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Seis anos após assassinato, instituto mantém legado de Marielle vivo

Após a noite de 14 de março de 2018, a família da vereadora assassinada Marielle Franco se viu envolvida por uma junção de sentimento: a dor, o luto, a indignação que – até hoje – serve como combustível para a busca por justiça, e a necessidade de não deixar morrer a luta da ativista por uma sociedade melhor.

A comoção causada pelos assassinatos de Marielle e do motorista Anderson Gomes, por si só, potencializou em todo o país o nome da carioca negra, bissexual e criada na favela da Maré.

Advogada Marinete da Silva, mãe de Marielle – Tomaz Silva/Agência Brasil

Mas era preciso institucionalizar toda a comoção e os sentimentos vivenciados pela família de Marielle. Assim nasceu o Instituto Marielle Franco.

“O instituto traz esse resgate da história. A resposta tem que ser dada para mim, enquanto mãe e para a família. O mundo inteiro quer saber quem e por que mandaram matar Marielle”, disse à Agência Brasil Marinete da Silva, mãe da vereadora e conselheira fundadora do Instituto Marielle Franco.

“Quem mandou matar Marielle mal podia imaginar que ela era semente, e que milhões de marielles em todo mundo se levantariam no dia seguinte”, diz o instituto em seu site.

A organização da sociedade civil é financiada por meio de patrocinadores e também recebe doações de pessoas físicas. As principais atuações são a cobrança por justiça, a defesa da memória de Marielle – tão atacada por notícias falsas, e a personificação do legado político, atraindo e estimulando novas lideranças periféricas, principalmente mulheres negras e faveladas.

“É esse o papel do instituto, trazer essa mulher para essa centralidade, dizer o quanto é importante ocupar. A mulher tem que estar onde ela quiser, e a Marielle traz isso, com esse recorte da periferia”, explica Marinete.

Inspiração

Até 2022, o Instituto Marielle foi dirigido pela irmã da vereadora, Anielle Franco. Ao ser nomeada ministra da Igualdade Racial do governo Lula, em 2023, o cargo foi ocupado por Lígia Batista. A também mulher negra e periférica conhecia Marielle desde antes de ela se tornar vereadora. A defesa dos direitos humanos foi o que uniu as duas. Lígia trabalhava com o tema na organização não governamental (ONG) Anistia Internacional Brasil.

“Ver Marielle falar para as pessoas, como ela conseguia romper bolhas, conseguia comunicar as suas causas foi algo definitivamente muito inspirador pra mim. Sou muito feliz por ter tido a oportunidade de conhecer a Mari ainda em vida”, conta Lígia.

Lígia crê que ao defender a memória e semear os ideais de Marielle, o instituto consegue mudar realidades no país.

“A gente acredita na possibilidade de criar futuros para que pessoas como Marielle possam não só acessar, mas também permanecer em espaços de poder e tomada de decisão e, efetivamente, conseguir transformar a nossa democracia e, de fato, seguir lutando por justiça, dignidade e bem viver para todo mundo”.

Diretora-executiva do Instituto Marielle Franco, Ligia Batista – Tomaz Silva/Agência Brasil

O instituto é um catalisador de ações como cursos de formação em direitos humanos, organização de seminários e proposição de articulação entre outras organizações da sociedade civil e coletivos, notadamente de populações periféricas e minorias representativas, como negros e a comunidade LGBTQIA+.

“É fundamental poder inspirar as novas gerações a entender como nossa vida é atravessada pelas desigualdades de gênero, de raça, de classe, mas também se entender enquanto um ator protagonista nesse processo, porque a gente sabe que as estruturas políticas não têm servido aos nossos propósitos de vida. Então é fundamental a gente seguir inspirando, fortalecendo, formando novas gerações de lideranças políticas para que elas consigam, junto com a gente, transformar essas estruturas de poder”, descreve Lígia à Agência Brasil.

Rede de sementes

O logotipo do Instituto Marielle é a representação de sementes. Uma simbologia que remete a um dos verbos mais conjugados pela iniciativa: semear, ou seja, criar consciência social em jovens periféricos.

Uma integrante da rede de sementes é a professora de cursinho pré-vestibular comunitário Raquel Marte, de Niterói, região metropolitana do Rio de Janeiro. Formada em letras e cursando atualmente produção cultural, foi no instituto que teve mais contato com cursos e articulações em prol da defesa dos direitos humanos.

“Eu tive esse tipo de conteúdo na faculdade. Mas boa parte das participantes [da rede de sementes] são pessoas do povo, pessoas de pouca instrução e, por meio do instituto, elas têm acesso também a conhecer os seus direitos de cidadãos. Por meio do acesso a informações corretas é que a gente pode fazer qualquer tipo de mudança na sociedade civil”, diz Raquel, acrescentando que o conhecimento é uma espécie de antídoto para campanhas de desinformação e fake news.

Professora de cursinho pré-vestibular comunitário Raquel Marte – Tomaz Silva/Agência Brasil

Agenda Marielle

O instituto busca também ter diálogo com outra ponta do processo político: os representantes eleitos. Por meio da Agenda Marielle – um conjunto de pautas e práticas antirracistas, antiLGBTfóbicas, feministas e populares – há uma busca por articulações que funcionam como uma espécie de cobrança por ações políticas.

“Essa relação se dá, fundamentalmente, a partir de uma provocação que a gente faz, tanto para candidaturas, mas também para aquelas que são eleitas, para que se comprometam com as nossas pautas e as nossas práticas. A gente convoca as candidaturas progressistas, candidaturas que se inspiram nesse símbolo de luta que a Marielle se tornou, a assinarem e defenderem essa agenda durante a sua atuação enquanto parlamentares. Acho que esse é um caminho que a gente tem explorado que é bem potente”, conta Lígia.

Para o professor de ciência política João Feres, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), o diálogo com parlamentares precisa atingir um maior espectro político para ter mais resultado.

“As organizações da sociedade civil têm investido muito nas relações com o Legislativo, atividade muito difícil de executar, mas de suma importância. Os donos do capital têm recursos abundantes para contratar escritórios de lobby que se dedicam a esse trabalho diuturnamente. Já as organizações, para competir, precisam promover a profissionalização dessa atividade, algo que não é barato. A questão é que não basta estreitar contatos com políticos já alinhados, é preciso exercer pressão sobre aqueles que se encontram nas bordas do tema, por assim dizer, isto é, os que não têm interesses muitos intensos contrários à agenda e que poderiam ser ‘ganhos’ para a causa”, avalia.

Violência Política

Apesar do entusiasmo pela participação política, Lígia ressalta que o maior desafio do instituto atualmente está justamente na representação política. Mas especificamente na violência política.

“O maior desafio é justamente o quanto a violência política não só afasta as pessoas de quererem disputar a política institucional, mas também o quanto a violência política de quem está lá dentro, de quem vive esse dia a dia, acaba minando possibilidade de construção de outros mundos possíveis”, aponta.

“Para nós, o combate à violência política de gênero e raça é fundamental porque esse fenômeno atravessa muito a vida de mulheres negras, pessoas LGBT, pessoas de favela e periferia. A gente acha que o fim da violência política vai fortalecer a democracia brasileira”, complementa.

Sociedade civil

Fotobiografia conta trajetória de Marielle Franco – Fernando Frazão/Agência Brasil

O Instituto Marielle é mais uma organização no arco de movimentos da sociedade civil que busca levar protagonismo para cidadãos.

“Sem participação não há cidadania, sem participação não se realiza o jogo de forças necessário para criar, implementar medidas, monitorar e exigir a realização das responsabilidades dos Estados nacionais em matéria de direitos humanos, sociais, culturais, políticos”, disse à Agência Brasil a diretora executiva da Anistia Internacional Brasil, Jurema Werneck.

“Marielle era fruto dos movimentos de mulheres negras e, em sua geração, deixou sua contribuição para amplificar as vozes das populações historicamente silenciadas”.

Jurema entende que a luta por justiça para Anderson e Marielle vai além de uma resposta a um crime específico.

“Diz respeito, sobretudo, a garantir que mortes brutais como a dela e de Anderson não se repitam – como já tem se repetido – em completa impunidade em todo o Brasil”.

A diretora da Anistia Internacional Brasil acredita que o assassinato da ativista serviu como um potencializador do alcance de Marielle.

