido à continuidade do cenário de desproteção. A segunda deficiência é a falta de proteção da própria terra do Vale do Javari”, conclui Raquel.

Consultados, os ministérios dos Direitos Humanos e da Cidadania e dos Povos Indígenas não se manifestaram até o momento da publicação desta reportagem. As pastas, contudo, participarão de um ato, esta noite, em que será apresentado um balanço das principais ações do governo federal para proteção do Vale do Javari. A seção da Justiça Federal no Amazonas também foi procurada, mas não respondeu às perguntas da Agência Brasil.

Estudo diz que segurança pública tem que se basear em evidências

A diretora de Dados e Transparência do Instituto Fogo Cruzado, Maria Isabel Couto, afirmou, nesta quarta-feira (5) que a segurança pública tem que ser feita com base em evidências, tanto no estado do Rio de Janeiro quanto no Brasil como um todo. “O problema é grave no Rio de Janeiro, mas, quando nos baseamos em evidências, conseguimos ver luz no fim do túnel.”.

Segundo Maria Isabel, esta é a principal conclusão do estudo inédito Grande Rio sob Disputa: Mapeamento dos Confrontos por Território, elaborado pela instituição e pelo Grupo de Estudos dos Novos Ilegalismos da Universidade Federal Fluminense (Geni-UFF), divulgado hoje. O trabalho considerou dados sobre tiroteios e operações entre 2017 e 2023 obtidos pelo Fogo Cruzado, pelo Geni, pelo Disque Denúncia e também pelo Instituto de Segurança Pública (ISP-RJ) no período de 2017 a 2022.

A pesquisa revela que quase 50% dos confrontos mapeados tinham a presença de policiais. Quando se analisam todos os territórios ao longo desses anos, verifica-se que 60% dos bairros foram afetados por confrontos envolvendo policiais. Os 40% restantes registraram confrontos, mas sem a presença de policiais.

Apesar dos números elevados, que apontam média de 17 confrontos por dia na região metropolitana do Rio de Janeiro, mais da metade dos bairros não são afetados por nenhum tipo de ocorrência. Quando se investigam os bairros afetados por confrontos, a maioria registra eventos pontuais e de baixa intensidade. “São violências episódicas. Não são violências crônicas. Na média, só 3,7% dos bairros, a cada ano, foram afetados por conflitos regulares e de alta intensidade.”

Para a diretora do Fogo Cruzado, uma política pública eficiente precisa levar em consideração tais evidências para aplicar medidas corretas e nos locais necessários. “Se são aplicados recursos de guerra, como fuzis, de forma indiscriminada, em áreas de baixa intensidade e de baixa regularidade de conflitos, agrava-se a violência. A violência está na parte do problema e da solução. O que se vê é a polícia atuando de forma indiscriminada e, às vezes, tornando-se parte do problema”, disse Maria Isabel. Um em cada quatro bairros afetados por confronto foi caracterizado por conflitos de preponderância policial: 85% dos casos naquele bairro ocorreram com a presença da polícia. “Significa que o remédio não está listado para a doença”, disse Maria Isabel, acrescentando que a solução oferecida para a segurança pública não está calcada em evidências da realidade enfrentada. Por isso, a medida está descalibrada e piorando o problema, acentuou.

Distribuição

O Rio de Janeiro tem um número muito elevado de conflitos. De acordo com o relatório, na região metropolitana do Rio de Janeiro são, em média, 17 confrontos por dia, totalizando 38.271 no período de sete anos. Maria Isabel ressalta, contudo, que os conflitos não se distribuem igualmente pelos bairros da região metropolitana. “Existe uma concentração em determinadas áreas. E essa concentração não se dá só por recorte geográfico. Observam-se também padrões de concentração no que diz respeito à atuação das forças policiais e qual grupo armado é preponderante no território.”

De certa forma, esperavam-se mais confrontos com a presença da polícia em áreas do tráfico do que em áreas da milícia porque, para esses anos estudados, há uma área maior coberta pelo tráfico. No entanto, percebe-se disparidade de concentração de confrontos envolvendo policiais em área do tráfico, que é muito maior do que na milícia. “Isso ocorre não só sobre quantos territórios cada grupo armado tem”, disse a diretora do Instituto Fogo Cruzado. ”Tem algo a mais do que isso.”

Segundo o estudo, dos territórios dominados pelo tráfico, 70% registram conflitos envolvendo policiais. No caso das milícias, o percentual cai para 31,6%. “Existe um padrão de desigualdade muito grande. Sob outra abordagem, vê-se que para cada área dominada por facções do tráfico afetada por confrontos sem a polícia, há cinco bairros afetados por confrontos policiais. No caso da milícia, nessa mesma comparação, é um para um. Ou seja, cada área de milícia que tem confrontos sem a presença da polícia tem em contrapartida uma área de milícia que registra confrontos policiais.

Conquistas

Proporcionalmente falando, a polícia intervém muito mais em áreas dominadas pelo tráfico do que em áreas dominadas pela milícia. Maria Isabel destacou, porém, que os dados do mapa dos grupos armados não aponta para a conclusão de que o tráfico é mais violento que a milícia. Houve um padrão de expansão desses grupos territoriais. Quando se fala de territórios conquistados por um grupo armado a partir de confrontos, constata-se que o Comando Vermelho é o que acumula o maior número de áreas dominadas (45,3%). A milícia vem em segundo lugar, com 25,5% e, em seguida, o Terceiro Comando Puro (TCP), com 23,3%. “O Comando Vermelho é o que mais conquista, mas é também o que mais perde”, comentou Maria Isabel.

De acordo com o estudo, 78,5% dos territórios conquistados pela milícia por meio de conflitos foram áreas controladas pelo Comando Vermelho. “Os dados mostram que aquele mito do início dos anos 2000 de que milícia seria um mal menor, que ela se comportava através de dinâmicas de violência diferentes do tráfico e de que existia para livrar a população do tráfico não é verdade. As milícias também usam a força, o confronto, para dominar territórios”. Segundo Maria Isabel, o que chama a atenção é que o Estado opta por intervir muito mais em áreas do tráfico do que em áreas de milícia.

