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Caminhada em São Paulo homenagea vítimas da ditadura

Os 60 anos do golpe que instaurou a ditadura militar no Brasil serão lembrados pela Caminhada do Silêncio pelas Vítimas da Violência de Estado, que ocorrerá no domingo (31) na zona sul paulistana.

Esta será a quarta edição do evento em São Paulo que se relaciona com as caminhadas que ocorrem em outros países que passaram por regimes autoritários no mesmo período, como a Argentina e o Uruguai.

“Muito inspirado por essas outras caminhadas que a gente passou a fazer aqui no Brasil também, e esse ano a gente não tem só em São Paulo, mas também no Rio de Janeiro”, disse o coordenador do Instituto Vladmir Herzog, Lucas Barbosa.

Além do instituto, participam da organização do ato o Movimento Vozes do Silêncio, o Núcleo de Preservação da Memória Política e a Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Cidadania de São Paulo.

Trajeto

A caminhada sairá do local onde funcionou o Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-Codi), na Rua Tutóia, um dos principais locais responsáveis pela tortura e assassinato dos opositores à ditadura.

A concentração será às 16h e deve reunir pelo menos 10 organizações, como a União Nacional dos Estudantes, a Ordem dos Advogados do Brasil – São Paulo, a Comissão Arns e a Anistia Internacional. Por volta das 18h, o grupo segue em direção ao Monumento em Homenagem aos Mortos e Desaparecidos Políticos, no Parque Ibirapuera.

Na avaliação de Barbosa, a discussão do passado é necessária, para evitar que os crimes contra a humanidade, contra a democracia voltem a se repetir. “Por que aconteceu o 8 de janeiro?”, questiona. “Pela certeza da impunidade. Quando certas figuras das forças armadas, não vou dizer que a totalidade das forças armadas, mas quando certas figuras se permitem, digamos assim, sentar à mesa para discutir um plano golpista de ataque à democracia, é senão a certeza da impunidade, de que nada vai ser feito, de que nada vai acontecer”, compara.

Por entender essa relação é que, segundo Barbosa, a caminhada também faz homenagem às populações periféricas, que seguem sofrendo com a violência policial.

“Não é somente olhar para o passado, mas é entender que o passado reflete diretamente, quando não articulado, quando não encarado da maneira adequada, ele reflete diretamente no presente. Então, acho que vítimas de violência do Estado hoje, por exemplo, como as chacinas, é senão um reflexo de uma polícia truculenta do passado, e que nunca foi responsabilizada até hoje.”

Apesar de indícios de racha, estrutura do PCC já está consolidada

 Uma série de mortes violentas ocorridas nos últimos meses causadas por disputas internas entre lideranças da facção criminosa Primeiro Comando da Capital (PCC) tem mostrado que o grupo pode estar caminhando para uma inédita divisão. No entanto, apesar dos indícios do “racha”, a estrutura e a cultura criminal já criada pela facção estão consolidadas e deixam pouco espaço para o surgimento de um grupo concorrente.

A avaliação é do pesquisador da Universidade de São Paulo (USP), escritor e jornalista Bruno Paes Manso, entrevistado pela Agência Brasil. “Parece que se produziu uma nova cultura da carreira criminal. E eu não sei se haveria espaço para um PCC do B, por exemplo, inventar uma nova estrutura, porque parece que é uma cultura criminal já consolidada no estado”, disse.

Contudo, o pesquisador faz uma ressalva sobre a dificuldade de fazer previsões precisas no mundo do crime: “é uma casca de banana, porque pode acontecer alguma coisa imprevisível e o castelo de cartas desmoronar. É sempre muito difícil você trabalhar com essa imprevisibilidade.”

Na entrevista, o estudioso, que pesquisa há mais de 20 anos temas ligados à violência, avaliou também a atuação da polícia paulista na Baixada Santista, nas operações Verão e Escudo, que resultaram, em 50 mortes de civis até o último dia 22, em supostos confrontos com agentes da corporação.

Na última segunda-feira (25), a Ouvidoria de Polícia do Estado de São Paulo divulgou na última segunda-feira (25) um relatório em que denuncia 11 casos em que a Polícia Militar (PM) teria feito execuções na Baixada Santista.

Bruno Paes Manso é pesquisador do Núcleo de Estudo da Violência da USP (NEV-USP) e vencedor do Prêmio Jabuti em 2011, com o livro A República das Milícias. Ele também é autor de A Fé e o Fuzil: Crime e Religião no Brasil do século 21, publicado em 2023.

Confira trechos da entrevista exclusiva que o pesquisador Bruno Paes Manso concedeu à Agência Brasil.

Agência Brasil: Nos últimos meses, atritos envolvendo lideranças da principal facção criminosa do estado, o Primeiro Comando da Capital (PCC), tornaram-se públicos. Uma série de assassinatos tem ocorrido envolvendo membros da cúpula da facção. Você avalia que a divisão do grupo está se aproximando e, consequentemente, o fim da hegemonia que ele tem no mundo do crime em São Paulo?

Bruno Paes Manso: Eu acho que a estratégia do Ministério Público [de São Paulo], mandando os chefes do PCC para os presídios federais, era essa [tentar dividir o grupo]. Até inspirada nas estratégias italianas contra a máfia. Eles pensavam em isolar essas lideranças, como aconteceu por lá, para que, a partir do isolamento, houvesse esse racha, esse estremecimento entre as lideranças. Foi assim que os promotores na Itália conseguiram fragilizar a máfia, a partir das disputas internas dentro dela. E essa sempre foi a estratégia do Ministério Público.

Houve essas mortes envolvendo pessoas da cúpula. De fato, o Ministério Público tem mostrado esses dados, existe um abalo. [Há] três pessoas da liderança batendo de frente, em possível confronto com Marcola [Marcos Willians Herbas Camacho, apontado como uma das principais lideranças do PCC]. Isso vem acontecendo e esse fato tem se mostrado a partir dos indícios colhidos pelo Ministério Público.

Mas, por outro lado, nesses 30 anos do PCC na rua, ele já criou uma estrutura que muitas vezes acaba andando sozinha. A organização nas comunidades, dentro das prisões, ela, de alguma forma, é aceita e abraçada porque ela permite que os que participam dessa carreira criminal ganhem mais dinheiro, tenham menos confronto, e atuem de uma forma mais profissional no crime, que é o grande ganho que o PCC trouxe para a carreira criminal em São Paulo e, de alguma forma, no Brasil.

Então, é uma coisa que eu fico me perguntando: até que ponto o conflito entre alguns nomes vai abalar essa estrutura que está funcionando e está permitindo o crime ganhar mais dinheiro e ser muito mais lucrativo?

Essas mortes já estão acontecendo faz tempo, só que a estrutura burocrática e a forma de organizar o crime que o PCC criou segue acontecendo. Então, a gente vê, em 2023, os homicídios em São Paulo caíram, apesar desse estremecimento já ocorrer há muito tempo.

Parece também que se produziu uma nova cultura da carreira criminal. E eu não sei se haveria espaço para um PCC do B, por exemplo, inventar uma nova estrutura, porque parece que é uma cultura criminal já consolidada no estado.

Mas jornalista, pesquisador sempre que tenta prever o futuro acaba tropeçando. É uma casca de banana, porque pode acontecer alguma coisa imprevisível e o castelo de cartas desmoronar. É sempre muito difícil você trabalhar com essa imprevisibilidade, com as diversas variáveis possíveis de acontecer no futuro. Mas, a partir do que a gente tem visto, eu acho que é uma estrutura relativamente bem consolidada.

Bruno Paes Manso é pesquisador do Núcleo de Estudos da Violência (NEV) da USP – Paulo Pinto/Agência Brasil

Agência Brasil: Atualmente, o estado de São Paulo tem um índice geral de assassinatos relativamente baixo. E muito se daria pela não existência de guerras de facções no estado, porque o PCC é hegemônico. Não há uma disputa pelo mercado das drogas, por exemplo. Essa estratégia de tentar dividir esse grupo criminoso não poderia acarretar no fim desse cenário estável?

Bruno Paes Manso: Eu acho que sim, é um risco. E eu acho que realmente São Paulo vivia, há 20 anos, uma situação muito dramática com as mortes que aconteciam nas periferias. Eu cobri esses casos, acompanhei essas histórias, e é um passado ao qual a gente não deve querer voltar ou aceitar voltar de forma alguma.

Esse risco me parece que existe e me parece que a gente deve prestar muita atenção. Caso dois grandes grupos passem a disputar mercado e território, seria uma tragédia, muitas pessoas inocentes perderiam a vida por causa disso também. Porque nas disputas entre grupos criminais, muitas vezes, acaba sobrando para quem convive perto dessas pessoas. E é algo que a gente não deve aceitar.

