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Meninas podem concorrer a capacitação oferecida pela embaixada dos EUA

Estão abertas as inscrições para o programa Power4Girls – Empower to Lead!, ou apenas P4G, voltado para estudantes de 15 a 18 anos, do ensino médio, matriculadas em escolas técnicas/tecnológicas federais ou estaduais, ou em escolas técnicas sem fins lucrativos em todo o país. As inscrições devem ser feitas até 10 de abril pela internet.

O programa, com seis meses de duração, é uma iniciativa da Embaixada dos Estados Unidos no Brasil, e tem como propósito capacitar jovens brasileiras secundaristas do ensino técnico em empreendedorismo, planejamento estratégico, inovação e responsabilidade social, preparando-as para oportunidades e desafios do século XXI.

De todo o país, serão selecionadas 20 equipes formadas por quatro alunas e uma professora/um professor (para orientação voluntária). Cada equipe terá que desenvolver propostas “com soluções criativas e inovadoras, tendo como foco os princípios da Economia Circular, destacando três Rs: reduzir, reutilizar e reciclar”, informa nota do programa.

Capacitação

A promoção do empreendedorismo – especialmente em comunidades carentes – é uma das linhas de atuação da embaixada dos EUA no Brasil. Segundo a embaixadora Elizabeth Frawley Bagley, “capacitar jovens meninas para liderar, inovar e criar um futuro sustentável é a chave para transformar sonhos em realidade e desafios em oportunidades.” O site do programa informa, ainda, que a meta da iniciativa é “preparar a próxima geração de líderes femininas para remodelar o cenário presente”.

A capacitação começa em maio e termina em novembro. As aulas serão a distância. Toda semana, o programa terá sessões pela internet de mentoria para o desenvolvimento de projetos.

Além disso, serão oferecidos seminários mensais pela web abordando temas essenciais como economia circular, narrativa de histórias (storytelling), gestão de projetos, governança ambiental, social e corporativa (ESG, sigla em inglês), tipos de investimento para empresas inovadoras iniciantes (startups) e a apresentação de projetos (pitch).

Os trabalhos das equipes serão apresentados em Brasília no final do programa, quando as equipes deverão expor projetos e participar de uma competição final de pitch.

Inca realiza, no Rio, oficina de resgate de autoestima para mulheres

O Ambulatório de Sexualidade do Hospital do Câncer II (HC II), do Instituto Nacional de Câncer (Inca), promoveu nesta quinta-feira (14), no Rio de Janeiro, a Oficina Resgate da Autoestima, em razão do Dia Internacional da Mulher. A meta foi criar um ambiente de cuidado e valorização pessoal no qual as mulheres em tratamento possam desfrutar de atividades para elevar a autoestima.

Segundo o Inca, para muitas mulheres em tratamento, enfrentar a doença [câncer] pode afetar não apenas o corpo, mas também a autoconfiança e a sensação de feminilidade.

A diretora do HC II, Priscila Marietto, destaca a importância de auxiliar pacientes nesse resgate. “A jornada do tratamento pode impactar negativamente a imagem corporal, a confiança e a identidade. Fortalecer a autoestima, promover o bem-estar emocional, melhorar a qualidade de vida e contribuir para a resiliência no tratamento podem proporcionar uma perspectiva mais positiva e encorajadora frente à doença”, afirma.

Março Lilás

A coordenadora do Laboratório de Sexualidade do HC II, Carmen Lúcia de Paula, lembra que a oficina  comemorou também na mesma data o Março Lilás, mês de mobilização social e prevenção do câncer de colo do útero.

“Para chamar a atenção da sociedade de forma geral sobre as medidas de prevenção desse tipo de câncer, que é evitável e tem até 100% de cura, se for diagnosticado nas fases iniciais. Nós destacamos a importância da vacina contra o HPV (sigla em inglês para Papilomavírus Humano) para meninas e meninos de nove a 14 anos, a recomendação do Ministério da Saúde quando ao exame de Papanicolau para mulheres de 25 a 64 anos e o uso de preservativos nas relações sexuais”, diz. Essas são as medidas de prevenção para o câncer de colo de útero. “É chamar a atenção para a importância de promover a saúde da mulher”, frisa.

Para isso, Carmen Lúcia sustenta que o Inca estava promovendo a Oficina de Resgate de Autoestima, em edição especial, com profissionais que estavam ali para ajudar nos cuidados com as mulheres, melhorar a autoestima e promover um dia diferente com presentes e leveza sobre como manter o bem-estar e a qualidade de vida, a partir do diagnóstico e dos efeitos adversos causados pelos tratamentos.

Lado emocional

Durante as consultas na enfermagem, nas diferentes fases do tratamento, a coordenadora diz que as profissionais observaram como o lado emocional e a autoestima dessas mulheres ficam desestruturados. Por isso, além dos protocolos de tratamento, as enfermeiras identificaram a necessidade de haver um espaço de acolhimento e de comunicação, onde as pacientes possam, principalmente, verbalizar suas queixas em relação à intimidade.

“Porque elas não encontram de uma forma fácil espaço para abordar a sua intimidade e falar sobre as suas queixas sexuais. Nós, profissionais, sabemos que os tratamentos causam diminuição da libido, menopausa precoce e um impacto grande na saúde e na qualidade de vida nessas mulheres. Então, como nós temos a proposta de cuidar do integral e abordar a sexualidade, promover a saúde dessas mulheres como um todo faz parte do cuidado do nosso Laboratório de Sexualidade de Ginecologia do Hospital do Câncer”, explica Carmen Lúcia.

A equipe de voluntários – composta por maquiadores, cabeleireiras e floristas – é liderada pela estilista de vestidos de noiva Ana Carolina Caetano. Além das atividades de beleza, o evento contou com palestra sobre autoestima e promoção da saúde, seguida por apresentação musical, ambas realizadas pelos próprios funcionários do hospital.

Abismo

Kênia dos Santos Bastos, 45 anos, dona de casa, é ex-paciente do HC II. Ela foi diagnosticada com câncer de colo do útero em 2016 e teve alta em 2021. Kênia era atleta, nadava, corria, pedalava, tinha uma vida normal e teve que parar com todas as atividades. “Quanto recebi o diagnóstico, mudou tudo. Meu mundo caiu. Eu não apresentava sintoma nenhum. Foi devastador. A sensação que eu tive é como se estivesse caindo em um abismo. A última coisa que eu esperava era uma notícia dessa”, recorda.

Toda a família ficou arrasada. Kênia acentua que recebeu todo o amor dos parentes e do marido. “Ele mostrou realmente que me amava. Eu posso dizer que só quem tem câncer sabe o que é. Toda a dor que eu senti ele sentiu por mim, mas nós superanos. Continuamos casados como se fosse o primeiro ano. Foram oito anos, porque foram cinco anos de tratamento e três de alta”, lembra.

Kênia dos Santos Bastos: “a dor costuma unir as pessoas. Somos uma grande família na dor e na alegria” – Divulgação/Inca

Kênia recebeu grande apoio para enfrentar a doença também da parte do Instituto Nacional de Câncer e continua participando das atividades propostas pelo órgão, vinculado ao Ministério da Saúde.

Ela salienta que a dor costuma unir as pessoas. “E junto com a dor, também vêm os momentos bons de amizade e de troca de experiências. Somos uma grande família, uma apoiando a outra, na dor e na alegria”, sintetiza. Sobre o tratamento que recebeu, garante que “se eu não estivesse no Inca, não teria sobrevivido. Fui muito bem assistida em tudo. Eles me ampararam, me acolheram, me deram o melhor medicamento. Só tenho a agradecer”, finaliza.

Abdias Nascimento, 110 anos: a luta para unir africanos e descendentes

O ano era 1974. Abdias Nascimento participava do 6º Congresso Pan-Africano em Dar-es-Salaam, na Tanzânia, como único representante da América do Sul. Durante o evento, o intelectual brasileiro foi convidado pelo embaixador de Uganda para conhecer a fonte do Rio Nilo. Ao lado de outros ativistas, artistas e intelectuais, Abdias experimentou um banho transformador.