Chama-se conquista quando um grupo armado domina um novo território por meio de confronto, estabelecendo uma relação de conflito para expulsar o que dominava aquela área. Já a colonização é quando a estratégia de expansão não passa pelo confronto. “Ou vai ser a dominação de um território que antes não era controlado por ninguém, ou pode ser, por exemplo, através da cooptação da liderança local, quando o líder local que era de uma facção passa para outro grupo. São, em geral, modelos de expansão”.

A análise do período de seis anos mostra que todos os grupos implantaram os dois tipos de padrão de expansão. Mas a maior parte dos territórios foi conquistada por colonização: 82,3% pelo TCP, 84%, no caso do Comando Vermelho e 90% da milícia. “A maior parte da expansão dos grupos territoriais não se dá a partir do conflito”. A pesquisa sobre os confrontos no Grande Rio é parte do projeto Mapa Histórico dos Grupos Armados do Rio de Janeiro, lançado em 2021.

Viúva e amigos criam instituto em homenagem a Dom Phillips

Na semana em que o assassinato do indigenista Bruno Pereira e do jornalista britânico Dom Phillips completa dois anos, profissionais e amigos do ex-correspondente internacional de influentes veículos de imprensa, como o britânico The Guardian, inauguraram um instituto sem fins lucrativos para homenageá-lo.

Mais que o nome do jornalista, o Instituto Dom Phillips busca perpetuar a paixão dele pela Amazônia, bioma que o britânico visitou a trabalho, pela primeira vez, em 2015. Segundo Alessandra Sampaio, viúva de Dom e diretora-presidente da entidade, a iniciativa busca “ecoar as vozes da Amazônia” por meio de projetos que disseminem os saberes tradicionais da população amazônida.

“É uma organização que se propõe a trabalhar com projetos educacionais, com o objetivo de ecoar as vozes da Amazônia e os saberes dos povos e das pessoas que cuidam do bioma, trazendo a narrativa deles”, comentou Alessandra em entrevista à jornalista Cíntia Vargas, da TV Brasil. “O Dom entendia que há um grande problema social e econômico na Amazônia, com muita gente exercendo atividades criminosas por falta de opções, e que há várias questões sobre as quais temos que falar, não só a sustentabilidade e a proteção [à flora e à fauna], mas também às pessoas, que são muito desassistidas”, afirmou.

No texto de apresentação da entidade, os responsáveis pela iniciativa sustentam que “honrar o legado de Dom é reconhecer a dor e ir além dela, entendendo que sua relação com a Amazônia não se resume ao seu assassinato. Pelo contrário, ele mergulhou na exuberância da floresta e escutou seus povos a fim de mostrar ao mundo toda a diversidade humana, ambiental e cultural da região”.

Quando foi morto, a tiros, o jornalista estava a caminho do entorno da Terra Indígena Vale do Javari, onde pretendia entrevistar líderes indígenas e ribeirinhos para escrever um livro-reportagem que seria intitulado Como Salvar a Amazônia. A terra indígena é a segunda maior área da União destinada ao usufruto exclusivo indígena e a que abriga a maior concentração de povos isolados em todo o mundo.

Dom viajava na companhia de Bruno Pereira, servidor de carreira da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), da qual tinha se licenciado em fevereiro de 2020, por discordar das novas orientações quanto à execução da política nacional indigenista durante o governo de Jair Bolsonaro. Na época, Pereira atuava como consultor técnico da União dos Povos Indígenas do Vale do Javari (Univaja).

“Sempre que voltava das suas viagens à Amazônia, o Dom voltava muito mobilizado. Pelas vivências, pelos contatos que tinha com as pessoas e com a floresta. Ele dizia: “Ale, se as pessoas conhecessem e entendessem a Amazônia, se elas soubessem [de] todas as belezas, toda a potencialidade [da região], se engajariam na proteção da floresta”, acrescentou Alessandra.

“Enquanto instituto, nos enraizamos no mesmo propósito: ecoar as vozes da Amazônia e os saberes dos seus povos e cuidadores, impulsionando movimentos de educação pela preservação da vida”, complementa o texto em que é apresentada a nova instituição. “Escolhemos a educação como ferramenta para promover um conhecimento descolonizado sobre e para a Amazônia. Queremos desenvolver projetos educativos que partem do território para o território e também para o mundo, promovendo espaços de construção coletiva e articulação em rede dos diversos saberes e cuidadores da floresta.”

Banner Bruno e Dom – Arte/Agência Brasil

Impulsionados por uma violência que sabem “que não foi a primeira, nem será a última”, os responsáveis pelo Instituto Dom Phillips enfatizam a urgência de ações concretas pela preservação da vida, não só no sentido mais amplo, de proteção do bioma, mas também de proteção de seus defensores.

“A questão das pessoas ameaçadas, da segurança, da violência e da destruição na região nos causa muita angústia”, destacou Alessandra. “As pessoas continuam lá, na linha de frente, defendendo o Vale do Javari, uma área única, com 16 povos [indígenas] isolados e uma integridade territorial muito grande. O trabalho de monitoramento que essas pessoas ameaçadas fazem é muito importante e devemos cobrar das autoridades que elas tenham segurança”, acrescentou a viúva de Dom, ao falar sobre a importância da atuação de entidades da sociedade civil organizada que cobram justiça para o jornalista e o indigenista.

Em 23 de julho de 2022, o Ministério Público Federal (MPF) denunciou Amarildo da Costa Oliveira, (conhecido como “Pelado”), Oseney da Costa de Oliveira (“Dos Santos”) e Jefferson da Silva Lima (“Pelado da Dinha”) por duplo homicídio qualificado e ocultação dos corpos de Bruno e Dom.

Também foram detidos e indiciados pela Polícia Federal (PF) Ruben Dário da Silva Villar (“Colômbia”) e Jânio Freitas de Souza.

O processo judicial está em andamento, mas a Subseção Judiciária Federal de Tabatinga, no Amazonas, ainda não marcou a data do julgamento dos três principais acusados. Por orientação de seus advogados, Alessandra evita comentar o trâmite processual, limitando-se a dizer que ele vem avançando.

“Este foi um caso trágico, que tocou muita gente. Até hoje, há pessoas que falam comigo a respeito disso em um tom muito emocionado. Os nomes do Dom e do Bruno correram o mundo, e eu acho que este seria um caso exemplar para a Justiça brasileira mostrar às redes criminosas que a Justiça é feita no país. E o que sei, por meio da Univaja, é que, passados dois anos, eles precisam de mais suporte, de mais proteção.”, concluiu Alessandra.