Mas me parece que o Ministério Público, ao mesmo tempo, está muito atento e receoso, em razão do crescimento do PCC econômico e político e da crescente capacidade do PCC de entrar na economia formal com novas empresas, e na política, a partir da lavagem de dinheiro, da construção de empresas formais e do financiamento de campanhas, principalmente municipais, nas câmaras de vereadores e de prefeito.

Então é uma leitura do Ministério Público de que a gente está vivendo um processo de máfia, caminhando no sentido do que as máfias italianas viraram, com muita influência política, muita influência econômica, com capacidade grande de comprar autoridades, de conquistar votos e de influenciar a política e as decisões da elite em São Paulo.

Essa é a preocupação do Ministério Público, que enxerga a disputa na cúpula como uma estratégia de fragilizar economicamente esse grupo. É uma das apostas. Mas, de fato, caso haja confronto e caso ganhe uma dimensão de guerra e de choque entre duas grandes facções, isso pode ser trágico. Mas eu acho que eles trabalham mais com essa ideia de fragilizar economicamente esses grupos que estão cada vez mais fortes.

Agência Brasil: Nos Estados Unidos, nas primeiras décadas do século 20, os mafiosos passaram a investir os recursos obtidos ilicitamente na compra de negócios legais, empresas regulares. Você vê algo parecido ocorrendo no crime organizado aqui no Brasil?

Bruno Paes Manso: Sim, se vê algo parecido, mais em São Paulo do que no Rio de Janeiro. É curioso porque o PCC soube gerir o negócio voltado para o mercado atacadista de drogas e entrou num dinheiro grosso, nas divisas da fronteira da América do Sul, acessando os mercados produtores, atuando na distribuição de drogas para outros continentes, fazendo contato com máfias internacionais, colocando droga nos diversos continentes do mundo, recebendo em dólar um lucro muito mais elevado do que recebia quando atuava no varejo.

O varejo, além de dar pouco dinheiro, os custos são muito altos, pela corrupção policial, pelos conflitos muitas vezes que acontecem. Já no atacado, você entra no dinheiro grosso, no mercado de armas, é uma outra escala.

E isso fez com que o PCC tivesse muito mais dinheiro e ganhasse muito mais do que antes. O Ministério Público hoje estima que o faturamento do PCC é de um bilhão de dólares. É um dos grupos hoje mais rentáveis, que conseguem gerar mais dinheiro. Isso sem contar o dinheiro avulso dos seus filiados, porque esse é o dinheiro do PCC, como estrutura pessoa jurídica. Você ainda tem uma estrutura muito horizontal, que cada um tem sua própria receita e orçamento, que não se contabiliza como sendo do PCC.

Então esse mercado é bilionário. E esse dinheiro começa a entrar na economia. Aqui em São Paulo já existem apurações do Ministério Público e da polícia que identificam uma importante fatia do transporte público em São Paulo sendo feito por empresas ligadas ao PCC. Você tem boa parte dos passageiros em São Paulo sendo transportados por empresas suspeitas.

Existem hoje fintechs sendo criadas para lavar dinheiro do PCC, criptomoedas, fundos de investimento privados na área da construção civil, além dos postos de gasolina, das adegas, das padarias e das próprias igrejas, que também apareceram como um meio de lavar dinheiro pelo segundo homem do PCC que é o Colorido [Valdeci Alves dos Santos].

Então você já tem um ingresso desse dinheiro grosso movimentando a economia e a política no Brasil e, principalmente, a partir de São Paulo. Porque não é mais o traficante que está lavando dinheiro. Esse dinheiro do tráfico já se desdobrou em empresas, agora é um empresário que tem essa influência e você perdeu a origem ilegal do dinheiro. Então a coisa fica muito mais complexa.

Agência Brasil: Como você está vendo essa situação da violência no litoral paulista, especialmente na Baixada Santista? O que pode explicar essa quantidade de mortes, de civis e de policiais?

Bruno Paes Manso: Eu acho que em Santos, assim como aconteceu outras vezes, é difícil saber, mas começou com a morte de um policial, o assassinato de um policial por alguém do PCC. Eu não sei qual foi o motivo, se foi algum motivo estratégico ou foi uma eventualidade. Me parece mais uma eventualidade que não costuma acontecer, porque realmente a morte de um policial costuma ter consequências pesadas.

Mas o fato é que esse policial da Rota morreu e deu início a essa Operação Escudo, dando uma resposta tradicional à forma de agir da polícia, que desde os anos 1960 costuma responder à morte de um policial com vingança. E é muito dramático quando um policial morre, ou quando um político morre, ou quando um juiz morre, ou quando um promotor morre, ou quando um jornalista morre, porque não é só o indivíduo que está sendo atacado, mas é o próprio cargo que ele representa.

Então a morte de uma figura como um policial, como um promotor ou como um juiz realmente é grave, porque é um atentado contra a própria instituição, contra a própria justiça. Então deve-se prestar muita atenção a esse tipo de violência. Só que, tradicionalmente, você tem uma história relacionada a isso, os policiais ficam emocionados e respondem de uma forma tradicional e equivocada, que é pela vingança.

Os esquadrões da morte no Brasil, em São Paulo e no Rio de Janeiro, formaram-se a partir de uma vingança. No Rio de Janeiro morreu o [detetive da polícia] Milton Le Cocq e os policiais prometeram matar dez bandidos para cada policial morto. Em São Paulo, em 1968, quem morreu foi o [investigador da polícia] Davi Parré, que também era um policial civil, e que, depois da morte dele, os policiais juraram se vingar com dez bandidos mortos para cada policial.

Isso tudo foi manchete de jornal, na época. Jornais mais sensacionalistas publicavam esse tipo de bravata. E isso continuou. Em 2006, a gente acompanhou na época dos atentados, mais de 50 policiais morreram, uma situação dramática, muito revoltante. Mas, na sequência, os policiais partiram para as quebradas e, ao longo de nove dias, morreram mais de 900 pessoas. Os chamados Crimes de Maio. Crimes brutais, crimes que nunca foram investigados, que resultaram, inclusive, nas Mães de Maio, um grupo de mães que se juntaram para cobrar a investigação da morte dos seus filhos.

Uma delas eu conheci mais de perto, que era a Vera, ela perdeu a filha grávida, na véspera da menina dar a luz à neta dela. A filha da Vera estava grávida de nove meses, morreu assassinada. Ela e a neta da Vera, a filha dela, junto com o genro. Os três morreram.

Os policiais ameaçaram ela durante o velório. Ela não pôde nem chorar a morte da filha direito. Ela continuou na luta. Os policiais continuaram ameaçando ela. Ela foi presa em flagrante com drogas pelos próprios policiais que ela acusava.

Ela dizia que a droga não era dela, não deram bola para isso, ela ficou três anos presa, dizendo para os familiares dela não irem visitá-la, porque ela tinha medo de também arrumarem um flagrante para eles.

Ficou sozinha na prisão, depois de ter os três parentes mortos, e saiu da prisão. Morreu de depressão em cima da cama, abraçada na foto da filha. Uma história terrível em decorrência dessa vingança. A gente, muitas vezes, não enxerga o peso e a covardia que isso representa.

E é o que está acontecendo [agora]. Você vê, a Operação Escudo, 28 pessoas [mortas] na primeira operação [da polícia]. Acontece a operação, diversas denúncias de violência, pessoas que trabalham, gritos de outros que pedem socorro dentro do barraco. Morre um outro policial e aí tem uma nova operação, mais 30 pessoas mortas. A segunda operação mais letal depois do massacre do Carandiru, que, em vez de produzir ordem, só promove desordem.

Em vez de levar à situação de tranquilidade, só leva intranquilidade para esses lugares. Ou seja, em vez de ser uma solução, é gasolina na fogueira. Então é um erro que se repete, de pessoas que conhecem muito pouco segurança pública e agem muito mais com o fígado do que com a cabeça. É um problema do qual a gente tem dificuldade de se livrar.

Agência Brasil: A polícia de São Paulo, nos últimos anos, estava conseguindo controlar sua letalidade. O que aconteceu agora para ela voltar a subir, caminhou-se para trás?

Bruno Paes Manso: A polícia de São Paulo vinha reduzindo a letalidade. Nos últimos dois anos tinha reduzido bastante a letalidade e a partir do compromisso de oficiais com a redução dos casos. Foi criada uma comissão de letalidade que discutia os casos envolvendo mortes de suspeitos.

Além disso, foram instaladas as câmeras nos uniformes e promovido o aprimoramento dessa técnica. O coronel Alencar [Fernando Alencar de Medeiros], responsável por esse programa, hoje é chefe da Guarda Nacional, é um oficial muito respeitado, tecnicamente muito respeitado.