“Aquelas águas que alimentaram tantas antigas civilizações negras me emocionaram extremamente; elas encharcaram a minha alma. Banhei-me nelas como num batismo primordial, como se de fato estivesse nascendo de novo”, escreveu Abdias em testemunho de 1976.

Homem negro, era natural de Franca, no interior de São Paulo. Foi ator, dramaturgo, poeta, escritor, artista plástico, professor, político e ativista antirracista. Há exatos 110 anos, nascia Abdias, um dos maiores intelectuais do Brasil. Nessa trajetória extensa, ele se destacou como o principal difusor do pan-africanismo no país. Em termos simples, um movimento em defesa da unidade política dos povos africanos, que tem origem no século 19, mas ganha força no século 20, no contexto da descolonização da África e das lutas antirracistas em todo o mundo.

O “batismo” de Abdias no Nilo representava essa reconexão com a África, que dizia ser a verdadeira terra natal dele, o único lugar em que havia se sentido em casa. Com o Brasil, a relação era “cheia de revolta” e “paradoxal”, por entender que a sociedade recusava as raízes africanas do povo negro e tentava silenciá-las.

Foto Acervo do Ipeafro/Divulgação

Em 1968, Abdias viajou aos Estados Unidos para um intercâmbio com movimentos que promoviam os direitos civis e humanos da população negra. Ao perceber o aumento da repressão e da violência na ditadura militar brasileira, decidiu autoexilar-se. Durante 13 anos, viveu nos Estados Unidos e na Nigéria.

O sociólogo Túlio Custódio, mestre e doutor pela Universidade de São Paulo (USP), pesquisou o período de exílio de Abdias e explica que as experiências internacionais tiveram influência grande no pensamento político e intelectual dele. Como professor universitário, participou de vários eventos nos Estados Unidos, na América Central e na África. E pôde aprofundar críticas à ideia do Brasil como uma democracia racial, além estreitar os laços internacionais com pensamentos e intelectuais africanos.

“O foco dele continua sendo o Brasil. É a partir do país que pensa a questão racial. Mas ele entende que as raízes negras brasileiras estão diretamente associadas a uma noção de cultura africana, que dá respaldo a uma visão de pan-africanismo e de diáspora. O intelectual alarga a dimensão de resistência e de revolta que já estava presente no pensamento dele nos anos 1960, e as conecta com o pan-africanismo. Conecta a luta do negro brasileiro com o movimento de descolonização da África e com o movimento dos direitos civis nos Estados Unidos”, explica Túlio Custódio.

No contexto da perseguição dos militares aos opositores e de outros exílios, Abdias fez questão de marcar a diferença da situação dele em relação à de outros intelectuais e militantes brancos.

“Meu exílio é de outra natureza. Não começou em 1968 ou 1964, nem em momento algum dos meus 62 anos de vida. Hoje, mais do que nunca, compreendo que nasci exilado, de pais que também nasceram no exílio, descendentes de gente africana trazida à força para as Américas”, escreveu.

Pan-africanismo

Quando chegou aos Estados Unidos, Abdias já trazia um currículo longo: havia fundado o Teatro Experimental do Negro (TEN) em 1944, que denunciava a segregação nas artes brasileiras e promovia os direitos civis e humanos dos negros; participara da organização da Convenção Nacional do Negro, em 1945 e 1946, e do 1º Congresso do Negro Brasileiro, em 1950; editara o jornal Quilombo: Vida, Problemas e Aspirações do Negro; e era o curador fundador do Museu de Arte Negra.

Como professor universitário no exterior, teve a oportunidade de conhecer intelectuais e militantes de vários países e entrar em contato com as diferentes vertentes do pan-africanismo, como explica o sociólogo Túlio Custódio.

Foto Acervo do Ipeafro/Divulgação

“Antes da minha pesquisa, tinha expectativa de que o Abdias estaria em diálogo com as teorias norte-americanas e o movimento negro de lá. E não é o caso. Na verdade, ele acaba se conectando mais com os intelectuais de origem africana. E mesmo quando dialoga com intelectuais dos EUA, é mais com aqueles que estão envolvidos na discussão do pan-africanismo ou do nacionalismo negro. Casos de Molefi Asante, Maulana Karenga, Cheikh Anta Diop e Anani Dzidzienyo”.

O pan-africanismo estava dividido ente grupos pró-comunistas, pró-capitalistas e de uma chamada terceira via. Abdias se identificou com o último grupo, por entender que comunismo e capitalismo não apresentavam soluções para os problemas específicos da população negra. Para ele, o mundo africano deveria buscar a própria identidade ideológica, com base na experiência histórica do continente, mas também nas experiências das diásporas nas Américas e Pacífico. Foi o que ele defendeu no discurso do 6º Congresso Pan-Africano de 1974, aquele citado no início da reportagem, do emblemático banho no Rio Nilo.

Rio de Janeiro – A diretora do Instituto de Pesquisas e Estudos Afro-Brasileiros, Elisa Larkin Nascimento – Tomaz Silva/Agência Brasil

Foi nesse mesmo ano que Abdias conheceu Elisa Larkin nos Estados Unidos. Ela havia participado de movimentos estudantis e políticos contra a guerra do Vietnã, contra empresas americanas que sustentavam o regime do apartheid na África do Sul e de outros embates contra o racismo no próprio país. Elisa conta que houve uma afinidade imediata, por terem tantos pontos em comum na vida pessoal e intelectual. Das trocas entre os dois, aprendeu mais sobre a história das filosofias e culturas africanas e acompanhou de perto a atuação incisiva do companheiro nos círculos internacionais.

“O Abdias vai ter uma voz muito maior dentro desses círculos do pan-africanismo. No Brasil, crescia a consciência entre a população negra sobre essa dimensão internacional e pan-africana de luta. E a mesma coisa acontecia do lado de lá. Os movimentos pan-africanos no exterior não tomavam conhecimento de uma população negra que era a maior do mundo fora da Nigéria. Quando Abdias começou a dizer isso no início dos anos 70, as pessoas achavam um absurdo: ‘esse cara está enlouquecendo’. Ele era rechaçado. Os ativistas do exterior não tinham a consciência dessas outras populações”, diz Elisa.

Volta ao Brasil

Quando voltou ao Brasil em 1981 definitivamente, Abdias fundou com Elisa o Instituto de Pesquisas e Estudos Afro-Brasileiros (Ipeafro). A instituição organizou o 3º Congresso de Cultura Negra das Américas, em São Paulo, em 1982). A revista Afrodiáspora, lançada no ano seguinte pelo Ipeafro, traz na capa menção ao congresso e diz que os negros reunidos nele buscavam a própria identidade, impor respeito à condição comum de descendentes dos povos africanos.

Nas décadas seguintes, se manteve ativo na defesa do pan-africanismo e contra a desigualdade racial em congressos e seminários internacionais, além de publicar dezenas de livros em inglês e português. Entre eles estão O genocídio do negro brasileiro: processo de um racismo mascarado, O quilombismo e O Brasil na mira do pan-africanismo.

Na vida política, Abdias Nascimento assumiu o cargo de deputado federal em 1983, eleito suplente pelo PDT-RJ. Como integrante da Comissão das Relações Exteriores, propôs medidas contra o apartheid, de apoio ao Congresso Nacional Africano (ANC) da África do Sul e ao movimento pela independência da Namíbia.

Abdias Nascimento deixou legado de luta antirracista – Foto Acervo do Ipeafro/Divulgação

“É o Abdias que traz essa discussão sobre o apartheid e a necessidade de rompimento de relações diplomáticas do Brasil com o regime sul-africano do apartheid. E também vai incluir isso além do Congresso, como item importante de luta para todos os negros, inclusive o brasileiro”, afirma Fabiana Vieira, historiadora que pesquisa as relações entre Brasil e África do Sul, no que diz respeito à atuação do movimento negro.

