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Mocidade amplia fronteiras e leva samba carioca para Londres

Escolas de samba do Rio de Janeiro têm ampliado as fronteiras e estreitado o relacionamento com estrangeiros entusiasmados com o som da bateria e o movimento de passistas. A vontade de estar neste ambiente é tanta que representações das escolas se espalham pelo mundo.

Uma dessas representações é a London School of Samba, escola de samba da capital da Inglaterra e do Reino Unido, criada em 1984. Cinco anos depois, foi apadrinhada pela Mocidade Independente de Padre Miguel e também tem as cores verde e branco estampadas no seu pavilhão.

“Eles ficaram encantados com a Mocidade, até porque a Mocidade teve um período áureo ganhando tudo e juntou o útil ao agradável na época. Desde que a escola foi inaugurada já foi em homenagem à Mocidade”, disse o diretor de Marketing da Mocidade, Bryan Clem, em entrevista à Agência Brasil.

A grande apresentação da escola é em agosto no carnaval de Notting Hill, bairro de Londres, desfile que durante três dias ainda conta com representações de outros países. Em 2022 a afilhada desfilou com o Sonhar não custa nada! Ou quase nada, samba enredo da Mocidade, no carnaval Rio de 1992.

No último fim de semana, integrantes da escola londrina vieram ao Rio e participaram de um intercâmbio cultural para troca de experiências e conhecimentos nas áreas de marketing e comunicação, nas quais a Mocidade entende que já se consolidou como referência no carnaval carioca.

No encontro não faltou animação ao som de sambas enredos da verde e branco de Padre Miguel, especialmente o Pede Caju Que Dou…Pé de Caju Que Dá!, que se transformou no maior sucesso dos desfiles de 2024 e foi amplamente tocado nas plataformas como o Spotify.

Segundo Bryan Clem, é comum integrantes da escola londrina virem ao Brasil para desfilar no carnaval do Rio e fazer oficinas com passistas e ritmistas. Além disso, brasileiros vão até lá conhecer o trabalho realizado na capital inglesa. “Convidam a gente para ir lá trocar uma ideia, fazer um intercâmbio, pensar em mais ações conjuntas, pensar juntos para ampliar ainda mais o nosso carnaval e a nossa cultura”, disse.

O intercâmbio inclui também dicas de como buscar mais recursos para manter a escola financeiramente. “A gente mostra o dia a dia da escola, o que dá certo comercialmente para ajudá-los a buscar mais recursos para a escola, como buscar parceiros para isso, como se posicionar no mercado e usar as redes sociais em favor da escola para ampliar a mensagem comercialmente da marca deles. No que eles precisarem da gente podem super contar”, comentou Bryan.

Embora haja brasileiros entre os componentes, a maioria é de britânicos e eles gostam também de aprender o português. Com isso as conversas geralmente mesclam os dois idiomas. “O mestre de bateria é britânico, a rainha de bateria é britânica, quem ensina a coreografia dos passistas londrinos é uma brasileira, mestre-sala e porta-bandeira são londrinos, mas sempre tem um brasileiro que ajuda o processo e o conselho da escola para deixar mais forte o conceito da cultura brasileira no carnaval”, informou.

Durante o ano a London School of Samba desenvolve oficinas, inclusive para pessoas que não fazem parte dos desfiles, o que acaba sendo mais uma fonte de renda para manter a sua estrutura. “A escola é grande, só a bateria são uns 80. Eles desfilam com 200 pessoas pelo menos. Para ser uma escola fora do Brasil, é grande”, completou Bryan Clem, prometendo a ida de componentes da Mocidade para o carnaval em agosto de Notting Hill.

O paulista Daniel Souza Bittar entrou para a escola em junho do ano passado, o que foi uma das melhores coisas que aconteceram com ele desde que chegou a Londres em 2019, para fazer graduação em bioquímica. Mas sentia saudade da bateria, instrumento que tocava desde pequeno aqui no Brasil e que não pôde levar na bagagem.

 Daniel Souza Bittar- ( Camisa da seleção brasileira) – Escolas de samba fora do Brasil Foto: Daniel Souza Bittar/Arquivo Pessoal

Foi uma amiga queniana, com quem estuda na faculdade, que o levou para uma aula de samba. “Eu nem sabia onde era e aconteceu que era na London School of Samba. Depois da aula de dança, vi um pessoal carregando instrumentos e fiquei para a oficina de bateria. Me apaixonei e fui me envolvendo cada vez mais com a escola e a organização”, disse em áudio encaminhado por Whatsapp a pedido da repórter.

Atualmente, Daniel é, também, o carnavalesco da escola, e junto com integrantes mais experientes desenvolveu o enredo que vai comemorar os 40 anos da agremiação. Ele conta as origens da verde e branco britânica, com o tema Back to the Roots e as origens do samba. “Nosso enredo desse ano foi composto por um dos fundadores, e foi o primeiro mestre de bateria em 1984, o Bosco de Oliveira, contando as origens que vem do candomblé de Angola, candomblé nagô e da miscigenação de cultura tanto da África central, como do sul e do império de Iorubá, terreiro de Tia Ciata, tudo aquilo que a gente conhece da história do samba no Rio”, disse.

O brasileiro trabalha como técnico de laboratório na King’s College London, onde estuda, mas tem muita satisfação em frequentar a escola de samba. “Eu ainda estou na minha área de bioquímica, mas acho que os trabalhos na escola de samba, como carnavalesco e como ritmista, ocupam minha cabeça mais que tudo. É com maior prazer, muita felicidade, muito orgulho, muito amor que a gente tenta disseminar e preservar a cultura aqui tão longe da nossa terra, do Brasil”, afirmou.

“É um desafio trazer este tipo de cultura para cá, porque ela é tão apreciada, às vezes mais do que é apreciada por nós no Brasil, mas o problema é a falta de referência. É muito fácil cair na armadilha de superficialidade. Acho que foi por isso também que este ano a gente resolveu fazer um enredo muito embasado e muito relacionado às raízes do samba, não só para a comunidade inteira de Londres, mas para a nossa comunidade da escola também se aprofundar em uma cultura tão rica”, completou, Daniel.

Mangueira

A presença da Estação Primeira de Mangueira na terra do sol nascente já vem de longe. A Verde e Rosa é a inspiração da Escola de Samba Saúde YokohaMangueira, criada pelo professor japonês Kisuke Sakuma, em 1985. O nome da escola é composto por duas marcas fortes. A cidade japonesa e a escola de samba carioca.

Álvaro Luiz Caetano, o Alvinho, presidente da Mangueira entre 2001 e 2006 contou que por vir constantemente ao Brasil, estar sempre em contato com a Verde e Rosa, e participar das atividades da Estação Primeira, Sakuma se tornou embaixador da agremiação carioca no Japão. No intercâmbio foram criados alguns cursos de passistas e ritmistas dos quais participavam integrantes da agremiação de Yokohama e estreitaram o relacionamento entre as escolas.

