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CNJ pede explicações a juízas sobre decisões que negaram aborto legal

O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) decidiu nesta sexta-feira (12) intimar duas magistradas do Tribunal de Justiça de Goiás (TJGO) a prestarem esclarecimentos sobre decisões judiciais que negaram a interrupção da gravidez a uma adolescente de 13 anos que foi estuprada.

Pela legislação penal, a interrupção da gestação é permitida nos casos de gravidez fruto de estupro e só pode ser realizada por médicos com o consentimento da vítima.

A decisão foi tomada pelo corregedor-nacional de Justiça, ministro Luís Felipe Salomão, a partir de matéria jornalística divulgada pelo site Intercept Brasil.

De acordo com a publicação, o aborto legal foi negado por um hospital de Goiás e em duas decisões judiciais proferidas pela juíza Maria do Socorro de Sousa Afonso e Silva e a desembargadora Doraci Lamar Rosa da Silva Andrade.  A reportagem também informou que a vítima está na 28ª semana de gestação de gestação e tenta interromper a gravidez desde a 18ª semana.

Segundo o corregedor, o caso, se comprovado, aponta para prática de falta funcional com repercussão disciplinar.

“É inequívoca a urgência e a gravidade do caso, em tese, razão pela qual determino intimação da juíza Maria do Socorro de Sousa Afonso e Silva, titular do 1º Juizado da Infância e da Juventude de Goiânia, e a desembargadora Doraci Lamar Rosa da Silva Andrade, do Tribunal de Justiça de Goiás, para que, no prazo de cinco dias, prestem as informações que entenderem pertinentes”, decidiu o corregedor.

Defesa

Procurado pela Agência Brasil, o Tribunal de Justiça de Goiás declarou que não vai se manifestar sobre o caso porque as decisões envolvendo a menor estão em segredo de Justiça. Sobre a intimação das magistradas, o tribunal informou que “todas as providências determinadas pelo CNJ são cumpridas imediatamente”.

Pesquisadores apontam dificuldade de acesso ao aborto legal no SUS

A Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca (ENSP), vinculada à Fiocruz, promoveu nesta quarta-feira (3), no Rio de Janeiro, o debate Acesso ao aborto legal no SUS: Como acolher e garantir direitos?. A coordenação foi do grupo Observatório do SUS.

Pesquisadores e especialistas presentes no evento apontaram as principais dificuldades das mulheres ao acessar o procedimento no sistema público de saúde.

O encontro tem como referência a proposta do Projeto de Lei 1904/2, que prevê autorização para abortos legais até 22 semanas de gestação, mesmo em casos de violência sexual. Também aumenta pena máxima para quem fizer o procedimento, igualando a interrupção da gravidez ao homicídio.

“Não existe estuprada que, por maldade, vai levar a gestação até 22 semanas por que quer ver o feto nascer prematuro, sofrer, ir para a UTI e ficar sequelado. Não existe essa maldade. Não atrasou porque foi culpa dela. Ela deixou chegar até esse ponto por causa do Estado brasileiro, que fechou todas as portas”, disse Olímpio Moraes, diretor médico da Universidade de Pernambuco (UPE).

Debora Diniz, antropóloga, professora da Universidade de Brasília e defensora dos direitos reprodutivos das mulheres, entende que a repercussão do projeto de lei foi pior do que a esperada pelos grupos que a defendiam. Por isso, segundo ela, o momento é de avançar na luta por uma justiça social reprodutiva, sem abdicar dos conhecimentos científicos.

“A questão do aborto, como outras em saúde pública, não é matéria de contra ou a favor. Não é matéria para confundir e não falarmos sobre ciência. As religiões têm que ser respeitadas, mas não são elas que determinam a vida pública e o bem comum. Que tal trazermos, a partir das semanas intensas de aprendizado sobre esse brutal projeto de lei, um exercício de reflexão e ponderação sobre como nós podemos falar e como devemos continuar o debate público sobre a urgência da descriminalização do aborto? Descriminalizar não é legalizar. Temos evidências sólidas que pode levar à redução do número de abortos”, defendeu Debora Diniz.

Elda Bussinguer, presidenta da Sociedade Brasileira de Bioética (SBB), disse que para além da pressão pelo cumprimento atual da lei, é preciso organizar uma reação pública da sociedade civil, por entender que o projeto vai além de uma questão moral ou religiosa.

“Esse é um projeto de poder sobre os corpos femininos, de silenciamento das mulheres. De coisificação dos corpos femininos. Precisamos quebrar o pacto de silêncio que mantém milhares de meninas espalhadas por esse país sendo violentadas todos os dias. Por seus pais, tios, irmãos, primos e mesmo religiosos, que rompem com todos os princípios que dizem defender e mantém mulheres violentadas e silenciadas”, disse Elda.

Aborto Legal

A legislação em vigor no país prevê que a mulher tem direito ao aborto nos casos de gravidez decorrente de estupro, se a gestação representar risco de vida à mulher e se for caso de anencefalia fetal. Mas o fato de haver essa previsão legal não garante que as mulheres consigam alcançar seus direitos da forma como deveriam.