Legado

Abdias Nascimento morreu em 2011, aos 97 anos. Deixou um legado de luta antirracista, vasta publicação intelectual, acadêmica e artística. Mas os pesquisadores ouvidos pela Agência Brasil dizem que, apesar dos esforços para difundir o pan-africanismo no país, a doutrina ainda tem pouca influência sobre o movimento negro.

A historiadora Fabiana Vieira entende que falta projeto político de integração com pautas do exterior.

“O movimento negro atual perdeu essa ideia de internacionalização. O que me parece é que a conexão hoje é mais acadêmica e pontual, quando tem algum evento ou acontecimento no exterior que mereça maior atenção. Não há um projeto político contínuo de internacionalização do movimento negro, como pretendia Abdias Nascimento”.

O sociólogo Túlio Custódio entende que intelectuais e pensamentos do movimento negro dos Estados Unidos são mais influentes sobre os brasileiros.

“Apesar de toda a contribuição que uma parte do movimento negro teve, o que inclui o Abdias, de pensar uma identidade negra a partir da África, quem leva o jogo, vou colocar nesses termos, é a perspectiva norte-americana. Impacto dela na realidade brasileira vem pelas roupas, pelos movimentos culturais, musicais, e que vão trazer uma força de influência na identidade negra. Quando a África aparece, é quase numa perspectiva etérea, menos conectada com os elementos culturais que estão no pensamento de Abdias. As reflexões para lidar com os problemas concretos do Brasil partem de ferramentas teóricas mobilizadas no debate estadunidense”.

Quem continua na luta pela valorização das raízes africanas e defende o legado de Abdias é o Ipeafro, hoje sob direção da viúva Elisa Larkin Nascimento.

“Nosso trabalho é fazer com que o pictórico, o acervo museológico, as obras de arte e o acervo documental do Abdias possam ajudar a pensar e a criar maneiras de trazer esse legado ao conhecimento das novas gerações. Não apenas de crianças e adolescentes e pessoas negras, mas do país inteiro, para a gente entender melhor a história do povo negro e como ela se relaciona à dos povos originários africanos”, disse Elisa.

Em pleno Ramadã, afegãos continuam acampados no aeroporto de Guarulhos

Dezenas de afegãos continuam acampados no mezanino do Terminal 2 do Aeroporto Internacional de Guarulhos, ao lado do Posto Avançado de Atendimento Humanizado ao Migrante. Embora a movimentação nessa área atualmente seja relativamente menor comparada à situação vivenciada em anos anteriores, pelo menos 60 afegãos, incluindo crianças, estavam acampados na manhã desta segunda-feira (11) no local, segundo estimativa feita pela Organização de Resgate de Refugiados Afegãos.

São Paulo (SP), 11/03/2024 – Parte do grupo de refugiados afegãos com visto humanitário que está acampado no Aeroporto Internacional de Guarulhos é levado para abrigo no primeiro dia do Ramadã. Foto: Rovena Rosa/Agência Brasil

A reportagem da Agência Brasil visitou o aeroporto hoje, segundo dia do início do Ramadã, o mês sagrado para os muçulmanos de todo o mundo, e acompanhou o momento em que parte desses afegãos deixavam o local, a caminho de um abrigo. Segundo a prefeitura de Guarulhos, duas mulheres e quatro homens deixaram o aeroporto hoje para serem abrigados no Centro de Acolhimento Especial (CAE) – Ebenezer, na capital paulista.

Uma dessas mulheres era uma jovem de 30 anos, que trabalhava no Ministério da Defesa, no Afeganistão, que não quis se identificar. Ela contou que veio ao Brasil sozinha e sua família ficou no Paquistão. Ela ficou vivendo no aeroporto por 30 dias e estava feliz por, finalmente, conseguir ir para um abrigo com sua melhor amiga, que chegou ao Brasil há cerca de 10 dias.

Quem teve o mesmo destino foi um alfaiate, pai de oito crianças, que estava no aeroporto há 20 dias. Ele contou que foi o único de sua família a conseguir o visto para o Brasil e teve que deixar a mulher e os filhos no Afeganistão, esperando pelo momento em que todos eles também consigam obter a autorização para entrar no país. “Eu quero morar aqui”, disse ele, à reportagem. “Espero que meus filhos também venham para o Brasil”, acrescentou.

Um outro jovem de 27 anos, que trabalhava em uma embaixada no Afeganistão e fala inglês fluentemente, relatou que chegou ao Brasil sozinho há cerca de 13 dias. “As condições aqui não são muito boas, mas é ok”, disse ele, que agora espera se sentir seguro no país. “Tive que procurar por um lugar melhor. Tenho esperança que este lugar me traga um futuro melhor”, contou. “Eu tenho a intenção de aprender português e conseguir a nacionalidade brasileira. Tenho algum dinheiro guardado e quero ter meu próprio negócio por aqui”.

Mas nem todos esses afegãos conseguiram ir para um abrigo. Alguns deles terão que continuar dormindo no aeroporto por um tempo. Esse é o caso de um jovem de 24 anos, que se dizia muito grato por conseguir chegar até aqui. “Vocês salvaram nossas vidas”, disse ele, que chegou ao Brasil há cerca de 10 dias. Conversando em inglês, esse jovem contou que, apesar de seguir vivendo no aeroporto nos últimos dias, não pode reclamar do tratamento que está sendo dado pelo povo brasileiro. “Nós não podemos reclamar das condições aqui porque vocês salvaram nossas vidas”, reforçou.

São Paulo (SP), 11/03/2024 – Parte do grupo de refugiados afegãos com visto humanitário que está acampado no Aeroporto Internacional de Guarulhos é levado para abrigo no primeiro dia do Ramadã. Foto: Rovena Rosa/Agência Brasil – Rovena Rosa/Agência Brasil

Histórico

Desde 2021, quando os radicais do Talibã assumiram o poder, milhões de afegãos têm deixado o país para fugir de um regime que viola seus direitos. O Brasil passou a se tornar destino de parte desses afegãos quando foi publicada uma portaria interministerial, em setembro de 2021, autorizando o visto temporário e a residência por razões humanitárias.

De posse desse visto humanitário, os afegãos começaram a desembarcar no Aeroporto de Cumbica, em Guarulhos. Mas, chegando ao Brasil, esses imigrantes se deparam com falta de uma política pública ideal para acolhimento e acabam tendo que esperar por dias no aeroporto até que sejam encaminhados para algum abrigo. Enquanto isso, recebem refeições enviadas pela prefeitura de Guarulhos ou por voluntários.

“Essa situação é desumana e fere todos os pactos [internacionais] que o Brasil defende. Eles [afegãos] estão dormindo e vivendo no aeroporto, sem colchão”, reclamou Aline Sobral, uma das fundadoras do Coletivo Frente Afegã, que tem atuado de forma voluntária com os afegãos que chegam ao Brasil.

Assistência

Procurada pela Agência Brasil, a prefeitura de Guarulhos informou que, por causa do Ramadã, período em que os muçulmanos jejuam entre o nascer e o pôr-do-sol, tem providenciado um regime especial para a distribuição de alimentos aos afegãos que se encontram no aeroporto. “Por conta do Ramadã, no almoço, apenas crianças, idosos, gestantes e pessoas com algum tipo de comorbidade estão recebendo a refeição. No jantar, todos são incluídos, inclusive os homens”, disse a administração municipal.

A Secretaria Estadual de Desenvolvimento Social (SEDS) informou que já iniciou as obras de adequação de um novo espaço na região metropolitana de São Paulo para acolher mais 150 refugiados. “Os primeiros a serem transferidos serão os migrantes que permanecem acampados no aeroporto de Guarulhos”, informou a pasta, acrescentando que a nova estrutura deve entrar em funcionamento nos próximos 60 dias.