“O ativismo de Marielle como mulher, negra, bissexual, mãe, sempre foi algo inspirador, com muita potência. Após o assassinato, somamos toda essa trajetória ao desejo de justiça para continuarmos a luta que é não só a defesa dos direitos humanos, mas também dos defensores e defensoras de direitos nesse país” avalia.

Na avaliação do professor da Uerj João Feres atuações de instituições da sociedade civil como o Instituto Marielle conseguiram “uma transformação cultural no Brasil sem precedentes, que é colocar a desigualdade racial e de gênero como pauta de grande importância”.

“Essa transformação cultural se deu em conjunto com as instituições públicas e privadas cada vez mais sensíveis a essa pauta” destaca. Para o cientista político, isso só foi concretizado durante anos de governos progressistas, mais abertos à participação da sociedade civil do que os governos de direita.

“O Instituto Marielle surge em uma fase 2.0 dessa luta, por assim dizer. É notável o fato de que tenha surgido e ganhado força no contexto nada propício de extrema direita do [ex-presidente Jair] Bolsonaro”, considera Feres.

Março por justiça

Estátua da ex-vereadora Marielle Franco, no Buraco do Lume, centro da cidade – Fernando Frazão/Agência Brasil

O Instituto Marielle organiza e divulga diversas ações (inclusive organizadas por terceiros) previstas para o marco de 6 anos do assassinato de Anderson e da vereadora. Na manhã desta quinta-feira (14) haverá uma missa na Igreja Nossa Senhora do Parto, no centro do Rio de Janeiro.

O local é emblemático, pois fica a poucos metros do Buraco do Lume, uma praça pública em que Marielle costumava fazer discursos. Inclusive, atualmente há uma estátua da vereadora na praça.

Às 17h começará o Festival Justiça Por Marielle & Anderson, na Praça Mauá, também no centro do Rio. A atração será de graça e contará com apresentações artísticas e exposições com obras em homenagem à Marielle.

O crime

Marielle Franco e Anderson Gomes foram mortos em uma noite de terça-feira. Ela tinha saído de um encontro no Instituto Casa das Pretas, no centro do Rio. O carro dela foi perseguido pelos criminosos até o bairro do Estácio, que faz ligação com a zona norte carioca. Investigações e uma delação premiada apontam o ex-policial militar (PM) Ronnie Lessa como autor dos disparos. Treze tiros atingiram o veículo.

Lessa está preso, inclusive tendo já sido condenado por contrabando de peças e acessórios de armas de fogo. O autor da delação premiada é o também ex-PM Élcio Queiroz, que dirigia o Cobalt usado no crime.

Outro suspeito de envolvimento preso é o ex-bombeiro Maxwell Simões Correia, conhecido como Suel. Seria dele a responsabilidade de entregar o Cobalt usado por Lessa para desmanche. Segundo investigações, todos têm envolvimento com milícias.

No fim de fevereiro, a polícia prendeu Edilson Barbosa dos Santos, conhecido como Orelha. Ele é o dono do ferro-velho acusado de fazer o desmanche e o descarte do veículo usado no assassinato. O homem já havia sido denunciado pelo Ministério Público em agosto de 2023. Ele é acusado de impedir e atrapalhar investigações.

Apesar das prisões, seis anos após o crime ninguém foi condenado. Desde 2023, a investigação iniciada pela polícia do Rio de Janeiro está sendo conduzida pela Polícia Federal.

Abdias Nascimento, 110 anos: a luta para unir africanos e descendentes

O ano era 1974. Abdias Nascimento participava do 6º Congresso Pan-Africano em Dar-es-Salaam, na Tanzânia, como único representante da América do Sul. Durante o evento, o intelectual brasileiro foi convidado pelo embaixador de Uganda para conhecer a fonte do Rio Nilo. Ao lado de outros ativistas, artistas e intelectuais, Abdias experimentou um banho transformador.

“Aquelas águas que alimentaram tantas antigas civilizações negras me emocionaram extremamente; elas encharcaram a minha alma. Banhei-me nelas como num batismo primordial, como se de fato estivesse nascendo de novo”, escreveu Abdias em testemunho de 1976.

Homem negro, era natural de Franca, no interior de São Paulo. Foi ator, dramaturgo, poeta, escritor, artista plástico, professor, político e ativista antirracista. Há exatos 110 anos, nascia Abdias, um dos maiores intelectuais do Brasil. Nessa trajetória extensa, ele se destacou como o principal difusor do pan-africanismo no país. Em termos simples, um movimento em defesa da unidade política dos povos africanos, que tem origem no século 19, mas ganha força no século 20, no contexto da descolonização da África e das lutas antirracistas em todo o mundo.

O “batismo” de Abdias no Nilo representava essa reconexão com a África, que dizia ser a verdadeira terra natal dele, o único lugar em que havia se sentido em casa. Com o Brasil, a relação era “cheia de revolta” e “paradoxal”, por entender que a sociedade recusava as raízes africanas do povo negro e tentava silenciá-las.

Foto Acervo do Ipeafro/Divulgação

Em 1968, Abdias viajou aos Estados Unidos para um intercâmbio com movimentos que promoviam os direitos civis e humanos da população negra. Ao perceber o aumento da repressão e da violência na ditadura militar brasileira, decidiu autoexilar-se. Durante 13 anos, viveu nos Estados Unidos e na Nigéria.

O sociólogo Túlio Custódio, mestre e doutor pela Universidade de São Paulo (USP), pesquisou o período de exílio de Abdias e explica que as experiências internacionais tiveram influência grande no pensamento político e intelectual dele. Como professor universitário, participou de vários eventos nos Estados Unidos, na América Central e na África. E pôde aprofundar críticas à ideia do Brasil como uma democracia racial, além estreitar os laços internacionais com pensamentos e intelectuais africanos.

“O foco dele continua sendo o Brasil. É a partir do país que pensa a questão racial. Mas ele entende que as raízes negras brasileiras estão diretamente associadas a uma noção de cultura africana, que dá respaldo a uma visão de pan-africanismo e de diáspora. O intelectual alarga a dimensão de resistência e de revolta que já estava presente no pensamento dele nos anos 1960, e as conecta com o pan-africanismo. Conecta a luta do negro brasileiro com o movimento de descolonização da África e com o movimento dos direitos civis nos Estados Unidos”, explica Túlio Custódio.

No contexto da perseguição dos militares aos opositores e de outros exílios, Abdias fez questão de marcar a diferença da situação dele em relação à de outros intelectuais e militantes brancos.

“Meu exílio é de outra natureza. Não começou em 1968 ou 1964, nem em momento algum dos meus 62 anos de vida. Hoje, mais do que nunca, compreendo que nasci exilado, de pais que também nasceram no exílio, descendentes de gente africana trazida à força para as Américas”, escreveu.

Pan-africanismo

Quando chegou aos Estados Unidos, Abdias já trazia um currículo longo: havia fundado o Teatro Experimental do Negro (TEN) em 1944, que denunciava a segregação nas artes brasileiras e promovia os direitos civis e humanos dos negros; participara da organização da Convenção Nacional do Negro, em 1945 e 1946, e do 1º Congresso do Negro Brasileiro, em 1950; editara o jornal Quilombo: Vida, Problemas e Aspirações do Negro; e era o curador fundador do Museu de Arte Negra.

Como professor universitário no exterior, teve a oportunidade de conhecer intelectuais e militantes de vários países e entrar em contato com as diferentes vertentes do pan-africanismo, como explica o sociólogo Túlio Custódio.

Foto Acervo do Ipeafro/Divulgação

“Antes da minha pesquisa, tinha expectativa de que o Abdias estaria em diálogo com as teorias norte-americanas e o movimento negro de lá. E não é o caso. Na verdade, ele acaba se conectando mais com os intelectuais de origem africana. E mesmo quando dialoga com intelectuais dos EUA, é mais com aqueles que estão envolvidos na discussão do pan-africanismo ou do nacionalismo negro. Casos de Molefi Asante, Maulana Karenga, Cheikh Anta Diop e Anani Dzidzienyo”.

