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Aborto legal: falhas na rede de apoio penalizam meninas e mulheres

As desigualdades sociais no Brasil podem explicar a razão para que meninas e mulheres busquem apoio para o aborto legal também após 22 semanas de gestação, alertam pesquisadoras no tema. O Projeto de Lei 1904, em discussão no Congresso Nacional, equipara a interrupção da gravidez após esse período ao crime de homicídio. 

A proposta gerou reações na sociedade. No ano passado, o Brasil registrou 74.930 estupros, o maior número da história. Desses, 56.820 foram estupros contra vulneráveis. Atualmente, gravidez decorrente de estupro é uma das situações que autoriza o aborto no país.

No Brasil, houve no ano passado um total de 2.687 casos de aborto legal, segundo informou o Ministério da Saúde.  Desse número, 140 foram de meninas até 14 anos de idade – o número mais que duplicou em relação a 2018, quando foram registrados 60 procedimentos. Na faixa etária de 15 a 19 anos, foram 291 abortos. Há cinco anos, foram 199 procedimentos. 

A socióloga e pesquisadora Jacqueline Pitanguy explica que meninas na puberdade ou até antes desse período que são estupradas, muitas vezes violentadas por pessoas com quem convivem, como pais, padrastos ou familiares, nem imaginam que podem estar grávidas “Há muitas que não percebem que estão grávidas. Nem sabem o que é gravidez”, exemplifica a professora.  

A pesquisadora, que é coordenadora na Ong Cepia (Cidadania, Estudo, Pesquisa, Informação e Ação), enfatiza que a legislação brasileira em vigor não estabelece prazo para interrupção da gravidez em caso de estupro e que, quanto mais cedo for feito um abortamento em vista da violência, melhor. Ela entende que a gestação avança no tempo em função das desigualdades sociais a que estão submetidas crianças, adolescentes e também mulheres adultas.  “É um marcador de falha do sistema público de saúde em prover serviços de atenção à saúde que sejam acessíveis às mulheres na imensidão desse Brasil”. 

Segundo ela, é normal que exista demora para que pessoas próximas percebam uma mudança no corpo. “A barriguinha nessas meninas só aparece mais tarde. Elas não têm menstruação regular. Então, essas meninas são absolutamente vulneráveis ao fato de que a gravidez avance”, exemplifica.

Vulnerabilidade

Outra pesquisadora, a enfermeira obstétrica Mariane Marçal enfatiza que há uma estimativa de que 20 mil meninas menores de 14 anos tenham engravidado, por ano, na última década, sendo que 74% delas são negras.  “Gestações de menores de 14 anos são frutos de estupro. Há uma epidemia de gestação infantil. Acompanhamos muitas meninas que nem sabiam o que havia ocorrido. O risco de morrer em uma gestação tão precoce é cinco vezes maior em meninas de menos de 14 anos”, diz a enfermeira, que trabalha na coordenação de projetos da ONG Criola, que atua pelo direito de mulheres negras.

A pesquisadora exemplifica que fez um levantamento da mortalidade materna de mulheres negras na Baixada Fluminense com casos ocorridos entre 2005 e 2015. “Os casos de adolescentes são muito comuns”. Ela explica que, também nas comunidades, há julgamentos morais sobre as meninas. A enfermeira recorda o episódio em que acompanhou uma menina de 8 anos de idade estuprada, que nunca havia menstruado, e engravidou.

Longe do direito

Além da infância, mulheres adultas também têm dificuldades em realizar aborto legal no Brasil. “Ela tem mais capacidade de perceber e começa a procurar um lugar para interromper a gestação, mas ela mora em um município que não tem serviço”, lamenta a socióloga Jacqueline Pitanguy. Ela explica que esses obstáculos ocorrem antes de 22 semanas de gestação, mas são vítimas de adiamentos no sistema de saúde e também em  ordem judicial. 

“Em geral, uma mulher pobre, muitas vezes desprovida de meios até para esse deslocamento, no desespero de interromper aquela gestação e quando ela finalmente consegue chegar a um serviço, ela está com 23 semanas. Há uma falha no sentido de atender o direito à saúde e os direitos reprodutivos das mulheres ao não colocar serviços o suficiente”.  Esses obstáculos costumam ser citados no sistema de saúde como “objeção de consciência”, de profissionais de saúde e agendamento de seguidas consultas sem uma decisão breve de profissionais, como exemplifica a pesquisadora Mariane Marçal.  

A coordenadora do Grupo Curumim (PE), Paula Viana, lamenta que apenas 3,6% dos municípios no Brasil possuam o serviço de abortamento legal, o que aumenta a dificuldade de mulheres que moram longe dos grandes centros e também nas periferias. “A pessoa vai se dirigir a um serviço de atendimento à vítima de violência sexual e lá ela vai ser atendida. Se for o caso de interrupção da gravidez, ela vai ser informada sobre isso e os tipos de tratamento. Em geral, quando é mais precoce, o tratamento é muito seguro. É um tratamento que, por exemplo, no Uruguai, na Argentina, é feito em casa”, diz Paula, que também é enfermeira obstétrica.  