“Esse intercâmbio existe. Eles compõem e cantam o samba em português. O desfile lá [em agosto] é um negócio difícil de acreditar que aquilo aconteça no Japão. É bonito. Tem várias escolas. Acredito que está mais ou menos no nível das escolas de samba da Intendente Magalhães”, comparou Alvinho em entrevista à Agência Brasil.

 Roberto Matsushita (cabelos brancos com camiseta rosa) ao lado da presidente da Mangueira, Guanayra Firmino, e Alvinho, ex-presidente da Mangueira de camisa branca no lado direito da foto  Foto: Roberto Matsushita/Arquivo Pessoal – Roberto Matsushita/Arquivo Pessoal

Com a morte de Sakuma, pouco tempo depois do vazamento da usina nuclear de Fukushima, em março de 2011, quem assumiu o cargo foi Roberto Matsushita, que de tanto gostar do Brasil, escolheu esse nome em português para ser chamado por aqui e facilitar a comunicação com brasileiros.

“Esses japoneses são mangueirenses de coração. Eles vêm com tempo. Se o carnaval é 20 de fevereiro, eles chegam dia 5 e ficam aqui 15 dias. Vão para os ensaios, feijoada, rodas de samba. Eles vêm em grupo grande”, disse, saudoso do amigo Sakuma, criador da escola japonesa, que dava aulas de português em seu país.

Beija Flor

Outra escola que ampliou os seus domínios, mas na Espanha, é a Beija-Flor. A azul e branco de Nilópolis da Baixada Fluminense, desfilou em 2019 e este ano voltou a se apresentar no Festival de Magdalena, que ocorre em março, na província de Castellón.

A diretora de projetos especiais da Beija-Flor, Júlia Rodrigues, disse que este ano a delegação que foi à Espanha tinha 20 pessoas, entre elas, o mestre de bateria Rodney que estava presente em 2019 e em 2024. Além de apresentações durante três dias no Festival de Magdalena, os integrantes foram para Madri, onde também fizeram exibições e visitaram a embaixada brasileira na cidade.

“O melhor de tudo isso é ver brasileiros, que já vivem há mais de 20 anos na Espanha, poderem ter contatos com a cultura do seu país. Além de uma valorização do trabalho dos passistas, é uma possibilidade de vê-los como artistas, porque as pessoas, às vezes, acabam tendo o preconceito do sambista, não como um artista de fato, e lá fora tem essa valorização. Foi muito gratificante e emocionante”, explicou à Agência Brasil.

Júlia Rodrigues contou que no caminho de consolidação da marca Beija-Flor fora do Brasil, a escola apresentou à embaixada brasileira um planejamento para a realização de temporadas na Espanha e em outros países europeus com oficinas de percussão, samba e confecção de adereços.

Desfile da escola de samba Beija-Flor, do Grupo Especial do carnaval carioca, no Sambódromo da Marquês de Sapucaí. Foto: Tânia Rêgo/Agência Brasil

A expansão da Beija-Flor também passa pela presença de diversos componentes que são convidados para se apresentar em diversos países. Como exemplo, a diretora lembrou que as passistas Aieny Mendes e Ana Clara Gouvea estão no Marrocos e Sabrina Coradini, na Tunísia. Os diretores de bateria Diego Oliveira e Michel Silva fizeram workshop na Espanha e viajam sempre fazendo intercâmbios.

“A gente não é somente uma festa [como o carnaval é visto às vezes]. A gente também leva conosco uma responsabilidade social: qualifica jovens para inserir no mercado de trabalho, valoriza a economia criativa, então abre oportunidades para a empregabilidade. Isso é também, é um outro lado do carnaval que a gente precisa expandir e mostrar o impacto na sociedade como um todo”, ressaltou.

“A gente deixou bem claro junto à embaixada para que, quando o brasileiro que atua no carnaval for para fora do país, ele não ser visto de uma forma promíscua. Ainda há um pouco de preconceito, principalmente com relação à passista. A gente precisa transformar a forma como é visto o carnaval. Isso é cultura e arte através da dança”, pontuou Júlia, defendendo mais uma vez o fortalecimento da imagem das escolas de samba.

Dia Nacional da Imunização: doses beneficiam até quem não se vacina

Além de permitir que o organismo se defenda de infecções e evite quadros graves de diversas doenças transmissíveis, a vacinação, quando realizada em larga escala, reduz a circulação geral de vírus e bactérias. Conhecido popularmente como imunidade coletiva ou imunidade de efeito rebanho, o cenário beneficia, portanto, até quem não recebeu a dose.

No Dia Nacional da Imunização, lembrado neste domingo (9), o Instituto Butantan destaca que a proposta é reforçar não apenas o impacto individual das vacinas, mas também o coletivo. Diante de uma população amplamente imunizada, vírus e bactérias não encontram portas abertas para adentrar no organismo e seguir se replicando, diminuindo seu poder de transmissão.

“É por isso que a defesa invisível que cada indivíduo imunizado carrega ajuda a proteger outras pessoas de seu convívio que, porventura, não possam ser vacinadas – caso das grávidas; dos portadores de alergia e de outras comorbidades, como doenças neurológicas; e até dos recém-nascidos, a depender do tipo da vacina”, destalhou o Instituto Butantan.

Dados da Organização Mundial da Saúde (OMS) indicam que que a vacinação contra 14 doenças transmissíveis, incluindo difteria, hepatite B, sarampo, coqueluche, poliomielite e febre amarela, salvou 154 milhões de vidas e reduziu em 40% o número de mortes infantis em todo o mundo ao longo dos últimos 50 anos.

Caso de sucesso

O Butantan avalia como exemplo de êxito o caso da varíola, que se tornou a primeira doença transmissível erradicada do planeta. “O esforço global liderado pela OMS, iniciado no final dos anos 1960, estendeu-se por mais de uma década e contou com o empenho de milhares de profissionais de saúde, que foram responsáveis por administrar mais de meio bilhão de vacinas no período.”

Causada pelo Poxvirus variolae, a doença provoca um quadro infeccioso severo que se caracteriza pela formação de erupções na pele. A enfermidade matou mais de 300 milhões de pessoas ao longo dos 80 anos em que esteve ativa.

Programa de imunizações

Atualmente, o Programa Nacional de Imunizações (PNI) disponibiliza, de forma gratuita, 48 imunobiológicos, sendo 31 vacinas, 13 soros e quatro imunoglobulinas.

De acordo com o Ministério da Saúde, há doses destinadas a todas as faixas etárias, além de campanhas anuais para atualização da caderneta de vacinação.

“As vacinas são seguras e estimulam o sistema imunológico a proteger a pessoa contra doenças preveníveis pela vacinação. Quando adotadas como estratégia de saúde pública, elas são consideradas um dos melhores investimentos em saúde considerando o custo-benefício”, avaliou a pasta.

No Brasil, o Calendário Nacional de Vacinação contempla não apenas crianças, mas adolescentes, adultos, idosos, gestantes e povos indígenas. Ao todo, são disponibilizadas, na rotina de imunização, 19 vacinas. O calendário completo pode ser acessado aqui.