“É uma política escondida. Dependendo do gestor no comando, ela desaparece, fica escondida. Se vocês procurarem no Brasil onde tem acesso a aborto previsto em lei, vão ter muita dificuldade pela internet. Eu consigo saber onde tem quimioterapia, pré-natal de alto risco, doação de órgãos, mas abortamento não é dado à população o direito de informação. Três vírgula seis por cento dos municípios têm um serviço de violência a abortamento previsto em lei. É muito pouco”, disse Olímpio Moraes.

O diretor médico da Universidade de Pernambuco (UPE) lembrou que somente 6 das 27 unidades federativas disponibilizam informação pública sobre aborto nos sites das secretarias de saúde. E que uma gestante pode demorar, em média, de dois a três meses até achar um programa que a acolha. Além disso, reforçou que as principais prejudicadas nesse cenário são mulheres jovens, pobres e negras.

Olímpio Moraes endossou que os médicos obstetras precisam cumprir o que diz a legislação, principalmente porque a formação profissional deles já prevê aprendizados relacionados ao aborto legal.

“Objeção de consciência é um direito, mas quando você é recrutado. Médicos do SUS não estão aí para defender crenças. O nosso patrão é o Estado brasileiro. Para todos os obstetras que vão fazer obstetrícia agora tem as EPAs [competências de determinada prática médica]. Há 21 competências que o médico tem que aprender para dizer que é obstetra. E ligar com casos de violência contra a mulher e abortamento está entre elas. Ele vai ser treinado para isso. Não pode dizer que tem objeção de consciência. Se tem isso, vai fazer dermatologia. Quem paga é o SUS. Estamos trabalhando para que não haja essa desculpa, que não é aceitável”, disse Olímpio.

Negativa para aborto legal foi momentânea, diz prefeitura de SP ao STF

A Secretaria Municipal de Saúde de São Paulo informou nesta quarta-feira (3) ao Supremo Tribunal Federal (STF) que uma mulher que buscou aborto legal em um hospital da capital paulista recebeu uma “negativa momentânea” para realização do procedimento.

As informações foram enviadas ao ministro Alexandre de Moraes, relator do processo que trata da liberação da assistolia, procedimento realizado pela medicina para interrupção da gravidez, que é permitido pela legislação penal nos casos de gravidez fruto de estupro e só pode ser realizado pelo médico com o consentimento da vítima.

Na semana passada, Moraes pediu que cinco hospitais municipais informassem se negaram pedidos para realização de aborto legal.

No ofício enviado à Corte, a secretaria explicou que a “negativa momentânea” ocorreu no Hospital Doutor Fernando Mauro Pires da Rocha. O documento não detalhou a resposta dada para a paciente.

A pasta informou que o caso se refere a uma mulher de 26 anos, que não teve o nome divulgado. Ela procurou o hospital no dia 21 de junho deste ano e foi atendida pelo Programa de Atendimento à Vítimas de Violência Sexual. Segundo o hospital, a paciente foi encaminhada para outra unidade hospitalar e fez a assistolia no dia 30 de junho.

O Hospital Tide Setúbal declarou que recebeu outra paciente no dia 8 de abril deste ano, quando estava em validade resolução do Conselho Federal de Medicina (CFM) que proibiu a assistolia, e o procedimento não foi realizado. Em maio, após Alexandre de Moraes suspender a norma, a unidade entrou em contato com a mulher, que informou ter realizado a interrupção da gestação em outro estado.

Os hospitais Cármino Caricchio e Mário Degni informaram que não receberam pedidos para realização de aborto legal. O Hospital Doutor Mário Moraes Altenfelder da Silva declarou que não realiza o procedimento desde dezembro de 2023 e encaminha pacientes para outras unidades.

No ofício, a secretaria também informou a Moraes que orientou a rede municipal de saúde a realizar o aborto previsto em lei.

“Esta Secretaria Municipal de Saúde vem orientando constantemente suas equipes a manter o programa funcionando adequadamente, assim a fim de evitar futuras idiossincrasias procederemos a reciclagem de todas as equipes que atendem o aborto previsto em lei, de modo a manter o pleno atendimento das munícipes”, declarou.

Suspensão

Em maio, Alexandre de Moraes suspendeu a resolução aprovada pelo CFM para proibir a realização da assistolia. A  suspensão foi motivada por uma ação protocolada pelo PSOL.

Moraes considerou que houve “abuso do poder regulamentar” do CFM ao fixar regra não prevista em lei para impedir a realização de assistolia fetal em casos de gravidez oriunda de estupro.

Ao editar a resolução, o CFM entendeu que o ato médico da assistolia provoca a morte do feto antes do procedimento de interrupção da gravidez e decidiu vetar o procedimento.

“É vedada ao médico a realização do procedimento de assistolia fetal, ato médico que ocasiona o feticídio, previamente aos procedimentos de interrupção da gravidez nos casos de aborto previsto em lei, ou seja, feto oriundo de estupro, quando houver probabilidade de sobrevida do feto em idade gestacional acima de 22 semanas”, definiu o conselho.
 