O pan-africanismo estava dividido ente grupos pró-comunistas, pró-capitalistas e de uma chamada terceira via. Abdias se identificou com o último grupo, por entender que comunismo e capitalismo não apresentavam soluções para os problemas específicos da população negra. Para ele, o mundo africano deveria buscar a própria identidade ideológica, com base na experiência histórica do continente, mas também nas experiências das diásporas nas Américas e Pacífico. Foi o que ele defendeu no discurso do 6º Congresso Pan-Africano de 1974, aquele citado no início da reportagem, do emblemático banho no Rio Nilo.

Rio de Janeiro – A diretora do Instituto de Pesquisas e Estudos Afro-Brasileiros, Elisa Larkin Nascimento – Tomaz Silva/Agência Brasil

Foi nesse mesmo ano que Abdias conheceu Elisa Larkin nos Estados Unidos. Ela havia participado de movimentos estudantis e políticos contra a guerra do Vietnã, contra empresas americanas que sustentavam o regime do apartheid na África do Sul e de outros embates contra o racismo no próprio país. Elisa conta que houve uma afinidade imediata, por terem tantos pontos em comum na vida pessoal e intelectual. Das trocas entre os dois, aprendeu mais sobre a história das filosofias e culturas africanas e acompanhou de perto a atuação incisiva do companheiro nos círculos internacionais.

“O Abdias vai ter uma voz muito maior dentro desses círculos do pan-africanismo. No Brasil, crescia a consciência entre a população negra sobre essa dimensão internacional e pan-africana de luta. E a mesma coisa acontecia do lado de lá. Os movimentos pan-africanos no exterior não tomavam conhecimento de uma população negra que era a maior do mundo fora da Nigéria. Quando Abdias começou a dizer isso no início dos anos 70, as pessoas achavam um absurdo: ‘esse cara está enlouquecendo’. Ele era rechaçado. Os ativistas do exterior não tinham a consciência dessas outras populações”, diz Elisa.

Volta ao Brasil

Quando voltou ao Brasil em 1981 definitivamente, Abdias fundou com Elisa o Instituto de Pesquisas e Estudos Afro-Brasileiros (Ipeafro). A instituição organizou o 3º Congresso de Cultura Negra das Américas, em São Paulo, em 1982). A revista Afrodiáspora, lançada no ano seguinte pelo Ipeafro, traz na capa menção ao congresso e diz que os negros reunidos nele buscavam a própria identidade, impor respeito à condição comum de descendentes dos povos africanos.

Nas décadas seguintes, se manteve ativo na defesa do pan-africanismo e contra a desigualdade racial em congressos e seminários internacionais, além de publicar dezenas de livros em inglês e português. Entre eles estão O genocídio do negro brasileiro: processo de um racismo mascarado, O quilombismo e O Brasil na mira do pan-africanismo.

Na vida política, Abdias Nascimento assumiu o cargo de deputado federal em 1983, eleito suplente pelo PDT-RJ. Como integrante da Comissão das Relações Exteriores, propôs medidas contra o apartheid, de apoio ao Congresso Nacional Africano (ANC) da África do Sul e ao movimento pela independência da Namíbia.

Abdias Nascimento deixou legado de luta antirracista – Foto Acervo do Ipeafro/Divulgação

“É o Abdias que traz essa discussão sobre o apartheid e a necessidade de rompimento de relações diplomáticas do Brasil com o regime sul-africano do apartheid. E também vai incluir isso além do Congresso, como item importante de luta para todos os negros, inclusive o brasileiro”, afirma Fabiana Vieira, historiadora que pesquisa as relações entre Brasil e África do Sul, no que diz respeito à atuação do movimento negro.

Legado

Abdias Nascimento morreu em 2011, aos 97 anos. Deixou um legado de luta antirracista, vasta publicação intelectual, acadêmica e artística. Mas os pesquisadores ouvidos pela Agência Brasil dizem que, apesar dos esforços para difundir o pan-africanismo no país, a doutrina ainda tem pouca influência sobre o movimento negro.

A historiadora Fabiana Vieira entende que falta projeto político de integração com pautas do exterior.

“O movimento negro atual perdeu essa ideia de internacionalização. O que me parece é que a conexão hoje é mais acadêmica e pontual, quando tem algum evento ou acontecimento no exterior que mereça maior atenção. Não há um projeto político contínuo de internacionalização do movimento negro, como pretendia Abdias Nascimento”.

O sociólogo Túlio Custódio entende que intelectuais e pensamentos do movimento negro dos Estados Unidos são mais influentes sobre os brasileiros.

“Apesar de toda a contribuição que uma parte do movimento negro teve, o que inclui o Abdias, de pensar uma identidade negra a partir da África, quem leva o jogo, vou colocar nesses termos, é a perspectiva norte-americana. Impacto dela na realidade brasileira vem pelas roupas, pelos movimentos culturais, musicais, e que vão trazer uma força de influência na identidade negra. Quando a África aparece, é quase numa perspectiva etérea, menos conectada com os elementos culturais que estão no pensamento de Abdias. As reflexões para lidar com os problemas concretos do Brasil partem de ferramentas teóricas mobilizadas no debate estadunidense”.

Quem continua na luta pela valorização das raízes africanas e defende o legado de Abdias é o Ipeafro, hoje sob direção da viúva Elisa Larkin Nascimento.

“Nosso trabalho é fazer com que o pictórico, o acervo museológico, as obras de arte e o acervo documental do Abdias possam ajudar a pensar e a criar maneiras de trazer esse legado ao conhecimento das novas gerações. Não apenas de crianças e adolescentes e pessoas negras, mas do país inteiro, para a gente entender melhor a história do povo negro e como ela se relaciona à dos povos originários africanos”, disse Elisa.

Boletos pagos até 13h30 poderão ser compensados no mesmo dia

O boleto bancário – um dos meios mais usados pelos brasileiros para pagamentos de contas de consumo no dia a dia – ganhará mais agilidade em seu processamento.

Os boletos bancários pagos até 13h30 poderão ser compensados no mesmo dia a partir desta sexta-feira (15), dependendo do contrato que ele tenha com a sua instituição financeira.

O prazo de liquidação da cobrança no mesmo dia é conhecido como D+0. De acordo com a Federação Brasileira de Bancos (Febraban), o pagamento realizado após às 13h30 horário continuará com a liquidação no prazo de um dia útil (D+1).

A medida terá impacto somente para o credor do documento, ou seja, aquele que irá receber o dinheiro no mesmo dia. Nada mudará para quem paga o boleto diretamente.

Mas, no caso de e-commerce, por exemplo, a Febraban acredita que trará vantagens ao comércio e aos compradores, que poderão ter o processo de entrega agilizado tanto de mercadorias como de serviços.

A novidade faz parte de um projeto de modernização desta modalidade de pagamento e envolverá 136 instituições bancárias.

O diretor-adjunto de Serviços da Febraban, Walter Faria, explica a expectativa do setor. “No início desta mudança, a estimativa é que cerca de 57% dos boletos possam ser processados no mesmo dia, enquanto 43% seriam no prazo D+1. Assim que a modernização estiver implantada, funcionando sem nenhuma ocorrência técnica, a ideia é iniciar os estudos para trazer toda a liquidação de boletos para o prazo D+0”, avaliou.

Boletos

Desde 1994, o boleto bancário é um documento usado pelos bancos e seus clientes para recebimento de valores referentes a uma determinada venda de produto ou serviço, como mensalidades de escolas, condomínios, planos de saúde, consórcios, financiamentos, cartões de crédito, cobrança entre empresas e outros pagamentos.

Em 2023, os bancos registraram 4,2 bilhões de transações realizadas via boletos, totalizando R$ 5,8 trilhões.

Qualquer pessoa física ou jurídica pode fazer uma cobrança por meio de boletos bancários, basta ter uma conta bancária e contratar o serviço diretamente no banco onde tem a conta.

Itaú Cultural homenageia Maria Bethânia com exposição sensorial

“Meu Deus, me dê a coragem de viver 365 dias e noites, todos vazios de Tua presença. Me dê a coragem de considerar esse vazio como uma plenitude”. São esses versos de Clarice Lispector, declamados na doce voz de Maria Bethânia, que ecoam agora no primeiro andar do Itaú Cultural e abrem a nova exposição do espaço, toda dedicada à cantora.