Desastre climático faz vendas da indústria caírem 15,6% em maio no RS

As enchentes e enxurradas provocadas pelas fortes chuvas que atingiram o Rio Grande do Sul a partir do fim de abril tiveram seu impacto negativo sobre a indústria gaúcha mensurado pela Receita Estadual, que constatou uma queda de 15,6% nas vendas ao longo do mês de maio, na comparação com o mesmo mês do ano anterior.

Segundo boletim sobre arrecadação e emissão de notas fiscais no período, os setores mais impactados foram: insumos agropecuários, com -39,1% em maio; metalmecânico, com -24,4%; e de pneumáticos e borrachas, com -18,2%. O segmento de têxteis e vestuário, vendeu -17,2%, e o de Madeira, Cimento e Vidro, -16,1%.

O setor agropecuário vendeu -9,9% em maio, na comparação anual, enquanto as vendas no setor alimentos recuou 5,3%.

“Apesar disso, todos os setores analisados já apresentam sinal de retomada após o momento mais crítico da crise meteorológica”, disse em nota o governo do RS. De acordo com os dados oficiais, o maior impacto econômico foi registrado na primeira semana do desastre climático, em que a queda geral média chegou a ser de -37,3%.

O relatório sobre a atividade econômica gaúcha também detalhou os dados por região, com as maiores baixas verificadas na Fronteira Noroeste (-63,2%), no Alto do Jacuí (-28,6%), no Vale do Rio dos Sinos (-26,2%), no Vale do Taquari (-26,0%) e no Vale do Caí (-25,9%). A Região Metropolitana de Porto Alegre teve índice de -21,2% na comparação das vendas da indústria em maio de 2024 e 2023.

No geral, a arrecadação do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) no RS em maio foi R$ 640 milhões (-16.1%) menor do que era projetado no início do ano. Segundo o governo gaúcho, 91% dos 278 mil estabelecimentos contribuintes do ICMS no RS estão situados em municípios em estado de calamidade pública ou em situação de emergência. Desses, 44 mil estabelecimentos (16% do total), responsáveis por 27% da arrecadação de ICMS, estão situados em áreas que foram inundadas.

Impacto sobre o PIB

O impacto da tragédia climática no Rio Grande do Sul sobre a economia nacional ainda não foi inteiramente mensurado. Nesta semana, por exemplo, o Instituto Nacional de Geografia e Estatística (IBGE) divulgou o crescimento de 2,5% do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro no primeiro trimestre deste ano, destacando, contudo, que o cálculo não capta o impacto das chuvas e enchentes em território gaúcho.

“Isso só vai aparecer quando tivermos as próprias pesquisas mensais referentes a esse período”, disse a coordenadora de Contas Nacionais do IBGE, Rebeca Palis.

Em 2023, o Rio Grande do Sul foi o estado com o quinto maior PIB do Brasil, atrás de São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais e Paraná. A economia gaúcha produziu R$ 640,299 bilhões no ano passado, o equivalente a 5,9% do PIB nacional.

Grandes invisíveis: enchentes deixam gaúchos gordos sem o que vestir

A catástrofe climática no Rio Grande do Sul trouxe à tona o que não era percebido por muitos: nas tragédias, as pessoas são atingidas de forma desigual. Há o racismo climático, que faz com que pessoas pretas e periféricas sejam afetadas primeiro e tenham mais dificuldade de se reerguerem. Existem as pessoas em situação de rua, que têm a dignidade ainda mais degradada. São as mulheres chefes de família que, além de perderem tudo, ainda não conseguem voltar ao trabalho porque precisam cuidar dos entes. E as pessoas gordas, que além de se sentirem invisíveis, ao perderem tudo, não encontram para comprar ou nas doações, roupas adequadas para seus tamanhos.

Já nos primeiros dias das enchentes que atingiram quase todo o estado desde o fim de abril, a empreendedora Viviane Lemos começou a mobilização para atender esses afetados. Referência no segmento plus size e criadora de uma feira plus em Porto Alegre, Viviane logo começou a receber relatos desesperados de pessoas que, por não terem o que vestir, no frio da capital gaúcha, estavam usando lençóis para cobrir o corpo.

“Mas nunca pensei que fosse nesse nível, nessa escala que a gente está tendo hoje. E com certeza ser uma mulher gorda me deixou nesse lugar empático, porque pessoas não gordas não conseguem visualizar essa dificuldade e essa crise que a gente está vivendo no sentido de vestir essas pessoas gordas que não conseguem roupas”.

A gaúcha Flávia, mãe de gêmeos, foi uma das pessoas que pediu, e recebeu ajuda. “Além de perder todos os meus bens, tudo, perdi minha casa também. Está sendo bem difícil, mas a alegria do meu dia foi as roupas que chegaram. Justamente no dia do meu aniversário, dia 30 de maio agora. Quando eu vi aquele senhor chegando com a sacola, a sacolinha de roupas, nossa! Foi como um presente”, conta emocionada. Flávia recebeu kit, com roupa íntima, blusa, agasalho e meia, como é idealizado pela campanha. 

A Associação de Doação de Roupas Plus Size, liderada por Viviane, entregou 48 mil peças de vestuário grande desde o início das enchentes, mas a demanda é muito maior. Cerca de 95 mil pessoas precisam de roupas desse tamanho. E para angariar mais doações, as redes sociais têm sido aliadas do projeto. Foi assim que a criadora de conteúdo Maqui Nóbrega ficou sabendo da mobilização em Porto Alegre. Ela já vinha fazendo doações pontuais a seguidoras que pediam ajuda, mas quando soube da organização, se prontificou a usar seu engajamento para ajudar na arrecadação.

“Se mal tem (roupas plus size) pra comprar, imagina pra doar, né? Então, quando eu percebi que tinha essa dificuldade, eu falei, bom, São Paulo, maior cidade do país, onde tem a maior quantidade de opções de roupas plus size, acho que aqui a gente vai conseguir reunir mais doações”, conta Maqui. E conseguiram. Junto a outras criadoras de conteúdo voltado para o público gordo e outras aliadas enviaram de São Paulo para o Rio Grande do Sul um caminhão cheio de roupas plus size.

Viviane Lemos, no trabalho da associação – Doação de roupas plus size e gordofobia na enchente. Foto: Viviane Lemos/Arquivo Pessoal

Mas doações grandes como essa são muito raras e, no dia a dia, alguns tamanhos já estão em falta no estoque da associação. “Principalmente 54 e 56 feminino; 54 e 56 masculino; e cuecas de todos os tamanhos. E hoje a gente não teria nem onde comprar aqui em Porto Alegre dos lugares que a gente conhece. Só para se ter uma ideia da escassez e das dificuldades que a gente enfrenta por aqui”, relata Viviane.

De acordo com a associação, o fato de os Correios terem parado de receber doações de roupas pode ter impactado diretamente no recebimento das peças tamanhos grandes. Questionado, os Correios enviaram nota afirmando que devido ao tamanho da campanha, que já arrecadou cerca de 30 mil toneladas de donativos em todo o Brasil, a triagem de roupas específicas se torna complexa. Mas cientes da importância do tema, os Correios estão à disposição para realizar ações específicas de coleta e transporte de grandes volumes desse tipo de item. Apesar da disposição para ação específica, a estatal não deu detalhes da ação.