Mas, com o crescimento do populismo aqui em São Paulo, entrou para a Secretaria de Segurança o capitão [Guilherme] Derrite, que era um tenente na época, muito frustrado ao longo de sua carreira por ter sido punido em decorrência dos diversos confrontos do qual ele participou. Uma pessoa idealista, você vê, muito apaixonado pela história da Rota [Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar], mas pela Rota dos anos 80.

Pela Rota que ele enxergava como um grupo de super-heróis, um garotão deslumbrado com a situação e que entrou na polícia meio cativado por esse sonho, mas que, por causa desse perfil, acabou sendo punido diversas vezes na polícia.

E agora ele assume a Secretaria de Segurança indicado por um bolsonarista, pelo filho do Jair Bolsonaro, o Eduardo Bolsonaro, e aproveita para se vingar desses coronéis que estavam realmente retomando o controle da corporação.

E aí a Operação Verão e a Operação Escudo são duas das políticas equivocadas que ele lança mão. Além de sabotar o plano das câmeras de segurança, que agora o governo federal tenta espalhar para o resto do Brasil, porque consegue bons resultados na redução de letalidade.

Hoje, uma polícia que mata muito é uma polícia que tem poder sobre a vida e a morte das pessoas. Como o crime hoje tem uma capacidade incomensurável de corromper agentes públicos, você corromper alguém que pode matar e que tem carta branca para matar, é um capital que eles buscam muito fortemente. Não é à toa que as milícias estão se espalhando pelos diversos estados brasileiros.

Então, retomar o controle da polícia pelo controle da letalidade é um caminho fundamental e que São Paulo vem deixando de lado.

Outro lado

Ouvida, a Secretaria de Segurança Pública (SSP) disse, em nota, que as forças de segurança de São Paulo são instituições de Estado que atuam de acordo com o seu dever constitucional, “respeitando rígidos protocolos operacionais e sem compactuar com excessos, indisciplina ou desvios de conduta”.

A pasta disse também que desde o início da atual gestão tem havido redução nos crimes de roubo, homicídios dolosos, e aumento da produtividade policial. Sobre as mortes na Baixada Santista, a SSP disse que “o confronto não é uma escolha dos policiais, mas uma violenta ação dos criminosos em reação às operações de combate ao crime organizado”.

“O compromisso das forças de segurança é com a preservação da vida, por isso medidas para reduzir as mortes em confronto são permanentemente avaliadas e adotadas”.

A secretaria afirmou ainda que a atual gestão tem investido em treinamento do efetivo, aquisição de equipamentos não letais e tem tomado iniciativas voltadas ao aperfeiçoamento dos agentes de segurança, inclusive com o uso do método Giraldi. 

“Somado a isso, o programa  de câmeras corporais  segue em operação, inclusive está em andamento uma licitação para a contratação de mais três mil dispositivos para serem acoplados às viaturas. Atualmente, 10.125 câmeras corporais estão disponíveis, abrangendo 52% dos policiais do território paulista”.

Justiça determina saída de invasores de terra indígena no Pará

A Justiça Federal determinou a retirada de invasores da Terra Indígena (TI) Alto Rio Guamá, no nordeste do Pará. No ano passado, a terra indígena já havia passado por uma operação de desintrusão, mas líderes locais relataram que cerca de 20 famílias, que tinham saído de lá reinvadiram a área no último domingo (24).

A decisão que obriga a saída dos invasores foi tomada na terça-feira (26), acolhendo pedido do Ministério Público Federal (MPF).

A TI Alto Rio Guamá é habitada pelos povos Tembé, Timbira, Urubu-Kaapór e Guajajara. A sentença que obrigou a saída de não indígenas da TI é de 2014. Segundo o MPF, no início deste ano, começaram a circular informações falsas de que os não indígenas poderiam reinvadir a TI Alto Rio Guamá. No último fim de semana, foi novamente invadida a região conhecida como Vila Pepino, no município paraense de Nova Esperança do Piriá.

“A TI Alto Rio Guamá foi reconhecida como território indígena em 1945 e homologada em 1993. O território é de usufruto exclusivo dos povos Tembé, Ka’apor e Timbira. No entanto, não indígenas já indenizados, ou que invadiram a área após o processo de homologação, insistiam em permanecer irregularmente no território, o que motivou a operação de desintrusão em 2023”, disse o MPF.

Na decisão, a juíza federal Mariana Garcia Cunha determinou que a intimação dos não indígenas deve ser feita pela Força Nacional de Segurança Pública (FNSP), com apoio operacional da Polícia Federal (PF). Além disso, a juíza ordenou que a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) tome medidas imediatas para garantir a proteção territorial.

Mariana Cunha determinou ainda a apresentação de um cronograma de ações institucionais, com previsão de prazos, providências, agentes e recursos destinados à proteção territorial e à consolidação da retirada de não indígenas.

A juíza ordenou ainda que a Funai designe servidores para mediar a identificação e comunicação com os indígenas, garantindo toda a assistência para o acolhimento e direcionamento dessas populações, e mediar eventuais conflitos entre eles e os órgãos envolvidos na operação. Foi determinado também o monitoramento e ações de presença no interior da terra indígena após a realização da desintrusão, de modo a identificar possível retorno de invasores e posseiros.

A Funai deverá ainda solicitar ao Judiciário o perdimento do gado encontrado na terra indígena e disponibilizar os meios necessários para a retirada de invasores e posseiros. Todas as decisões terão que ser realizadas mediante consulta prévia, livre e informada aos povos indígenas.

Caberá ao Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) cumprir as responsabilidades assumidas no Plano Integrado de Desintrusão da TI, entre as quais, o oferecimento de cestas básicas e a realização do cadastramento e seleção das famílias não indígenas que poderão ser assentadas. O Incra terá também que identificar áreas onde poderão ser assentadas as famílias, disponibilizar apoio logístico e prever a liberação de crédito para instalação delas.

Na sentença, a magistrada estabeleceu deu 10 dias para que tanto a Funai quanto o Incra apresentem as informações e ações que devem ser postas em prática.

“Cabe à Funai evitar novas invasões e agir para repeli-las e cabe ao Incra possibilitar a participação dos antigos invasores no programa de reforma agrária. No caso, não se observa a atuação da Funai, visto que a invasões retornaram. Tampouco o Incra cumpriu sua responsabilidade, pois não concluiu o processo de alocação dessas pessoas no programa de reforma agrária, o que teria atenuado o conflito no local, considerando que os atuais invasores já eram ocupantes da área e dependem da terra para garantia do sustento, precisando de outro local para que possam trabalhar”, enfatizou a juíza Mariana Cunha.

Recomendações

O MPF pediu informações à Funai e ao Ministério dos Povos Indígenas sobre as providências tomadas de imediato para conter a situação e solicitou a apresentação de um plano de proteção e consolidação da desintrusão do território indígena, além de ter feito recomendações ao governo do Pará.

Ao governador Helder Barbalho e ao secretário de Segurança do estado, Ualame Machado, foi pedido que requeiram a permanência da Força Nacional de Segurança Pública na área, sob a coordenação da Funai e da Superintendência da Polícia Federal no Pará.

“Pelo período mínimo de 180 dias, sob revisão periódica, para garantir a vida, integridade e segurança das comunidades indígenas da TI Alto Rio Guamá, nas atividades e nos serviços imprescindíveis à preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, em caráter episódico e planejado, de modo a evitar situações de violências e obstar os riscos de reocupações do território tradicional”, recomendou o MPF.

Em nota, o Incra disse à Agência Brasil que, em 2023,  pesquisou e disponibilizou aos órgãos envolvidos informações sobre a terra indígena e seu entorno, tais como: assentamentos de reforma agrária; glebas públicas federais; processos minerários; parcelas de regularização fundiária; imóveis privados certificados; Cadastro Ambiental Rural; pontos de aldeias indígenas; malha rodoviária; hidrografia; ramais de acesso; pontos de escolas públicas; embargos ambientais e uso do solo a partir da plataforma Mapbiomas. Segundo o órgão , tais informações auxiliaram na elaboração do plano de desintrusão.

“O Incra pretende aproveitar eventuais lotes vagos em assentamentos do entorno para as famílias aptas ao Programa Nacional de Reforma Agrária”, informou o instituto. Segundo o Incra, a seleção das famílias para ingresso no plano é um processo composto por fases distintas, que da identificação e estudo de áreas até a publicação de editais com prazos de inscrição, processamento das inscrições, recursos, classificação e homologação.