Estigmas

O reduzido número de municípios com serviços de abortamento tem como consequência a invisibilidade de crimes e da real situação de mulheres vítimas de violência. “Infelizmente, o estigma do aborto é tão grande no meio da sociedade que afasta as pessoas dos seus direitos. Muitas vezes as pessoas não sabem o direito que têm de interromper aquela gravidez que é totalmente indesejada. Nos casos de risco de morte ou nos casos de malformação, como a anencefalia, isso é tratado no âmbito da saúde”.

Segundo Paula Viana, o estigma é abastecido por proposições semelhantes ao PL 1904. “A gente monitora o Congresso e tem mais de 40 proposições muito parecidas com essa. O estigma faz com que as pessoas tenham medo. A pessoa fica grávida de um estupro e, mesmo assim, acha que está errada”.

Aborto legal

A legislação em vigor no Brasil prevê que a mulher tem direito ao aborto nos casos de gravidez decorrente de estupro, se a gestação representar risco de vida à mulher e se for caso de anencefalia fetal (esta situação, desde 2012). “Nós temos mulheres que engravidaram, que buscaram ajuda após estupro. Até o diagnóstico e a busca dessa ajuda, com certeza, o tempo vai ser maior que 22 semanas”, diz a médica Albertina Duarte, coordenadora do Programa Saúde do Adolescente do Estado de São Paulo e chefe do Ambulatório de Atendimento de ginecologia da Adolescência do Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo. 

“Se a mulher for estuprada, pode procurar imediatamente o serviço de saúde. Não necessita de boletim de ocorrência. A palavra da mulher é fundamental. O serviço especializado já tem protocolos”, afirmou.

Proteção

A psicóloga Marina Poniwas, do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda), acrescenta que, além de não necessitar de boletim de ocorrência, a própria equipe de saúde deve preencher os documentos necessários. “O Sistema de Saúde deve atender, acolher e orientar a vítima e realizar o procedimento de forma protetiva e segura, nos casos previstos em lei”.

Ela reitera que o aborto legal deve ser garantido gratuitamente pelo Sistema Único de Saúde (SUS). “O problema que enfrentamos é a desinformação de profissionais de saúde e também a atuação baseada em crenças ideológicas que promovem uma segunda violência às meninas e mulheres que buscam o serviço”.

Ela avalia que uma confusão parece ocorrer pelo termo utilizado como sendo aborto legal, sendo que o abortamento, por definição, é a interrupção da gravidez até a 20ª e 22ª semana de gestação. “Ocorre que a lei não fixou limite de idade gestacional para a interrupção de gestação, de modo que é permitida a interrupção também a partir da 22ª semana. Laudo médico e exames só serão necessários em casos de gestação de risco e de gestação de anencéfalo”, afirma Marina Poniwas.

OAB diz que PL do aborto é flagrantemente inconstitucional e atroz

O Conselho Pleno da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) aprovou nesta segunda-feira (17), por aclamação, um parecer que define como inconstitucional, inconvencional e ilegal o projeto de lei (PL) que equipara o aborto após a 22ª semana de gestação ao homicídio. Com 81 membros, o Conselho da OAB é o órgão máxima da instituição que representa a advocacia brasileira.

“Absoluta desproporcionalidade e falta de razoabilidade da proposição legislativa em questão, além de perversas misoginia e racismo. Em suma, sob ótica do direito constitucional e do direito internacional dos direitos humanos o PL 1904/2024 é flagrantemente inconstitucional, inconvencional e ilegal”, afirma o parecer.

O documento considera ainda que o PL remonta à Idade Média, sendo “atroz, degradante, retrógrado e persecutória a meninas e mulheres”. De acordo com o parecer, “[o PL] obriga meninas e mulheres, as principais vítimas de estupro, a duas opções: ou ela é presa pelo crime de aborto, cujo o tratamento será igual ao dispensado ao crime de homicídio simples, ou ela é obrigada a gerar um filho do seu estuprador”.

O Conselho votou a favor do parecer produzido por comissão formada por cinco representantes da OAB, todas mulheres, lideradas pela conselheira da Silvia Virginia Silva de Souza, atual presidente do Conselho Nacional de Direitos Humanos.

“75 mil estupros por ano, 58 mil desses estupros contra meninas de até 13 anos, 56% negras. O retrato das vítimas deste projeto de lei, se aprovado, são meninas pobres e negras que tem voz aqui, sim, nesse plenário. Eu vim desse lugar”, disse Silvia de Souza durante a sessão do Conselho da OAB.

O parecer foi feito à pedido do presidente da Ordem, Beto Simonetti, que destacou que o documento aprovado hoje não é uma mera opinião da instituição. “É uma posição da Ordem dos Advogados do Brasil, forte, firme, serena e responsável. E, a partir dele, nós continuaremos lutando no Congresso Nacional, através de diálogo, e bancando e patrocinando a nossa posição”, afirmou.

O documento aprovado pelo Conselho da OAB pede que o projeto de lei que equipara o aborto ao homicídio seja arquivado ou, caso aprovado, que o tema seja levado ao Supremo Tribunal Federal (STF).

Inconstitucional

O parecer afirma que o PL 1.904/24 viola à Constituição por não proteger e garantir o direito à saúde, principalmente às mulheres vítimas de estupro. Segundo o parecer, a pena imposta pelo projeto à mulher vítima de estupro, por ser maior que a pena imposta hoje ao estuprador, também viola o princípio da proporcionalidade que deve reger o direito penal.