A Ocupação Maria Bethânia abre ao público nesta quarta-feira (13) à noite, em São Paulo, e destaca a força da palavra e da literatura na vida dessa cantora, celebrada como um dos maiores nomes da música brasileira. A curadoria é do Núcleo de Curadorias e Programação Artística do Itaú Cultural e da diretora Bia Lessa, com pesquisa audiovisual de Antônio Venâncio.

“A Bethânia é um extrato de Brasil muito relevante para nosso imaginário e para nossa noção identitária e cultural”, disse Galiana Brasil, gerente do Núcleo de Curadoria e Programação Artística do Itaú Cultural e integrante da equipe curatorial da mostra.

São Paulo – Itaú Cultural homenageia Maria Bethânia com exposição sensorial – Foto Itaú/Divulgação

Essa exposição, afirmou, pretende reforçar o legado da cantora e celebrar sua trajetória de 60 anos de carreira. “Ela [Bethânia] traz essa importância da identidade vocal e de pensamento. É uma artista que imprime um pensamento sobre o que faz. Nada do que faz é gratuito”, reforçou.

Para essa mostra foram destinados dois espaços expositivos. O primeiro deles está no andar térreo, onde se apresentam 98 fotos que flutuam pela sala, suportadas por cabos de aço até a altura do público. As fotos apresentam a família de Bethânia, seu lugar de nascimento (a cidade de Santo Amaro, no Recôncavo Baiano), seus amigos, seu cotidiano e imagens de shows. Os cabos de aço também sustentam saquinhos de água e de terra, onde se lê o nome da cantora.

“Esse é o espaço do território. Aqui é muito a força de Santo Amaro no que constitui a Bethânia”, explicou Galiana, em entrevista à Agência Brasil.

Para cada uma dessas fotos há uma frase refletida no chão, criando um contraponto entre o que se vê e o que se escreve. Entre elas, uma dita pela própria cantora: “Pessoas do Recôncavo você distingue imediatamente”. Estão ali também frases de vários escritores, compositores e poetas como Clarice Lispector, Guimarães Rosa e Mário de Andrade, e que inspiraram a artista. Enquanto explora esse espaço, o público será envolvo em sons que remetem ao mar e à música.

No caminho entre o térreo e o primeiro andar, onde se encontra a segunda parte da exposição, o visitante vai se deparar com ventiladores, que foram espalhados pela escadaria. A ideia, explicou Galiana, é reforçar a ideia de natureza, que é tão importante no universo da artista.

São Paulo – Itaú Cultural homenageia Maria Bethânia com exposição sensorial – Foto Itaú/Divulgação

Por sua vez, o primeiro andar foi todo ocupado por uma instalação composta de 47 monitores com imagens documentais de diferentes períodos da obra e da vida de Bethânia, reforçando seu diálogo com a poesia e a literatura. A produção tem duração de 1h45min e é rodeada por um espelho d’água. Uma leve brisa envolve o ambiente. “Esse espaço é um convite para que as pessoas vejam a Bethânia além daquele lugar ou de idolatria ao qual o olho já está mais treinado para vê-la. Aqui vamos vê-la em partes, por meio da cidade de Santo Amaro, das pessoas, da família e de suas grandes influências”, explicou Galiana.

É nesse andar também que serão apresentados dois bordados feitos por Bethânia durante a pandemia: Rotas do Abismo e O Céu de Santo Amaro, nos quais a artista exprime, por meio de linhas, agulhas e tecido, sua intimidade com a palavra.

“Chamar isso que faço de bordado é engraçado, é uma ofensa a quem realmente sabe bordar”, disse a cantora, em nota que apresenta a exposição. “Gosto de bordar palavras, de escrever com linhas, de inventar. É um desabafo, um modo de me expressar. Como artista, além do isolamento e da solidão, ser proibida e não conseguir me expressar é insuportável para mim. São bordados que se relacionam com o presente.”

São Paulo – Itaú Cultural homenageia Maria Bethânia com exposição sensorial – Foto Itaú/Divulgação

Atividades

Além da exposição, o Itaú Cultural preparou programação especial para celebrar a vida e a obra de Maria Bethânia com ateliê de bordados e shows, entre eles, o de Moreno Veloso, que ocorre na sexta-feira (15) e no sábado (16), às 20h. Também será apresentado o filme Os Doces Bárbaros, que poderá ser assistido online na plataforma Itaú Cultural Play. “Temos também a dimensão do site que vai trazer conteúdos super exclusivos e que não estão aqui, em nenhum dos pisos, tais como depoimentos e artigos”, explicou Galiana.

A mostra, que tem entrada gratuita, permanece em cartaz até o dia 9 de junho. Mais informações sobre a exposição podem ser obtidas no site do Itaú Cultural.

Navio de caridade espanhol dirige-se a Gaza

13 de março de 2024

 

Um navio de caridade espanhol transportando 200 toneladas de ajuda alimentar humanitária partiu de Chipre para Gaza na terça-feira, no mais recente esforço para alimentar dezenas de milhares de palestinos famintos enquanto os combates entre Israel e militantes do Hamas continuam.

A comida, recolhida pela World Central Kitchen, instituição de caridade fundada pelo famoso chef Jose Andres, estava numa barcaça rebocada por um navio pertencente ao grupo de ajuda espanhol Open Arms e dirigia-se para um local não revelado na costa de Gaza. A viagem de 400 quilômetros deveria durar de dois a três dias.

Um segundo navio estava sendo carregado em Chipre para em breve fazer a mesma viagem para ajudar os palestinos sitiados, disse o ministro das Relações Exteriores cipriota, Constantinos Kombos, à rádio estatal.

Falando mais tarde em Beirute, Kombos disse: “Estamos trabalhando para a chegada segura do primeiro carregamento e depois para a distribuição segura”.

“Se tudo correr conforme o planejado… já implementamos o mecanismo para uma segunda carga, muito maior, e então trabalharemos para tornar este exercício mais sistemático e com maiores volumes”, disse ele.

Andres disse que embora não houvesse certeza de que a entrega de alimentos seria bem-sucedida, “o maior fracasso será não tentar”.

“Poderíamos trazer milhões de refeições por dia”, disse Andres. “A população do norte [em Gaza] será alimentada!”

Os militares dos EUA enviaram um navio para o Mediterrâneo para construir um cais temporário na costa de Gaza para permitir a passagem de mais camiões de ajuda, mas dizem que o cais pode levar dois meses a ser concluído.

 

Campanha Março Azul prioriza a prevenção do câncer de intestino

Moradores de grupos de risco de 50 a 70 anos, da cidade ribeirinha de Óbidos (PA), de difícil acesso, onde só se chega de barco, fizeram exames de sangue oculto nas fezes por profissionais que participam da campanha Março Azul e aqueles cujo resultado foi positivo estão sendo submetidos agora a exames de colonoscopia, para prevenir o câncer de intestino. A campanha é resultado de parceria entre três entidades médicas que tratam de câncer do intestino: a Sociedade Brasileira de Endoscopia Digestiva (Sobed), a Sociedade Brasileira de Coloproctologia (SBCP) e a Federação Brasileira de Gastroenterologia (FBG). A campanha tem como lema “Médico e paciente: uma parceria que salva vidas! Juntos na prevenção do câncer de intestino.”

O presidente da SBCP, Hélio Moreira, informou nesta terça-feira (12) à Agência Brasil que “há expectativa de realizarmos em Óbidos 460 colonoscopias nessa população. Lembrando que são pessoas que não têm sintoma nenhum. O único fator de risco que foi levantado para definir o rastreamento foi a idade e, em seguida, presença de sangue oculto nas fezes ou não”. Já foram feitas em Óbidos mais de 170 colonoscopias. Nessas, diagnosticaram dois pacientes com câncer de intestino e cerca de 35% com diagnóstico de pólipos, ou lesões, que foram removidos e, consequentemente, tratados.”

O médico observou que, no câncer de intestino, a prevenção é mais eficiente. “Quando você fala de câncer de mama ou de próstata, a recomendação para realização de exames de prevenção, na verdade, tem objetivo de diagnosticar a doença em um estágio precoce. Ela já é um câncer. Já no câncer de intestino, o rastreamento é para detectar lesões que ainda não viraram câncer e, quando tratadas com a remoção dessas lesões, você evita de o indivíduo ter o câncer”.