Hospitais de SP têm 48 horas para informar se negaram aborto legal

O ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), determinou nesta quarta-feira (26) que cinco hospitais de São Paulo informem, no prazo de 48 horas, se negaram pedidos para realização de aborto legal.

A decisão foi proferida após a Secretaria Municipal de Saúde informar ao ministro que realizou 68 procedimentos de assistolia fetal para interrupção da gestação desde o início deste ano. A pasta não informou se houve pedidos de aborto legal negados pelos hospitais.

Na semana passada, Moraes pediu que os hospitais informassem se estão realizando o procedimento. A solicitação foi feita após matérias jornalísticas informarem que pacientes tiveram a interrupção legal da gestação negada.

A interrupção da gravidez é permitida pela legislação penal nos casos de gravidez fruto de estupro e só pode ser realizada pelo médico com o consentimento da vítima.

No mês passado, o ministro suspendeu resolução aprovada pelo Conselho Federal de Medicina (CFM) que proibia a realização da assistolia. A  suspensão foi motivada por uma ação protocolada pelo PSOL.

Moraes considerou que houve “abuso do poder regulamentar” do CFM ao fixar regra não prevista em lei para impedir a realização de assistolia fetal em casos de gravidez oriunda de estupro.

Ao editar a resolução, o CFM entendeu que o ato médico da assistolia provoca a morte do feto antes do procedimento de interrupção da gravidez e decidiu vetar o procedimento.

“É vedada ao médico a realização do procedimento de assistolia fetal, ato médico que ocasiona o feticídio, previamente aos procedimentos de interrupção da gravidez nos casos de aborto previsto em lei, ou seja, feto oriundo de estupro, quando houver probabilidade de sobrevida do feto em idade gestacional acima de 22 semanas”, definiu o conselho.

Secretaria de SP diz ao STF que cumpre realização de aborto legal

A Secretaria Municipal de Saúde de São Paulo informou nesta segunda-feira (24) ao ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), que cumpre a decisão que liberou a realização da assistolia fetal para interrupção de gravidez.

Em ofício enviado ao ministro, a secretaria apresentou uma lista com os nomes de mulheres que realizaram o procedimento em cinco hospitais municipais neste ano. A relação é composta pelas iniciais dos nomes, o número do prontuário e a idade gestacional. A maioria dos casos envolve a interrupção abaixo das 22 semanas de gestação. 

Conforme a lista, entre janeiro e junho, foram realizados 68 abortos legais nos cinco hospitais. Apenas três casos foram acima das 22 semanas de gravidez.

A interrupção da gestação é permitida pela legislação penal nos casos de gravidez fruto de estupro e só pode ser realizada pelo médico com o consentimento da vítima.

Na semana passada, Moraes pediu que os hospitais informassem se estão realizando o procedimento. A solicitação foi feita após matérias jornalísticas informarem que pacientes tiveram a interrupção legal negada. 

No mês passado, o ministro suspendeu a resolução aprovada pelo Conselho Federal de Medicina (CFM) para proibir a realização da assistolia. A  suspensão foi motivada por uma ação protocolada pelo PSOL.

Moraes considerou que houve “abuso do poder regulamentar” do CFM ao fixar regra não prevista em lei para impedir a realização do procedimento. Ao editar a resolução, o CFM entendeu que o ato médico da assistolia provoca a morte do feto antes do procedimento de interrupção da gravidez e decidiu vetá-lo.

“É vedada ao médico a realização do procedimento de assistolia fetal, ato médico que ocasiona o feticídio, previamente aos procedimentos de interrupção da gravidez nos casos de aborto previsto em lei, ou seja, feto oriundo de estupro, quando houver probabilidade de sobrevida do feto em idade gestacional acima de 22 semanas”, definiu o conselho. 

 

Manifestantes protestam contra PL do Aborto no Rio e em São Paulo

Centenas de manifestantes se reuniram na Praia de Copacabana, na zona sul do Rio de Janeiro, na manhã deste domingo (23) para pedir o arquivamento imediato do Projeto de Lei 1904/24, que equipara o aborto acima de 22 semanas de gestação ao homicídio, aumentando de dez para 20 anos a pena máxima para quem fizer o procedimento.

A assistente social Clara Saraiva, uma das organizadoras da manifestação e membro da Frente Estadual contra a Criminalização das Mulheres e pela Legalização do Aborto no estado do Rio, disse que o ato é parte de um movimento nacional chamado Criança não é Mãe, que pede o arquivamento imediato da proposta por proteger estupradores e impedir a mulher de exercer o direito legal ao aborto após a 22ª semana de gestação.

“Mais do que impedir, ele criminaliza tratando as mulheres como homicidas, podendo pegar uma pena de até 20 anos o que é extremamente grave, pena maior do que a do estupro”.