Novas etapas

Sempre que aparece em alguma mídia ou rede social com muitos seguidores, o projeto recebe mais peças e aportes em dinheiro. Nos outros dias, míngua. Então, além de receberem doações via Pix para a aquisição de itens novos, principalmente roupas íntimas, os voluntários têm ido até os armazéns da Defesa Civil para fazer a triagem do que foi recebido por lá e pode ser usado no projeto. Em uma das ações desta semana, eles conseguiram filtrar 180 peças, que serão redirecionadas para quem precisa exatamente desses tamanhos.

Mas só isso não será suficiente para atender a todos que precisam. Para Viviane Lemos, fica evidente que a questão vai se prolongar e se aprofundar, pois, se antes da tragédia já existia uma demanda grande pela compra de roupas plus que não era atendida, agora será pior. Além de doações materiais, a empreendedora acredita que será preciso investir em outros tipos de ajuda, “como apoio emocional, apoio para se colocar num campo de trabalho, apoio para reconstruir suas vidas em geral. Então, a gente está estudando uma forma de dar continuidade ao projeto, para atender essas pessoas para além da roupa. Porque ser um corpo gordo na sociedade não é só sobre existir e resistir”, afirma.

Invisibilidade com muitas camadas

Para a criadora de conteúdo Maqui Nóbrega, o fato das campanhas para a arrecadação de roupas para pessoas gordas, nesse momento, serem lideradas por pessoas gordas, é um reflexo do que já é o comportamento da sociedade em geral. “As pessoas acham que é justificado você não gostar de pessoas gordas e por isso elas não importam. Tipo ‘Ah, elas não têm o que vestir? Ué, emagrece, aí você vai ter o que vestir”. Então, eu acho que vai continuar sendo a gente pela gente”, desabafa.

De acordo com as previsões científicas, a catástrofe do Rio Grande do Sul não será a única deste porte, já que as mudanças climáticas seguem em curso e a tendência é que eventos extremos sejam cada vez mais frequentes. E será que a sociedade aprendeu algo com os últimos acontecimentos?

No que diz respeito à população gorda, Maqui Nóbrega é pessimista. “Eu gostaria de ser otimista e dizer que sim, que acho que estaremos mais atentos às necessidades das pessoas gordas nas próximas tragédias climáticas, mas não consigo ser tão otimista. Eu acho que no fundo, no fundo, ninguém tá nem aí, infelizmente. Eu acho que a gordofobia ainda é a última ”fobia” aceita socialmente. A gente combate todo dia racismo, LGBTQIA+fobia, o capacitismo e tudo mais. Tem uma educação sobre como esses preconceitos são nocivos, mas muito pouco se fala sobre a gordofobia”, denuncia.

Gordofobia é o termo usado para o conjunto de situações em que o acesso à pessoa gorda é negado por conta do seu tamanho. E vão de afeto, passando pelo tamanho da catraca do ônibus e do bullying escolar, até às macas hospitalares que só atendem até determinado peso. E Maqui Nóbrega defende que conhecer isso é um dever de toda a sociedade. “O racismo não é um problema da pessoa preta, é um problema da pessoa branca, é a pessoa branca que tem que trabalhar nisso, eu acho que o mesmo vale para a gordofobia. Então eu queria que as pessoas magras pensassem sobre isso, se elas se importarem, sabe? A gente não tá falando só sobre roupa, a gente não tá falando sobre moda, sobre querer ficar bonitinha, a gente tá falando sobre acessos mesmo. É você não encontrar nenhuma roupa e ter que viver de lençol, enrolada no lençol”, provoca.

Ajuda

Quem quiser contribuir com o trabalho da Associação de Doação de Roupas Plus Size pode fazer via Pix para o CNPJ – 26423527000112,  ou enviar a doação para o seguinte endereço: Shopping João Pessoa – Loja 02 (Ao Lado Da Panvel) – QG Ação Da Feira De Moda Plus Size – Praça Piratini N. 50 Cep 90040-170 – Porto Alegre/RS

As informações sobre o projeto têm sido atualizadas diariamente na página BpsPoa.Feira do Instagram.

Central vai dar agilidade a processos judiciais relacionados às chuvas

Desde o início do mês, o Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4) vem procurando sistematizar os processos judiciais relacionados à catástrofe climática que atingiu o Rio Grande do Sul a partir do fim de abril deste ano.

O trabalho está a cargo da Central de Monitoramento de Demandas Decorrentes do Desastre Climático, que o tribunal criou no fim de maio para acompanhar o andamento processual destas ações, monitorar processos com potencial de gerar grandes impactos e repercussões e propor estratégias de atuação judicial.

“A Central também busca evitar o aumento das demandas e, quando possível, dos litígios [processos]”, afirmou à Agência Brasil o coordenador da Central, o juiz federal Alex Peres Rocha, da 4ª Vara Federal de Novo Hamburgo (RS), sugerindo que a iniciativa pode agilizar a tramitação da análise das demandas judiciais.

“Estamos tentando, através da jurisdição, com nossa atividade diária, auxiliar todas as pessoas atingidas por este desastre”, acrescentou o juiz federal.

Para facilitar o trabalho, o TRF-4 criou um código para identificar as ações que tenham relação direta com os recentes eventos climáticos no estado. “Com isso, conseguiremos ter uma estatística mais confiável dos processos diretamente ligados ao evento climático”, assegurou Rocha, revelando que a estratégia já permitiu ao tribunal identificar alguns dados preliminares.

Até a última quarta-feira (5), já havia 68 novos processos relacionados às chuvas. Além disso, advogados acrescentaram outras 80 petições a ações que já tramitavam na Seção Judiciária Federal do Rio Grande do Sul

A maioria dos novos processos está relacionada a demandas na área cível, como pedidos de indenização por danos materiais e morais, e na área previdenciária – objeto de um projeto do Poder Judiciário, o SOS Chuvas RS, que envolve um mutirão colaborativo de entidades do Sistema de Justiça para tentar promover acordos de conciliação em processos de benefícios previdenciários movidos por pessoas residentes no estado. 

“São processos que já estavam em andamento e cujos autores foram atingidas ou vitimadas pelos recentes eventos climáticos e, por isso, passaram a pedir urgência, prioridade, na análise dos seus pedidos”, explicou Rocha, destacando que, nos últimos dias, o tribunal identificou um crescente número de pedidos de indenização movidas contra entes públicos.

Reparação

A comerciante aposentada Aida dos Santos Pereira, de 75 anos, é um exemplo de quem busca na Justiça reparação para os prejuízos decorrentes das chuvas. Moradora de uma das cidades mais afetadas, Canoas, na região metropolitana de Porto Alegre, perdeu quase todos os bens que tinha em sua residência, no bairro Harmonia, incluindo o carro da família. 