Essas lesões, chamadas pólipos ou verrugas, nascem dentro do intestino. Com a colonoscopia, esses pólipos são tratados. Hélio Moreira esclareceu que embora aquele pólipo tenha sido tratado, a pessoa pode ter novos pólipos no futuro. Mas o tempo que decorre entre surgir um pólipo e ele virar um câncer varia de 8 até 10 ou 12 anos, destacou. “Não é uma coisa rápida”. Tirando esses pólipos agora, o médico pode recomendar a repetição desse exame para rastrear novos pólipos em um período longo, dando aos indivíduos a chance mínima deles terem um câncer de intestino com esse tipo de rastreamento.

Estimativa

Estimativa do Instituto Nacional de Câncer (Inca), vinculado ao Ministério da Saúde, são de 45.630 novos casos de câncer colorretal no Brasil, em cada ano do triênio 2023/2025, afetando potencialmente mais de 136 mil brasileiros. O Inca aponta um risco estimado de 21,10 casos por 100 mil habitantes, divididos entre 21.970 homens e 23.660 mulheres. Dados do Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM) do Datasus, referentes a 2020, indicam que 20.245 pessoas faleceram devido ao câncer de cólon, reto e ânus, ressaltando a urgência de ações preventivas e de conscientização.

“Para ter ideia de quanto isso é um problema importante e precisa ter uma sensibilidade maior do poder público para essa questão, em 2010, nós tivemos 23 mil casos de câncer de intestino no Brasil. Em dez anos, dobrou o número de casos de câncer de intestino. Hoje, é o segundo tipo de câncer mais frequente, tanto para homens, como para mulheres, na nossa população. E a incidência vem aumentando de forma alarmante”, assegurou Hélio Moreira.

O presidente da SBCP defendeu o estabelecimento de um programa nacional que seja parte do calendário do governo federal de rastreamento do câncer de intestino. Tanto a colonoscopia como a pesquisa de sangue oculto nas fezes são feitos no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS). “Mas é preciso organizar melhor o sistema, ampliar a quantidade de clínicas que possam oferecer esses exames, para poder atender a demanda que um programa de rastreamento de câncer de intestino vai gerar”.

Hélio Moreira admitiu que, em um primeiro momento, o programa demandará muitos recursos. “Mas no médio e longo prazo, vai se observar que uma quantidade imensa de pacientes que teriam câncer não terão mais. Serão tratados endoscopicamente, uma quantidade imensa de pacientes que são diagnosticados hoje em uma fase avançada de câncer, onde o tratamento envolve cirurgia, quimioterapia, radioterapia e, mesmo assim com taxas muito baixas de sobrevida dos pacientes.”

Moreira esclareceu que uma vez que se implementa um sistema de rastreamento, diminui os gastos com tratamento dos pacientes que têm câncer e melhora significativamente suas chances de cura. “Então, no médio e longo prazo, esse investimento inicial é amplamente justificado. Para salvar uma vida, qualquer gasto é justificado. Mas até no ponto de vista financeiro, é muito mais interessante a gente implementar um sistema de rastreamento do que deixar as coisas como estão hoje”, indicou.

Sintomas

Atualmente, no Brasil, mais de 70% dos casos de câncer de intestino são diagnosticados em fase avançada da doença. “É uma catástrofe”. Estamos falando aí de tratamentos caríssimos, prolongados, sofrimento imenso do paciente e da família, afastamento de trabalho, necessidade de uso de bolsas de colostomia, que poderiam ser evitados com um sistema de rastreamento adequado,” explicou.

Moreira reforçou que no diagnóstico do câncer de intestino na fase inicial, o sintoma mais comum é não ter sintoma. “Quando tem sintomas, normalmente já são casos mais avançados e é preciso que a população entenda que devem ser valorizados”. O principal sintoma é a presença de sangue vivo nas fezes. Outros aspectos importantes são o emagrecimento de causa desconhecida, o surgimento de uma anemia de causa indeterminada e a presença de uma alteração do hábito intestinal. Ou seja, de repente, o intestino, que funcionava de uma forma, começa a mudar o jeito de funcionar: ele prende, tem episódios de diarreia, depois prende de novo. “Quando isso acontece, valorize os sintomas e procure um médico especialista para que ele possa avaliar a necessidade de uma investigação mais aprofundada.”

Este é o quarto ano da campanha Março Azul. Até o final deste mês, serão realizadas ações em todas as capitais e em algumas cidades de médio e pequeno porte, com caminhadas, distribuição de panfletos, audições públicas, entrevistas, tudo com interesse maior de alertar a população sobre esse tema, tão importante para a saúde.

A cada ano, o mutirão de exames presenciais é feito em uma cidade específica. No ano passado, por exemplo, ocorreu em Cairu (BA) e, no ano retrasado, em Pilar (AL). “A gente vai escolhendo, normalmente, cidades de difícil acesso, com pouca oferta de exames de endoscopia para a região, onde realmente a campanha pode trazer um impacto gigantesco para aquela população”, disse o presidente da SBCP.

Fatores de risco

As três entidades que participam da campanha enfatizam que o tumor intestinal pode ser influenciado por diversos fatores de risco, incluindo histórico familiar de câncer, sobrepeso ou obesidade, idade igual ou superior a 50 anos, uma dieta rica em alimentos processados e carne vermelha, tabagismo, consumo excessivo de bebidas alcoólicas e a presença de doenças inflamatórias intestinais, como retocolite ulcerativa e doença de Crohn.

A prevenção do câncer de intestino está ligada a um estilo de vida saudável, que inclui prática regular de exercícios físicos, manutenção do peso ideal, abstenção do tabagismo e consumo moderado de bebidas alcoólicas. Além disso, recomenda-se a adoção de uma dieta rica em verduras, frutas, legumes, farelos e cereais integrais, beber cerca de dois litros de água por dia e limitar o consumo de carne vermelha e alimentos ultraprocessados e embutidos.

A Campanha Março Azul 2024, dedicada à conscientização sobre o câncer de intestino, está disponível no site,  onde podem ser encontradas informações sobre a doença, incluindo métodos de prevenção, fatores de risco, diagnóstico e opções de tratamento. A iniciativa conta com o apoio institucional da Associação Médica Brasileira (AMB) e do Conselho Federal de Medicina (CFM).

Conselho pode distribuir dividendos da Petrobras “em momento oportuno”

A decisão do Conselho de Administração da Petrobras de não distribuir os dividendos extraordinários associados ao lucro do quarto trimestre poderá ser reavaliada, “em momento oportuno”, disse nesta segunda-feira (11) o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira. Ele deu a declaração após reunião no Palácio do Planalto.

“Os recursos apurados de lucro que não são obrigatórios de serem divididos [estão além do mínimo estabelecido pela Lei das Sociedades Anônimas] foram para uma conta de contingência, que remunera o capital. Num momento oportuno, o Conselho de Administração pode reavaliar a possibilidade de dividir parte ou a totalidade”, disse Silveira ao chegar ao Ministério da Fazenda acompanhado do ministro Fernando Haddad.

Silveira, Haddad e o ministro da Casa Civil, Rui Costa, reuniram-se por quase três horas na tarde desta segunda no Palácio do Planalto com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Segundo os dois ministros, a repartição dos dividendos não foi tratada no encontro, e os participantes discutiram apenas os planos de investimento da Petrobras e a transição da companhia para a energia limpa.

Brasília (DF) – Ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira. Foto: Valter Campanato/Agência Brasil

Silveira ressaltou que a decisão sobre a distribuição ou não dos dividendos extraordinários é “dinâmica” e reforçou que os dividendos ordinários, estabelecidos pela Lei das Sociedades Anônimas, foram distribuídos corretamente.

“O governo é controlador da Petrobras, mas trabalhamos para torná-la atrativa a investidores. Em nenhum momento, o governo perde a visão de dar previsibilidade aos investidores. O governo respeitou a previsibilidade da distribuição dos dividendos ordinários, que são obrigatórios”, rebateu.

O ministro de Minas e Energia destacou que o dinheiro não distribuído aos acionistas foi para uma conta de reserva de capital que está sendo remunerada (rendendo). “O lucro da Petrobras foi para conta de contingência que tem uma destinação própria, que é exatamente a distribuição dos dividendos no momento adequado que a governança da Petrobras decidir”, afirmou o ministro, destacando que a decisão caberá ao Conselho de Administração da estatal.