A deputada federal Jandira Feghali (PCdoB) ressaltou que os atos da população nas ruas são importante instrumentos de pressão aos parlamentares. “A presença nossa nas ruas é decisiva, que nos dá a principal sustentação, para que a gente tenha vitória no Congresso Nacional. As mulheres provaram que elas conseguem botar o povo na rua. Esse PL 1904, além de inconstitucional, é absolutamente criminoso e nos leva para o início do século passado. Criança não é mãe, estuprador não é pai”.

No protesto, há críticas ao presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL). Na última semana, Lira informou que irá criar uma comissão para debater o projeto de lei no segundo semestre. O adiamento do debate ocorre após críticas, da sociedade civil e de autoridades, ao teor do projeto e pelos deputados federais terem aprovado regime de urgência para a proposta, o que significa votar diretamente no plenário sem passar por discussões nas comissões da Casa. 

O aposentado Francisco Viana de Souza também participou da passeata e considera que “o povo foi desrespeitado” com aprovação do regime de urgência. 

São Paulo 

Em São Paulo, a concentração do ato foi em frente ao Museu de Arte de São Paulo, na Avenida Paulista, região central da capital. É a terceira manifestação que ocorre no local contra o PL 1904 desde o dia 13 de junho.

Uma bateria de tambores dava ritmo aos gritos de ordem. Ao microfone, as manifestantes se revezavam para explicar as razões do protesto. Parte delas usava o lenço verde que se tornou símbolo dos atos em defesa ao direito ao aborto legal.

A militante Letícia Parks, do movimento Pão e Rosas, explica que há o risco de o projeto ser votado em agosto, por isso a necessidade de mobilização constante.

“É muito importante dar um recado para o Congresso de que nós não vamos parar de lutar enquanto esse PL continuar em pauta”, enfatizou.

A ampliação do direito do aborto e da autonomia das mulheres também faz, segundo Letícia, parte das reivindicações da manifestação. “A gente está lutando pelo direito ao aborto legal, livre, seguro e gratuito, porque não se trata apenas de defender um direito restrito, como é o que a gente tem hoje, mas lutar pelo direito das mulheres, das pessoas com útero, decidirem sobre o próprio corpo de forma totalmente livre”, disse.

Brasília: mulheres fazem ato contra PL que equipara aborto a homicídio

Um grupo de mulheres participou na tarde desta quarta-feira (19) de protesto em Brasília contra o PL 1.904/2024 em frente à Câmara dos Deputados.

Os atos, que pediam o arquivo do “PL da Gravidez Infantil”, como também é chamado, foi convocado pela Frente Nacional contra a Criminalização das Mulheres e pela Legalização do Aborto; e pelo movimento da sociedade civil Criança Não é Mãe.

O PL equipara aborto a homicídio; e prevê que meninas e mulheres que vierem a fazer o procedimento após 22 semanas de gestação, inclusive quando vítimas de estupro, terão penas de seis a 20 anos de reclusão – punição maior do que a prevista para quem comete crime de estupro de vulnerável (de oito a 15 anos de reclusão). Hoje, a legislação brasileira não prevê um limite máximo para interromper a gravidez de forma legal.

Além dos atos, também foi escrito um manifesto contra a proposta assinado por cerca de 150 mulheres cristãs, inclusive pastoras e diáconas, de igrejas diferentes – Luterana, Anglicana, Presbiteriana, Batista, Neopentecostais e Católica – e de todas as regiões do país. O documento foi redigido para ser entregue no Congresso Nacional, no Supremo Tribunal Federal e na Presidência da República.

Contrário à Constituição

O texto foi articulado por lideranças femininas dessas igrejas, entre elas a pastora Lusmarina Campos Garcia, da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil. Para a religiosa -e também advogada com doutorado em Direito -, o PL é “um mecanismo para criminalizar as meninas e as mulheres. É absolutamente contrário à Constituição, que tem as garantias todas estabelecidas no Artigo 5º. É também absolutamente contrário aos tratados internacionais dos quais o Brasil é signatário.”

Na avaliação de Lusmarina,  a “proposta não prospera”, mas foi apresentada – e ganhou regime de urgência na tramitação – como “modo de pressionar o governo para a aprovação de outras pautas. Para que o governo libere outros tipos de votação, relativas aos direitos trabalhistas, aos direitos educacionais, aos direitos dos povos indígenas, à questão ambiental.”

“Eu penso que na verdade o aborto e as questões da saúde reprodutiva das mulheres acabaram se tornando tipo uma moeda de troca, uma barganha, por parte dos grupos mais fundamentalistas”, opina a religiosa, que critica a “exploração da boa fé das pessoas, especialmente aquelas em vulnerabilidade social”, disse à Agência Brasil.

“Há pastores que precisam que essa gente esteja em vulnerabilidade social e precisam que o Estado não cumpra o seu papel de responder a essa vulnerabilidade, para poder ter um papel mais importante na vida dessas pessoas. Acho que é uma infelicidade profunda que nós não tenhamos uma política social forte que consiga dar conta de responder às necessidades do povo. Com isso deixamos aberta a possibilidade para que alguns grupos explorem a necessidade das pessoas com uma linguagem de fé”, lamentou a pastora.