Funai

Em nota, a Funai informou que, após a desintrusão, em julho do ano passado, foi deflagrada a Etapa de Manutenção, sob sua coordenação e com apoio da Força Nacional, com ações permanentes de monitoramento territorial. Essa etapa incluiu ações voltadas ao desfazimento de estruturas remanescentes de ocupações irregulares, com condução de invasores, apreensão de armamentos e apetrechos usados por invasores para práticas ilegais de caça e coleta.

Segundo a Funai, foram instaladas porteiras para evitar a entrada de invasores e placas para identificação de limites da TI.

Especificamente sobre a invasão nas regiões do Pepino e Pedão, nos dias 24 e 25 deste mês, a nota diz que a equipe da Funai que está no local atuou, junto ao efetivo da Força Nacional, “qualificando a situação e mediando contato com invasores”.

“A Coordenação de Fiscalização da Funai articulou reunião conjunta para alinhamento das medidas a serem adotadas pelo Ministério dos Povos Indígenas, pela Polícia Federal, Força Nacional de Segurança Pública e Funai. Foi estabelecido um planejamento para cumprimento da sentença. Na data de hoje (28), um dos pontos invadidos (Pedão) já havia sido desocupado voluntariamente,” concluiu.

A Agência Brasil também entrou em contato com o Ministério dos Povos Indígenas, mas ainda não obteve retorno.

Pesquisa aponta redução de ataques a jornalistas em 2023

No dia 8 de janeiro do ano passado, a jornalista Marina Dias, do The Washington Post (EUA), viveu em pesadelo. Na cobertura dos ataques antidemocráticos naquela data, em Brasília, ela foi insultada e agredida. Ela sofreu rasteira, jogada no chão e continuou sofrendo violência até que um militar a ajudasse. “As pessoas me agrediram mesmo depois de ser escoltada por um militar”, recorda.

De ofensas a violências físicas, jornalistas no Brasil foram vítimas de 330 ataques durante o ano de 2023, segundo levantamento da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji), divulgado nesta terça (26). O número é 40,7% menor do que o ano anterior, quando foram registrados 557 casos.

Segundo avalia a entidade, os principais ataques ocorridos no ano passado tiveram relação aos episódios de 8 de janeiro, como foi o caso de Marina Dias, que, inclusive, participou da divulgação do levantamento.  Segundo explicou a pesquisadora Rafaela Sinderski, da Abraji, profissionais da imprensa foram atacados durante esses atos e também sofreram agressões físicas. “Tiveram seus equipamentos destruídos, foram perseguidos e intimidados. Isso se refletiu nos nossos dados”, exemplificou.

Agressões graves

Por outro lado, a queda do número de violências em 2023, segundo avaliou a entidade, tem relação com a alteração do cenário político e fim do mandato do então presidente Jair Bolsonaro. Conforme a pesquisadora, o mapeamento contabilizou que 38,2% dos casos registrados foram considerados episódios de violência grave. “São agressões físicas, ameaças de morte, de perseguição, de violência física”, exemplifica a pesquisadora.

Outro tipo de violência, os discursos estigmatizantes, representou 47,2% dos casos. “São ofensas verbais e casos de campanhas de descredibilização de jornalistas, de meios de comunicação e da empresa com questões sociais e questões mais amplas”, apontou.

Segundo a pesquisa 55,7% dos casos registrados em 2023 tiveram como agressores agentes estatais, que são funcionários públicos ou agentes políticos em mandato. “Isso é muito preocupante e grave. Principalmente quando são agentes políticos eleitos”.

Violência de gênero

A pesquisa trouxe também que 52,1% dos ataques tiveram origem ou repercussão na internet. “É muito forte atacar a imprensa e jornalistas, principalmente quando são mulheres. As jornalistas sofrem muita violência online com discursos estigmatizantes nas redes sociais”.

O Distrito Federal foi o lugar que mais houve violência contra jornalistas em 2023. “Foram registrados 82 ataques explícitos de gênero ou agressões contra mulheres jornalistas. E o que a gente entende por ataques explícitos de gênero”, afirmou a pesquisadora. A entidade considera o número preocupante, mesmo havendo uma queda de 43,4% em relação a 2022. Esses ataques usam, por exemplo, questões ligadas à identidade de gênero, à sexualidade e à orientação sexual para atacar jornalistas.

Outras tendências, segundo a Abraji, se fortaleceram no último período analisado, como o aumento dos processos judiciais civis ou penais com o intuito de silenciar jornalistas, que chegaram a 7,9% do total de agressões, e o crescimento de agressões graves registradas na categoria de “agressões e ataques”.

Recomendações

A partir do que foi coletado, a Abraji recomendou que os os poderes públicos reforcem políticas de proteção a jornalistas e comunicadores vítimas de ataques em razão do exercício da profissão.

A entidade apontou que as plataformas de redes sociais devem desenvolver mecanismos para enfrentar a violência online que afeta jornalistas.

Às empresas jornalísticas, a associação pediu que sejam adotadas medidas de formação, prevenção e proteção para seus profissionais. Aos jornalistas, ficou a recomendação que não deixem de denunciar a agressões sofridas no exercício da profissão.

Salvador tem pior taxa de homicídio juvenil entre capitais brasileiras

Salvador tem a pior taxa de homicídio de jovens entre 15 e 29 anos de idade entre todas as capitais brasileiras, com 322,5 mortes a cada 100 mil habitantes. No outro extremo aparece São Paulo, onde morrem cerca de 7,76 jovens dessa faixa etária a cada grupo de 100 mil habitantes. Os dados, que mostram grande desigualdade entre as capitais brasileiras, estão no Mapa da Desigualdade, que foi apresentado nesta terça-feira (26), em São Paulo, pelo Instituto Cidades Sustentáveis.

Ao comentar os dados do Mapa da Desigualdade, o coordenador geral do Instituto Cidades Sustentáveis, Jorge Abrahão, destacou a capital baiana, que enfrenta “um problema gravíssimo de repressão policial”. Segundo Abrahão, o grau de letalidade policial é muito grande no estado.

“Muitas vezes, a repressão atinge jovens negros nas grandes cidades brasileiras.” Abrahão lembra que, para a Organização das Nações Unidas (ONU), uma cidade, ou um país, que tenha mais do que 10 mortes por 100 mil habitantes é considerada uma cidade ou um país em guerra civil. “Isso demonstra a gravidade desse problema no Brasil”, ressaltou o coordenador do Instituto Cidades Sustentáveis.

Além da pior colocação entre as capitais brasileiras na questão dos homicídios juvenis, Salvador aparece na última posição quando se considera a população abaixo da linha da pobreza –  11% dos habitantes da cidade baiana – e os números do  desemprego. A taxa de desocupação em Salvador é de 16,7%. A menor é a de Campo Grande: 3,4%.

O Mapa da Desigualdade é um trabalho inédito, que compara 40 indicadores das 26 capitais brasileiras em temas como renda, saúde, educação, habitação e saneamento. O estudo demonstra e reforça a enorme desigualdade existente em todo o país, ressaltando que, mesmo as capitais com melhor desempenho nos 40 indicadores, não são modelos ideais para o país.

“É importante dizer que esses dados não caracterizam a igualdade ou a desigualdade de uma cidade, mas mostram as diferenças que existem entre as capitais brasileiras”, enfatizou Abrahão. Segundo ele, mesmo Curitiba tendo aparecido na primeira posição no ranking de desempenho entre as capitais brasileiras, isso não significa dizer que seja uma “cidade igualitária”, nem é garantia de que não haja desigualdade dentro das cidades.

Mulheres na política

O levantamento aponta ainda dificuldades comuns a todas as capitais brasileiras, como a representatividade feminina na política. “Temos 658 prefeitas no Brasil, o que dá em torno de 12% do total de prefeituras do país [5.568 . Quando comparamos esse dado com 52% da população brasileira, que é formada por mulheres, mostramos os desafios que temos de representação política no nosso país”, disse Abrahão.

“Este é um retrato manipulado de uma democracia inacabada e falseada pela exclusão sistemática das maiorias sociais do nosso país, inclusive do direito de participar das decisões e da formulação de políticas públicas que impactam suas vidas”, disse Michelle Ferreti, co-fundadora do Instituto Alziras.

Michelle afirmou que as mulheres constituem o maior grupo populacional no país. “É o grupo mais pobre, com menor renda, mais desempregados e com acesso dificultado ao mundo do trabalho e ao mundo da política”, acrescentou.

Segundo ela, esse dado que apresenta a representação feminina na política mostra “um retrato de ausências”.