Projetos

Haddad disse que a retenção dos recursos ocorreu porque a companhia decidiu avaliar a evolução do plano de investimentos para verificar se o dinheiro será necessário para completar os projetos ou se podem ser repassados aos acionistas.

“O Conselho [de Administração] julgou conveniente esperar o andamento dos investimentos para julgar a conveniência de se fazer e quando fazer a distribuição”, disse Haddad.

O ministro da Fazenda negou que a pasta tenha pressionado a estatal a distribuir os dividendos extraordinários, embora os recursos ajudem o Tesouro Nacional, o maior acionista da Petrobras, a cumprir a meta de zerar o déficit primário em 2024. Haddad ressaltou que o Orçamento de 2024 não prevê o recebimento por parte da União de dividendos além do estabelecido pela Lei das Sociedades Anônimas.

“No Orçamento da União, constam apenas os dividendos ordinários. A Fazenda não fez o orçamento contando com dividendos extraordinários. Se vierem, melhorarão o orçamento; mas não estamos contando com isso”, declarou Haddad.

Como várias estatais pagaram dividendos acima do esperado, ressaltou o ministro da Fazenda, o valor de dividendos que consta no Orçamento será superado, mesmo sem os dividendos extraordinários da Petrobras.

Haddad afirmou desconhecer uma nota técnica emitida pelo próprio Ministério da Fazenda em que recomendava a distribuição de dividendos extraordinários. “Eu não conheço essa nota técnica, mas a Fazenda às vezes é provocada para dizer se ela entende que a distribuição pode prejudicar o plano de investimentos da companhia. Se ela entende que não é, dá um parecer favorável. Agora um conselho, ele é soberano”, respondeu.

Jean Paul Prates

Rio de Janeiro – Presidente da Petrobras, Jean Paul Prates. Foto: Tomaz Silva/Agência Brasil

O ministro de Minas e Energia negou que a reunião tenha servido para discutir a permanência no cargo do presidente da Petrobras, Jean Paul Prates. Apesar da determinação do governo, Prates absteve-se na votação do Conselho de Administração que reteve o pagamento dos dividendos extraordinários.

“Em nenhum momento isso foi cogitado. E, conforme destacou o ministro Haddad, o que foi feito hoje foi uma reunião extremamente produtiva para tratar de transição energética”, rebateu Silveira. Ele atribuiu as notícias de uma possível demissão de Prates a “especulações do mercado financeiro”.

O ministro de Minas e Energia convidou o Ministério da Fazenda a ter uma cadeira no Conselho de Administração da Petrobras. “Inclusive é importante destacar que hoje foi um momento muito oportuno para convidar a Fazenda a integrar o conselho, até para a ela [a Fazenda] trazer a ótica e o olhar de Fazenda pública da economia nacional”, declarou. Silveira, no entanto, disse que a presidência do conselho continuaria com um representante de Minas e Energia, pasta à qual a Petrobras é vinculada.

Lula

Sem citar a crise causada na Petrobras após a não distribuição dos dividendos extraordinários, o presidente Lula postou nas redes sociais que o encontro foi produtivo. “Boa reunião com o presidente da Petrobras Jean Paul Prates, os ministros Fernando Haddad, Alexandre Silveira e Rui Costa e a diretoria da empresa. Conversamos sobre investimentos em fertilizantes, transição energética, enfim, no futuro do nosso país”, escreveu o presidente na rede social X, antigo Twitter.

Brasília (DF) – Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, em reunião com o Ministro da Fazenda, Fernando Haddad e com o Presidente da Petrobras, Jean Paul Prates, no Palácio do Planalto. Foto: Ricardo Stuckert/PR

Na quinta-feira, ao reportar lucro líquido de R$ 31 bilhões no quarto trimestre de 2023, a Petrobras informou que não pagaria dividendos extraordinários referentes ao período por decisão do Conselho de Administração, cujos poderes são superiores aos da diretoria. Com 11 integrantes, o conselho tem seis representantes do governo federal.

Com a retenção dos dividendos, a Petrobras perdeu R$ 55,8 bilhões em valor de mercado na sexta-feira (8), com desvalorização de 10,57% nas ações preferenciais e de 10,37% nas ações ordinárias. Nesta segunda, os papéis continuaram a cair, com recuos de 1,3% (preferenciais) e de 1,92% (ordinárias). Os investidores temeram uma suposta intervenção do governo federal na companhia.

Pesquisa de longo prazo aponta impacto ambiental da agricultura

Como conciliar a expansão das fronteiras agrícolas com a manutenção da paisagem das bacias e a integridade do ciclo hidrológico tão necessários à vida humana? E de que forma tudo isso tem a ver com a segurança alimentar? A busca por essas respostas moveu a pesquisadora Márcia Macedo a desenvolver, junto com outros pesquisadores, um estudo de longo prazo em dez microbacias do Rio Xingu, em Mato Grosso.

Foi a partir do Projeto Tanguro, uma iniciativa do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam) na cidade de Querência, que a pesquisadora encontrou o ambiente perfeito para desenvolver seu primeiro experimento em busca dessas respostas. Em um laboratório a céu aberto, que reúne pesquisadores de vários países, Márcia também teve à disposição cursos de água inseridos em terras com usos diferentes. “É um lugar onde a gente pode comparar bacias florestadas, ou seja, integrais e bacias com agricultura intensiva. Então nós pesquisamos quatro bacias em floresta e seis bacias em agricultura”, explica.

 A pesquisadora é Márcia Macedo, fala sobre o impacto da agricultura no ciclo hídrico, na Fazenda Tanguro em MT. Foto:- Fabiola Sinimbu/Agência Brasil

De acordo com o Código Florestal, esses cursos de água com menos de 10 metros de largura são considerados, em 30 metros de margem para cada lado, Áreas de Proteção Permanentes (APPs). Após esses limites, a terra recebe a destinação escolhida pelo proprietário.

Por ser uma fazenda de uso inicialmente de pecuária e que passou por uma transição para uso da terra pelas lavouras de soja, milho e algodão, a Tanguro, destinada também à ciência, possibilita a busca pelo entendimento do impacto dessas escolhas.

Pesquisadora da Organização Não Governamental norte-americana Woodwell Climate Research Center, Márcia passou a trabalhar com a equipe do Ipam, por meio de uma parceria entre as duas instituições. “Com isso, a gente conseguiu medir vários parâmetros que mostram como que essa grande mudança de uso da vegetação afeta o balanço da água e de energia”.

Foram instalados vários equipamentos de medição para diferentes parâmetros e os pesquisadores passaram a monitorar os cursos de água em relação à vasão dos córregos, existência de nutrientes, temperatura e outros fatores de avaliação do ambiente aquático que permitem entender o habitat de toda a cadeia alimentar existente.

Segundo Márcia, um dos achados mais significativos representa uma grave interferência no ciclo hídrico, já que as vegetações de raízes consideravelmente menores da agricultura não conseguem cumprir o mesmo papel que a vegetação presente originalmente na região estudada, situada em uma área de transição entre a Amazônia e o Cerrado.

Mato Grosso –  A pesquisadora Márcia Macedo e o pesquisador é Leonardo Santos. O impacto da agricultura no ciclo hídrico, na Fazenda Tanguro, em MT. Foto: Fabiola Sinimbu/Agência Brasil

“As florestas usam muita água, ao longo do ano todo, e elas bombeiam essa água do solo para a atmosfera, em um processo que se chama evapotranspiração, e as áreas de lavoura usam muito menos água e por menos tempo”, explica.

Na prática, no lugar de ir para a atmosfera a água acumula no solo e é drenada pelos córregos em quantidades maiores deixando menos água disponível na região, o que, além de aumentar a temperatura também diminui os períodos de chuvas. Em regiões de relevo maior, o alto volume drenado pode esvaziar o curso de água durante a seca.

“Quando a vegetação joga água para a atmosfera tem o efeito de resfriar a terra, então você muda isso e você esquenta bastante. Pudemos observar que as bacias nas áreas não florestadas são entre 4 e 5 graus Célcius mais quentes, então isso também afeta a temperatura da água, afeta todo o microclima a traz várias sequelas para vida existente naquele córrego”, explica.