Ontem, o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), previu que o PL 1.904 será debatido no próximo semestre. Segundo ele, “nada nesse projeto retroagirá nos direitos já garantidos e nada irá avançar para trazer qualquer dano às mulheres.

Membros do movimento “Criança não é Mãe” realizam protesto contra o projeto de lei que equipara aborto de gestação acima de 22 semanas a homicídio – Marcelo Camargo/Agência Brasil

Para especialistas em saúde reprodutiva e em direito penal, eventual aprovação do PL criminalizaria especialmente meninas vítimas de estupro. Em 2022, de cada quatro estupros, três foram cometidos contra pessoas “incapazes de consentir, fosse pela idade (menores de 14 anos), ou por qualquer outro motivo (deficiência, enfermidade etc.)”, informa publicação do Fórum Brasileiro de Segurança Pública em 2023.

O Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) estima que apenas 8,5% dos estupros no Brasil são relatados à polícia. A projeção do instituto é que, de fato, ocorram 822 mil casos anuais.

Mantida a proporção de três quartos dos casos registrados nas delegacias, o Brasil teria mais de 616 mil casos de vulneráveis por ano.

*Com informações da Agência Câmara

Lira anuncia comissão para debater PL do Aborto no segundo semestre

O presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), informou nesta terça-feira (18) que irá criar uma comissão para debater o projeto de lei que equipara o aborto, após a 22ª semana de gestação, a homicídio. Segundo Lira, a comissão terá representantes de todos os partidos.

Lira anunciou ainda que a proposta será debatida no segundo semestre depois do recesso parlamentar. 

“Reafirmar a importância do amplo debate. Isso é fundamental para exaurir todas as discussões, para se chegar a um termo que crie, para todos, segurança jurídica, humana, moral e científica sobre qualquer projeto que possa a vir a ser debatido na Câmara”, disse. “Nunca fugiremos a essa responsabilidade de fazer o debate e fazê-lo com exatidão e nunca faltar com espírito aberto e democrático para que a sociedade participe”, afirmou, segundo a Agência Câmara. 

O adiamento do debate ocorre após críticas ao teor do projeto – entre elas, por equiparar o aborto a homicídio e impor uma pena maior a mulher que faz o procedimento em comparação a de um estuprador – e pelos deputados federais terem aprovado regime de urgência para a proposta, o que significa votar diretamente no plenário sem passar por discussões nas comissões da Casa. 

De acordo com o presidente da Câmara, a pauta e as decisões da Casa não são tomadas de forma monocrática, mas dentro do colegiado. 

Em entrevista à imprensa, acompanhado de líderes partidários e representantes de bancadas, Lira garantiu que o texto a ser aprovado na Câmara não terá retrocessos ou causará danos aos direitos das mulheres. 

“Quero reafirmar que nada nesse projeto retroagirá nos direitos já garantidos e nada irá avançar para trazer qualquer dano às mulheres”, disse. 

Pelo projeto, o aborto, depois de 22 semanas de gravidez, será considerado crime de homicídio em qualquer situação, mesmo em caso de estupro. Atualmente, a legislação permite o procedimento nos casos em que a mulher foi vítima de estupro, a gestação traz risco para vida da mãe ou anencefalia do feto.

Entenda o projeto de lei 

O Projeto de Lei 1904/24 equipara o aborto acima de 22 semanas de gestação ao homicídio, aumentando de dez para 20 anos a pena máxima para quem fizer o procedimento.

O texto fixa em 22 semanas de gestação o prazo máximo para abortos legais. Hoje em dia, a lei permite o aborto nos casos de estupro, de risco de vida à mulher e de anencefalia fetal (quando não há formação do cérebro do feto). Atualmente, não há no Código Penal um tempo máximo de gestação para o aborto legal.

Na legislação atual, o aborto é punido com penas que variam de um a três anos de prisão, quando provocado pela gestante; de um a quatro anos, quando médico ou outra pessoa provoque um aborto com o consentimento da gestante; e de três a dez anos, para quem provocar o aborto sem o aval da mulher. 

Se o projeto de lei for aprovado, a pena para as mulheres vítimas de estupro será maior do que a dos estupradores, já que a punição para o crime de estupro é de dez anos de prisão, e as mulheres que abortarem, conforme o projeto, podem ser condenadas a até 20 anos de prisão.

* Com informações da Agência Câmara 

Ausência do Estado distancia meninas e mulheres do aborto legal

As desigualdades sociais no Brasil podem explicar a razão para que meninas e mulheres busquem apoio para o aborto legal também após 22 semanas de gestação, segundo alertam pesquisadoras no tema. O Projeto de Lei 1904, em discussão no Congresso Nacional, equipara a interrupção da gravidez após esse período ao crime de homicídio. 

A proposta gerou reações na sociedade. No ano passado, o Brasil registrou 74.930 estupros, o maior número da história. Desses, 56.820 foram estupros contra vulneráveis. Atualmente, gravidez decorrente de estupro é uma das situações que autoriza o aborto no Brasil. 