A secretaria estadual informou ainda que investiu, no ano passado, mais de R$ 6 milhões para acolher migrantes e refugiados em duas casas de passagem e oito repúblicas com capacidade para receber mais de 200 pessoas. E acrescentou que mantém diálogo constante com o governo federal, “que é a instância responsável pela emissão dos vistos humanitários e pela definição da política de interiorização para migrantes no país”. Procurado, o governo federal ainda não se pronunciou sobre a questão até este momento.

Já a GRU Airport, concessionária que administra o aeroporto, informou à Agência Brasil que a atuação direta no acolhimento de famílias afegãs que chegam ao Brasil é realizada pela prefeitura de Guarulhos e demais autoridades públicas competentes.

Oscar 2024: Cillian Murphy e Emma Stone são eleitos melhor ator e atriz

11 de março de 2024

 

A cerimônia do Oscar 2024 premiou ontem Cillian Murphy como Melhor Ator por seu papel em Oppenheimer. Entre as mulheres, a veterana e atriz Emma Stone levou a estatueta dourada por sua atuação em Poor Things.

Também foi para Oppenheimer o troféu de Melhor Filme e para o ingles The Zone of Interest, o de Melhor Filme Estrangeiro.

Christopher Nolan levou o Oscar de Melhor Diretor, também por Oppenheimer.

A lista completa dos vencedores pode ser acessada aqui.

Curiosidades

Com Maestro, Steven Spielberg estendeu seu recorde de maior número de indicações para o prêmio de Melhor Filme com 13 no total.
Aos 81 anos, Martin Scorsese, diretor do filme Killers of the Flower Moon, recebeu sua décima indicação para Melhor DiretorReferência
Oscar 2024, Wikipedia.
 
 

Brasil fatura mais 2 ouros e 1 bronze no Grand Prix de Judô da Áustria

O Brasil fechou o último dia de disputas do Grand Prix de Judô da Áustria, em Linz, em grande estilo. Foram dois ouros – um de Beatriz Souza (+ 78 quilos) e outro de Leonardo Gonçalves (-100 kg) – e um bronze de Rafael Buzacarini (-100 kg) conquistados neste domingo (10). A competição conta pontos no ranking classificatório à Olimpíada de Paris, cujo fechamento será em julho. Ao todo o Brasil amealhou quatro medalhas – na sexta (8), Larissa Pimenta já garantira o ouro – e encerrou a competição em primeiro lugar no quadro de medalhas, à frente do Japão (2º lugar) e dos Países Baixos (3º).

BEATRIZ SOUZA É OURO PARA O BRASIL NO JUDÔ COM DIREITO A IPPON!!! 🥇

Que SHOW da nossa atleta 🤩

Uma lutaça contra a holandesa Marit Kamps e, depois de um waza-ari, Bia finalizou a disputa com um belo golpe.

É O BRASA NO TOPO!#TimeBrasil #Judô pic.twitter.com/esBWSF0i1n

— Time Brasil (@timebrasil) March 10, 2024

A peso-pesado Beatriz Souza, bronze no Mundial de 2023, derrotou hoje na final a holandesa Marit Kamps. Mal começou a luta, aplicou um waza-ari e, minutos depois, desferiu um ippon projetando a adversária.

“Estou muito feliz. Foi a primeira competição do ano e já com essa medalha linda. Agradeço muito a torcida de todos e toda energia positiva. Paris é logo ali”, comemorou Bia, paulista de Itariri , em depoimento à Confederação Brasileira de Judô (CBJ).

Para chegar à final dos 78kg, Beatriz superou três adversárias. Venceu as duas primeiras lutas nas punições: na estreia superou Oxana Diaceno (Moldávia) e depois a cubana Idalys Ortiz. Nas semifinais, a brasileira levou a melhor sobre a sérvia Milica Zabic: anotou um waza-ari e imobilizou Zabic em um minuto de luta. 

Bicampeão na Áustria

Quem também teve muito o que comemorar foi o meio-pesado Leonardo Gonçalves, ao faturar o bicampeonato no  GP da Áustria – a primeira edição do torneio foi no ano passado. Na final valendo o ouro, Gonçalves não se intimidou diante do português Jorge Fonseca, bicampeão mundial e medalhista olímpico. O brasileiro venceu no golden score (tempo extra) ao encaixar um waza-ari no adversário. 

LEONARDO GONÇALVES É OURO PARA O BRASIL!!!!!!!!! 🇧🇷

No Golden Score, ele encaixou um lindo waza-ari contra o português Jorge Fonseca e trouxe a medalha dourada para casa.

Emocionante demais essa vitória! Você merece, Léo! 🥇🥇🥇🥇#TimeBrasil #Judô pic.twitter.com/tqV9MkjHyy

— Time Brasil (@timebrasil) March 10, 2024

“Foi uma competição muita fura e bem forte. Fiz quatro golden scores de cinco lutas e consegui sair campeão. Muito obrigado pela torcida de todos, foi muito importante para mim. Estava sendo um começo de ano bem difícil, mas consegui me superar aqui”,  disse Léo, que ano passado foi prata no Pan de Santiago (Chile).

A campanha de Leonardo no GP da Áustria começou com vitória na estreia sobre o alemão George Udsilauri, após aplicar uma chave de braço no rival.. Depois, nas oitavas, venceu com ippon o britânico Rhys Thompson. Na luta seguinte eliminou o anfitrião Laurin Boehler com um waza-ari no golden score. A semi foi 100% brasileiro: Léo superou Rafael Buzacarini com um waza-ari no golden score.

Na semifinal, um confronto brasileiro contra Rafael Buzacarini. A luta seguiu disputada até o golden score, quando Léo conseguiu encaixar o waza-ari e avançou à decisão pelo ouro.

Buzacarini fatura 2º pódio do ano

Nascido em Barra Mansa (RJ),  o meio-pesado Rafael Buzacarini faturou o bronze pela segunda vez seguida na temporada, ao derrotar na final o sérvio Bojan Dosen. Hoje, após luta acirrada, Rafael voltou a vencer ao anotar um waza-ari no último minuto do embate. O primeiro bronze do ano foi conquistado em janeiro, no GP de Portugal.

RAFAEL BUZACARINI É BRONZE NO GRAND PRIX DA ÁUSTRIA 🥉🇧🇷🥋

Com esse belíssimo waza-ari, ele derrotou Bojan Dosen (SER) e trouxe a medalha para casa na categoria -100kg.

ELE É O BRABO! 💪#TimeBrasil #Judô pic.twitter.com/3eXaf66RCT

— Time Brasil (@timebrasil) March 10, 2024

“Mais uma medalha aí, a segunda deste ano. Estou muito feliz, esse ano olímpico é um ano muito importante. Acho que aconteceu na hora certa, alguns detalhes precisam ser ajustados, mas só tenho a agradecer”, comemorou Buzacarini.

O próximo compromisso da delegação brasileira de judô será o GP de Tbilisi (Geórgia), de 22 a 24 de março.

Classificação para Paris 2024

A totalização de pontos no ranking da Federação Internacional de Judô (IJF, na sigla em inglês) teve início em julho de 2022 e só termina em junho deste ano. A modalidade reunirá 372 atletas em Paris (igualmente divididos entre homens e mulheres). 

Os 17 primeiros colocados no ranking de cada categoria asseguram vaga em Paris 2024 (com o limite de um judoca por país). A partir das 18ª colocação no ranking, as vagas serão distribuídas por continente: Américas (21 vagas), Africa (24), Europa (25), Ásia (20) e Oceania (10).