A entrevista com Alessandra Sampaio, viúva de Dom, vai ao ar nesta quarta-feira (5), no programa Repórter Brasil, que começa às 19h.

Conselho Nacional dos Direitos Humanos comemora dez anos de criação

Em dez anos de existência, o Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH) cumpriu um papel fundamental na consolidação da democracia no país. A avaliação é de ex-presidentes do colegiado que compareceram, nesta terça-feira (4), à cerimônia de comemoração da criação do conselho, em Brasília.

Com a finalidade de promover e defender os direitos humanos no país, o conselho atua por meio de ações preventivas, protetivas, reparadoras de condutas e situações de ameaça ou violação desses direitos, previstas na Constituição Federal de 1988 e em tratados e atos internacionais ratificados pelo país.

No cargo de presidente entre 2018 e 2020, Leonardo Pinho disse que o CNDH cumpriu seu papel de ser uma instituição nacional autônoma de direitos humanos em um período de ataque às instituições.

“Essa história [do conselho] de dez anos é uma afirmação de que não é possível ter democracia, política pública emancipatória, sem participação e controle social. Sem a garantia fundamental da participação da população não há democracia. Não há as promessas da Constituição Federal de 1988”, disse.

O também ex-presidente Darci Frigo (2022), lembrou que o CNDH passou por várias tentativas de esvaziamento da participação da sociedade no governo passado e que se se não houvesse uma articulação da sociedade civil o conselho teria sofrido um golpe. Ainda de acordo com Pinho, é necessário fortalecer a instituição para enfrentar os desafios relacionados à atuação da extrema-direita no Brasil.

“O campo progressista que defende os direitos humanos no país precisa se dar conta de que, neste momento, fortalecer uma instituição como o CNDH como autônoma é fundamental, porque não estamos brincando de fazer direitos humanos nesse país, porque a extrema-direita está aí e ela está tentando corroer todo o edifício da democracia. A gente precisa se preparar.”

Frigo avalia que é preciso fortalecer a equipe do conselho e dotá-lo de orçamento compatível com sua atuação: “é importante a participação do poder público, da sociedade civil no conselho, mas é muito importante a participação da equipe do conselho nacional. Essa equipe permite que, no dia a dia, as ações e deliberações do conselho nacional sejam efetivadas. É importante fortalecer essa parte institucional do conselho, com estrutura e orçamentos condizentes com o seu papel”.

O defensor público federal Renan Sotto Mayor, que presidiu o CNDH em 2020, citou os desafios enfrentados no governo do ex-presidente Jair Bolsonaro e lembrou da importância da sociedade civil.

“Foi com honra e dificuldade que a gente enfrentou a gestão do governo federal passado. Inclusive tentou-se fazer uma movimentação para que alguém de extrema-direita assumisse a presidência do CNDH, mas a sociedade civil foi central para evitar esse tipo de situação”, pontou.

Mayor disse que o CNDH teve um papel fundamental para a proteção de povos indígenas que vivem isolados e são de recente contato e lembrou que o indigenista Bruno Pereira, cujo assassinato completa dois anos amanhã, foi quem procurou o colegiado e sugeriu a edição de uma resolução, em dezembro de 2020, para proteger esses povos que sofriam em razão do desmonte de órgãos como a Função Nacional dos Povos Originários (Funai), de proteção ambiental e da ação de garimpeiros ilegais.

“Muitos não sabem, mas a ideia dessa resolução foi do Bruno Pereira que nos procurou e a gente sabia que estava em um governo de exceção, de violação de direitos humanos e quando a gente pensa em povos indígenas isolados, a gente não tem lei. A gente tem algumas normativas, mas não tem lei”, disse o defensor que lembrou que a resolução foi utilizada pelo Supremo Tribunal Federal para determinar que o governo tomasse ações para proteger esses povos.

Atual presidente do CNDH, Marina Dermmam, citou o caráter de luta do conselho na defesa e promoção de direitos humanos e na atuação em casos de violações desses direitos.

“O CNDH Esteve ao lado do povo brasileiro nos locais onde houve violações de direitos humanos, acolhendo as vítimas e fazendo os enfrentamentos necessários. Esteve ao lado dos povos e comunidades tradicionais quando seus territórios foram ameaçados por grileiros, garimpeiros, latifundiários ou pelos governantes de ocasião. Esteve ao lado de comunidades urbanas que tiveram seus direitos violados por grandes empreendimentos ou pela especulação imobiliária. Está ao lado da população de rua, cotidianamente invisibilizada nas diversas cidades do país. O CNDH também sempre esteve ao lado das mulheres, na luta contra as diversas forma de violência, como a violência política de gênero, que tem nos preocupado bastante. O CNDH também está comprometido com a luta pela justiça climática que deve ser verdadeiramente sustentável e que deve respeitar os territórios e seus modos de vida tradicionais. São essas e outras lutas e esse compromisso histórico do CNDH que celebramos na data de hoje”, discursou.

Participação

O ministro dos Direitos Humanos e Cidadania, Silvio Almeida, também reforçou o papel fundamental do CNDH na valorização dos direitos humanos.

“O CNDH cumpre um papel absolutamente fundamental na consolidação dos direitos humanos reconhecidos no Brasil, mas um papel ainda mais importante na valorização dos direitos humanos de maneira geral. Não nos enganemos, vivemos em um país em que não se respeita os direitos humanos.”

Segundo o ministro, o colegiado, expressa a necessidade de participação social na definição das políticas públicas e no projeto de país.

“Vamos ter que ajudar a construir as políticas públicas e, mais do que isso, os projetos de Estado, o planejamento do Brasil, o que o país vai ser nos próximos anos e a política de direitos humanos vai ter que estar acoplada a esses interesses”, discursou.

Durante a cerimônia, o Defensor Público-Geral da União, Leonardo Magalhães, ressaltou o caráter de participação social do CNDH, composto de forma paritária por representantes do governo federal e da sociedade civil.

“Esse é um espaço dialógico importante, de convergência entre o poder público e os movimentos sociais para que possam também cobrar do governo federal a efetiva implantação das medidas em direitos humanos”, afirmou. “Tenho certeza de que se não fosse o CNDH, juntamente com outras instituições, estaríamos em uma situação de retrocesso social em matéria de direitos humanos sem precedentes”, complementou.