“Atribuir à vítima de estupro pena maior que do seu estuprador, não se coaduna com os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade da proposição legislativa, além de tratamento desumano e discriminatório para com as vítimas de estupro”, diz o documento.

De acordo com o projeto, a mulher poderá ter uma pena que chega a 20 anos, enquanto o estuprador pode pegar, no máximo, 10 anos de cadeia.

O documento aprovado hoje pela OAB destaca ainda que o texto “grosseiro e desconexo da realidade” não considera as dificuldades que as mulheres e meninas vítimas de estupro têm para acessar o aborto legal.  

“O PL não se preocupou com a possibilidade de uma descoberta tardia da gravidez, fenômeno comumente percebido nos lugares mais interioranos dos Estados brasileiros, ou ainda, com a desídia do Estado na assistência médica em tempo hábil”, argumentou.

Segundo a OAB, as dificuldades impostas pela realidade justificam a interrupção da gravidez acima da 22ª semana.

“No Brasil, o abortamento seguro está restrito a poucos estabelecimentos e concentrada em grandes centros urbanos. A dificuldade em reconhecer os sinais da gravidez entre as crianças, ao desconhecimento sobre as previsões legais do aborto, à descoberta de diagnósticos de malformações que geralmente são realizados após primeira metade da gravidez, bem como à imposição de barreiras pelo próprio sistema de saúde (objeção de consciência, exigência de boletim de ocorrência ou autorização judicial, dentre outros) constituem as principais razões para a procura pelo aborto após a 20ª semana de gravidez”, explica o parecer.

Direito Penal

O parecer afirma que o Direito Penal deve ser usado como último recurso, já que ele é regido pelo princípio da intervenção mínima e da reserva legal. “O Direito penal torna-se ilegítimo quando a serviço do clamor social, pois sua utilização deve ser como ultima ratio, e não como primeira e única opção”, diz o documento.

Outro argumento utilizado é o de que o PL viola o princípio da humanidade das penas.

“A imposição de pena de homicídio às vítimas de estupro é capaz de ostentar características de penas cruéis e infamantes, o que seria um retrocesso e uma violação ao princípio da humanidade das penas”, argumentou.

Laicidade e vício formal

Segundo a OAB, o PL também feriria o princípio do Estado Laico, que sustenta que convicções de determinada religião não podem ser impostas ao conjunto da sociedade.

“A política criminal proposta no PL em análise, no seu aspecto sociológico aparenta estar imbuída de convicções teístas, ao passo que se afastar da realidade de meninas e mulheres brasileiras estupradas e engravidadas por seus algozes e, portanto, não encontra abrigo no princípio da laicidade do Estado”, diz.

A OAB também chamou atenção para o fato de a urgência do projeto de lei ter sido aprovado sem discussão com a sociedade.

“Notado vício formal, vez que não foi apregoado pela Mesa [da Câmara] podendo ser votado diretamente no Plenário, sem que antes fosse submetido à análise das comissões de mérito da Câmara, sendo, ainda, suplanta possibilidade de participação da sociedade civil e de Instituições Públicas nos debates e discussões acerca desta temática”, completou.

Defesa do PL

De autoria do deputado federal Sóstenes Cavalcante (PL/RJ), o texto conta com a assinatura de 32 parlamentares. Ao justificar o projeto, o deputado Sóstenes sustentou que “como o Código Penal não estabelece limites máximos de idade gestacional para a realização da interrupção da gestação, o aborto poderia ser praticado em qualquer idade gestacional, mesmo quando o nascituro já seja viável”.

Avenida Paulista volta a ser palco de protesto contra PL do Aborto

Na tarde deste sábado (15), a Avenida Paulista foi palco de mais um ato contra o Projeto de Lei (PL) 1.904/24, que equipara o aborto de gestação acima de 22 semanas ao homicídio. Foi o segundo ato de protesto realizado nesta semana na capital paulista contra o projeto que tramita em regime de urgência na Câmara dos Deputados.

Por lei, o aborto, ou interrupção de gravidez, é permitido e garantido no Brasil nos casos em que a gestação decorreu de estupro da mulher, representa risco de vida para a mãe e também em situações de bebês anencefálicos, sem estabelecer um tempo máximo de gestação para o aborto.

No entanto, o projeto de lei que foi votado para tramitar em regime de urgência na última quarta-feira (12) na Câmara dos Deputados, pretende fixar em 22 semanas de gestação o prazo máximo para abortos legais e aumentar de 10 para 20 anos a pena máxima para quem fizer o procedimento.

“A gente mobilizou novamente este ato. Achamos que era essencial voltarmos no sábado aqui na Avenida Paulista para mostrar que o projeto é um absurdo. Enquanto esse projeto não for arquivado, as feministas não sairão das ruas”, disse Ana Luiza Trancoso, que faz parte do Coletivo Juntas e da Frente Estadual pela Legalização do Aborto.