Parque de transmissões criado há 50 anos democratiza a comunicação

É como se o pensamento e a memória viajassem tão rápido quanto a velocidade das ondas da transmissão de rádio, a 300 mil quilômetros por segundo. Basta um instante para o engenheiro eletrônico Higino Germani, hoje aos 74 anos, viajar até 11 de março de 1974 e recordar aquela manhã em que foi inaugurado um parque de transmissores sem precedentes na história das telecomunicações do Brasil.

O parque do Rodeador foi instalado em uma área de cerrado, a 60 quilômetros de Brasília. Germani, que tinha 24 anos, foi o primeiro diretor técnico do local e assistiu, de perto, quando o general Emílio Garrastazu Médici, o terceiro presidente da ditadura militar, tocou o botão que colocou “tudo” no ar. “Foi um alívio. Eu trabalhei direto sem parar por meses para cumprir o prazo [com o governo]”, recorda o primeiro diretor do lugar.

Inicialmente, o “tudo” acionado por Médici significava dois transmissores de rádio: um de ondas médias, para o DF; e outro de ondas curtas, para a Europa. Os equipamentos incluem os transmissores em ondas curtas da Rádio Nacional e representariam, ao longo do tempo, diferentes finalidades.

Existe o aspecto estratégico, na divulgação de atos do governo (naquele período ainda militar); a integração do país e também no fomento da comunicação pública. Hoje, o local abriga quatro conjuntos de antenas, incluindo uma de ondas médias, com 142 metros de altura, além de três conjuntos com torres atingindo 147 metros, e que fazem transmissão em ondas curtas.

A serviço da ditadura

Segundo o professor Octavio Pieranti, de pós-Graduação em Mídia e Tecnologia da Universidade Estadual de São Paulo (Unesp), havia, inicialmente, um objetivo de divulgação dos feitos da ditadura militar. “Era o fim do governo Médici, um governo marcado pela repressão e pela violência e, por isso mesmo, um governo que precisava buscar uma legitimação internacional nas mais diferentes frentes”. As antenas teriam imediatamente esse propósito.

Clareira foi aberta a 60km de Brasília, em espaço seguro e desobstruído, para propagar o sinal na direção da Amazônia e da Europa. Foto: Higino Germani/Arquivo Pessoal

O pesquisador da Unesp, autor de “Entre plantações de morango, florestas e oceanos” (disponível para download) contextualiza que, nessa época, eram realizadas as obras da Rodovia Transamazônica, da ponte Rio-Niterói e a reestruturação do sistema de telecomunicações. “Esse é um processo que levou mais anos. Mas nesse mesmo contexto surgiu a ideia na direção da TV Rádio Nacional de Brasília de criar uma emissora de rádio que cobrisse o mundo inteiro”.

Além da propaganda da ditadura militar brasileira, naquele momento, a ideia era fazer frente às emissoras de países adversários, particularmente os socialistas, que transmitiam para o Brasil. Havia, na avaliação do pesquisador, uma preocupação com essa potencial influência, particularmente na Amazônia.

Sem atraso

Mas quem trabalhava na técnica queria saber como viabilizar esse voo além das fronteiras. “Com o ganho da antena, é como se fosse um farol de milha, concentrando a energia em um determinado feixe [de ondas]”, explica Germani. Por isso que, nessa velocidade, o feixe atravessa o oceano em um instante. Em outros países, poderia ser ouvida a mensagem saída do Brasil sem atraso.

“E o melhor disso era o seguinte: eram seis horas de programação diária para a Europa e divididas em diferentes idiomas (português, inglês, espanhol, alemão francês e italiano) para outros países, a partir de diferentes frequências”. As informações que seriam levadas pelo mundo eram produzidas pelos jornalistas brasileiros da Rádio Nacional. “A gente começava a transmitir aqui às 15h para lugares com fusos de três ou quatro horas de diferença. As condições de propagação mudavam”.

O engenheiro eletrônico se lembra que a equipe estava entusiasmada com o que ocorreria. Tinham em meta que o Brasil, pelo tamanho continental, deveria ter um sistema de radiodifusão que integrasse o país. “Há lugares em que, sem um ‘radinho’, a pessoa fica isolada”.

Preparativos

Os seis meses que antecederam a inauguração foram de correria em função do prazo dado pelo governo. A definição da localização na região administrativa de Brazlândia, a abertura da clareira, a construção da edificação, a espera pelos equipamentos, os testes…tudo precisou ser rápido. “No momento em que o prédio foi construído, os dois transmissores lá na Suíça também ficaram prontos”. Para transportar os transmissores para o Brasil, tinham duas opções: avião ou navio. A segunda opção, porém, demoraria muito tempo. A equipe conseguiu um avião que era utilizado pela Agência Espacial dos Estados Unidos (Nasa)

O local escolhido estava em um espaço distante 60 km do aeroporto, por uma questão de segurança. “Outro detalhe importante é que estações de alta potência geram um campo eletromagnético tão forte que bloqueia outros serviços”, explicou Germani.

O atual diretor técnico do parque, o engenheiro em telecomunicações Adriano Goetz, explica que a posição geográfica do parque é fundamental porque está numa posição alta do Distrito Federal. “É bastante desobstruída, principalmente para propagar o sinal na direção da Amazônia. Ela ficava distante das cidades para garantir segurança à estação”

O pesquisador Octavio Pieranti contextualiza que, para construir o parque, o governo brasileiro, em pouco mais de um ano, fez uma licitação internacional com a compra de nove transmissores de ondas curtas, dois transmissores de ondas médias para modernizar a Rádio Nacional de Brasília em ondas médias, e também um transmissor de FM, que viria dar origem à Rádio Nacional FM de Brasília.

Transmissores vieram da Suíça em avião utilizado pela Nasa. Foto: Higino Germani/Arquivo Pessoal

“A compra desses 12 transmissores tiveram um custo, na época, de 15 milhões de dólares. Em valores corrigidos, são R$ 500 milhões”. O governo estava disposto, de fato, a transmitir suas mensagens para o mundo, como pontua o pesquisador.

Goetz recorda que, dos seis transmissores de 250 quilowatts (KW) comprados, dois operaram desde aquela época transmitindo para a Amazônia. “Os outros quatro transmissores eram operados até final da década de 1990 para clientes externos. Nós alugamos, por exemplo, para a BBC durante a Guerra das Malvinas (1982). Nos anos 2000 em diante, o sistema internacional se tornou mais caro de manter, os transmissores foram sendo desativados, e a gente consegue manter hoje os dois transmissores para a Amazônia com 100 kW”. Isso garante uma cobertura da Amazônia. À noite, esse sistema tem dado cobertura dos Estados Unidos e partes do Canadá. Dependendo do dia, inclusive, ele chega lá no Polo Norte.

O engenheiro explica que atualmente o parque do rodeador opera com dois transmissores e sete antenas inteiras. “Os transmissores passaram por uma atualização no ano 2000, com a mudança do sistema de refrigeração. Antes, eles eram refrigerados a vapor, hoje é à água. A gente tem expectativa de que o Parque do Rodeador possa passar por uma modernização e servir como estação para transmitir rádio digital para todo o território nacional”.

Ele explica que o sistema garante transmissão por toda a Amazônia. “Em qualquer lugar da selva amazônica a gente consegue penetrar com o sinal da Nacional da Amazônia em onda curta”. As transmissões acontecem diariamente por 18 horas.

A serviço da democracia

“Onde quer que esteja uma pessoa no território amazônico, por mais que esteja num local de difícil acesso, ainda assim poderá ter acesso ao sinal de uma emissora de rádio. É a Rádio Nacional da Amazônia”, explica o professor Octavio Pieranti, da Unesp. Foto: Joédson Alves/Agência Brasil

O professor Pieranti analisa que a chegada da democracia, no final da década de 1980, fez com que a programação chegasse a outro patamar. “E essa emissora é bem distinta daquela que existia um dia. Assim, acontece uma transformação [a serviço da cidadania]”. Os discursos conspiratórios deram lugar, então, aos argumentos do dever e do direito à comunicação.