Com música e alegria, Parada LGBT+ de SP chama atenção para a política

Como todos os anos, o público começou a chegar cedo para participar neste domingo (2) da 28ª Parada do Orgulho LGBT+ de São Paulo.

Aos poucos, a multidão foi enchendo a Avenida Paulista, na região central da cidade. Além do visual elaborado das drag queens, marca registrada do evento, a criatividade das fantasias passeia pelos mais diversos motivos. Há quem prefira ir de super-herói, quem busque inspiração na antiguidade, nos fetiches eróticos, ou aquelas pessoas que apenas pegaram uma coroa com as cores do arco-íris distribuída gratuitamente por uma rede de fast-food (comida rápida).

Apesar das sete cores do arco-íris, símbolo da luta pela diversidade sexual, ainda serem muito presentes nas bandeiras e adereços, neste ano, o verde-amarelo ganhou espaço. “É para mostrar que a bandeira do Brasil pertence a todos nós, não só a um partido político. Todo mundo tem o direito de usar nossas cores, e não vamos deixar só para um tipo específico de pessoas”, justificou a drag queen Cacau, que usava a camisa da seleção brasileira de futebol cortada na altura do peito, fazendo um top.

O apelo para que o público incorporasse as cores da bandeira nacional partiu da própria organização da parada. A proposta é uma reação ao uso do verde e amarelo pelas manifestações de extrema-direita.

A concentração para o desfile dos trios elétricos é em frente ao Museu de Arte de São Paulo (Masp). Dali, com muita música, o público deve ir em direção à Rua da Consolação para descer até o centro da cidade. A programação musical tem nomes como Pablo Vittar, Banda Uó, Gloria Groove e Filipe Catto.

Um pouco mais à frente, em um trecho ainda mais tranquilo da avenida, antes da saída dos carros de som, a autônoma Zilma Cristina Rosa aguarda o começo do evento em uma cadeira de praia. Zilma e a companheira, a pesquisadora Joseli Capusso, se prepararam com lanche e água para aproveitar o evento de forma mais tranquila. “O joelho não aguenta mais, o tornozelo não aguenta mais. Agora, a gente vem de cadeirinha”, disse Zilma, que participa da manifestação por direitos da comunidade LGBT+ desde as primeiras edições.

Neste ano, o tema da parada é: Basta de Negligência e Retrocesso no Legislativo! Vote Consciente por Direitos da População LGBT+, trazendo para a avenida a preocupação com as dificuldades na tramitação de projetos de lei que garantam o exercício pleno da cidadania por toda a população.

Retrocesso e dificuldades

A inclusão no mercado de trabalho é um dos temas que aparecem nas reivindicações das pessoas que participam da 28ª edição do evento, quase 30 anos depois da primeira mobilização, em 1997. “Muitas travestis ainda têm que ser prostitutas. Não tem trabalho para elas. Homem trans enfrenta também um grande preconceito na área trabalhista”, diz Zilma.

A transexual Thalía Vitorelli confirma a dificuldade de encontrar colocação fora do mercado do sexo pago. “No momento, estou desempregada. Antes, eu estava trabalhando de acompanhante, mas saí dessa vida. Hoje, eu tento tentar novas chances em um país que é muito complicado, as pessoas são muito difíceis, é muito complicado arrumar serviço. Mas estou indo à luta”, diz a jovem de 20 anos que participa pela terceira vez da parada.

Além de defender seus direitos, Thalía veio à Avenida Paulista em busca de bons momentos com os amigos. “É uma energia maravilhosa, espero vir muitas mais vezes. Hora da gente se divertir”, anima-se a jovem, que espera um dia conseguir trabalhar na área da moda.

Com um grande leque e roupas exuberantes, a drag Teresa Vaz participa neste ano pela terceira vez do evento. Venezuelana, Teresa conta que no Brasil entendeu a conexão entre as diferentes lutas que envolvem a sua existência. “Foi aqui no Brasil que eu conheci a militância contra o racismo. Eu, sendo um homem ou uma mulher negra, aqui no Brasil foi onde eu conheci, identifiquei o que é o racismo. Lá na Venezuela, gente, talvez por estar nessa questão do Caribe, não temos essa militância”, afirmou.

Caso Miguel completa 4 anos sem conclusão: “tortura grande”, diz mãe

Quem já sofreu pela morte de um familiar ou um amigo, já deve ter ouvido a frase de acolhimento: “o tempo ajuda a curar as feridas”. Mas quando o luto está atrelado a um processo criminal sem conclusão, a expressão perde todo o sentido. Para Mirtes Renata Santana, o tempo é sinônimo de “tortura” e as feridas seguem abertas há quatro anos.

No dia 2 de junho de 2020, ela encontrou o filho Miguel Otávio Santana da Silva, de 5 anos, gravemente ferido depois de cair de uma altura de 35 metros. Ele chegou a ser socorrido, mas faleceu. Mirtes era empregada doméstica e levou o menino para o trabalho porque a creche estava fechada. O período era de pandemia da Covid 19 e ela não tinha com quem deixar o filho. O governo de Pernambuco havia definido que o trabalho doméstico não era essencial, mas Mirtes teve de manter a rotina para não perder o emprego.

Ela foi incumbida de passear com o cachorro da patroa Sarí Mariana Costa Gaspar Corte Real, que morava em um prédio de luxo no centro do Recife. Sarí ficou em casa fazendo as unhas e se responsabilizou por cuidar de Miguel. O menino pediu pela mãe, a patroa o colocou em um elevador e apertou o botão do nono andar. Sozinho, ele chegou em uma área de maquinaria, acessou uma janela e caiu.

Em maio de 2022, Sarí foi condenada a oito anos e meio de prisão por abandono de incapaz com resultado de morte. Até hoje responde em liberdade. Mirtes tem lutado durante todo esse tempo para que o caso seja concluído pela Justiça. Segundo palavras da própria, ela adoece sempre que há nova movimentação nos processos e diz que a espera tem sido “massacrante”.