Para as manifestantes, se aprovado, o projeto de lei afetará principalmente as crianças que são vítimas de estupros, cujos casos de abuso e gestações demoram a ser identificados, resultando em busca tardia aos serviços de aborto legal. Segundo o Fórum de Segurança Pública, 74.930 pessoas foram estupradas no Brasil em 2022. Desse total, 61,4% eram crianças que tinham até 13 anos.

“As principais vítimas são as meninas de 10 a 14 anos. É dentro de casa que acontece essa violência. A criança não tem consciência do corpo. Não sabe o que é estar gestando. Por isso, há a descoberta tardia [da gravidez]. Além disso, sabemos que os serviços de abortamento legal sempre colocam barreiras. Não foi só um ou dois casos em que meninas tiveram que mudar de cidade ou de estado para fazer o aborto. E, quando chegam, sofrem pressão [para não abortar] e daí vão se passando semanas”, afirmou Ana Luiza.

Uma das participantes do ato na Avenida Paulista foi a professora Ana Paula Fernandes de Souza, de 43 anos. “Estou no ato porque acho extremamente importante tentar barrar esse projeto de lei. Eu, enquanto mulher, me sinto ofendida com tudo isso que vem ocorrendo. E este é só o começo de muitas outras coisas piores que podem vir”, disse ela à Agência Brasil.

Para a professora, as crianças e as mulheres periféricas serão as maiores vítimas desse projeto. “Na verdade, a mulher como um todo [é vítima do projeto]. Mas existe uma parcela aí que vai pagar muito mais por toda essa situação”, acrescentou.

A manifestação na Avenida Paulista contou também com a presença de muitos homens. “Tenho exemplos na família de abuso sexual. Sobrinhas que sofreram abuso”, disse René de Barros, de 61 anos, professor aposentado. “Não há como ficar à margem disso. Inclusive, sugiro que se façam passeatas nos bairros. Esse Lira [Arthur Lira, presidente da Câmara dos Deputados] tem que cair fora. Ele não é inimigo das mulheres e das crianças. Ele é inimigo do Brasil”, afirmou.

Para o professor, os homens precisam também reforçar sua participação em atos como este. “Essas mulheres e essas crianças têm família, e as famílias são afetadas também. A gente não pode ser hipócrita”, enfatizou.

Em nota, a Ordem dos Advogados do Brasil Seção São Paulo (OAB-SP) manifesta “profunda preocupação” com o projeto. “Em primeiro lugar, o projeto estabelece limites mais rigorosos para a interrupção da gravidez decorrente de estupro, restringindo-a até a 21ª semana. Esta mudança impõe uma barreira significativa para as meninas e mulheres que foram estupradas, muitas vezes obrigando-as a levar a gravidez a termo, o que pode ser considerado tratamento cruel e degradante”, diz a nota da OAB.  “Além disso, essa previsão ignora a realidade de muitas mulheres brasileiras que sofrem estupro e enfrentam um longo caminho até conseguirem um aborto legal, frequentemente ultrapassando as 22 semanas”, acrescenta o texto.

Para a OAB-SP, a criminalização severa do aborto “não reduz a sua ocorrência, mas empurra as meninas e mulheres, principalmente as mais pobres, para procedimentos clandestinos inseguros e com alto risco de vida, aprofundando a discriminação social”.

Lula

Mais cedo, durante a Cúpula do G7, que reúne os países mais ricos do mundo, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva se manifestou contra o projeto.

“Eu, Luiz Inácio, sou contra o aborto. Mas, como o aborto é uma realidade, precisamos tratar como uma questão de saúde pública. Eu acho que é insanidade alguém querer punir uma mulher em uma pena maior do que o criminoso que fez o estupro”, declarou, em entrevista coletiva na região da Puglia, na Itália.

Para Ana Luiza Trancoso, a fala do presidente Lula foi importante, mas precisa ser mais incisiva. “Ele precisa ser um pouco mais enfático. Ele precisa ter uma posição mais firme”, disse Ana Luiza.

Abaixo-assinado

Durante o ato na Avenida Paulista, as manifestantes colheram assinaturas de pessoas contra o Projeto de Lei 1.904/24. “É um abaixo-assinado pedindo que esse projeto seja arquivado. Só assim para a gente abandonar as ruas”, afirmou a representante do Coletivo Juntas.

Saiba como é a legislação sobre aborto pelo mundo

Mais de 662 milhões de mulheres vivem em 77 países onde o aborto é permitido mediante solicitação da gestante. Segundo a organização Centro de Direitos Reprodutivos, esse número representa 34% do total de mulheres em idade reprodutiva em todo o mundo.

O limite gestacional para a realização do aborto nesses países varia, mas o mais comum é que seja permitido até 12 semanas de gravidez. No entanto, o aborto é permitido depois desse limite por outros motivos como quando a saúde ou a vida da grávida está em risco ou quando a gravidez é resultado de estupro.

Na Itália, por exemplo, o limite para interromper a gravidez é 90 dias de gestação. Na Alemanha, é 14 semanas; na França, de 16 semanas e na Tailândia, de 20 semanas. Em Portugal, o limite é dez 10 semanas para a mulher fazer um aborto sem precisar justificar, mas em caso de estupro ou malformação, o prazo é estendido para 16 e 24 semanas, respectivamente.  