“Se olharmos para as câmaras de vereadores, já que este é um ano de eleição, temos uma fotografia de ausências. Estamos falando de apenas 16% de assentos ocupados por mulheres nas câmaras de vereadores do país. E, se olharmos para este mesmo dado com recorte racial, estamos falando de 6% de cadeiras ocupadas por mulheres negras em câmaras de vereadores”, destacou Michelle.

Cidades mais justas

O Mapa da Desigualdade entre as capitais brasileiras é uma das ações do Programa de Fortalecimento da Sociedade Civil e dos governos locais para a promoção e construção de cidades mais justas, igualitárias, democráticas e sustentáveis no Brasil, que também foi lançado na tarde de hoje. Esse programa tem como base os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), que são metas globais que integram a Agenda 2030, um pacto firmado por 193 países-membros da Organização das Nações Unidas (ONU).

“O projeto foi construído a várias mãos no âmbito da Rede de Estratégia ODS, uma coalizão que reúne sociedade civil organizada, setor privado, governos subnacionais, governos locais e entidades municipalistas”, explicou a coordenadora das Cidades Sustentáveis, Zuleica Goulart. A iniciativa do Instituto Cidades Sustentáveis e é parte de um projeto de três anos, que tem como objetivo geral promover o desenvolvimento econômico, equitativo, sustentável, participativo e inclusivo no Brasil, explicou.

O programa visa elaborar e construir ferramentas e metodologias para atuação nos municípios brasileiros, ajudando o país a cumprir essas metas globais. “Com o projeto, a gente espera incidir tanto na articulação política quanto qualificar esse debate. Queremos atuar também na parte de ampliação das capacidades técnicas dos municípios”, explicou Amanda Vieira, representante da Frente Nacional de Prefeitos e Prefeitas (FNP).

Todos os dados do Mapa da Desigualdade entre as capitais brasileiras pode ser consultado gratuitamente neste site.

Demarcação para Avá-canoeiro é reparação histórica, diz antropóloga

A decisão da Justiça Federal que estabelece prazo de 15 meses para conclusão da demarcação da Terra Indígena (TI) Taego Ãwa, do povo Avá-canoeiro do Araguaia, representa uma reparação histórica das violações sofridas por este povo. A avaliação é da antropóloga Patrícia de Mendonça Rodrigues, responsável pelo relatório que identificou e delimitou a TI. A etnia tem sido vítima de deslocamentos forçados ao longo da história. Atualmente, os cerca de 40 sobreviventes ainda vivem fora do território tradicional.

“É um dos casos mais graves de violência genocídica, que tem destaque no relatório da Comissão Nacional da Verdade, está lá com destaque o caso dos Avá-canoeiro do Araguaia. Na época dos governos militares, chegou à beira da extinção, chegaram a ser cinco pessoas e foram removidas para a terra dos seus antigos inimigos, onde sofreram todo tipo de marginalização”, lamentou a antropóloga, destacando que a decisão judicial foi um passo importante para se fazer justiça em prol da etnia.

O Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1) reverteu decisão da Justiça Federal de Gurupi (TO) que havia reduzido em cerca de 30% a TI Taego Ãwa. Essa fatia de quase um terço do território tinha sido reservada para assentados da reforma agrária e fazendeiros que atualmente estão sobrepostos à TI. A decisão do TRF1, que ocorreu no fim do mês passado, teve assinatura do acórdão no último dia 15.

O território está em processo de demarcação há mais de dez anos, no entanto, a decisão judicial determinou prazo de 15 meses para que a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) conclua a ação, a fim de que o grupo possa retornar à região, de onde foram capturados e expulsos durante a ditadura militar.

A antropóloga ressalta que a decisão anterior, proferida em 2022, além da diminuição em quase um terço das terras, havia retirado também o acesso da TI Taego Ãwa ao rio Javaés, que é o principal rio da região, dá passagem a outras comunidades indígenas e é o principal meio para navegação e pescaria. “Eles haviam ficado com 70%, a maior parte de áreas inundáveis. A melhor parte da área foi retirada, então foi uma decisão considerada absurda”, disse.

O juiz relator do caso, Emmanuel Mascena de Medeiros, escreveu ainda que o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), juntamente com a Funai, deve fazer a desintrusão das terras, reassentar as pessoas do Projeto de Assentamento Caracol diretamente afetados pela formação da TI Taego Ãwa e o pagamento de benfeitorias estabelecidas no território.

O relatório de identificação e delimitação da terra indígena, com cerca de 29 mil hectares, foi publicado pela Funai em 2012 e, em 2016 o Ministério da Justiça publicou a portaria declaratória reconhecendo-a como terra de ocupação tradicional do povo indígena Avá-canoeiro. A TI Taego Ãwa está localizada na região do médio curso do Rio Araguaia, no Tocantins. O território fica localizado à margem direita do Rio Javaés, a leste da Ilha do Bananal.

No entanto, diante da estagnação do processo, o Ministério Público Federal (MPF) entrou com ação civil pública, em 2018, contra a União, a Funai e o Incra, para que fosse finalizada a demarcação. O MPF apontou que limitações materiais, financeiras e de pessoal não legitimam o retardo no processo demarcatório, acrescentando “que o controle judicial pleiteado na presente ação pública visa corrigir vício de ilegalidade na atuação do órgão indigenista”. A decisão do TRF1 é uma resposta à ação do MPF.

Após a ação, houve levantamento fundiário pela Funai e a terra foi demarcada fisicamente. Segundo a antropóloga, falta a desintrusão do território, retorno dos Avá-canoeiro e homologação pelo presidente da República.

Assentados do Incra

Em entrevista à Agência Brasil, o procurador regional da República, Felício Pontes Jr., representante do MPF no processo, ressaltou que a desintrusão é uma das grandes dificuldades em casos como este.

“Esse é o ponto mais difícil, avisar as pessoas que estão lá que elas não poderiam estar. Quando se tem clientes da reforma agrária, que também são pessoas que devem ser defendidas pelo Ministério Público Federal, tem que fazer isso com base em muita negociação”, relatou.

“Nós já avisamos para que eles não fiquem preocupados, que eles não iriam sair e ficar na beira da estrada, nós não fazemos isso. Nós temos um compromisso em não fazer a desintrusão antes que isso seja negociado. Normalmente o Incra faz a disponibilidade da terra, mas a gente exige também que eles aceitem a terra, porque eles conhecem, sabem se a terra pode ser produtiva ou não”, explicou o promotor.

A sobreposição de assentamentos da reforma agrária com territórios que vieram a ser reconhecidos como tradicionais não é particularidade da TI Taego Ãwa. “Nós temos vários casos em que isso aconteceu. Nós acabamos de ter a desintrusão no Alto Rio Guamá, que era um assentamento do Incra. Nesses casos, a gente negocia com o Incra e com os assentados. Nós defendemos os sem terra também, assim como defendemos os indígenas”, contou o promotor.

Patrícia Rodrigues aponta que o grupo de reassentados, na ocasião, também foi vítima de erro histórico do estado brasileiro, já que foram transferidos de uma terra indígena localizada na Ilha do Bananal para outro território considerado tradicional, de onde terão que ser removidos novamente. “Desejamos que eles sejam reassentados num lugar digno, onde eles possam desenvolver as suas atividades com dignidade e justiça também.”

A antropóloga conta que, na década de 1990, o Incra adquiriu áreas na região da Mata Azul, local onde os Avá-canoeiro foram contatados forçadamente na ditadura militar, para o reassentamento de famílias que ocupavam áreas protegidas na Ilha do Bananal.

“Apesar de estarem morando na aldeia dos Javaé, os Avá-canoeiro continuaram caçando, coletando nessa área da Mata Azul, que é do outro lado do rio. A Funai ignorou sumariamente que ali era uma terra indígena, que o povo continuava frequentando aquele lugar”, afirmou Patrícia. Segundo ela, quando fizeram a identificação da terra indígena, o assentamento do Incra ocupava metade da área total demarcada.

A região da Mata Azul  foi a última morada dos Avá-canoeiro do Araguaia, onde seus mortos foram enterrados e onde se deu o contato com outros povos. Ela enfatizou que os indígenas conheciam ainda cada centímetro do território, quando foi feita a identificação das terras. “Apesar dos desmatamentos que estão sendo feitos, eles conhecem cada árvore, cada lugar que tem ali dentro dessa terra indígena, mas estão fora dessa terra até hoje, até hoje eles estão morando na terra do Javaé, aguardando o momento de voltar”, disse Patrícia Rodrigues.

Para o procurador Pontes, os Avá-canoeiro do Araguaia não têm ainda seus direitos garantidos pelo estado brasileiro. “Enquanto eles não estiverem na terra deles, é um estado constante de violação de direitos fundamentais.”