De acordo com a pesquisadora, se for levado para uma escala maior pode representar, inclusive, uma ameaça à própria produção de alimentos, em longo prazo. “Na escala macro, se você começa a mudar a quantidade de água que está sendo reciclada da chuva, que está sendo reciclada da atmosfera, os impactos acontecem nos rios voadores que abastecem as grandes áreas de agricultura”, afirmou.

Flora

Enquanto Márcia se dedicou aos cursos de água, o pesquisador do Ipam, Leonardo Maracahipes Santos estudou a própria vegetação da floresta ripária, ou seja, as margens dos córregos preservadas por lei, e comparou as que permaneceram inseridas na floresta original com as que passaram a integrar área de agricultura. E a conclusão foi de que a agricultura também interferiu na estrutura da vegetação e na composição das espécies dessas APPs.

Mato Grosso – O pesquisador é Leonardo Santos, fala sobre o impacto da agricultura no ciclo hídrico, na Fazenda Tanguro. Foto: Fabiola Sinimbu/Agência Brasil

De acordo com o pesquisador, na floresta que passou por mudança de paisagem é possível observar um comportamento chamado de efeito de borda, que se aplica às faixas de cerca de 100 metros limítrofes com terras degradadas, onde as espécies menos resistentes não conseguem sobreviver, o ambiente fica mais pobre de espécies, o que diminui a cobertura vegetal e aumenta a entrada da luz do sol. “Com isso prevalecem árvores menores, portanto com menos biomassa, que estocam menos carbono, têm copas menores e deixam a luz entrar, tornando o ambiente mais quente e seco, e isso afeta os serviços ecossistêmicos, já que o ambiente passa a ter maior número de indivíduos da mesma espécie”, explica.

Fauna

Como em uma floresta em equilíbrio tudo se conecta, a mudança na vegetação e nos rios também afeta os animais e insetos que habitam a região. O pesquisador do Ipam, Filipe Arruda, se dedicou a entender como as abelhas, formigas e aves são afetadas por todas essas mudanças provocadas pelo uso do solo para a agricultura.

Segundo o pesquisador, os grupos taxinômicos de insetos são afetados de formas diferentes, e durante a pesquisa foi observada tanto a perda total de uma espécie naquela floresta inserida em uma área de agriculta, quanto a troca de espécies, ou seja, desapareceram as que costumam viver em ambientes de mata fechada e passaram a viver naquela área, espécies acostumadas com menos vegetação.

“A perda pôde ser observada em algumas espécies de formiga, e a troca, nós observamos entre as espécies de abelha. Lembrando que as formigas e as abelhas desempenham importantes serviços ecossistêmicos, como a dispersão secundária de sementes pelas formigas e a predação de pragas como a lagarta da soja. Já as abelhas exercem um papel fundamental de polinização”, ressalta.

Longo Prazo

Mato Grosso – A pesquisadora é Márcia Macedo e o pesquisador é Leonardo Santos, falam sobre o impacto da agricultura no ciclo hídrico, na Fazenda Tanguro em MT. Foto: Fabiola Sinimbu/Agência Brasil

Como o Projeto Tanguro está inserido no Programa de Pesquisas Ecológicas de Longa Duração (Peld), de fomento às pesquisas contínuas sobre ecossistemas e a biodiversidade, os estudos ganham desdobramentos em novos projetos que aprofundam ainda mais os conhecimentos e oferecem ferramentas às políticas públicas.

Márcia Macedo atualmente trabalha em novo estudo sobre as represas existentes nas microbacias da Tanguro e, para isso, montou uma equipe com jovens cientistas que buscam não apenas entender as mudanças causadas pela ação humana no meio ambiente, mas também auxiliam no desenvolvimento de tecnologias para aprimorar os métodos de coletas de dados e amostras para as pesquisas.

“O fato de ter a presença de pesquisadores por tanto tempo atuando no mesmo lugar permite à gente montar um quebra-cabeça de várias perguntas, de várias perspectivas. O financiamento do governo também nos permite trazer colaboradores da região, ter a experiência fantástica dos técnicos do Ipam, oferecer bolsas para alunos e treinar a próxima geração”, conclui.

Povo Paiter Suruí terá primeira agência de etnoturismo do Brasil

Com um território de 224 mil hectares, comunidades da Terra Indígena Sete de Setembro, do povo Paiter Suruí, em Rondônia, se preparam para lançar o projeto Yabnaby – Espaço Turístico Paiter Suruí, que será a primeira agência indígena de etnoturismo criada e mantida por povos originários na Amazônia. O etnoturismo é uma modalidade turística em que os viajantes conhecem de perto a vida, os costumes e a cultura de um determinado povo, especialmente povos indígenas.

O projeto foi um dos selecionados, em 2023, para receber investimento do Programa Prioritário de Bioeconomia (PPBio), uma política do governo federal que funciona no contexto da Zona Franca de Manaus, sob a coordenação da organização não governamental (ONG) Idesam, com atuação na Região Amazônica. 

A agência de etnoturismo idealizada por Almir Suruí, liderança indígena que se destaca como uma das mais empreendedoras do Brasil, com prêmios internacionais em direitos humanos, recebeu investimento do PPBio no valor de R$ 522 mil, para elaboração de um plano estratégico de negócios.

Almir Suruí, liderança do povo Paiter Suruí, idealizador da agência de etnoturismo – Foto: PPBio/Divulgação

“Neste ano de 2024, a gente vai construir todo o plano de marketing, o plano de comunicação e o plano de negócio. A agência vai ser responsável por implementar a estratégia que será criada aqui”, explicou Almir Suruí à Agência Brasil. A previsão é que a agência esteja funcionando no início de 2025, com sede no município de Cacoal e representação em Porto Velho.

Plataforma

O modelo de negócio prevê a criação de uma plataforma que realizará visitas virtuais na floresta, onde pessoas da comunidade vão poder contar sobre a história do povo Paiter Suruí, a rotina na comunidade indígena, como é a alimentação, entre outros temas. 

“A ideia é que a plataforma tenha várias seções, com temas diferentes, em que os turistas possam imergir de forma online na realidade amazônica, funcionando como um ‘tira-gosto’ do que será de fato uma visita presencial na comunidade”, informou à Agência Brasil Paulo Simonetti, líder de captação e relacionamento com o investidor do PPBio. 

Haverá também o turismo físico, presencial, na comunidade, onde os visitantes poderão tomar banho de rio, conhecer a comida e medicina tradicional, participar da dança, contação de histórias, passeios de barco, trilhas na floresta e vivência com atividades produtivas.

Primeira agência de etnoturismo indígena do país – Foto: PPBio/Divulgação

Almir Suruí disse que será realizado um curso para preparação de guias, que receberão turistas na região, além de cozinheiras, faxineiras e outras atividades necessárias ao etnoturismo. A previsão é que o curso tenha início até o próximo mês de abril.

A agência foi concebida por Almir Suruí, quando começou a desenvolver o Plano de estratégia de 50 anos do povo Paiter Suruí, nos anos 2000, e por meio de vários diagnósticos que levantaram o potencial do etnoturismo no território. 

“É uma maneira de gerar emprego e renda para nossa comunidade e, também, para as pessoas conhecerem quem é o povo Paiter Suruí e nossa relação com a natureza, com a floresta, com os animais. Conhecer nossa história. Por isso, acreditamos que hoje há um potencial grande, no momento em que o Brasil trabalha também com a conservação ambiental para combater as mudanças climáticas”, avalia Almir Suruí.

Cadeias produtivas

Há 20 anos, a organização não governamental (ONG) Idesam vem estruturando cadeias produtivas na Amazônia, para diminuir a pobreza nas comunidades da região, além de atuar contra o desmatamento. A ONG tem várias frentes de ação: gestão territorial, para ajudar as comunidades a se estruturarem em cooperativas; capacitação de comunidades, com estruturação de produtos da floresta que consigam ser inseridos no mercado; e de geração de negócios, buscando parceiros comerciais que vão conseguir escoar os produtos das comunidades e comprar as matérias-primas. 

“O Idesam trabalha de diversas formas para fazer a inclusão produtiva das comunidades com o objetivo de geração de renda, sempre dentro de uma perspectiva sustentável”, destacou Paulo Simonetti.