Outras 457 milhões de mulheres vivem em 12 países onde o aborto é permitido por razões socioeconômicas como idade, status econômico e estado civil da gestante. Muitos países e territórios dessa categoria também permitem o aborto quando a gravidez resulta de estupro ou incesto ou em alguns casos de diagnósticos fetais. Nessa categoria estão Japão, Índia e Grã-Bretanha.

A realização do aborto por motivos de saúde é permitida em 47 países, onde vivem 226 milhões de mulheres. Nesta condição, 20 países permitem explicitamente o aborto para preservar a saúde mental da pessoa grávida, como Bolívia, Angola e Gana. Muitos países também permitem o aborto por outros motivos, como estupro ou doenças do feto. 

Segundo levantamento da organização, o Brasil está na classe de países que permite o aborto para salvar a vida da gestante. Um total de 44 nações estão nesta categoria, sendo que 12 também permitem o aborto em caso de estupro ou em determinados diagnósticos fetais. Nesta lista também estão Chile, Venezuela, Paraguai, Síria, Irã, Afeganistão, Nigéria e Indonésia.

O aborto é proibido totalmente em 21 países, com um total de 111 milhões de mulheres. Neles, a legislação não permite o aborto em nenhuma circunstância, inclusive quando a vida ou a saúde da gestante estiver em risco. Nesse grupo estão países como Nicarágua, Honduras, Suriname, República Dominicana, Senegal, Egito, Madagascar e Filipinas.

Em dois países – Estados Unidos e México – o status legal sobre o aborto varia de acordo com a lei de cada estado.

Segundo o Centro de Direitos Reprodutivos, nos últimos 30 anos, mais de 60 países liberalizaram as leis sobre aborto e quatro reverteram a legalidade da prática: Estados Unidos, Polônia, Nicarágua e El Salvador.

O Centro de Direitos Reprodutivos (Center for Reproductive Rights) é uma organização global de direitos humanos formada por advogados e defensores para garantir o direito reprodutivo das mulheres.

Brasil

No Brasil, o aborto é permitido apenas em casos de gravidez ocasionada por estupro, se a gravidez representa risco à vida da mulher e em caso de anencefalia do feto. A legislação brasileira não prevê um limite máximo para interromper a gravidez de forma legal.

Nesta semana, a Câmara dos Deputados aprovou a urgência da tramitação do Projeto de Lei 1.904/2024, que equipara aborto a homicídio e prevê que meninas e mulheres que fizerem o procedimento após 22 semanas de gestação, inclusive quando vítimas de estupro, terão penas de seis a 20 anos de reclusão. A punição é maior do que a prevista para quem comete crime de estupro de vulnerável (de oito a 15 anos de reclusão).

arte_leis_aborto – Arte/Agência Brasil

 

Lula classifica de insanidade proposta que equipara aborto a homicídio

No Continente Europeu desde quinta-feira (13), onde participou como convidado da Cúpula do G7, que reúne os países mais ricos do mundo, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva comentou o Projeto de Lei 1.904/24, que propõe tornar homicídio aborto realizado acima de 22 semanas de gestação, em qualquer situação, inclusive em caso de estupro.

“Eu, Luiz Inácio, sou contra o aborto. Mas, como o aborto é uma realidade, precisamos tratar como uma questão de saúde pública. Eu acho que é insanidade alguém querer punir uma mulher em uma pena maior do que o criminoso que fez o estupro”, declarou em uma entrevista coletiva concedida a jornalistas em Puglia, na Itália.

O presidente afirmou que não acompanhou ativamente o debate sobre o projeto de lei no Brasil, mas que tomará ciência assim que retornar neste sábado (15). “Eu tenho certeza de que o que está previsto na lei já garante que a gente aja de forma civilizada para tratar com rigor o estuprador e para tratar com respeito a vítima” reforçou.

O tema também foi tratado pelos líderes das maiores economias na Itália. À frente da presidência do G7, a primeira-ministra Giorgia Meloni liderou uma mudança na declaração final de 2024, que removeu um trecho presente no documento do ano anterior anterior, que tratava do acesso e cuidados para o aborto legal seguro.

Desoneração

Na entrevista coletiva, Lula comentou ainda o impasse em relação à desoneração da folha de 17 setores, que têm pressionado o governo pela desvinculação dos gastos com a saúde e a educação, para manter a proposta. O presidente afirmou que o setor é que deverá apontar uma solução para que as contas fechem dentro do prazo estabelecido pelo Supremo Tribunal Federal (STF) para que a liminar concedida pelo ministro Cristiano Zanin, que barrou a medida, não prevaleça.

“A gente não vai fazer ajuste em cima dos pobres, porque os que ficam criticando o déficit fiscal, os que ficam criticando os gastos do governo são os mesmos que foram para o Senado aprovar a desoneração de 17 grupos empresariais e que ficaram de fazer uma compensação para suprir o dinheiro da desoneração e não quiseram fazer”, afirmou.

O presidente afirmou que o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, tem avançado na política econômica brasileira. “Nós já fizemos a regulação do marco fiscal, nos já aprovamos a reforma tributária, nós estamos demonstrando a nossa seriedade de garantir estabilidade jurídica, estabilidade política, estabilidade fiscal, estabilidade econômica e estabilidade social, isso está garantido.”