“Onde quer que esteja uma pessoa no território amazônico, na Região Norte ou mesmo na Região Nordeste, por mais que esteja num local de difícil acesso, num local sem emissoras em FM, ainda assim poderá ter acesso ao sinal de uma emissora de rádio. É a Rádio Nacional da Amazônia”. E essa é hoje a função mais reconhecida do parque de transmissões.

A outra finalidade é para situações críticas. Os equipamentos permitem que, se por alguma eventualidade, caírem as redes de telecomunicações em qualquer lugar do Brasil, ainda assim, o governo federal, em Brasília, conseguirá falar com essa região a partir das ondas curtas.

“A gente fala em Rádio Nacional da Amazônia, que é a emissora que funciona em ondas curtas, mas a gente não deve encará-la apenas para a região. Há uma possibilidade técnica de redirecionar antenas para falar com outras regiões”, afirma o pesquisador.

No caminho do rodeador, uma paisagem rural se forma na região famosa pela plantação de morangos. Quem passa por lá não imagina que saem daqueles equipamentos de ferro ondas invisíveis que atravessam mares e florestas. Mas cada vez que uma pessoa ribeirinha, no interior da Amazônia, liga o rádio, tudo fica bem visível.

Parque de transmissões criado há 50 anos nacionaliza a comunicação

É como se o pensamento e a memória viajassem tão rápido quanto a velocidade das ondas da transmissão de rádio, a 300 mil quilômetros por segundo. Basta um instante para o engenheiro eletrônico Higino Germani, hoje aos 74 anos, viajar até 11 de março de 1974 e recordar aquela manhã em que foi inaugurado um parque de transmissores sem precedentes na história das telecomunicações do Brasil.

O parque do Rodeador foi instalado em uma área de cerrado, a 60 quilômetros de Brasília. Germani, que tinha 24 anos, foi o primeiro diretor técnico do local e assistiu, de perto, quando o general Emílio Garrastazu Médici, o terceiro presidente da ditadura militar, tocou o botão que colocou “tudo” no ar. “Foi um alívio. Eu trabalhei direto sem parar por meses para cumprir o prazo [com o governo]”, recorda o primeiro diretor do lugar.

Inicialmente, o “tudo” acionado por Médici significava dois transmissores de rádio: um de ondas médias, para o DF; e outro de ondas curtas, para a Europa. Os equipamentos incluem os transmissores em ondas curtas da Rádio Nacional e representariam, ao longo do tempo, diferentes finalidades.

Existe o aspecto estratégico, na divulgação de atos do governo (naquele período ainda militar); a integração do país e também no fomento da comunicação pública. Hoje, o local abriga quatro conjuntos de antenas, incluindo uma de ondas médias, com 142 metros de altura, além de três conjuntos com torres atingindo 147 metros, e que fazem transmissão em ondas curtas.

A serviço da ditadura

Segundo o professor Octavio Pieranti, de pós-Graduação em Mídia e Tecnologia da Universidade Estadual de São Paulo (Unesp), havia, inicialmente, um objetivo de divulgação dos feitos da ditadura militar. “Era o fim do governo Médici, um governo marcado pela repressão e pela violência e, por isso mesmo, um governo que precisava buscar uma legitimação internacional nas mais diferentes frentes”. As antenas teriam imediatamente esse propósito.

Clareira foi aberta a 60km de Brasília, em espaço seguro e desobstruído, para propagar o sinal na direção da Amazônia e da Europa. Foto: Higino Germani/Arquivo Pessoal

O pesquisador da Unesp, autor de “Entre plantações de morango, florestas e oceanos” (disponível para download) contextualiza que, nessa época, eram realizadas as obras da Rodovia Transamazônica, da ponte Rio-Niterói e a reestruturação do sistema de telecomunicações. “Esse é um processo que levou mais anos. Mas nesse mesmo contexto surgiu a ideia na direção da TV Rádio Nacional de Brasília de criar uma emissora de rádio que cobrisse o mundo inteiro”.

Além da propaganda da ditadura militar brasileira, naquele momento, a ideia era fazer frente às emissoras de países adversários, particularmente os socialistas, que transmitiam para o Brasil. Havia, na avaliação do pesquisador, uma preocupação com essa potencial influência, particularmente na Amazônia.

Sem atraso

Mas quem trabalhava na técnica queria saber como viabilizar esse voo além das fronteiras. “Com o ganho da antena, é como se fosse um farol de milha, concentrando a energia em um determinado feixe [de ondas]”, explica Germani. Por isso que, nessa velocidade, o feixe atravessa o oceano em um instante. Em outros países, poderia ser ouvida a mensagem saída do Brasil sem atraso.

“E o melhor disso era o seguinte: eram seis horas de programação diária para a Europa e divididas em diferentes idiomas (português, inglês, espanhol, alemão francês e italiano) para outros países, a partir de diferentes frequências”. As informações que seriam levadas pelo mundo eram produzidas pelos jornalistas brasileiros da Rádio Nacional. “A gente começava a transmitir aqui às 15h para lugares com fusos de três ou quatro horas de diferença. As condições de propagação mudavam”.

O engenheiro eletrônico se lembra que a equipe estava entusiasmada com o que ocorreria. Tinham em meta que o Brasil, pelo tamanho continental, deveria ter um sistema de radiodifusão que integrasse o país. “Há lugares em que, sem um ‘radinho’, a pessoa fica isolada”.

Preparativos

Os seis meses que antecederam a inauguração foram de correria em função do prazo dado pelo governo. A definição da localização na região administrativa de Brazlândia, a abertura da clareira, a construção da edificação, a espera pelos equipamentos, os testes…tudo precisou ser rápido. “No momento em que o prédio foi construído, os dois transmissores lá na Suíça também ficaram prontos”. Para transportar os transmissores para o Brasil, tinham duas opções: avião ou navio. A segunda opção, porém, demoraria muito tempo. A equipe conseguiu um avião que era utilizado pela Agência Espacial dos Estados Unidos (Nasa)

O local escolhido estava em um espaço distante 60 km do aeroporto, por uma questão de segurança. “Outro detalhe importante é que estações de alta potência geram um campo eletromagnético tão forte que bloqueia outros serviços”, explicou Germani.

O atual diretor técnico do parque, o engenheiro em telecomunicações Adriano Goetz, explica que a posição geográfica do parque é fundamental porque está numa posição alta do Distrito Federal. “É bastante desobstruída, principalmente para propagar o sinal na direção da Amazônia. Ela ficava distante das cidades para garantir segurança à estação”

O pesquisador Octavio Pieranti contextualiza que, para construir o parque, o governo brasileiro, em pouco mais de um ano, fez uma licitação internacional com a compra de nove transmissores de ondas curtas, dois transmissores de ondas médias para modernizar a Rádio Nacional de Brasília em ondas médias, e também um transmissor de FM, que viria dar origem à Rádio Nacional FM de Brasília.

Transmissores vieram da Suíça em avião utilizado pela Nasa. Foto: Higino Germani/Arquivo Pessoal

“A compra desses 12 transmissores tiveram um custo, na época, de 15 milhões de dólares. Em valores corrigidos, são R$ 500 milhões”. O governo estava disposto, de fato, a transmitir suas mensagens para o mundo, como pontua o pesquisador.

Adriano Goetz  Foto: José Cruz/Agência Brasil

Goetz recorda que, dos seis transmissores de 250 quilowatts (KW) comprados, dois operaram desde aquela época transmitindo para a Amazônia. “Os outros quatro transmissores eram operados até final da década de 1990 para clientes externos. Nós alugamos, por exemplo, para a BBC durante a Guerra das Malvinas (1982). Nos anos 2000 em diante, o sistema internacional se tornou mais caro de manter, os transmissores foram sendo desativados, e a gente consegue manter hoje os dois transmissores para a Amazônia com 100 kW”. Isso garante uma cobertura da Amazônia. À noite, esse sistema tem dado cobertura dos Estados Unidos e partes do Canadá. Dependendo do dia, inclusive, ele chega lá no Polo Norte.