No Brasil, houve no ano passado um total de 2.687 casos de aborto legal, segundo informou o Ministério da Saúde.  Desse número, 140 foram de meninas até 14 anos de idade – o número mais que duplicou em relação a 2018, quando foram registrados 60 procedimentos. Na faixa etária de 15 a 19 anos, foram 291 abortos. Há cinco anos, foram 199 procedimentos. 

A socióloga e pesquisadora Jacqueline Pitanguy explica que meninas na puberdade ou até antes desse período que são estupradas, muitas vezes violentadas por pessoas com quem convivem, como pais, padrastos ou familiares, nem imaginam que podem estar grávidas “Há muitas que não percebem que estão grávidas. Nem sabem o que é gravidez”, exemplifica a professora.  

A pesquisadora, que é coordenadora na Ong Cepia (Cidadania, Estudo, Pesquisa, Informação e Ação), enfatiza que a legislação brasileira em vigor não estabelece prazo para interrupção da gravidez em caso de estupro e que, quanto mais cedo for feito um abortamento em vista da violência, melhor. Ela entende que a gestação avança no tempo em função das desigualdades sociais a que estão submetidas crianças, adolescentes e também mulheres adultas.  “É um marcador de falha do sistema público de saúde em prover serviços de atenção à saúde que sejam acessíveis às mulheres na imensidão desse Brasil”. 

Jacqueline Pitanguy contextualiza que é normal que exista demora em que pessoas próximas percebam uma mudança no corpo. “A barriguinha nessas meninas só aparece mais tarde. Elas não têm menstruação regular. Então, essas meninas são absolutamente vulneráveis ao fato de que a gravidez avance”, exemplifica.

Vulnerabilidade

Outra pesquisadora, a enfermeira obstétrica Mariane Marçal enfatiza que há uma estimativa de que 20 mil meninas menores de 14 anos engravidaram por ano na última década, sendo que 74% delas são negras.  “Gestações de menores de 14 anos são frutos de estupro. Há uma epidemia de gestação infantil. Acompanhamos muitas meninas que nem sabiam o que havia ocorrido. O risco de morrer em uma gestação tão precoce é cinco vezes maior em meninas de menos de 14 anos”, diz a enfermeira, que trabalha na coordenação de projetos da ONG Criola, que atua pelo direito de mulheres negras.

A pesquisadora exemplifica que fez um levantamento da mortalidade materna de mulheres negras na Baixada Fluminense com casos ocorridos entre 2005 e 2015. “Os casos de adolescentes são muito comuns”. Ela explica que também nas comunidades haja julgamentos morais sobre as meninas. A enfermeira recorda o episódio em que acompanhou uma menina de oito anos de idade estuprada, que nunca havia menstruado, e engravidou.

Longe do direito

Além da infância, mulheres adultas também têm dificuldades em realizar aborto legal no Brasil. “Ela tem mais capacidade de perceber e começa a procurar um lugar para interromper a gestação, mas ela mora em um município que não tem serviço”, lamenta a socióloga Jacqueline Pitanguy. Ela explica que esses obstáculos ocorrem antes de 22 semanas de gestação, mas são vítimas de adiamentos no sistema de saúde e também em  ordem judicial. 

“Em geral, uma mulher pobre, muitas vezes desprovida de meios até para esse deslocamento, no desespero de interromper aquela gestação e quando ela finalmente consegue chegar a um serviço, ela está com 23 semanas. Há uma falha no sentido de atender o direito à saúde e os direitos reprodutivos das mulheres ao não colocar serviços o suficiente”.  Esses obstáculos costumam ser citados no sistema de saúde como “objeção de consciência”, de profissionais de saúde e agendamento de seguidas consultas sem uma decisão breve de profissionais, como exemplifica a pesquisadora Mariane Marçal.  

A coordenadora do Grupo Curumim (PE), Paula Viana, lamenta que apenas 3,6% dos municípios no Brasil possuem o serviço de abortamento legal, o que aumenta a dificuldade de mulheres que moram longe dos grandes centros e também nas periferias. “A pessoa vai se dirigir a um serviço de atendimento à vítima de violência sexual e lá ela vai ser atendida. Se for o caso de interrupção da gravidez, ela vai ser informada sobre isso e o que tipo de tratamento. Em geral, quando é mais precoce, o tratamento é muito seguro. É um tratamento que, por exemplo, no Uruguai, na Argentina, é feito em casa”, diz Paula, que também é enfermeira obstétrica.  

Estigmas

O reduzido número de municípios com serviços de abortamento tem como consequência a invisibilidade de crimes e da real situação de mulheres vítimas de violência. “Infelizmente, o estigma do aborto é tão grande no meio da sociedade que afasta muitas vezes as pessoas dos seus direitos. Muitas vezes as pessoas não sabem o direito que têm de interromper aquela gravidez que é totalmente indesejada. Nos casos de risco de morte ou nos casos de malformação, como a anencefalia, isso é tratado no âmbito da saúde”.