Ela e o marido, de 76 anos, tiveram que passar mais de 20 dias fora de casa, à espera da água baixar. E, na volta, gastaram R$ 10,5 mil para uma empresa remover a lama e limpar a sujeira deixada pelas enchentes.

“Estamos pleiteando uma indenização dos governos [municipal, estadual e federal], que falharam. Moramos neste mesmo terreno há cerca de 40 anos e nunca aconteceu nada parecido. A partir de 3 de maio, quando tivemos que sair, nossa casa foi atingida por duas enchentes sucessivas.”, comentou Aida.

“Eu e meu marido estávamos assistindo TV, quando, por volta das 22 horas, a sobrinha dele, que mora aqui perto, veio nos avisar do que estava acontecendo na rua e que estava deixando a casa dela. Como nossa casa fica em um lugar alto, não sabíamos de nada. Até que ela nos avisou e nos alertou para irmos embora. Tentamos sair de carro, levando algumas roupas e pertences, mas já não era mais possível. Tivemos que voltar, deixar o carro e sair a pé, com água na altura dos joelhos”, acrescentou a aposentada, que perdeu móveis, eletroeletrônicos e objetos pessoais.

“Foi quase tudo para o lixo. Estou aqui, sentada, sem poder fazer nada além de esperar que a justiça seja feita. Até porque, não fomos só eu e meu marido ou outras três pessoas prejudicadas, foram milhares. Espero que nos paguem pelas falhas dos governos”, criticou Aida.

O coordenador da Central de Monitoramento do TRF-4 também prevê um “aumento muito grande” do número de processos. “Esta foi só a segunda semana com o tempo um pouco melhor, com as condições [climáticas] voltando a se estabilizar e as pessoas conseguindo ter suas necessidades primárias atendidas. À medida que elas estão retomando suas atividades, estão começando a surgir mais demandas judiciais”, comentou o juiz federal Alex Peres Rocha. 

Devido à inundação do edifício-sede do tribunal, o sistema judicial eletrônico do TRF-4 passou 18 dias desligado, tendo sido restabelecido no último dia 21.

Haddad: resistência à MP que limita uso de PIS/Cofins deve se dissipar

O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, disse nesta sexta-feira (7), em São Paulo, que a resistência da indústria à medida provisória (MP) que restringe o uso de créditos tributários de PIS/Cofins tende a se dissipar conforme o setor for entendendo que a intenção do governo é reduzir os gastos tributários.

“Isso tem muito de calor do momento e vai se dissipando à medida que as pessoas compreenderem o objetivo de se reduzir um gasto tributário que, em três anos, foi de R$ 5 bilhões para R$ 22 bilhões. Não tem cabimento um gasto tributário específico de crédito presumido, ou seja, um imposto que não foi pago e que é devolvido”, falou o ministro.

Na última terça-feira (4), o Ministério da Fazenda apresentou medidas para compensar a perda de receitas com o acordo que manteve a desoneração da folha de pagamento para 17 setores da economia e para pequenos municípios este ano. O governo propôs restringir o uso de créditos tributários do PIS/Cofins (Programa de Integração Social/Contribuição para Financiamento da Seguridade Social) para abatimento de outros impostos do contribuinte e colocou fim no ressarcimento em dinheiro do crédito presumido. Com isso, a equipe econômica prevê um aumento de arrecadação de R$ 29,2 bilhões este ano para os cofres da União.

Em entrevista a jornalistas na tarde de hoje, na capital paulista, Haddad afirmou que várias outras medidas provisórias já foram encaradas como “MP do fim do mundo” e que isso tem relação com “o calor do momento”. No entanto, garantiu o ministro, a nova medida provisória não “vai impactar a indústria”.

Para Haddad, houve muito mal-entendido, em particular da indústria, sobre esse tema. Segundo ele, essa é uma medida saneadora que visa dar transparência ao gasto tributário que chegou a patamares “inaceitáveis”.

“Não podíamos ficar inertes. Por decisão judicial, o governo tinha que propor [a medida]. E essa nos pareceu a mais justa das medidas porque subvenciona setores que não precisam de subvenção”, disse o ministro.

De acordo com Haddad, o texto será conversado com lideranças partidárias em busca de uma compensação para a desoneração. “Nós vamos sentar para conversar”, disse ele. “O propósito é compensar a desoneração”.

Meta de inflação

Segundo o ministro, a meta de inflação continuará sendo de 3% e será apresentada pelo governo ainda neste mês de junho. Haddad disse que a proposta já está sendo processada junto à Casa Civil e será elaborada antes da reunião do Conselho Monetário Nacional (CMN). 

“É a primeira vez que um governo assume uma meta exigente para garantir o poder de compra do salário”, disse ele.

Enem: ONG incentiva doação para inscrições de jovens de baixa renda

O prazo para se inscrever no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) termina às 23h59 (horário de Brasília) desta sexta-feira (7). Já o prazo para pagar a taxa de inscrição de R$ 85, que confirma a participação do aluno, vai até a próxima quarta-feira (12).

Para apoiar estudantes de baixa renda negros, pardos e indígenas que não conseguiram a isenção da taxa de inscrição, a organização não governamental (ONG) Movimento Amplia promove até esta sexta-feira a campanha Amplia Enem 2024 que arrecada recursos para custear este valor.

A plataforma conecta doadores aos estudantes, com o objetivo de aumentar a participação de negros pardos e indígenas no Enem e, com isso, promover a equidade racial e social para as juventudes por meio da educação, como explica o diretor de Comunicação do movimento, Lucas Assani.

“O acesso da juventude negra e indígena é muito menor do que dos estudantes brancos. É muito desigual. A gente pensa que R$ 85, para alguns, pode ser um valor bem acessível. Se tomarmos como base a desigualdade que tem nosso país, a quantidade de pessoas que recebem menos de um salário mínimo no Brasil, essa quantia para essa taxa é muito cara, justamente, para uma prova que se propõe a fazer os estudos ser igual, com acesso a todos.”

“[A taxa de] R$ 85 é excludente para quem ganha um salário mínimo. É um dinheiro que faz muita falta no fim do mês. Não dá. E as doações das pessoas fazem a diferença nas vidas de um monte de jovens”, reforça o diretor de comunicação do movimento, Lucas Assani.

 Em 2024, a meta é que contribuições de voluntários garantam as inscrições de, pelo menos, 600 estudantes no Enem 2024.

Doadores e estudantes

Para doar valores de inscrições do Enem, os apoiadores podem fazer Pix para a chave contato@movimentoamplia.org.br, no valor mínimo de R$ 85 e, para facilitar a checagem, adicione na descrição: Amplia Enem 2024. Os voluntários devem preencher o formulário online que tem instruções para envio do comprovante ou para recebimento do boleto, para quem optar por essa forma de pagamento.

Na outra ponta, os candidatos que querem receber o apoio do Movimento Amplia devem, primeiramente, fazer a inscrição online no Enem 2024 até esta sexta-feira (7), na Página do Participante, coordenada pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep).