As decisões mais recentes foram desfavoráveis. Há duas semanas, a Justiça do Trabalho em Pernambuco reduziu de R$ 2 milhões para R$ 1 milhão a indenização que deve ser paga por Sarí e o marido, Sergio Hacker, ex-prefeito de Tamandaré, à família de Miguel. Em novembro do ano passado, o Tribunal de Justiça de Pernambuco (TJPE) diminuiu a pena de Sarí para sete anos de prisão. Ainda cabe recurso no TJPE, depois no Superior Tribunal de Justiça (STJ) e no Supremo Tribunal Federal (STF).

Hoje, Mirtes divide o tempo entre o trabalho de assessora parlamentar, a faculdade de Direito e a participação em movimentos antirracistas. Em entrevista à Agência Brasil, ela disse que, no desenvolvimento político e intelectual pelo qual vem passando, entendeu que tanto a morte de Miguel como a demora da conclusão na Justiça têm traços racistas: “porque é o caso de um menino preto. Se fosse o caso de um menino branco, já tinha sido resolvido”.

Confira a entrevista:

Agência Brasil: Como você recebeu a decisão judicial mais recente de reduzir o valor da indenização que deve ser paga por Sarí Corte Real e Sérgio Hacker?

Mirtes: A gente já esperava mais ou menos que fosse diminuir o valor da indenização, mas não bruscamente como foi, praticamente pela metade. Mas era algo que a gente esperava. O valor ficou mais ou menos no teto do que foi indicado na petição inicial e a gente recebeu o acórdão na semana passada. A gente está aguardando, porque é provável que a outra parte recorra. Se eles recorrerem, a gente recorre também. Mas eu recebi de forma bem tranquila essa decisão. Eu não estou dando o mesmo foco para esse processo, porque o meu foco maior é o processo penal. E qualquer valor que seja para eles pagarem, que paguem. Porque, infelizmente, essas pessoas só sentem o peso dos seus atos quando mexe no bolso. Se minha mãe e eu temos direito a alguma indenização, que venha. Pode ser o valor que for, mas que venha.

Morte do menino Miguel Pereira completa 4 anos sem conclusão na Justiça – Arte/Agência Brasil

Agência Brasil: Mesmo com a gravidade do que aconteceu, surgem ataques contra você nas redes sociais. E um dos temas explorados é o da indenização. Acusam você de ter um interesse maior pelo dinheiro. Como você lida com esse tipo de ataque?

Mirtes: Essa é uma luta por direitos. Infelizmente, essas pessoas me criticam, questionam muita coisa, mas é algo que cabe a mim por direito. Alguns jornais também colocam títulos tendenciosos e as pessoas não leem o restante do texto, as explicações sobre o que significa o processo. Mas eu estou bem tranquila, nem observo muito esses comentários, porque eu estou preservando a minha saúde mental. Eu só sinto muito por elas não procurarem entender o motivo, quais são os direitos, o que está sendo julgado.

Não é só a morte de Miguel, mas também a questão trabalhista e o lockdown. Porque, no período da pandemia, o trabalho de empregada doméstica não era essencial e eu trabalhei. Fiquei doente, peguei Covid e continuei trabalhando. Tem também a fraude contratual. E muitas empregadas domésticas passam por essa questão da fraude contratual e não denunciam. Muitas pessoas trabalharam no período do “lockdown” em funções que não eram essenciais, não denunciaram e acabou ficando por isso. Mas, no meu caso, foi denunciado e eu estou correndo atrás dos meus direitos. E muita gente que passou pela mesma situação e não denunciou, fica me criticando. É muito importante se informar para reagir contra aqueles que se aproveitam dos serviços das pessoas de forma ilícita.

Agência Brasil: A única resposta concreta do Estado sobre o caso até agora foi a aprovação da Lei Miguel, em agosto de 2020, pelo legislativo de Pernambuco. Ela determina que crianças de até 12 anos não podem utilizar elevadores desacompanhadas de adultos. O que você achou da medida? Teve alguma relevância diante do que aconteceu?

Mirtes: Em parte, sim. Claro que é muito pouco ainda. Mas alteraram a lei, colocaram o nome de Miguel. Se falou muito dela na mídia e ajudou a dar mais visibilidade ao caso. Mas, infelizmente, as violações ocorrem em equipamentos privados e as pessoas acabam não sendo punidas por uma questão de classe mesmo. Porque são pessoas brancas e ricas. E as pessoas que administram o condomínio não querem se indispor com o morador que acaba violando a lei. Nos ambientes públicos há vigilância maior em relação à lei, mas nos ambientes privados, não.

Mirtes Renata Santana decidiu cursar direito para acompanhar o processo da morte do filho. “Não era meu sonho. Estou fazendo para entender o processo e ajudar outras pessoas a não passarem pelo que estou passando”. Foto: Jc Penna/Instagram

Agência Brasil: Mães que perdem filhos em contextos criminais e lutam por uma solução na justiça costumam ser exaltadas pela força. Nem sempre se destaca como o processo provoca adoecimento mental e físico. De que forma você está sendo impactada por essa longa espera para que haja uma solução definitiva para o caso?

Mirtes: Para mim, é uma tortura muito grande passar quatro anos lutando e ainda não ter resultado. É muito massacrante ter que ficar sempre lembrando do que ocorreu. Eu fico doente toda vez que tem algum processo, que mexem no caso e isso não se resolve logo. Para mim é muito pesado.

A sensação que dá é a de impunidade. Mas eu não vou deixar. Eu vou correr atrás. São quatro anos lutando. Eu não vou parar até que seja resolvido. Pode durar quantos anos tiver que durar. Eu posso me machucar o quanto for, mas eu vou continuar lutando. Porque foi meu filho que morreu. Eu perdi o amor da minha vida. E eu não vou deixar que fique impune esse crime contra o meu filho. Não vou deixar.

Está sendo bem difícil, mas eu não vou desistir. Peço que o Brasil continue nessa luta junto comigo, lembrando sempre do Miguel e pressionando o judiciário pernambucano, para que o caso do meu filho seja resolvido o quanto antes.

Agência Brasil: Você entende que o processo está sendo tratado da forma correta pela justiça? Ou acha que existem fatores específicos que prejudicam o andamento?