Paula Viana indica que o estigma é abastecido por proposições semelhantes ao PL 1904. “A gente monitora o Congresso e tem mais de 40 proposições muito parecidas com essa. O estigma faz com que as pessoas tenham medo. A pessoa fica grávida de um estupro e mesmo assim acha que está errada”.

Aborto legal

A legislação em vigor no Brasil prevê que a mulher tem direito ao aborto nos casos de gravidez decorrente de estupro, se a gestação representar risco de vida à mulher e se for caso de anencefalia fetal (esta situação, desde 2012). “Nós temos mulheres que engravidaram, que buscaram ajuda após estupro. Até o diagnóstico e a busca dessa ajuda, com certeza o tempo vai ser maior que 22 semanas”, diz a médica Albertina Duarte, coordenadora do Programa Saúde do Adolescente do Estado de São Paulo e chefe do Ambulatório de Atendimento de ginecologia da Adolescência Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo. 

“Se a mulher for estuprada, pode procurar imediatamente o serviço de saúde. Não necessita de boletim de ocorrência. A palavra da mulher é fundamental. O serviço especializado já tem protocolos”, afirmou.

Proteção

A psicóloga Marina Poniwas, do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda), acrescenta que, além de não necessitar de boletim de ocorrência, a própria equipe de saúde deve preencher os documentos necessários. “O Sistema de Saúde deve atender, acolher e orientar a vítima e realizar o procedimento de forma protetiva e segura, nos casos previstos em lei”.

Ela reitera que o aborto legal deve ser garantido gratuitamente pelo Sistema Único de Saúde (SUS). “O problema que enfrentamos é a desinformação de profissionais de saúde e também a atuação baseada em crenças ideológicas que promovem uma segunda violência às meninas e mulheres que buscam o serviço”.

Ela avalia que uma confusão parece ocorrer pelo termo utilizado como sendo aborto legal, sendo que o abortamento, por definição, é a interrupção da gravidez até a 20ª e 22ª semana de gestação. “Ocorre que a lei não fixou limite de idade gestacional para a interrupção de gestação, de modo que é permitida a interrupção também a partir da 22ª semana. Laudo médico e exames só serão necessários em casos de gestação de risco e de gestação de anencéfalo”, afirma Marina Poniwas.

Aborto legal: falhas na rede de apoio penalizam meninas e mulheres

As desigualdades sociais no Brasil podem explicar a razão para que meninas e mulheres busquem apoio para o aborto legal também após 22 semanas de gestação, segundo alertam pesquisadoras no tema. O Projeto de Lei 1904, em discussão no Congresso Nacional, equipara a interrupção da gravidez após esse período ao crime de homicídio. 

A proposta gerou reações na sociedade. No ano passado, o Brasil registrou 74.930 estupros, o maior número da história. Desses, 56.820 foram estupros contra vulneráveis. Atualmente, gravidez decorrente de estupro é uma das situações que autoriza o aborto no Brasil. 

No Brasil, houve no ano passado um total de 2.687 casos de aborto legal, segundo informou o Ministério da Saúde.  Desse número, 140 foram de meninas até 14 anos de idade – o número mais que duplicou em relação a 2018, quando foram registrados 60 procedimentos. Na faixa etária de 15 a 19 anos, foram 291 abortos. Há cinco anos, foram 199 procedimentos. 

A socióloga e pesquisadora Jacqueline Pitanguy explica que meninas na puberdade ou até antes desse período que são estupradas, muitas vezes violentadas por pessoas com quem convivem, como pais, padrastos ou familiares, nem imaginam que podem estar grávidas “Há muitas que não percebem que estão grávidas. Nem sabem o que é gravidez”, exemplifica a professora.  

A pesquisadora, que é coordenadora na Ong Cepia (Cidadania, Estudo, Pesquisa, Informação e Ação), enfatiza que a legislação brasileira em vigor não estabelece prazo para interrupção da gravidez em caso de estupro e que, quanto mais cedo for feito um abortamento em vista da violência, melhor. Ela entende que a gestação avança no tempo em função das desigualdades sociais a que estão submetidas crianças, adolescentes e também mulheres adultas.  “É um marcador de falha do sistema público de saúde em prover serviços de atenção à saúde que sejam acessíveis às mulheres na imensidão desse Brasil”. 

Jacqueline Pitanguy contextualiza que é normal que exista demora em que pessoas próximas percebam uma mudança no corpo. “A barriguinha nessas meninas só aparece mais tarde. Elas não têm menstruação regular. Então, essas meninas são absolutamente vulneráveis ao fato de que a gravidez avance”, exemplifica.

Vulnerabilidade

Outra pesquisadora, a enfermeira obstétrica Mariane Marçal enfatiza que há uma estimativa de que 20 mil meninas menores de 14 anos engravidaram por ano na última década, sendo que 74% delas são negras.  “Gestações de menores de 14 anos são frutos de estupro. Há uma epidemia de gestação infantil. Acompanhamos muitas meninas que nem sabiam o que havia ocorrido. O risco de morrer em uma gestação tão precoce é cinco vezes maior em meninas de menos de 14 anos”, diz a enfermeira, que trabalha na coordenação de projetos da ONG Criola, que atua pelo direito de mulheres negras.