O próximo passo para se candidatar no Movimento Amplia é preencher o formulário virtual disponível no link, enviar o comprovante de renda; a cópia de um documento de identificação com foto e o boleto de pagamento da taxa de inscrição do Enem.

Histórico

O Movimento Amplia surgiu em 2020, no primeiro ano da pandemia de covid-19, quando um grupo de estudantes da Universidade de São Paulo (USP) se uniu para ajudar candidatos daquela edição do Enem que não tinham condições de pagar a taxa de inscrições. A estratégia, desde o início, foi fazer a ponte entre estudantes e voluntários que tinham a intenção de custear este valor.

De 2020 a 2023, o Movimento Amplia pagou mais de 2.420 mil inscrições do Enem. Somente na edição do ano passado, 490 candidatos foram ajudados. A ONG contabiliza que, daqueles estudantes que foram ajudados pela ação e mantiveram contato com o movimento, 21 deles entraram em universidades. Na campanha Amplia Enem 2023, 82% dos estudantes apoiados se autodeclararam negros ou indígenas.

“Nós somos mais um grupo que está disposto a fazer um esforço conjunto para ajudar esses estudantes para que, de alguma forma, a gente consiga mexer nessa desigualdade que é tão brutal no Brasil”, declara Assani.

Somada a outras ações para promover acesso ao ensino superior, o Movimento Amplia conta com o apoio de mais de 50 mil apoiadores que contribuíram para custear, por exemplo, inscrições em provas de admissão, compra de celulares e tablets para estudo e pagamento de acesso à internet. As ações já impactaram a vida de mais de 4 mil estudantes, de todo o país, segundo a ONG.

Enem

Criado em 1998, o Exame Nacional do Ensino Médio é a principal porta de entrada para a educação superior no Brasil. As provas avaliam o desempenho escolar dos estudantes ao término do terceiro do ensino médio.

Entre os programas do governo federal que adotam as notas do Enem estão o Sistema de Seleção Unificada (Sisu) e o Programa Universidade para Todos (Prouni).

Os resultados são usados por instituições de ensino superior públicas e privadas para selecionar estudantes, como critério único ou complementar dos processos seletivos. Além disso, servem de parâmetro para acesso a auxílios governamentais, como o proporcionado pelo Fundo de Financiamento Estudantil (Fies).

Alguns processos seletivos de instituições de ensino de Portugal, que possuem convênio com o Inep, também aceitam as notas do exame. Para acesso de estudantes brasileiros interessados em cursar a educação superior em Portugal.

Texto ampliado às 8h51

Fiocruz: estudo reduz riscos do tratamento contra leishmaniose cutânea

Estudo desenvolvido na Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) abre nova perspectiva de tratamento e cura para pacientes com leishmaniose cutânea, com altos níveis de evidência científica. A doença, transmitida pela picada de um inseto que se alimenta de sangue, tem tratamentos antigos e que podem ser tóxicos para o coração, fígado e pâncreas.

“A grande luta da gente nesse trabalho é que não faz sentido que pessoas venham a falecer por tratamento de uma doença que habitualmente não mata. E o que a gente tem para tratar são esses remédios muito tóxicos”, explicou à Agência Brasil o dermatologista Marcelo Rosandiski Lyra, pesquisador do Laboratório de Pesquisa Clínica e Vigilância em Leishmanioses do Instituto Nacional de Infectologia Evandro Chagas (INI), da Fiocruz. O especialista destaca que mesmo para aquele paciente que não venha a óbito, as complicações do tratamento convencional são muito grandes. “Porque o paciente também sofre o tratamento, tem dor muscular, dor de cabeça. Pode ter uma série de complicações relacionadas ao tratamento mesmo”.

Coordenado no Rio de Janeiro por Lyra, o estudo propõe uma mudança no tratamento para leishmaniose cutânea, substituindo o tratamento convencional por intralesional, ou seja, com aplicação do remédio na própria lesão. No Rio, foram sorteados dois grupos de pessoas com leishmaniose cutânea que foram tratados de forma diferente e monitorados durante dois anos. “Monitoramos durante esse período todos os efeitos que eles tiveram e o doente volta ao ambulatório diversas vezes. Ele é visto com muito cuidado”. Segundo Lyra, o trabalho mostrou uma força de evidência muito grande. “Ele foi capaz de provar que é um tratamento em termos de eficácia de 83% de cura, enquanto o tratamento convencional tem 68%. E em termos de segurança e diminuição de efeitos colaterais, foi goleada”.

O estudo contou com apoio de várias instituições, como a Universidade de São Paulo (USP), a Universidade de Brasília (UNB), a Faculdade de Medicina Tropical de Manaus, a Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT) e a Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS), entre outras, o que, para Marcelo Lyra, é importante  para dar um caráter nacional aos resultados.

Doença tropical

A leishmaniose é uma doença causada por protozoários pertencentes ao gênero Leishmania e transmitida pela picada de um inseto hematófago [que se alimenta de sangue] da família dos flebótomos, conhecido popularmente, entre outros nomes, como mosquito-palha. A leishmaniose é uma doença que ocorre nas regiões tropicais, em países em desenvolvimento, e pode acometer a espécie humana e outros animais.

Existem dois tipos de leishmaniose, a cutânea ou tegumentar, que provoca feridas na pele e mucosas, e a visceral, que acomete órgãos internos e tem como principal hospedeiro o cão. Não há, contudo, transmissão direta entre pessoas e pessoas e cães. A leishmaniose visceral é uma doença extremamente grave. “Se a pessoa não tratar, morre até 90% sem tratamento, porque pega os órgãos internos”, explicou Lyra. Já a leishmaniose cutânea pode pegar, além da pele, mucosas do nariz, da boca. “É uma doença grave porque, às vezes, o paciente faz lesões desfigurantes, faz feridas muito grandes na pele. Mas, embora seja desfigurante nos casos mais graves, a doença não costuma ser letal. É uma doença que tem gravidade, tem impacto social importante, mas dificilmente a pessoa vai morrer em decorrência dessa doença”.

Manual

O último manual do Ministério da Saúde que regula as normas de tratamento da leishmaniose é de 2017. Um novo manual deverá sair até 2025. O anterior já incluía o tratamento intralesional, mas ainda com muitas restrições, indicado somente para lesões bem pequenas e únicas. Lyra deseja ver incluído no manual o novo tratamento para lesões maiores, em pacientes com número maior de lesões. “Como era muito restrito (no manual anterior), aquilo praticamente ninguém fazia. Ampliando as recomendações, a gente vai contemplar um número maior de pessoas”.

Para o pesquisador, em termos de saúde pública, é positivo ver mais gente usando o tratamento intralesional, já que diminui a letalidade e os efeitos colaterais. “O tratamento é mais barato porque, como é feito direto sobre a lesão, acaba que a quantidade de remédio colocado é em torno de 10% a 15% do que se faz em um tratamento convencional. Além de tudo, é uma economia. É tudo que o Ministério da Saúde queria: tem um remédio que é mais barato, mais seguro, tão ou mais eficaz. Já o tratamento convencional não reverte em benefícios para ninguém”.