Mirtes: O processo de Miguel foi o último processo físico do estado e o presidente do TJPE mandou que todos os processos físicos fossem digitalizados. O de Miguel foi digitalizado, mas só que ainda não foi totalmente finalizado, porque ainda faltam as mídias do processo, que são muitas. Fui no tribunal para saber como estava o andamento do processo e ficou tipo um joguinho de pingue-pongue. Um jogava para o outro. Eu fui no gabinete do desembargador e disseram que o processo não tinha chegado lá. Ainda estava no gabinete do desembargador relator. Aí, cheguei lá, também não estava lá. Ficou aquele joguinho. Para mim, naquele momento, bateu uma tristeza muito grande em saber que está tendo esse tipo de tratamento com o processo do meu filho. Eu não sei nem explicar completamente o sentimento que eu tive ali, mas me deixou muito triste.

Minha advogada vai cobrar para que essas mídias sejam incluídas no processo que já foi digitalizado. E que siga, porque ainda precisa do julgamento dos recursos, para depois subir para Brasília. Esse tempo todinho para analisar os recursos que são os embargos de declaração, para depois poder julgar, e ainda não foi feito nada?

Eu vejo também um pouco de descaso. E olha que é um crime que tomou uma proporção internacional e ainda não foi resolvido. Enquanto casos parecidos com o do meu filho já foram resolvidos. Um exemplo é o caso do menino Henry Borel, que já prenderam o padrasto e a mãe. E a Sarí? Está solta. Porque é o caso de um menino preto. Porque se fosse o caso de um menino branco já tinha sido resolvido. É bem nítida mesmo essa questão.

Agência Brasil: Você já falou antes que a perda do Miguel te levou para novos caminhos de reflexão e militância. Como estão atualmente as conexões com movimentos sociais e com outras mães que passaram por situações semelhantes às suas?

Mirtes: Eu faço parte da ANEPE, a Articulação Negra de Pernambuco. Ela é vinculada à Coalisão Negra por Direitos, que é nacional e internacional, e a gente vem fazendo esse enfrentamento com relação à violência e ao racismo. Antes da morte do Miguel eu não fazia parte de movimento social, só acompanhava na TV a movimentação do pessoal. Às vezes, acompanhava pela internet, mas frequentar e participar desse jeito, não.

Depois que tudo isso aconteceu, algumas pessoas me procuraram e comecei a ter conexões com outras mães. Algumas promovem eventos e eu participo. A gente conversa e se fortalece para continuar na luta. Porque não é fácil, então a gente busca se fortalecer uma na outra. Tem uma mais próxima aqui de mim, que é a Joelma, mãe de Mário Andrade, assassinado por um policial. Ela batalhou anos, conseguiu a condenação e a prisão do policial que matou o filho dela. Hoje ela tem um centro chamado Mário Andrade lá no Ibura [bairro de Recife] e vem ajudando a comunidade. Eu estou próxima dela. Ajudo no que precisar na comunidade. Falo também com outras mães por mensagens ou pelas redes sociais e a gente vai se fortalecendo, se articulando para poder continuar firme.

 Miguel estava sob supervisão da patroa de Mirtes quando caiu de uma janela. Foto: Arquivo pessoal

Agência Brasil: E nesse processo, você entende que teve também um amadurecimento político e social? De pensar sobre questões que passavam despercebidas?

Mirtes: Antes, eu tinha muita noção de classe social e do preconceito por ser mulher. Porque eu senti isso na pele quando trabalhava em uma área que é majoritariamente masculina, a carpintaria. Eu sofria preconceito por ser mulher carpinteira, tanto nas relações de trabalho, quanto na questão salarial mesmo. Não recebia igual aos carpinteiros homens.

Mas sobre a questão do racismo em si, eu não tinha noção. E só vim a ter após a morte do meu filho, porque eu passei por um período de formação política e comecei a entender muitas coisas. Comecei até a refletir sobre o meu passado, as coisas que já aconteceram comigo, os tipos de violência, os preconceitos. E, hoje em dia, eu tenho uma visão bem crítica mesmo. Quando eu vejo que tem algum tipo de preconceito, racismo, sexismo, eu não me calo. Eu falo, eu chamo a atenção. Mas não de uma forma violenta, mas de uma forma pedagógica, para as pessoas entenderem que aquela atitude é errada. Porque violência não leva a lugar nenhum.

Agência Brasil: Nesse contexto, como surgiu a decisão de fazer faculdade de Direito? E em relação ao trabalho, você continuou a fazer outros serviços domésticos?

Mirtes: Nem eu, nem a minha mãe continuamos no trabalho doméstico. A gente decidiu que não ia mais trabalhar nessa área. Depois que eu perdi meu filho, eu comecei a trabalhar em ONG. Trabalhei no Grupo Curumim, aqui do Recife, e em parceria com a AfroResistance, que é uma organização internacional. Passei dois anos trabalhando para eles. Depois, eu saí e estou trabalhando há um ano como assessora parlamentar da deputada estadual Dani Portela (PSol). Isso está somando muito na minha vida pessoal e profissional. O que eu estou aprendendo na faculdade, consigo colocar em prática no trabalho legislativo.

Na faculdade de Direito, já estou no sétimo período. Finalizo em dezembro do próximo ano. Está sendo bem difícil conciliar com o trabalho e a luta, mas estou conseguindo seguir com a faculdade. Não era o meu sonho cursar Direito. Eu só estou fazendo por uma questão de necessidade. Para entender o processo do meu filho e também para poder ajudar outras pessoas a não passarem pelo que eu venho passando hoje. Então, essa é a minha intenção ao fazer a faculdade. Eu digo que Deus primeiro me deu uma missão: ser mãe de Miguel e cuidar dele. E depois que meu filho partiu, a segunda parte da minha missão é, a partir dessa minha formação, poder ajudar outras pessoas.

Pedidos de resposta

A Agência Brasil não conseguiu contato com a defesa de Sarí Corte Real e de Sérgio Hacker Corte Real, ex-prefeito de Tamandaré.

Procurado para comentar as críticas de Mirtes sobre demora na digitalização do processo, o Tribunal de Justiça de Pernambuco se limitou a responder que “todos os procedimentos e trâmites legais do caso estão sendo cumpridos”.

Silvio Almeida critica operações policias na Baixada Santista

O ministro de Direitos Humanos e da Cidadania, Silvio Almeida criticou a atuação da Polícia Militar do estado de São Paulo na Baixada Santista, durante as operações Escudo e Verão. “Quem aposta nesse modelo de polícia, em que o policial mata indiscriminadamente, mas ele também morre, é tudo menos moderado. É um radical, um extremista, que não tem nenhum tipo de apego ao que determinam as leis, a Constituição e as normas dos direitos humanos”, disse durante agenda na tarde de hoje, na capital paulista, após ser questionado em coletiva de imprensa.