Lula disse que o ministro jamais ficará enfraquecido. Segundo o presidente, todo corte que Haddad julgar necessário será feito. “Nós vamos chegar à sexta economia do mundo. Chegamos em 2011, depois caímos para 12ª e eu já trouxe de volta para a oitava posição. Até o final do meu mandato, vamos voltar à sexta.”, afirmou.

Padilha: “Não contem com governo pra mudança na legislação de aborto”

O ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha, disse nesta sexta-feira (14) que o governo não apoia o Projeto de Lei 1.904/2024, que equipara aborto ao homicídio simples, quando cometido após a 22ª semana de gestação. A proposta tramita na Câmara dos Deputados, onde a urgência para análise foi aprovada na última quarta-feira (12). 

“Não contem com o governo pra qualquer mudança na legislação atual de aborto no país”, disse Padilha, em vídeo divulgado nas redes sociais. 

“Ainda mais um projeto que estabelece uma pena para a mulher e para a menina que foi estuprada, que muitas vezes é estuprada sem nem saber o que é aquilo, que descobre tardiamente que ficou grávida porque nem sabe o que é a gravidez ou tem que esconder do estuprador, que às vezes é um parente que está na própria casa”, completou. 

O projeto também prevê que meninas e mulheres que fizerem o procedimento após 22 semanas de gestação, inclusive quando forem vítimas de estupro, terão penas de seis a 20 anos de reclusão. A punição é maior do que a prevista para quem comete crime de estupro de vulnerável (de oito a 15 anos de reclusão). 

“Não contem com o governo para ser favorável a um projeto que estabelece uma pena para menina e para a mulher estuprada que pode ser até duas vezes  maior que para o estuprador”, reforçou o ministro.

Atualmente, o aborto é permitido no Brasil apenas em casos de gravidez ocasionada por estupro, se a gravidez representa risco à vida da mulher e em caso de anencefalia do feto. A legislação brasileira não prevê um limite máximo para interromper a gravidez de forma legal.

A ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva, disse que, apesar de ser contra o aborto, considera o tema complexo e muito delicado na sociedade brasileira. 

“Eu pessoalmente sou contra o aborto, mas acho que é uma atitude altamente desrespeitosa, desumana com as mulheres, achar que o estuprador deve ter uma pena menor do que a mulher que foi estuprada e que não teve condição de ter acesso dentro do tempo para fazer o uso da lei que lhe assegura o direito ao aborto legal”, disse a ministra em entrevista à imprensa.

CNBB pede aprovação de projeto que equipara aborto a homicídio

Após dias de silêncio, a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) manifestou-se favorável ao projeto de lei que equipara aborto a homicídio. Em nota, a entidade pediu a aprovação da proposta, sob o argumento de defesa de duas vidas, da mãe e do bebê.

“A Igreja Católica neste momento considera importante a aprovação do PL 1904/2024, mas continua no aguardo da tramitação de outros projetos de lei que garantam todos os direitos do nascituro e da gestante”, afirmou a conferência, em nota assinada pelo presidente da entidade, Dom Jaime Spengler. arcebispo de Porto Alegre.

Para a CNBB, o texto coíbe a morte provocada por bebês por meio do que chamou de “cruel prática de assistolia fetal”, ao equiparar o aborto após às 22 semanas de gestação ao homicídio. Atualmente, a retirada do feto depois desse prazo é autorizada em caso de estupro.

A conferência ressaltou que a assistolia fetal é proibida pelo Conselho Federal de Medicina e está liberada por limitar concedida pelo ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF). No fim de maio, um pedido de vista do ministro Nunes Marques interrompeu o julgamento.

“Cabe ressaltar que as 22 semanas não correspondem a um marco arbitrário. A partir dessa idade gestacional, realizado o parto, muitos bebês sobrevivem. Então, por que matá-los? Por que este desejo de morte? Por que não evitar o trauma do aborto e no desaguar do nascimento, se a mãe assim o desejar, entregar legalmente a criança ao amor e cuidados de uma família adotiva? Permitamos viver a mulher e o bebê”, afirma a nota da CNBB.

Em relação ao “crime hediondo do estupro”, a CNBB pede que a identificação dos agressores e rigor e eficácia na punição. “É ilusão pensar que matar o bebê seja uma solução. O aborto também traz para a gestante grande sofrimento físico, mental e espiritual. Algumas vezes até a morte”, destaca a entidade. O comunicado, no entanto, não cita os danos psicológicos de uma vítima de estupro obrigada a prosseguir com a gravidez nem a condenação a uma pena maior que a do estuprador.

O texto também é assinado pelo primeiro vice-presidente, Dom João Justino de Medeiros Silva, arcebispo de Goiânia; pelo segundo vice-presidente, Dom Paulo Jackson Nóbrega de Sousa, arcebispo de Olinda e Recife; e pelo secretário-geral da CNBB, Dom Ricardo Hoepers, bispo auxiliar de Brasília.

Críticas

A organização Católicas pelo Direito de Decidir, grupo existente desde 1993 que luta pela laicidade do Estado na criação e na condução de políticas públicas, classificou a posição da CNBB de “misógina, hierárquica e racista”.