O engenheiro explica que atualmente o parque do rodeador opera com dois transmissores e sete antenas inteiras. “Os transmissores passaram por uma atualização no ano 2000, com a mudança do sistema de refrigeração. Antes, eles eram refrigerados a vapor, hoje é à água. A gente tem expectativa de que o Parque do Rodeador possa passar por uma modernização e servir como estação para transmitir rádio digital para todo o território nacional”.

Ele explica que o sistema garante transmissão por toda a Amazônia. “Em qualquer lugar da selva amazônica a gente consegue penetrar com o sinal da Nacional da Amazônia em onda curta”. As transmissões acontecem diariamente por 18 horas.

A serviço da democracia

“Onde quer que esteja uma pessoa no território amazônico, por mais que esteja num local de difícil acesso, ainda assim poderá ter acesso ao sinal de uma emissora de rádio. É a Rádio Nacional da Amazônia”, explica o professor Octavio Pieranti, da Unesp. Foto: Joédson Alves/Agência Brasil

O professor Pieranti analisa que a chegada da democracia, no final da década de 1980, fez com que a programação chegasse a outro patamar. “E essa emissora é bem distinta daquela que existia um dia. Assim, acontece uma transformação [a serviço da cidadania]”. Os discursos conspiratórios deram lugar, então, aos argumentos do dever e do direito à comunicação.

“Onde quer que esteja uma pessoa no território amazônico, na Região Norte ou mesmo na Região Nordeste, por mais que esteja num local de difícil acesso, num local sem emissoras em FM, ainda assim poderá ter acesso ao sinal de uma emissora de rádio. É a Rádio Nacional da Amazônia”. E essa é hoje a função mais reconhecida do parque de transmissões.

A outra finalidade é para situações críticas. Os equipamentos permitem que, se por alguma eventualidade, caírem as redes de telecomunicações em qualquer lugar do Brasil, ainda assim, o governo federal, em Brasília, conseguirá falar com essa região a partir das ondas curtas.

“A gente fala em Rádio Nacional da Amazônia, que é a emissora que funciona em ondas curtas, mas a gente não deve encará-la apenas para a região. Há uma possibilidade técnica de redirecionar antenas para falar com outras regiões”, afirma o pesquisador.

No caminho do rodeador, uma paisagem rural se forma na região famosa pela plantação de morangos. Quem passa por lá não imagina que saem daqueles equipamentos de ferro ondas invisíveis que atravessam mares e florestas. Mas cada vez que uma pessoa ribeirinha, no interior da Amazônia, liga o rádio, tudo fica bem visível.

Neurotecnologia avança; cientistas pedem proteção à privacidade mental

A psicóloga paulistana Carmen Galluzzi tinha completado 48 anos de idade quando começou a se sentir mais cansada que o habitual. Atribuindo o mal-estar ao estresse da tripla jornada de trabalho, estudo e cuidados com o lar, ela seguiu tentando ajustar sua rotina. Até começar a perder a força muscular e notar que seus movimentos estavam se tornando mais lentos e limitados. Só então ela se convenceu de que algo mais sério estava acontecendo.

Nos três anos seguintes, Carmem passou por vários especialistas e se submeteu a muitos exames. Até um neurologista lhe dar o diagnóstico definitivo: “Carmen, você tem Parkinson”, atestou o médico. “Foi impactante, mas, a partir daí, pude decidir o rumo a tomar. O médico me explicou que a doença era progressiva e incurável, mas que os sintomas iniciais podiam ser controlados com o tratamento adequado”, contou a psicóloga em entrevista à Agência Brasil.

Com a estimulação cerebral profunda, psicóloga Carmen Galluzzi conseguiu ter mais qualidade de vida – Carmem Galluzzi/Arquivo pessoal

Pouco após receber o diagnóstico, Carmen se aposentou por invalidez, deixou o trabalho e passou a se dedicar a cuidar da saúde. Mesmo assim, como a cura para o Parkinson ainda não foi encontrada, algumas consequências da enfermidade se intensificaram. Motivando a psicóloga a, 13 anos após ser diagnosticada e com 63 anos de idade, aceitar se submeter a uma cirurgia complexa, a estimulação cerebral profunda (do inglês deep brain stimulation, ou DBS).

Indicada para o tratamento de doenças neuropsiquiátricas, incluindo epilepsia e depressão resistente ao tratamento, a DBS consiste no implante de eletrodos no cérebro do paciente. Dois fios subcutâneos interligam os finíssimos condutores de corrente elétrica a uma microbateria inserida sob a pele, na altura do peito do portador. Como um marca-passo, o conjunto emite pulsações elétricas em áreas cerebrais específicas, auxiliando no controle dos impulsos nervosos, minimizando os tremores decorrentes do Parkinson.

Realizada em junho de 2023, a cirurgia durou cerca de dez horas. Durante o tempo em que esteve com a calota craniana aberta, a psicóloga permaneceu consciente, sedada apenas com anestesia local. Isso porque, para identificar o ponto exato onde instalar os eletrodos, os cirurgiões precisam que os pacientes reajam a seus comandos de voz.

“Todo mundo acha que uma cirurgia é para ser feita quando não estamos bem. Não. Ela é feita para otimizar o tratamento e nos dar mais qualidade de vida. Eu tive alta já no dia seguinte”, contou Carmen.

“Com o tempo, pude diminuir os remédios que eu tinha que tomar para evitar os espasmos. E, com a fisioterapia e as sessões de fono, que continuo fazendo, eu hoje me sinto muito melhor”, avaliou a psicóloga.

Investimentos

Realizada há cerca de 40 anos, a DBS ainda é considerada um procedimento médico de ponta. Contudo, conforme o neurocirurgião Bruno Burjaili, médico que operou Carmen, é um dos muitos métodos terapêuticos resultantes da contínua evolução das neurociências – campo da ciência que estuda o sistema nervoso (o conjunto cérebro-medula espinhal-nervos) e as mudanças que este sofre ao longo dos anos.

Neurocirurgião Bruno Burjaili diz que a estimulação cerebral profunda é um dos métodos resultantes da contínua evolução das neurociências – Bruno Burjaili/Arquivo pessoal

“A DBS é um grande avanço, resultado do aperfeiçoamento e do desenvolvimento das técnicas e dos aparatos neurotecnológicos, mas, diante do assombroso desenvolvimento recente das neurociências, e considerando as perspectivas do que está por vir, já podemos considerá-la uma técnica consolidada, de certa forma antiga”, afirmou Burjaili, referindo-se ao ritmo acelerado de descobertas e inovações que revolucionaram os métodos de investigação dos fenômenos mentais com a promessa de encontrar respostas para doenças neurodegenerativas (Alzheimer, Parkinson, escleroses, atrofia e distrofia muscular, entre outras), distúrbios do aprendizado e transtornos mentais como a depressão resistente aos tratamentos tradicionais.

Para a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência, e a Cultura (Unesco), “estamos no limiar de uma nova revolução tecnológica”.  Em um relatório divulgado no ano passado, a organização aponta que, de 2013 a 2023, os investimentos governamentais globais em pesquisas relacionadas às neurociências superaram US$ 6 bilhões, ou cerca de R$ 29,8 bilhões. O montante inclui gastos militares, como os US$ 10 milhões que o Departamento de Defesa dos Estados Unidos prometeu destinar à criação de um instituto dedicado ao avanço da pesquisa unificada em inteligência artificial e natural. O objetivo: “melhorar a compreensão de como o cérebro funciona e dar continuidade a projetos de IA [inteligência artificial] mais capazes e confiáveis”.