“O que me parece, portanto, é que se instaurou no estado de São Paulo uma espécie de licença para que os policiais possam agir da maneira que quiserem, sem nenhum tipo de controle. E nós sabemos já, uma polícia que não tem controle não é polícia. Porque os controles da polícia são os controles da legalidade. Uma polícia que se perde o controle deixa de ser polícia e vira uma milícia”, ressaltou.

Segundo ele, quem defende que segurança pública é simplesmente licença para matar não entende da questão. O ministro acrescentou que isso é um jogo que vai enganando a população, enquanto se vê o crescimento dos índices de violência. “Quem está se sentindo mais seguro com a polícia sem controle? Ninguém se sente seguro.”

Almeida afirmou que o ministério tem agido, apesar das limitações que a pasta enfrenta. “Nós temos acompanhado essas violações in loco, por meio da Ouvidoria Nacional de Direito Humanos, temos instado as autoridades de controle, tanto do Judiciário, como também do Ministério Público, para que ajam de acordo com a lei e tomem providência em relação a isso. E temos proposto também um diálogo com as polícias, para que nós possamos observar que isso que nós estamos fazendo não está nos levando a lugar nenhum”, respondeu.

Como providência do ministério, ele citou também a questão das câmaras de segurança. “É muito importante a regulamentação, ou seja, a ideia de que só haverá dinheiro do Fundo de Segurança Pública para a obtenção de câmeras se houver, de fato, uma observância na regulamentação que foi estabelecida. Nós estamos tentando fazer isso diante do pacto federativo, que nos impõe uma série de limitações também.”

Ele avalia que outras autoridades de controle precisam agir também em relação à violação de diretos do estado. “É urgente que o Ministério Público tome algum tipo de providência em relação a isso. É preciso urgentemente que haja um debate nacional sobre a relação dos direitos humanos e da segurança pública.”

“Se nós olharmos as normas de direitos humanos, as regulamentações, e o plano internacional, vamos ver que existe até mesmo a regulação para o uso da força, da força letal, por parte das polícias em situações que são justificáveis. Defender direitos humanos não é defender a leniência, não é defender a paralisia diante da criminalidade, não, pelo contrário. Nós sabemos que as milícias e as facções criminosas ameaçam os direitos humanos das populações que moram nas periferias, nos lugares mais longínquos do país. Então, é necessário, para que haja uma política de direitos humanos efetiva, que haja um enfrentamento da criminalidade organizada”, pontuou Almeida.

Ele acrescentou que tirar as formas de controle das polícias é fazer justamente o jogo do crime organizado, além de colocar em risco os próprios policiais. “Uma polícia descontrolada é tudo o que querem as milícias e as facções em termos de recrutamento de uma mão de obra que sabe matar. É importante dizer, essa falta de controle faz com que, não só os policiais matem, mas que eles morram. Quem defende essa falta de controle das polícias também está jogando contra a vida dos policiais, que são trabalhadores. Esses policiais todos estão também sofrendo com a saúde mental.”

A Baixada Santista foi alvo das Operações Escudo, no ano passado, e Verão, no início deste ano, realizadas pela PM. Com a justificativa de combate ao crime organizado, o governo do estado deflagrou essas grandes operações após policiais militares serem mortos na região.

A Operação Escudo, deflagrada após a morte do policial militar Patrick Bastos Reis, que foi baleado e morto em Guarujá, no dia 27 de julho de 2023, matou 28 pessoas no período de 40 dias, na Baixada Santista. Uma segunda Operação Escudo foi decretada em São Vicente em 8 de setembro, resultando em mais oito mortes, segundo divulgação do Instituto Sou da Paz.

Neste ano, quando as ações passaram a ser nomeadas de Operação Verão, 56 pessoas foram mortas por policiais militares na região, segundo nota da Secretaria de Segurança Pública (SSP). As mortes ocorreram em supostos confrontos com a polícia desde o dia 2 de fevereiro, quando o policial militar Samuel Wesley Cosmo foi morto em Santos, durante patrulhamento. Na ocasião, a SSP informou que as polícias civil e militar se mobilizaram para localizar e prender os envolvidos no crime contra Cosmo.

Resultados

Levantamento realizado pelo Instituto Sou da Paz, a partir da análise de dados da SSP, mostrou que as operações deflagradas pela Polícia Militar na Baixada Santista, no ano passado, não resultaram em avanços na redução da criminalidade violenta, colocaram a vida de policiais em risco, além de violar direitos das populações periféricas da região.

Com base nos indicadores criminais na região nos meses de agosto e setembro de 2023, os dados demonstraram que as operações foram marcadas pela baixa eficiência, alta letalidade policial, crescimento de infrações ligadas ao crime organizado, como roubo de cargas, e a incapacidade do policiamento nas ruas para evitar crimes como furtos, roubos e agressões.

Ministério destina R$ 8,5 milhões em ações para população LGBTQIA+| Agência Brasil

O Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania detalhou, na tarde deste sábado (1º), programas e projetos da Secretaria Nacional dos Direitos das Pessoas LGBTQIA+, em cumprimento ao Plano Plurianual (PPA) 2024-2027. Ao todo, são três iniciativas com investimento de mais de R$ 8,5 milhões para os anos de 2023 e 2024.

O ministro Silvio Almeida, que estava presente, afirmou que essa é uma das causas fundamentais do povo brasileiro. “Então se trata aqui de fazer aquilo que nós temos que fazer, não só como dever moral, mas também porque nos exige a Constituição brasileira, nos exigem as leis, que é dar dignidade, respeitar as pessoas e promover a cidadania. Esse é o papel de quem governa e do Estado”, disse.

“A comunidade LGBTQIA+, no Brasil, vem sendo historicamente esquecida, abandonada, discriminada e, portanto, é dever de todo e qualquer gestor público fazer aquilo que nós estamos, por dever, fazendo. Quem não faz é que está errado”, acrescentou o ministro.