“A nota da CNBB não traz qualquer novidade. Reitera uma posição tradicional de uma instituição: misógina, hierárquica e racista, conformada exclusivamente por homens em sua cúpula de onde emanam o poder e os documentos oficiais”, criticou, por meio de nota, a presidenta do grupo, a socióloga Maria José Rosado Nunes.

“Nessa posição não se pode reconhecer o que muitas teólogas e teólogos dizem sobre as possibilidades de se encontrar na mesma tradição cristã, elementos que apoiam decisões informadas pela consciência, como o recurso à própria consciência como o reduto legítimo ética e religiosamente, para se tomar decisões. Diante de uma situação de difícil escolha, opta-se pelo mal menor, ou pelo bem maior”, acrescentou Maria José, doutora em Ciências Sociais pela École des Hautes Études em Sciences Sociales, em Paris.

“Por isso, a Católicas pelo Direito de Decidir posicionou-se sempre, publicamente, a favor de que as mulheres – meninas e pessoas que gestam – possam decidir sobre uma realidade que acontece em seus corpos. Nossa realidade material, nossa corporeidade é sagrada e só nós mesm@s podemos decidir sobre o que se pode ou não fazer no que diz respeito a ela”, concluiu a presidenta da organização.

Barroso evita se manifestar sobre tramitação do PL do Aborto

O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Luís Roberto Barroso, evitou se manifestar, nesta sexta-feira (14),  sobre a  tramitação do projeto de lei da Câmara dos Deputados que equipara o aborto ao homicídio simples nos casos de interrupção da gravidez após a 22ª semana de gestação.

Em entrevista coletiva em João Pessoa, onde participa de um evento com magistrados estaduais, Barroso disse que vai opinar sobre a questão somente se o caso chegar ao Supremo.

“A matéria está no Congresso, que é o lugar certo para se debaterem os grandes temas nacionais. Se e quando a matéria chegar no Supremo, eu vou opinar sobre isso”, afirmou.

Na quarta-feira (12), a Câmara aprovou o regime de urgência para a tramitação do Projeto de Lei 1.904/24, que equipara o aborto de gestação acima de 22 semanas ao homicídio, aumentando de dez para 20 anos a pena máxima para quem fizer o procedimento.

O texto fixa em 22 semanas de gestação o prazo máximo para abortos legais. Hoje em dia, a lei permite o aborto nos casos de estupro, de risco de vida à mulher e de anencefalia fetal (quando não há formação do cérebro do feto). Atualmente, não há no Código Penal um tempo máximo de gestação para o aborto legal.

Para entrar em vigor, o texto precisa ser aprovado pelo plenário do Câmara e do Senado e ser sancionado pelo presidente da República.

O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), disse nesta quinta-feira (13) que o texto não será levado direito ao plenário da Casa se for aprovado pelos deputados. Pacheco disse que a matéria vai tramitar pelas comissões da Casa, será tratado com “muita cautela” e terá participação das senadoras.

Pacheco diz que projeto do aborto “jamais iria direto ao plenário”

O projeto de lei que equipara o aborto ao homicídio simples, quando cometido após a 22ª semana de gestação, deve ser analisado com cautela no Senado, defendeu o presidente da Casa, Rodrigo Pacheco (PSD-MG). Segundo ele, o tema deve tramitar nas comissões e ser objeto de amplo debate.

“O que eu devo dizer é que uma matéria dessa natureza jamais, por exemplo, iria direto ao plenário do Senado Federal. Ela deve ser submetida às comissões próprias e é muito importante ouvir, inclusive, as mulheres do Senado, que são legítimas representantes das mulheres brasileiras, para saber qual é a posição delas em relação a isso”, afirmou nessa quinta-feira (13).

O PL 1.904/2024 teve a urgência aprovada nesta semana na Câmara. O regime de urgência, quando aprovado, permite que o texto seja votado a qualquer momento no plenário, sem precisar passar pelas comissões. O projeto foi ainda aprovado em votação simbólica, quando os deputados não precisam registrar o voto no painel.

Pacheco disse que não leu o texto e não quis se posicionar sobre o mérito da proposta, mas afirmou que um projeto dessa natureza precisa ser tratado com “muita cautela”. 

Segundo ele, esse tema também poderia ser tratado dentro da discussão da reforma do Código Penal, em tramitação no Senado. Além disso, defendeu que é preciso evitar legislar em matéria penal pautado pela emoção ou pela circunstância do momento. “É muito importante ter muita razoabilidade, muita prudência e sistematização”, disse.

Diferente de homicídio

O presidente do Senado disse ainda entender que o aborto não deve ser comparado ao homicídio simples. “Há uma diferença evidente entre matar alguém, que é alguém que nasce com vida, que é o crime de homicídio, e a morte do feto através do mecanismo do método de aborto, que também é um crime, deve ser considerado como crime, mas são duas coisas diferentes”, afirmou o senador.

Para ele, essa diferenciação deve ser garantida. “A separação e a natureza absolutamente distintas entre homicídio e aborto, isso eu já posso afirmar, porque assim é a legislação penal e deve permanecer”, defendeu.

O aborto no Brasil, apesar de ser crime com penas que variam de um a dez anos de prisão, é permitido em três situações: casos de estupro, se a gravidez colocar em risco a vida da gestante, ou nos casos de feto anencéfalo (quando não há formação do cérebro). Se o PL fosse aprovado, o aborto ficaria proibido também nesses casos após a 22ª semana de gestação.  Já o homicídio simples é punido com até 20 anos de cadeia. 