A pesquisadora exemplifica que fez um levantamento da mortalidade materna de mulheres negras na Baixada Fluminense com casos ocorridos entre 2005 e 2015. “Os casos de adolescentes são muito comuns”. Ela explica que também nas comunidades haja julgamentos morais sobre as meninas. A enfermeira recorda o episódio em que acompanhou uma menina de oito anos de idade estuprada, que nunca havia menstruado, e engravidou.

Longe do direito

Além da infância, mulheres adultas também têm dificuldades em realizar aborto legal no Brasil. “Ela tem mais capacidade de perceber e começa a procurar um lugar para interromper a gestação, mas ela mora em um município que não tem serviço”, lamenta a socióloga Jacqueline Pitanguy. Ela explica que esses obstáculos ocorrem antes de 22 semanas de gestação, mas são vítimas de adiamentos no sistema de saúde e também em  ordem judicial. 

“Em geral, uma mulher pobre, muitas vezes desprovida de meios até para esse deslocamento, no desespero de interromper aquela gestação e quando ela finalmente consegue chegar a um serviço, ela está com 23 semanas. Há uma falha no sentido de atender o direito à saúde e os direitos reprodutivos das mulheres ao não colocar serviços o suficiente”.  Esses obstáculos costumam ser citados no sistema de saúde como “objeção de consciência”, de profissionais de saúde e agendamento de seguidas consultas sem uma decisão breve de profissionais, como exemplifica a pesquisadora Mariane Marçal.  

A coordenadora do Grupo Curumim (PE), Paula Viana, lamenta que apenas 3,6% dos municípios no Brasil possuem o serviço de abortamento legal, o que aumenta a dificuldade de mulheres que moram longe dos grandes centros e também nas periferias. “A pessoa vai se dirigir a um serviço de atendimento à vítima de violência sexual e lá ela vai ser atendida. Se for o caso de interrupção da gravidez, ela vai ser informada sobre isso e o que tipo de tratamento. Em geral, quando é mais precoce, o tratamento é muito seguro. É um tratamento que, por exemplo, no Uruguai, na Argentina, é feito em casa”, diz Paula, que também é enfermeira obstétrica.  

Estigmas

O reduzido número de municípios com serviços de abortamento tem como consequência a invisibilidade de crimes e da real situação de mulheres vítimas de violência. “Infelizmente, o estigma do aborto é tão grande no meio da sociedade que afasta muitas vezes as pessoas dos seus direitos. Muitas vezes as pessoas não sabem o direito que têm de interromper aquela gravidez que é totalmente indesejada. Nos casos de risco de morte ou nos casos de malformação, como a anencefalia, isso é tratado no âmbito da saúde”.

Paula Viana indica que o estigma é abastecido por proposições semelhantes ao PL 1904. “A gente monitora o Congresso e tem mais de 40 proposições muito parecidas com essa. O estigma faz com que as pessoas tenham medo. A pessoa fica grávida de um estupro e mesmo assim acha que está errada”.

Aborto legal

A legislação em vigor no Brasil prevê que a mulher tem direito ao aborto nos casos de gravidez decorrente de estupro, se a gestação representar risco de vida à mulher e se for caso de anencefalia fetal (esta situação, desde 2012). “Nós temos mulheres que engravidaram, que buscaram ajuda após estupro. Até o diagnóstico e a busca dessa ajuda, com certeza o tempo vai ser maior que 22 semanas”, diz a médica Albertina Duarte, coordenadora do Programa Saúde do Adolescente do Estado de São Paulo e chefe do Ambulatório de Atendimento de ginecologia da Adolescência Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo. 

“Se a mulher for estuprada, pode procurar imediatamente o serviço de saúde. Não necessita de boletim de ocorrência. A palavra da mulher é fundamental. O serviço especializado já tem protocolos”, afirmou.

Proteção

A psicóloga Marina Poniwas, do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda), acrescenta que, além de não necessitar de boletim de ocorrência, a própria equipe de saúde deve preencher os documentos necessários. “O Sistema de Saúde deve atender, acolher e orientar a vítima e realizar o procedimento de forma protetiva e segura, nos casos previstos em lei”.

Ela reitera que o aborto legal deve ser garantido gratuitamente pelo Sistema Único de Saúde (SUS). “O problema que enfrentamos é a desinformação de profissionais de saúde e também a atuação baseada em crenças ideológicas que promovem uma segunda violência às meninas e mulheres que buscam o serviço”.

Ela avalia que uma confusão parece ocorrer pelo termo utilizado como sendo aborto legal, sendo que o abortamento, por definição, é a interrupção da gravidez até a 20ª e 22ª semana de gestação. “Ocorre que a lei não fixou limite de idade gestacional para a interrupção de gestação, de modo que é permitida a interrupção também a partir da 22ª semana. Laudo médico e exames só serão necessários em casos de gestação de risco e de gestação de anencéfalo”, afirma Marina Poniwas.