O evento, que faz parte das ações da semana em alusão ao Mês do Orgulho LGBTQIA+, ocorreu no prédio da Fundacentro, na capital paulista, e teve a presença da secretária nacional dos Direitos das Pessoas LGBTQIA+, Symmy Larrat, e do presidente da Fundacentro, Pedro Tourinho de Siqueira, além de representantes do Ministério do Trabalho e de alguns estados.

“São políticas que versam sobre duas questões fundamentais para todo qualquer brasileiro. São políticas de trabalho, emprego e renda e políticas de segurança”, ressaltou o ministro. “Estamos falando, portanto, de políticas para pessoas que têm dificuldades em obtenção de trabalho, de emprego e renda, e quando estão lá, têm dificuldade de permanecer, porque são vítimas constantes de violência. E estamos falando de pessoas que estão tendo o tempo todo a sua vida ameaçada” acrescentou.

Entre as ações apresentadas, está o repasse de R$ 1,4 milhão, no final de maio, para 12 casas administradas pela sociedade civil que integram o Programa Nacional de Fortalecimento das Casas de Acolhimento LGBTQIA+ (Acolher+), contemplando as atividades alusivas ao Dia Nacional de Enfrentamento à Violência contra Pessoas LGBTQIA+, em 17 de maio. A iniciativa, criada em dezembro do ano passado, pretende reduzir os riscos a que as pessoas em situação de rua estão submetidas. A receita foi de mais de R$ 2,5 milhões.

Há também o projeto-piloto de trabalho digno e geração de renda voltado a pessoas LGBTQIA+ (Empodera+), incluindo preparação e ocupação no mercado de trabalho e visando à autonomia econômica e financeira. Para a execução do projeto, foram assinados na última quinta-feira (31) parcerias com a Fundação Jorge Duprat Figueiredo de Segurança e Medicina do Trabalho (Fundacentro) e o Banco do Brasil. Os recursos específicos para o projeto são de mais de R$ 4,4 milhões. Inicialmente, o Empodera+ será implementado nos estados do Pará, Maranhão, Espírito Santo, Ceará e Rio Grande do Sul.

O ministério apresentou ainda o Programa Nacional de Enfrentamento à Violência e de Promoção de Direitos Humanos nos territórios do Campo, das Águas e das Florestas (Bem Viver+), destinado a pessoas LGBTQIA+ camponesas, agricultoras familiares, assentadas, ribeirinhas, caiçaras, extrativistas, pescadoras, indígenas e quilombolas. O programa, com R$ 1,6 milhão em recursos, pretende promover a formação de defensores de direitos humanos em territórios não urbanos, buscando identificar as necessidades de cada grupo. A primeira visita do projeto está prevista à população indígena de Mato Grosso do Sul. Nos locais visitados, haverá escuta, oficinas e identificação de estratégias de autoproteção, além de promover a conexão da população LGBTQIA+ à rede de atendimento local.

Mineração: MAB quer comunidades protegidas em novo mapa geológico

O Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) quer que as comunidades tradicionais sejam identificados em mapas produzidos pelo Serviço Geológico do Brasil (SGB), órgão vinculado ao Ministério de Minas e Energia (MME). A reivindicação será apresentada em consulta pública que está aberta desde o dia 15 de abril. O SGB colhe contribuições para a construção do Plano Decenal de Mapeamento Geológico Básico (PlanGeo) 2025-2034.

O prazo para participação, de 60 dias, se encerrará no próximo mês. De acordo com o órgão, a consulta busca promover um diálogo transparente e democrático sobre o futuro do mapeamento geológico. Representantes das empresas do setor mineral, especialistas, pesquisadores e organizações sociais podem opinar sobre as áreas que devem ser priorizadas pelas pesquisas do SGB, com foco nos minerais críticos e estratégicos para a transição energética.

Por meio do mapeamento geológico, são identificadas as rochas presentes em determinada área, além de outras características geológicas. Na mineração, esse é um trabalho crucial para verificar a existência de algum bem mineral de interesse econômico e a viabilidade da extração. As informações levantadas permitem apontar os locais mais favoráveis para a atuação das empresas do setor.

O PlanGeo 2025-2034 será um guia para o processo de exploração mineral do país. Ele reunirá dados que poderão servir de subsídio para a formulação de políticas públicas envolvendo a mineração e auxiliar o setor no direcionamento de investimentos em pesquisas exploratórias.

O SGB realizou uma pré-seleção de 60 áreas, entre províncias minerais, distritos mineiros e novas fronteiras do conhecimento geológico. Os participantes da consulta pública poderão indicar aquelas que consideram prioritárias. Além disso, podem propor novas áreas e também linhas de atuação para o mapeamento geológico.

Segundo o advogado Artur Colito, membro do coletivo de direitos humanos do MAB, a mineração no Brasil tem um histórico de violações de direitos humanos a comunidades tradicionais e por isso é importante destacar suas localizações nos mapas geológicos. Ele faz menção à Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT). O tratado, do qual o Brasil é signatário, entrou em vigor em 1991 e garante aos povos tradicionais o direito à consulta prévia, livre e informada todas as vezes que qualquer medida legislativa ou administrativa for suscetível de afetá-los diretamente. Isso vale para indígenas, quilombolas, ribeirinhos, caiçaras, ciganos, entre outros.

Para fazer valer seus direitos, muitas comunidades passaram a construir seus protocolos de Consulta. Trata-se de instrumento que estabelece de que forma elas querem ser consultadas. Colito afirma que a Declaração dos Direitos dos Camponeses, aprovada na Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU) em 2018, também estendeu o direito aos camponeses.

“É importante reconhecer os povos e comunidades tradicionais que estejam também em processo de certificação ou elaboração de seu Protocolo de Consulta. No Vale do Jequitinhonha e no Vale do Rio Pardo, vários projetos de mineração, em especial do lítio e ferro, tem avançado desrespeitando essas questões fundamentais. Não há desenvolvimento sustentável, não há negócios verdes, planejamentos ecológicos que deixem de lado questões assim”, afirmou à Agência Brasil.

Em março, quando o governo federal anunciou a construção do PlanGeo 2025-2034, o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, destacou a importância do conhecimento geológico para os projetos de transição energética. “Esse planejamento vai permitir que a mineração do país saiba para onde está indo. Com esse mapeamento, seremos capazes de aproveitar o solo de forma mais eficiente e produtiva”, disse.