O presidente do Senado ponderou que é preciso haver proporcionalidade entre os diferentes tipos de crime no Brasil. “Se em algum momento a gente pega um crime e coloca uma pena muito elevada a ele, um crime eventualmente mais grave vai ter que ter uma pena mais elevada ainda. Isso aí não tem um caminho de solução”, ponderou.

Dívidas 

O senador Rodrigo Pacheco informou ainda que deve discutir, na próxima semana, com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e com o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, a criação de um programa para o pagamento das dívidas dos estados.

“[Um programa] que envolva redução do indexador, possibilidade de ação e pagamento, de cessão de ativos para dar efetividade a esses pagamentos e viabilizar os estados endividados do Brasil. Então, acredito que a próxima semana seja uma semana propícia para a apresentação definitiva de um projeto para se iniciar o processo legislativo”, afirmou.

Segundo Pacheco, além do Rio Grande do Sul, Minas Gerais, Goiás e Rio de Janeiro também podem se beneficiar de um programa como esse. “Eu acho que haverá muito boa vontade das bancadas do Senado de poder dar essa solução ao maior problema federativo que nós temos hoje, que é esse impasse entre Estados e União em relação às suas dívidas”, completou.

 

Pacheco diz que projeto do aborto “jamais iria direto ao plenário”

O projeto de lei que equipara o aborto ao homicídio simples, quando cometido após a 22ª semana de gestação, deve ser analisado com cautela no Senado, defendeu o presidente da Casa, Rodrigo Pacheco (PSD-MG). Segundo ele, o tema deve tramitar nas comissões e ser objeto de amplo debate.

“O que eu devo dizer é que uma matéria dessa natureza jamais, por exemplo, iria direto ao plenário do Senado Federal. Ela deve ser submetida às comissões próprias e é muito importante ouvir, inclusive, as mulheres do Senado, que são legítimas representantes das mulheres brasileiras, para saber qual é a posição delas em relação a isso”, afirmou nessa quinta-feira (13).

O PL 1.904/2024 teve a urgência aprovada nesta semana na Câmara. O regime de urgência, quando aprovado, permite que o texto seja votado a qualquer momento no plenário, sem precisar passar pelas comissões. O projeto foi ainda aprovado em votação simbólica, quando os deputados não precisam registrar o voto no painel.

Pacheco disse que não leu o texto e não quis se posicionar sobre o mérito da proposta, mas afirmou que um projeto dessa natureza precisa ser tratado com “muita cautela”. 

Segundo ele, esse tema também poderia ser tratado dentro da discussão da reforma do Código Penal, em tramitação no Senado. Além disso, defendeu que é preciso evitar legislar em matéria penal pautado pela emoção ou pela circunstância do momento. “É muito importante ter muita razoabilidade, muita prudência e sistematização”, disse.

Diferente de homicídio

O presidente do Senado disse ainda entender que o aborto não deve ser comparado ao homicídio simples. “Há uma diferença evidente entre matar alguém, que é alguém que nasce com vida, que é o crime de homicídio, e a morte do feto através do mecanismo do método de aborto, que também é um crime, deve ser considerado como crime, mas são duas coisas diferentes”, afirmou o senador.

Para ele, essa diferenciação deve ser garantida. “A separação e a natureza absolutamente distintas entre homicídio e aborto, isso eu já posso afirmar, porque assim é a legislação penal e deve permanecer”, defendeu.

O aborto no Brasil, apesar de ser crime com penas que variam de um a dez anos de prisão, é permitido em três situações: casos de estupro, se a gravidez colocar em risco a vida da gestante, ou nos casos de feto anencéfalo (quando não há formação do cérebro). Se o PL fosse aprovado, o aborto ficaria proibido também nesses casos após a 22ª semana de gestação.  Já o homicídio simples é punido com até 20 anos de cadeia. 

O presidente do Senado ponderou que é preciso haver proporcionalidade entre os diferentes tipos de crime no Brasil. “Se em algum momento a gente pega um crime e coloca uma pena muito elevada a ele, um crime eventualmente mais grave vai ter que ter uma pena mais elevada ainda. Isso aí não tem um caminho de solução”, ponderou.

Dívidas 

O senador Rodrigo Pacheco informou ainda que deve discutir, na próxima semana, com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e com o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, a criação de um programa para o pagamento das dívidas dos estados.

“[Um programa] que envolva redução do indexador, possibilidade de ação e pagamento, de cessão de ativos para dar efetividade a esses pagamentos e viabilizar os estados endividados do Brasil. Então, acredito que a próxima semana seja uma semana propícia para a apresentação definitiva de um projeto para se iniciar o processo legislativo”, afirmou.

Segundo Pacheco, além do Rio Grande do Sul, Minas Gerais, Goiás e Rio de Janeiro também podem se beneficiar de um programa como esse. “Eu acho que haverá muito boa vontade das bancadas do Senado de poder dar essa solução ao maior problema federativo que nós temos hoje, que é esse impasse entre Estados e União em relação às suas dívidas”, completou.