O trabalho do dermatologista e pesquisador da Fiocruz foi premiado no 76º Congresso Brasileiro da Sociedade Brasileira de Dermatologia (SBD). O artigo científico “Um Ensaio Randomizado, Controlado, de Não Inferioridade e Multicêntrico de Tratamento Sistêmico vs Intralesional com Antimoniato de Meglumina para Leishmaniose Cutânea no Brasil”, foi também considerado uma das dez publicações mais importantes na área de doenças parasitárias no Congresso Europeu sobre Microbiologia Clínica e Doenças Infecciosas (ECCMID), ocorrido recentemente em Barcelona, Espanha. O estudo foi reconhecido por minimizar os efeitos colaterais do tratamento convencional da leishmaniose e, portanto, evitar mortes, reduzir morbidade e ainda com um custo mais baixo. O trabalho foi publicado em 2023 na revista Clinical Infect Disease, especializada em doenças infecciosas. As premiações, segundo Marcelo Lyra, dão credibilidade para fazer no país as mudanças necessárias.

Lyra lamentou que não haja interesse de grande parte da comunidade internacional sobre o tema porque se trata de uma doença de países pobres, até porque esse tipo de tratamento não reverte em dinheiro para ninguém. Reverte para a saúde pública ao diminuir custos. Como não se vai vender remédios ou vacinas, o tema não possui grandes fomentadores desse tipo de pesquisa, explicou.

Paciente

Fernando Correa Losada, engenheiro civil e advogado, 65 anos, foi encaminhado para a Fiocruz, por intermédio do Serviço de Epidemiologia Municipal, em setembro de 2023, com suspeita de leishmaniose. Ele apresentava lesão ulcerada no dorso da mão esquerda sem dor ou prurido. Foi feito uso de antibioticoterapia, sem sucesso clínico. Na consulta realizada no mês seguinte na Fiocruz, Marcelo Lyra fez a única biópsia que confirmou a doença.

Após o resultado positivo, o tratamento de Losada começou em 6 de novembro do ano passado. Como ele tem bloqueio de ramo esquerdo do coração, fez tratamento intralesional, porque o tradicional era contraindicado. “A resposta foi excelente”, garantiu o paciente.

Ele informou que no último exame de sorologia para leishmaniose, realizado no início de fevereiro deste ano, o resultado foi não reativo. “Estou curado”, comemorou Losada. O acompanhamento que terá que fazer engloba consultas e exames de sangue, com intervalos maiores.

Clientes da Golden Cross serão atendidos pela rede da Amil

Os 240 mil clientes dos planos médicos empresariais Golden Cross passarão a ser atendidos, a partir do dia 1º de julho, na rede credenciada Amil, de acordo com comunicado conjunto das duas empresas divulgado nesta quinta-feira (6). 

As empresas apontam ganhos de eficiência pela escala e pela qualidade Amil, que intermediou em 2023 mais de 80 milhões de procedimentos médicos, realizados por 20 mil médicos e serviços de saúde credenciados.  Além das unidades próprias, a rede Amil inclui 12 hospitais e clínicas no Rio de Janeiro. 

De acordo com o documento, esse modelo está previsto na regulação dos planos de saúde e não altera o vínculo do beneficiário com a Golden Cross. O acordo está fundamentado na resolução normativa Nº 517 da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS). 

A Golden suspenderá temporariamente a comercialização de todos os seus planos de saúde, a partir do dia 18 deste mês. A operadora explica que os produtos passarão por uma reestruturação devido à nova parceria.

Suspensões unilaterais

Nos últimos meses, têm crescido as reclamações de usuários de planos de saúde sobre cancelamentos unilaterais, que deixam as pessoas sem acesso à assistência médica privada. Entidades de defesa do consumidor, de pessoas com deficiência, com autismo, entre outros grupos, denunciaram esta semana, no Senado, suspensões unilaterais de planos de saúde.

Somente entre abril de 2023 e janeiro de 2024, foram registradas mais de 5,4 mil reclamações de cancelamentos unilaterais de planos de saúde no portal do consumidor.gov.br, ligado à Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon).

Diante da pressão social, um acordo verbal foi firmado na última semana entre parlamentares, liderados pelo presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e empresários do setor. O acordo definiu que os cortes dos últimos dois anos devem ser revistos para pessoas com doenças graves ou Transtorno do Espectro Autista (TEA). 

“Os idosos estão sendo excluídos de forma unilateral. Somos agora presa fácil para ser excluída do mercado. É descartável. E a falta de respeito está no contrato [firmado com o plano]”, ressaltou Renê Patriota, da Associação de Defesa dos Usuários de Seguros, Planos e Sistemas de Saúde (Aduseps).

De acordo com a Associação Brasileira de Planos de Saúde (Abramge), 55% das operadoras existentes no Brasil fecharam 2023 com resultado negativo, contra 31% com resultados negativos entre 2018 e 2019. São 309 operadoras com resultados negativos hoje que estão vinculadas a 23 milhões de pessoas.

Migração para o SUS

O reajuste máximo de 6,91% para planos de saúde individuais e familiares, autorizado nesta semana pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), terá impacto direto no orçamento doméstico de cerca de 8 milhões de brasileiros, atingindo o percentual de 15,6% dos usuários de planos de assistência médica no Brasil. A medida terá validade pelo período de maio de 2024 a abril de 2025.

Para o presidente da Sociedade Brasileira de Direito Médico e Bioética (Anadem), Raul Canal, uma vez que a realidade econômica não é das mais favoráveis para parte da população, a tendência é uma movimentação de usuários em situação mais vulnerável para a saúde pública.

“Mais uma vez, o aumento dos planos está acima dos 5%, algo que vem ocorrendo nas duas últimas décadas. Na maior parte dos casos, a revisão salarial não acompanha esse aumento, o que mostra a gravidade do cenário. Milhares de famílias terão que rever a viabilidade de manter convênio e recorrer ao Sistema Único de Saúde (SUS)”, avalia o especialista.

Para ele, o aumento de demanda pode gerar uma sobrecarga significativa ao SUS: “Manter o atual sistema é um grande desafio. Somado às constantes restrições orçamentárias, esse excesso contingencial pode comprometer ainda mais a qualidade dos serviços. É preciso frear aumentos desproporcionais, rever investimentos e valorizar o SUS”, avalia Canal.

Reajuste

Com a mudança, a recomendação para os beneficiários de planos individuais/familiares é que verifiquem se o reajuste praticado está de acordo com o estabelecido pela Agência Nacional de Saúde, ou seja, o percentual de 6,91%. Também é necessário atentar para o período em que o valor foi alterado, uma vez que a cobrança deve ocorrer somente a partir do mês em que o contrato completa aniversário.

“É fundamental que a população que utiliza o sistema de saúde suplementar fique atenta a essas novidades e procure saber se a cobrança que vai receber foi efetivada de forma correta. O reajuste é individual e acontece conforme o aniversário de cada plano. Já os contratos coletivos podem ser negociados livremente”, explica o presidente da Anadem, Raul Canal.