História dos Avá-canoeiro

Estima-se que a população dos Avá-Canoeiro, no século XVIII, era de 4 mil pessoas. Patrícia Rodrigues relata que o grupo foi se refugiando ao longo da história, a partir da colonização portuguesa, e que resistiram ao contato externo.

“Eles eram um povo guerreiro e ficaram conhecidos na literatura como o povo do Brasil central que mais resistiu à colonização. Eles nunca aceitaram o contato pacífico. Houve um primeiro momento de embates fortes com os colonizadores, no século XVIII até meados do século XIX, e a partir de então, como eles foram massacrados, eles se dividiram em dois grupos de refugiados”, contou.

Parte do grupo que vivia nas cabeceiras do Rio Tocantins se deslocou para a região do médio Rio Araguaia, onde passou a disputar o mesmo território com os Karajá e Javaé, que já habitavam a região há séculos. Com isso, houve a separação dos Avá-canoeiro em dois grupos, do Rio Araguaia e do Rio Tocantins. O deslocamento dos Avá-canoeiro do Araguaia para o território, especialmente, dos Javaé gerou conflitos e disputas entre eles, o que também resultou em mortes de ambos os lados, segundo memória oral citada por Patrícia.

Na primeira metade do século XX, houve massacres de aldeias inteiras dos Avá-Canoeiro do Araguaia, incêndios e perseguição, por parte de novos invasores de terras. Isso levou a mais deslocamentos, até que chegaram à localização da Fazenda Canuanã, região da Mata Azul. 

Depois de massacres e deslocamentos forçados em sua história, o grupo chegou a 14 sobreviventes nos anos 1960, habitando um local chamado de Mata Azul. O local estava inserido no latifúndio Fazenda Canuanã, de propriedade da família Pazzanese, de São Paulo. Quando houve o contato forçado pela Funai em 1973, depois de reclamações de fazendeiros, eram 11 indígenas nos acampamentos da etnia.

“Foi nesse período [década de 1970] que o governo militar determinou o contato forçado com os Avá-Canoeiro. A Funai chegou ao local atirando e soltando fogos de artifício. Uma menina chamada Typyire foi baleada, falecendo dias depois na mata”, diz a ação do MPF. O Conselho Indigenista Missionário (Cimi) reafirmou que, sob o regime autoritário da ditadura militar, a Funai protagonizou um contato forçado que resultou em um quase extermínio dos Avá-Canoeiro.

“A equipe [da Funai] entrou atirando nesse acampamento, essa é a memória oral dos Avá-canoeiros. Eles conseguiram capturar seis pessoas, porque o grande líder do grupo se entregou quando a mulher dele foi capturada com uma criança”, contou Patrícia. Os outros cinco fugiram, incluindo uma menina que foi baleada e morreu dias depois.

Os capturados foram levados para a sede da Fazenda Canuanã, onde eles foram expostos à visitação pública, situação que foi registrada em fotos na época. Aqueles que tinham fugido, foram contatados seis meses depois e, junto aos outros seis, o grupo ficou sob supervisão da Funai, que colocou os Javaé – inimigos tradicionais dos Avá-canoeiro do Araguaia – como supervisores desse acampamento.

“Relatos tanto dos Javaé como dos Avá-canoeiro e dos moradores regionais é de que as pessoas vieram de vários lugares para ver os ‘índios presos’, assim que eles falavam, ‘os índios pelados’, me falaram desse jeito. E esses Avá capturados ficaram lá numa casa, num cercado, sendo observados por gente que vinha de todo lugar”, lembrou a antropóloga. Os indígenas foram expostos também à contaminação de vírus, para os quais eles não tinham imunidade, o que a antropóloga aponta como outra negligência da Funai.

Um dos capturados morreu três meses depois do contato forçado de pneumonia. “Ele foi levado para Goiânia, morreu lá e nunca devolveram o corpo para os seus parentes. Agora, dois anos atrás, nós conseguimos encontrar um documento que fala onde ele foi internado, a causa da morte dele, onde ele foi enterrado como um lavrador. Nem como indígena foi enterrado”, contou.

Sobreviventes

Por fim, o grupo restante foi transferido, ainda na década de 70, para uma aldeia dos Javaé, onde passaram a viver uma situação de marginalidade. Pouco tempo depois dessa transferência, alguns morreram e os Avá-canoeiro ficaram reduzidos a cinco pessoas apenas.

“Foi um grande marco na vida deles, eles dividem a história entre antes e depois do contato, o momento em que eles foram capturados [pela Funai]. Antes, eles eram fugitivos, mas pelo menos tinham a autonomia deles. E, depois, passaram a viver como marginalizados na aldeia dos seus antigos inimigos”, pontuou Patrícia.

Os Avá-canoeiro do Araguaia sobreviveram graças a uniões interétnicas. Hoje são mais de 40 pessoas, após casamentos e uniões com as etnias Javaé, Karajá e Tuxá. Segundo a antropóloga, a maioria do grupo atualmente são filhos dessas uniões. Há apenas uma sobrevivente do episódio em que houve o contato forçado, na década de 1970.

O grupo aguarda pelo reconhecimento e desintrusão da Terra Indígena Taego Ãwa e, segundo confirma a ação do MPF, ainda vivem dispersos em territórios dos Javaé e Karajá. O MPF ressalta que a imprescindibilidade das terras indígenas para a sobrevivência física e cultural dos índios já foi inclusive objeto de reconhecimento expresso por parte do Supremo Tribunal Federal.

Patrícia ressalta a importância do processo de demarcação para reverter a invisibilidade deste grupo. “Desde que a gente começou esse trabalho com a identificação da terra, eles estão vivendo um processo também de reafirmação, de busca de revitalização da língua, de inserção no movimento indígena, de participar dos debates políticos. Porque, até então, eles estavam absolutamente à margem de tudo, eles tinham esse desejo de voltar para o seu território, mas não eram ouvidos.”

Em relação a Terra Indígena Taego Ãwa, o Incra informou que aguarda a análise do inteiro teor do acórdão para definir as ações que adotará e que atuará em parceria com a Funai nessa questão.

A Agência Brasil entrou em contato com a Funai e aguarda posicionamento.

Ouvidoria e famílias denunciam execuções pela PM na Baixada Santista

A Ouvidoria de Polícia do Estado de São Paulo divulgou nesta segunda-feira (25) um relatório em que denuncia 11 casos em que a Polícia Militar (PM) teria feito execuções na Baixada Santista, no litoral paulista. A região tem sido alvo de grandes operações policiais desde julho do ano passado.

O documento foi apresentado em uma audiência pública na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, no Largo São Francisco, centro paulistano. Parentes e amigos das vítimas, assim como pessoas que residem em comunidades atingidas pela violência policial lotaram o salão nobre da faculdade. “Hoje, está aqui a população que chora”, disse Sandra, mãe de Luiz Fernando, morto pela polícia em fevereiro de 2023.

Durante o evento, os depoentes se identificaram apenas pelo primeiro nome e houve a solicitação de que não se divulgassem imagens que permitissem identificar possíveis testemunhas.

Operações

A primeira edição da chamada Operação Escudo, lançada após a morte de um policial militar em Santos (SP), resultou em 28 mortes em um período de 40 dias. Uma nova edição da operação foi iniciada no fim de janeiro deste ano e acumulava, até o último dia 18 de março, 48 mortes.

Nos três primeiros meses de 2024, policiais militares em serviço mataram 69 pessoas nos municípios da Baixada Santista, segundo os dados disponibilizados pelo Ministério Público de São Paulo até o último dia 22.

No início de março, a Ouvidoria de Polícia esteve na baixada em uma missão conjunta com o Conselho Estadual de Defesa da Pessoa Humana de São Paulo (Condepe) e diversas entidades de direitos humanos, como o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, o Instituto Sou da Paz e a Rede de Proteção e Resistência contra o Genocídio.

Foram colhidos depoimentos, analisados boletins de ocorrência, certidões de óbito e laudos necroscópicos. Foram identificadas 11 pessoas que morreram em situações com diversos indícios de execução. O relatório aponta ainda para um caso de uma mulher vítima de bala perdida e dois sobreviventes a tentativas de execução.

O Condepe também entrou com uma representação no Ministério Público pedindo que o secretário estadual de Segurança Pública, Guilherme Derrite, seja investigado por não dar transparência às operações policiais. O órgão, vinculado à Secretaria de Justiça e Cidadania afirma que os pedidos de informação são sistematicamente negados.