Paulo Simonetti, líder de captação do PPBio – Foto: PPBio/Divulgação

Todas as indústrias instaladas na Zona Franca de Manaus são incentivadas, pela Lei da Informática, a investir em pesquisa e desenvolvimento para a região. 

“Dentro dessa lei amazônica, as empresas têm obrigação de investimento de parte do seu faturamento em pesquisa e desenvolvimento na própria região. Uma das coisas que elas podem investir são os programas prioritários, criados pelo governo federal, para desenvolver a região e solucionar gargalos que a região possui”, disse Simonetti. 

Atualmente, existem três programas prioritários atuantes: um industrial, outro de empreendedorismo e um terceiro voltado para a estruturação das cadeias produtivas da Amazônia, que é o PPBio. Esse programa conta atualmente com R$ 129 milhões em aportes e um total de 61 projetos em execução ou finalizados, com perspectiva de expansão nos próximos meses.

Gargalos

Etnoturismo indígena – Foto: PPBio/Divulgação

O PPBio tem atuado nos últimos 6 anos detectando os gargalos da região em termos de logística, rastreabilidade e qualidade de matéria-prima como oportunidade de negócio, em que dialoga com startups (empresas emergentes), institutos de pesquisa, buscando soluções que possam virar futuros negócios. 

“A gente busca recursos com as indústrias e investe nessas prospecções, nas mais diversas cadeias. Uma cadeia que a gente tem buscado atuar é o turismo. É importante para a valorização da biodiversidade amazônica trazer essa consciência ambiental para os turistas que estão visitando a região, mas também gerando renda para a comunidade que vive ali”, disse Simonetti.

Ele considera que a estruturação da cadeia do turismo é uma grande oportunidade “até porque, hoje, o turismo, de forma geral, muitas vezes visa colocar o indígena ou a população tradicional não como agente de turismo autônomo, mas como uma atração. Para o PPBio, esse era um dos principais gargalos a serem resolvidos para fazer essa autonomia para a população indígena”. Uma das soluções encontradas é que o próprio indígena seja o autor e gerador dessa agência, fazendo-o pensar como quer promover o turismo na região.

Diversificação

Etnoturismo indígena – Foto: PPBio/Divulgação

Em paralelo, o governo federal tem orientado a Superintendência da Zona Franca de Manaus a diversificar o investimento cada vez mais fora da região metropolitana de Manaus, buscando outros estados onde também atua, como Roraima, Rondônia, Acre e Amapá. 

Desde o ano passado, o PPBio tem buscado bons projetos para investimento nesses estados. Em Rondônia, por exemplo, o PPBio apoia três projetos; no Amapá, são quatro projetos; em Roraima, dois; e no Acre, dois.

O projeto tem apoio do Instituto Ecoporé de ciência e tecnologia, que já é parceiro de longa data do povo Paiter Suruí.

Um dos objetivos na nova agência indígena é integrar o sistema de reservas às plataformas de hospedagem do mercado e replicar o modelo para outros territórios indígenas e etnias, visando que as atividades turísticas locais se tornem autossuficientes, informou a presidente do Instituto Ecoporé, Sheila Noele.

Com nova norma, TSE fecha cerco a candidaturas femininas laranjas

Para as eleições municipais deste ano, pela primeira vez o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) (foto) inseriu diretamente nas regras que regem o pleito diversos critérios objetivos para caracterizar fraudes na cota de gênero.  

A medida foi tomada em fevereiro quando os ministros aprovaram uma inédita resolução sobre ilícitos eleitorais, visando afastar dúvidas sobre quais condutas o tribunal considera delituosas, segundo o estado da arte da jurisprudência. 

Pela nova norma, por exemplo, incorre automaticamente em fraude a candidata a vereadora com votação zerada ou pífia, sem importar o motivo alegado para a baixa votação. 

Também será considerada laranja a candidatura feminina com prestação de contas idêntica a uma outra, ou que não promova atos de campanha em benefício próprio. Tais situações configuram fraude mesmo se ocorrerem sem a intenção de fraudar a lei, segundo as regras aprovadas. 

Outro ponto consolidado foi o de que todos os votos recebidos pela legenda ou coligação envolvida com a fraude devem ser anulados, o que resulta, na prática, na cassação de toda a bancada eventualmente eleita. 

Considerada rígida pelos partidos, a regra é resultado de anos de julgamentos e condenações, sobretudo, no último ciclo das eleições municipais, destacam especialistas ouvidas pela Agência Brasil. Desde 2020, o TSE condenou diversas legendas por fraude na cota de gênero, em ao menos 72 processos oriundos de municípios de todas as regiões do país. 

“Ao colocar os critérios numa resolução, a Justiça está passando um sinal ainda mais forte”, disse a advogada Luciana Lóssio, que foi ministra do TSE entre 2011 e 2017 e participou dos primeiros passos desse avanço jurisprudencial. 

O caso mais recente foi julgado nessa quinta-feira (7), quando o plenário do TSE declarou a fraude praticada pelo PSB no município de Cacimbas, na Paraíba, e pelo PDT em Pombos, em Pernambuco. Em ambos os casos, toda a bancada eleita de vereadores pelos partidos foi cassada. 

Lento avanço

Até chegar às regras atuais, foi percorrido um caminho de décadas. A primeira política afirmativa para candidaturas femininas data de 1995, quando foi aprovada a reserva de 20% das candidaturas para mulheres, mas sem a obrigação dessas vagas serem de fato preenchidas, o que nunca ocorria. 

Desde então as cotas para candidaturas femininas subiram para 30% e se tornaram obrigatórias. Num dos avanços mais recentes, em 2022 foi inserida na Constituição a obrigação expressa dos partidos aplicarem os recursos públicos de campanha em candidaturas femininas, na mesma proporção do número de candidatas e no mínimo em 30%.  

Na mesma emenda constitucional, contudo, o Congresso Nacional aprovou uma espécie de perdão aos partidos. Aqueles que tiveram contas reprovadas por não aplicarem dinheiro na promoção de candidaturas femininas ficaram livres de qualquer punição.  

“O que tinha que ser feito em termos de aprimoramento legislativo e jurídico foi feito. Agora é contar com o amadurecimento civilizatório dos dirigentes dos partidos políticos”, afirma Luciana Lóssio. “Os atores do processo eleitoral precisam se conscientizar de que a Justiça não vai mais tolerar o jeitinho que se dava”, acrescenta.

A advogada lembra como, no início, praticamente não havia instrumentos jurídicos para se caracterizar uma candidatura como laranja, por exemplo. “Se exigia requisitos tão precisos, tão difíceis de serem alcançados, que realmente não se vislumbrava a concretização dessa fraude”, recorda. 

“Hoje, a jurisprudência está altamente solidificada no sentido de combater a fraude na cota de gênero com indícios muito mais concretos e de fácil percepção”, acrescenta. 

Consciência forçada

Para a advogada Renata Aguzzolli Proença, integrante da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político (Abradep), o fato de critérios objetivos terem sido incluídos numa resolução eleitoral deve incentivar que as fraudes sejam caracterizadas mais cedo. 

“A resolução traz uma certa vinculação, sendo uma forma de orientação aos juízes eleitorais, que, por vezes, estão atuando numa eleição esporadicamente. Vai acrescentar muito para que já no primeiro grau surjam essas punições”, avalia a defensora, que atua no Rio Grande do Sul. 

Nas eleições municipais deste ano, ela acredita que deve haver um maior cuidado dos dirigentes locais das legendas com o tema. Para evitar incorrer em fraude, ela sugere o envolvimento cada vez mais cedo das mulheres na vida partidária, bem antes das candidaturas.  

“A gente sabe como é difícil em muitos municípios ter essa participação das mulheres, mas isso porque no dia a dia elas não estão envolvidas na política. Trazer as mulheres realmente interessadas é a melhor forma de evitar todo esse problema”, conclui. 

Apesar de regras mais rígidas, as advogadas ouvidas pela Agência Brasil ressalvam que ainda há um longo caminho até que as mulheres ocupem o Legislativo na mesma proporção que representam do eleitorado, ou seja, 53% do total. As mulheres ocupam hoje apenas 17,7% das vagas no Congresso Nacional, por exemplo. Para se alcançar essa paridade, “a Justiça tem que ser intransigente”, finaliza Luciana.