Minas revê regras da caução ambiental de barragens criadas há 6 meses

A caução ambiental instituída em Minas Gerais para assegurar a recuperação de áreas afetadas por barragens está em revisão. A medida obriga os empreendedores responsáveis pelas estruturas a garantir recursos que poderão ser usados em caso de necessidade. Embora esteja prevista na Lei Mar de Lama Nunca Mais, que foi aprovada em 2019, a norma só saiu do papel no fim do ano passado, quando foi regulamentada em decreto assinado pelo governador Romeu Zema.

O teor das regras estabelecidas, no entanto, desagradou a entidades ambientalistas e atingidos por barragem e também foi criticado por grupos ligados à Federação das Indústrias de Minas Gerais (Fiemg).

Segundo a Secretaria de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável de Minas Gerais (Semad), as regras estão sendo reavaliadas. A engenheira civil Marília Melo, que comanda a pasta, disse  à Agência Brasil que o decreto está atualmente suspenso e que o governo mineiro busca aprofundar a discussão para apresentar uma nova proposta. “A gente trabalha com prazo até o final deste mês”, disse Marília na quarta-feira (5), durante o evento Transição Energética no Brasil na perspectiva do G20, que reuniu especialistas e autoridades no Rio de Janeiro.

O Decreto 48.747/2023, assinado por Zema em 29 de dezembro do ano passado, fixou as regras após quase cinco anos da aprovação da Lei Mar de Lama Nunca Mais. As normas valem tanto para barragens que armazenam rejeitos de mineração como para aquelas que funcionam como reservatórios de água, caso das hidrelétricas. Foi fixada uma fórmula para calcular o valor, que leva em conta a área ocupada pela estrutura, bem como classificações técnicas e custos estimados para a descaracterização.

Em março, uma audiência pública na Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) evidenciou o descontentamento em torno do decreto. Atingidos por barragens e ambientalistas criticaram o governo por publicar o decreto no apagar das luzes de 2023 sem que houvesse uma discussão prévia com a participação da sociedade civil. Além disso, eles consideraram que a fórmula estabelecida subdimensiona os valores necessários.

Segundo estudo apresentado pela organização social Fórum Permanente do São Francisco, o cálculo instituído pelo decreto fixaria caução de R$ 62,8 milhões para a barragem da Samarco que se rompeu na cidade de Mariana (MG), em novembro de 2015. Seria um valor mais de 2 mil vezes mais baixo do que os R$ 126 bilhões pleiteados pela União para reparar os danos associados à tragédia, que causou 19 mortes e gerou grande impacto ambiental em toda a bacia do Rio Doce.

Situação similar envolveria a barragem da Vale que se rompeu em 2019 em Brumadinho, também em Minas Gerais, e causou 272 mortes. Segundo a organização, a fórmula fixaria uma caução de R$ 14,3 milhões. É quase 3 mil vezes menos que os R$ 37,7 bilhões previstos no acordo de reparação firmado após a tragédia. Durante a audiência na Assembleia Legislativa, houve ainda manifestações de grupos ligados à Fiemg que acusam a criação da caução ambiental de onerar o setor industrial, dificultando os investimentos e a geração de empregos.

De acordo com a secretária Marília Melo, a caução ambiental foi o último dispositivo da Lei Mar de Lama Nunca Mais a ser regulamentado pelo governo mineiro devido à complexidade do tema. Marília disse que o decreto foi elaborado levando em conta inclusive pesquisas científicas. Para ela, o novo decreto deverá buscar mais equilíbrio e também avançar do ponto de vista conceitual.

Segundo a secretária, a caução ambiental não é um recurso para reparar desastres ambientais e deve estar reservada para casos de falência ou de abandono da empresa. “Nesse caso, o Estado precisa ter recurso suficiente para recuperar a área de atuação da mineradora. A obrigação de recuperar a área quando há um desastre ambiental é da empresa, independentemente de ter ou não ter caução. Temos inclusive como balizador o acordo de Brumadinho, que é de R$ 37,7 bilhões. Estamos agora discutindo um novo acordo para Mariana, na proporção de R$ 100 bilhões. Como se vai exigir de uma empresa em operação que aloque um orçamento dessa dimensão como garantia, caso haja um desastre? Não podemos partir do pressuposto de que haverá desastres”, afirmou.

A secretária deu como exemplo o caso de uma caução ambiental que teria sido acionada, caso estivesse em vigor há mais tempo. Trata-se da exploração que a mineradora Mundo Mineração e sua subsidiária australiana Mundo Minerals realizaram nos municípios mineiros de Nova Lima e Rio Acima. As atividades foram encerradas em 2011 e as barragens foram abandonadas. Uma ação judicial foi movida pelo Ministério Público Federal (MPF), mas os representantes das empresas não foram sequer localizados. “Hoje a responsabilidade é do estado. Ou seja, nós pagadores de impostos que estamos arcando com recuperação da área. Para isso, serviria a caução”, diz Marília.

Regulamentação

A Lei Mar de Lama Nunca Mais, como ficou conhecida a Lei Estadual 23.291/2019, nasceu de uma proposta de iniciativa popular capitaneada pelo Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) em resposta ao rompimento da barragem da mineradora Samarco em 2015. Sua tramitação, no entanto, se deu de forma lenta. A discussão só avançou quatro anos depois quando ocorreu o rompimento da barragem da Vale em Brumadinho. Após o episódio, aumentou a pressão para que os deputados estaduais tratassem do assunto.

O texto final aprovado pela ALMG proibiu o alteamento de novas barragens em determinadas situações e deu prazos para a descaracterização de estruturas similares à que se rompeu em Brumadinho. Entre outras medidas, também estabeleceu a caução ambiental, indicando a necessidade de uma posterior regulamentação. Diante da ausência de regras, a instituição da caução ambiental foi letra morta por quase cinco anos.

O decreto assinado pelo governador Romeu Zema no ano passado procurou preencher essa lacuna. Além de fixar a fórmula de cálculo, estabeleceu que os recursos poderiam ser garantidos por meio de quatro modalidades, cabendo ao empreendedor responsável optar por apenas uma ou combiná-las até atingir o total necessário. As alternativas são o depósito em dinheiro, a contratação de uma seguradora que arcará com os valores, a obtenção de fiança bancária ou ainda a aquisição de certificados de depósito bancário (CDBs) emitidos pelo Banco de Desenvolvimento de Minas Gerais (BDMG).

Conforme as regras fixadas, a caução poderia ser implementada em até três anos, com garantia de 50% do valor no primeiro ano e de 25% nos demais. Caberia ao empreendedor apresentar proposta a ser aprovada como um dos requisitos no processo de licenciamento. No caso de estruturas já existentes e licenciadas, foi dado prazo de 180 dias para formalização da proposta.

O decreto prevê a necessidade de uma caução ambiental para cada barragem. A caução como garantia durante toda a vida útil da estrutura, podendo o empreendedor resgatá-la após a conclusão da descaracterização e da recuperação ambiental da área.