Audiência Pública Operação Escudo/Verão, organizada pela Ouvidoria de Polícia de São Paulo e Ouvidoria Nacional dos Direitos Humanos, na Faculdade de Direito da USP – Rovena Rosa/Agência Brasil

Depoimentos

Em depoimento, Beatriz contou que a versão apresentada para a morte de seu marido Leonel, não é crível e não poderia ter acontecido. Segundo ela, ele não seria capaz de trocar tiros com os policiais militares por ser deficiente físico desde os 14 anos de idade. “Não teve troca de tiro, que nem o que o policial falou, porque ele mal conseguia segurar as muletas dele”, afirmou. “Ele deu entrada no hospital morto”, acrescentou.

“A gente veio aqui pedir força pra toda a minha família, para todas as minhas filhas. Todos os dias a gente chora”, disse Ana Alice ao narrar o assassinato de seu ex-marido, José Marcos, em fevereiro: “os policiais pegaram ele, na metade do beco, levaram para dentro da casa dele e deram três tiros.”

“A gente foi avisado pelo vizinho, que escutou os disparos de tiro. Chegando lá eles [policiais] pediram para a gente ‘sair fora’”, conta. O homem, segundo ela, fazia consumo abusivo de drogas, mas não tinha envolvimento com o crime e vivia de catar materiais recicláveis. “Eles fingiram socorro, levaram até o PS [pronto-socorro] de São Vicente”.

Secretaria

Em defesa dos policiais, a Secretaria de Segurança Pública de São Paulo afirma que “as mortes registradas decorreram de confrontos com criminosos, que têm reagido de forma violenta ao trabalho policial”.

Ainda segundo a pasta, “todos os casos de morte decorrente de intervenção policial são rigorosamente investigados pelas polícias Civil e Militar, com o acompanhamento das respectivas corregedorias, Ministério Público e Poder Judiciário”.

Sobre a representação do Condepe, a secretaria diz que teve “conhecimento informal” da solicitação de investigação e que “irá responder aos questionamentos assim que acionada pelo Ministério Público”.

Mulheres recebem 19,4% a menos que os homens, diz relatório do MTE

Dados do 1º Relatório Nacional de Transparência Salarial e de Critérios Remuneratórios mostram que as trabalhadoras mulheres ganham 19,4% a menos que os trabalhadores homens no Brasil. O levantamento inédito foi divulgado nesta segunda-feira (25) pelos ministérios das Mulheres e do Trabalho e Emprego (MTE).

O relatório foi consolidado a partir das informações preenchidas no eSocial, o sistema federal de coleta de informações trabalhistas, previdenciárias e tributárias. Ao todo, 49.587 empresas com 100 ou mais funcionários do Brasil preencheram as informações relativas a 2022. O objetivo deste documento é tornar conhecida a realidade remuneratória dos trabalhadores nas empresas e suas políticas de incentivo à contratação e promoção na perspectiva de gênero. E este primeiro relatório confirmou a desigualdade salarial entre mulheres e homens.

O relatório nacional apresenta dados nacionais de remuneração média e salário contratual mediano de mulheres e homens, além das realidades em cada unidade da federação, a realidade dos salários por raça/cor e por grandes grupos ocupacionais.

A exigência do envio de dados atende à Lei nº 14.611/2023 que trata da Igualdade Salarial e de Critérios Remuneratórios entre Mulheres e Homens, sancionada em julho de 2023. As empresas de direito privado com 100 ou mais empregados que não apresentarem os dados para Relatório de Transparência Salarial e de Critérios Remuneratórios duas vezes ao ano estarão sujeitas à multa.

Dados

O relatório nacional mostra que do total de estabelecimentos com 100 ou mais empregados que enviaram informações (49.587), 73% (36 mil) deles existem há 10 anos ou mais. Juntos, eles somam quase 17,7 milhões de empregados com vínculos formais de trabalho, o que equivale a 41,6% do total.

Apesar de as mulheres receberem, em média, 19,4% a menos que os homens, a diferença salarial pode variar ainda mais, conforme o grande grupo ocupacional. Em cargos de dirigentes e gerentes, por exemplo, a diferença de remuneração chega a 25,2%.

O Ministério das Mulheres destaca que no recorte por raça/cor do relatório, as mulheres negras, além de estarem em menor número no mercado de trabalho (2.987.559 vínculos, 16,9% do total), são as que têm renda mais desigual.

Enquanto a remuneração média da mulher negra é de R$ 3.040,89, correspondendo a 68% da média de remuneração dos homens não-negros é de R$ 5.718,40 — 27,9% superior à média. As mulheres negras também ganham 66,7% da remuneração das mulheres não negras.

Se considerado o salário médio de contratação das mulheres negras (R$ 1.566,00), a remuneração corresponde a 82% da média dos salários iniciais (R$ 1.901,00). Mas quando comparado aos salários iniciais de homens não negros, eles recebem 19% superior à média total do salário de contratação.

Critérios remuneratórios

O relatório nacional mostra que cerca de metade das empresas (51,6%) possuem planos de cargos e salários ou planos de carreira, e que grande parte delas adotam critérios remuneratórios como proatividade (81,6%); capacidade de trabalhar em equipe (78,4%); tempo de experiência (76,2%); cumprimento de metas de produção (60,9%); disponibilidade de pessoas em ocupações específicas (28%); horas extras (17,5%).

O Ministério das Mulheres observa que horas extras, disponibilidade para o trabalho, metas de produção, entre outros critérios, são atingidos mais pelos homens do que pelas mulheres. A explicação é que geralmente, as trabalhadoras têm interrupção no tempo de trabalho devido à licença-maternidade e à dedicação com cuidados com filhos e pessoas dependentes delas, como idosos e pessoas com deficiência (PcD).

Contratação, permanência e ascensão profissional

Apenas 32,6% das empresas têm políticas de incentivo à contratação de mulheres. O percentual é ainda menor, se considerados os incentivos à diversidade dentro das empresas para grupos específicos de mulheres: negras (26,4%); mulheres com deficiência (23,3%); LBTQIAP+ (20,6%); mulheres chefes de família (22,4%); mulheres vítimas de violência (5,4%).

Especificamente para cargos de direção e gerência, apenas 38,3% dos empregadores declararam que adotam políticas para ascensão profissional de mulheres.

Outros dados indicam que poucas empresas ainda adotam políticas como flexibilização de regime de trabalho para apoio à parentalidade (39,7%), de licença maternidade/paternidade estendida (17,7%) e de auxílio-creche (21,4%).

Estados

De acordo com o relatório, São Paulo concentra 33% dos estabelecimentos participantes do relatório, com um total de 16.536 empregadores. O estado também tem o maior número de mulheres com carteira assinada: 2,6 milhões ou 14,7% do total de vínculos de emprego. Já o Acre (44,4%), Rio Grande do Sul (43,3%), Santa Catarina (42,7%) e Amapá (42,7%) têm as maiores proporções de mulheres celetistas trabalhando.

Os dados do levantamento mostraram, ainda, diferenças de remuneração entre mulheres e homens por unidades da federação. Em 2022, o Distrito Federal foi a unidade da Federação com menor desigualdade salarial entre homens e mulheres. Na capital federal, elas recebem 8% a menos que eles, em um universo de 1.010 empresas que, ao todo, empregam 462 mil pessoas. A remuneração média no DF é R$ 6.326,24.

As mulheres de São Paulo recebem 19,1% a menos do que os homens, semelhante à desigualdade média nacional (19,4%). A remuneração média é de R$ 5.387 no estado do Sudeste. As unidades da federação com as menores remunerações médias são Sergipe (R$ 2.975,77) e Piauí (R$ 2.845,85).

Próximos passos

As 49.587 empresas que preencheram os dados do relatório de transparência salarial têm até domingo (31) para divulgar para seus empregados, trabalhadores e público em geral o relatório da transparência salarial da própria empresa. O documento foi disponibilizado individualmente por empresa pelo Ministério do Trabalho e Emprego (TEM), na quinta-feira (21) no Portal Emprega Brasil  e pode ser acessado por meio de login com CNPJ e senha do empregador.

A legislação determina que este relatório deve ser publicado no site das próprias empresas, nas redes sociais delas e fisicamente em local visível para ampla divulgação. As empresas que não tornarem públicas as informações do relatório estarão sujeitas à multa de 3% do valor total da folha de pagamentos, limitada a 100 salários mínimos.

As empresas com diferença salarial devidamente constatada serão notificadas pelo MTE e terão 90 dias para elaborar um Plano de Ação para Mitigação da Desigualdade Salarial e de Critérios Remuneratórios, com a participação de representantes de entidades sindicais e dos empregados. O objetivo é reduzir as diferenças de remuneração não justificadas.

Outros espaços

Denúncias de desigualdade salarial podem ser realizadas pela Carteira de Trabalho Digital no site ou aplicativo para smartphones desenvolvido pelo Ministério do Trabalho e Emprego nos sistemas Android e iOS. Antes, é preciso acessar o portal digital de serviços do governo federal, o Gov.br.

Para esclarecer eventuais dúvidas sobre a lei, o Ministério das Mulheres, em parceria com o Ministério do Trabalho e Emprego, lançou nesta segunda-feira (25), a Cartilha Tira-Dúvidas: Lei da Igualdade Salarial e de Critérios Remuneratórios entre Mulheres e Homens com informações destinadas aos trabalhadores e a empregadores.

Chuva no Rio: Defensoria cobra proteção a pessoas em situação de rua

Em ofício encaminhado nesta sexta-feira (22) à prefeitura do Rio de Janeiro pelo seu Núcleo de Defesa dos Direitos Humanos, a Defensoria do Rio cobrou medidas estratégicas de acolhimento e proteção das pessoas que se encontram em situação de rua e que serão diretamente impactadas pelas fortes chuvas que devem atingir a cidade nas próximas horas.

O ofício solicita também um relatório da operação com a descrição de todas as etapas das ações realizadas, bem como das providências administrativas adotadas. A prefeitura tem prazo de 24 horas para dar resposta, em razão da urgência e excepcionalidade do caso.

O pedido feito pela Defensoria se baseia na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 976, que determina diretrizes que os estados e municípios devem seguir para garantir a segurança pessoal e dos bens das pessoas em situação de rua dentro dos abrigos institucionais existentes.

A defensora pública Cristiane Xavier analisou que a população de rua é a que fica mais vulnerável no contexto de chuvas fortes e, com o alagamento das ruas e o fechamento do comércio, não têm onde se abrigar, correndo risco de morte. Cristiane Xavier assinalou que a intenção é saber qual é o plano de contingência da prefeitura para essa situação e para o acolhimento dessas pessoas.

“Nós estamos em estado de alerta máximo por conta das chuvas e da densidade pluviométrica esperada. A população em situação de rua fica totalmente desassistida nessas situações, vagando pelas ruas, exposta à chuva e aos ventos fortes sem qualquer tipo de proteção ou de uma política pública eficaz”, afirmou.

OIT: lucros anuais do trabalho forçado chegam a US$ 236 bilhões ao ano

O trabalho forçado em todo o mundo gera lucros ilegais médios de US$ 236 bilhões por ano na economia privada, de acordo com o relatório Lucros e pobreza: aspectos econômicos do trabalho forçado, divulgado pela Organização Internacional do Trabalho (OIT), nessa quarta-feira (20).

A cifra apresentada indica um aumento de 37% (US$ 64 bilhões) dos lucros ilegais vindos do trabalho forçado, quando comparado ao resultado de dez anos atrás, em 2014. A OIT justifica que o resultado é fruto tanto do crescimento do número de pessoas forçadas a trabalhar, como da elevação dos lucros gerados pela exploração das vítimas.

De acordo com a entidade, o trabalho forçado ou compulsório se refere a situações em que as pessoas são coagidas a trabalhar por meio do uso de violência, intimidação, sanção ou por meios como a servidão por dívidas, a retenção de documentos de identidade ou ameaças de denúncia às autoridades de imigração sobre a existência de migrantes ilegais. No Brasil, a situação é descrita como trabalho análogo à escravidão.

O estudo sugere que, frequentemente, as vítimas de trabalho forçado são recrutadas ilegalmente. Em geral, o trabalhador não se oferece espontaneamente para aquela atividade compulsória.

Além disso, a OIT define como lucros ilegais os salários que, por direito, pertencem aos trabalhadores, mas que ficam nas mãos dos exploradores desta mão de obra, a partir de coação.

Detalhamento

O relatório da OIT estima que os traficantes de pessoas e criminosos geram cerca de US$ 10 mil por vítima do trabalho forçado. Há uma década este lucro alcançava US$ 8,2 mil por vítima (valor corrigido pela inflação).

O levantamento identifica a Europa e a Ásia Central como as regiões com os maiores lucros ilegais (US$ 84 bilhões), seguidas pela Ásia e Pacífico (US$ 62 bilhões), pelas Américas (US$ 52 bilhões), por África (US$ 20 bilhões) e pelos países dos Estados Árabes (US$ 18 bilhões).

No entanto, quando considerados os lucros ilegais anuais pela exploração laboral por vítima, o valor mais elevado é o da Europa e Ásia Central, seguido pelos Estados Árabes, Américas, África, Ásia e Pacífico.

Entre as modalidades de trabalho ilegal mais praticadas, a exploração sexual comercial forçada é a mais lucrativa e representa mais de dois terços (73%) do total dos lucros ilegais. A modalidade corresponde a 27% do número total de vítimas de trabalho forçado. A explicação para isso é de que o lucro médio por vítima da exploração sexual comercial forçada (US$ 27,25 mil) é bem superior ao lucro obtido por outras formas de exploração do trabalho (US$ 3,68 mil).

Depois da exploração sexual, os demais trabalhos forçados com os maiores lucros anuais ilegais são:

Indústria (US$ 35 bilhões), incluindo mineração e pedreiras, construção e manufatura;
serviços (US$ 20,8 bilhões): atacado e comércio, alojamento, alimentação, arte e entretenimento, serviços pessoais, administrativos e de apoio, educação, serviços sociais, de saúde, transporte e armazenamento;
campo (US$ 5,0 bilhões): agricultura, pecuária, silvicultura, caça e pesca;
trabalho doméstico (US$ 2,6 bilhões).

Em 2021, havia em todo o planeta 27,6 milhões de indivíduos em situação de trabalho forçado, o que corresponde a 3,5 pessoas para cada mil pessoas no mundo. Entre 2016 e 2021, o número de pessoas em trabalho forçado aumentou em 2,7 milhões.

Recomendações

O relatório recomenda a aplicação de leis para travar os fluxos de lucros ilegais; a responsabilização dos autores dos crimes; a formação dos responsáveis pela aplicação da lei, reforço dos quadros jurídicos, alinhamento com as normas jurídicas internacionais; expansão da inspeção do trabalho em setores de alto risco; melhor coordenação entre a aplicação do direito do trabalho e do direito penal.

Como medidas adicionais à aplicação da lei, o relatório da OIT sugere que se dê prioridade a abordagens mais profundas sobre as causas do problema e sobre a proteção das vítimas do trabalho forçado.

Em nota à imprensa, o diretor-geral da OIT, Gilbert F. Houngbo, afirmou que o trabalho forçado perpetua os ciclos de pobreza e a exploração e atinge a dignidade humana.

“A comunidade internacional deve se unir, urgentemente, para tomar medidas para acabar com esta injustiça, salvaguardar os direitos dos trabalhadores e das trabalhadoras e defender os princípios de justiça e igualdade para todas as pessoas”, pontua o diretor-geral da OIT.

Para melhor orientar as ações dos países, a OIT aprovou a Convenção n° 29 do trabalho forçado ou obrigatório, durante a 14ª reunião da Conferência Internacional do Trabalho, ocorrida em Genebra, em 1930. A Recomendação n° 203 da OIT também trata do assunto.

Brasil

No Brasil, durante o ano de 2023, o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) resgatou 3.190 trabalhadores em situação de trabalho análogo à escravidão, maior número de resgates dos últimos 14 anos.

Operação resgata três trabalhadores em condições análogas à escravidão em Bom Jardim de Minas (MG), em março do ano passado – Ministério do Trabalho/Divulga

Os resgates foram resultado de fiscalizações de 598 estabelecimentos urbanos e rurais em diversas partes do país. As ações dos fiscais possibilitaram o pagamento de R$ 12,87 milhões em verbas salariais e rescisórias aos resgatados, como forma de responsabilizar as empresas que se beneficiam de trabalho escravo.

Denúncias de trabalho escravo podem ser feitas de forma remota e sigilosa no Sistema Ipê, coordenado pela Secretaria de Inspeção do Trabalho do Ministério do Trabalho e Emprego, em parceria com a OIT.

As situações que, em conjunto ou isoladamente, podem ser caracterizadas como de trabalho análogo à escravidão e, portanto, devem ser denunciadas são as seguintes:

Submissão de trabalhador a trabalhos forçados;
submissão de trabalhador a jornada exaustiva;
sujeição do trabalhador a condições degradantes de trabalho;
restrição da locomoção do trabalhador ou retenção dele no local de trabalho, seja por coação, imposição de dívida, cerceamento do uso de qualquer meio de transporte por parte do trabalhador, vigilância ostensiva no local de trabalho por parte do empregador ou de um preposto, posse de documentos ou objetos pessoais do trabalhador.

O ministério também mantém atualizada a Lista Suja do Trabalho Escravo, com o cadastro de empregadores que submeteram pessoas a condições ilegais de trabalho.