Já os investimentos privados alcançaram, de 2010 a 2020, os US$ 33,2 bilhões, ou mais de R$ 165 bilhões. Entre as empresas interessadas nas possibilidades comerciais dos resultados de pesquisas neurocientíficas estão gigantes como a Google e a Microsoft. Há um mês, a Neuralink, do bilionário Elon Musk, anunciou que implantou o primeiro chip eletrônico no cérebro de um paciente, com o objetivo de estudar formas de reabilitar o sistema nervoso de pessoas com lesões da medula espinhal ou esclerose lateral amiotrófica, devolvendo-lhes os movimentos.

A startup norte-americana Kernel desenvolveu um capacete que promete mapear a atividade cerebral e identificar estados de ânimo, apontando tratamentos clínicos. Há um ano, a Philips e a Kookon lançaram no mercado um fone de ouvido sem fio que, em conjunto com um aplicativo, promete monitorar indicadores fisiológicos do usuário enquanto ele estiver dormindo e proporcionar um “sono repousante e rejuvenescedor”, indicando músicas ou sons adequados e ajustando o volume ao estágio do sono.

Além do crescente aporte de dinheiro, inovações como o aprimoramento da inteligência artificial potencializam o desenvolvimento e o uso das novidades neurotecnológicas, cujo impacto já transcende o campo da saúde, propagando-se para áreas como a educação, segurança, direito, publicidade etc. A exemplo dos resultados das pesquisas com a chamada interface cérebro-máquina (ICM), que buscam identificar sinais neurais e transmiti-los, na forma de algoritmos, para um computador apto a “interpretar” os pensamentos da pessoa a ele conectada, transformando-os em ações.

 

Mistérios

Desvendar o funcionamento mental e, assim, “compreender” o ser humano. Possibilitar a recuperação de movimentos. Fazer frente às doenças neurodegenerativas. Interligar cérebro e máquinas. Algumas das espantosas promessas das neurociências parecem ficção científica, mas as evidências de que, talvez, muitas delas não estão longe de se tornar reais vêm se avolumando.

Em 2014, milhões de pessoas em todo o mundo testemunharam um paraplégico chutar uma bola durante a cerimônia de abertura da Copa do Mundo de Futebol, no estádio Itaquerão, em São Paulo. O gesto simbólico de Juliano Pinto, que perdeu os movimentos em consequência de um acidente de carro, foi possível graças ao exoesqueleto desenvolvido por uma equipe de cientistas liderada pelo neurocientista brasileiro Miguel Nicolelis, professor da Universidade de Duke, nos Estados Unidos.

A rápida demonstração da veste robótica controlada por pensamento e desenvolvida com a colaboração de 156 cientistas de diferentes nacionalidades aconteceu apenas 14 meses após o então presidente dos EUA, Barack Obama, anunciar um investimento público-privado de US$ 100 milhões (cerca de R$ 495,2 milhões pelo câmbio atual) no que classificou como “o próximo grande projeto americano”, a Iniciativa Brain.

Em inglês, a palavra brain significa cérebro. No contexto da iniciativa, é, também, a sigla do nome do projeto, Brain Research Through Advancing Innovative Neurotechnologies, ou Pesquisa Cerebral por Meio do Avanço de Neurotecnologias Inovadoras. Acrônimo que revela o objetivo do governo norte-americano: apoiar a criação de neurotecnologias que ajudem os cientistas a obter imagens dinâmicas dos 86 bilhões de neurônios em ação. Os neurônios são células responsáveis por garantir a transmissão dos impulsos elétricos que fazem o sistema nervoso funcionar, interligando o cérebro ao restante do corpo. Registrá-los atuando em conjunto ajudaria os especialistas a entender como pensamos, sentimos, aprendemos e lembramos. Em resumo, como usamos nosso cérebro.

“Como humanos, podemos identificar galáxias a anos-luz de distância, podemos estudar partículas menores que um átomo, mas ainda não desvendamos o mistério dos 3 quilos de matéria que ficam entre nossas orelhas”, comentou Obama. “A Iniciativa Brain mudará isso, dando aos cientistas as ferramentas de que necessitam para obter uma imagem dinâmica do cérebro em ação. Esse conhecimento pode ser – e será – transformador”, discursou Obama ao apresentar o projeto.

A Iniciativa Brain ainda não chegou ao fim, mas já inspirou outros países, como a Espanha. No fim de 2022, o governo espanhol anunciou que pretende investir, até 2037, ao menos € 200 milhões (o equivalente a R$ 1,06 bilhões) na construção do chamado Centro Nacional de Neurotecnologia (Spain Neurotech), em Madri. Além de estimular o estudo do funcionamento cerebral e de novos métodos diagnósticos e de tratamento de doenças do sistema nervoso, a unidade busca atrair pesquisadores e fomentar empreendimentos inovadores em neurotecnologia.

“Há muito dinheiro sendo investido no desenvolvimento das neurotecnologias, em todo o mundo”, disse à Agência Brasil o neurobiólogo espanhol Rafael Yuste. Diretor do Centro de Neurotecnologia da Universidade de Columbia (EUA) e um dos idealizadores da Iniciativa Brain norte-americana, Yuste foi convidado a dirigir o futuro centro espanhol. Desenvolvedor de métodos ópticos inovadores para observar os circuitos neurais em ação, ele defende que a humanidade está perto de, enfim, entender como o cérebro funciona. O que, segundo ele, representaria um enorme salto não só para o tratamento de doenças neurológicas, mas também para a melhor compreensão do ser humano.

“O cérebro é o órgão que dá origem à mente. Com tecnologias que nos permitam ‘entrar’ no cérebro e registrar sua atividade, poderemos entender como a nossa mente funciona. Consequentemente, mais cedo ou mais tarde, poderemos decifrar a atividade mental e, em alguns casos, alterá-la”, sustenta Yuste (Leia aqui a entrevista exclusiva completa do neurobiólogo à Agência Brasil).

O espanhol também acredita que, em breve, parte da população passará a usar aparatos neurotecnológicos portáteis capazes de controlar outros aparelhos remotamente e, principalmente, para acessar a internet sem a necessidade de computadores, tablets ou telefones celulares. “Não demorará para que possamos fazer com o uso das neurotecnologias tudo aquilo que fazemos hoje usando nossos smartphones. Será uma revolução. Com oportunidades e desafios.”

Regulamentação

Neurobiólogo espanhol Rafael Yuste defende a proteção aos chamados neurodireitos – Neuro Technology Center/Divulgação

Rafael Yuste, que já foi eleito pela revista Nature um dos cinco cientistas mais influentes do mundo, não é o único a apontar que o desenvolvimento e a esperada popularização das neurotecnologias trarão consigo novos problemas éticos e sociais. Com a preocupação comum de que suas descobertas e invenções sejam usadas indevidamente, o espanhol criou, junto com outros 24 especialistas, a Fundação Neurorights, que propõe o reconhecimento e proteção aos chamados neurodireitos.

Os cinco neurodireitos propostos visam proteger a privacidade mental, a identidade pessoal e o livre arbítrio dos usuários, bem como garantir o acesso igualitário das sociedades aos benefícios do uso das neurotecnologias e evitar que desenvolvedores reproduzam preconceitos e vieses na criação de novas tecnologias, respeitando a diversidade, responsabilidade e transparência ao programar o funcionamento dos aparatos tecnológicos.

“São cinco áreas nas quais o emprego da neurotecnologia sem algum tipo de regulamentação ou proteção gera preocupações éticas e sociais”, disse o neurobiólogo à Agência Brasil, explicando que a sugestão é que cada país aprove suas próprias leis e que a Organização das Nações Unidas (ONU) atualize a Declaração Universal dos Direitos Humanos, ampliando o rol de direitos fundamentais.

A Unesco também defende a urgência de os países chegarem “a um acordo sobre as ferramentas adequadas de governança neurotecnológica a fim de que as neurotecnologias sejam desenvolvidas e implantadas para o bem de todos os indivíduos e sociedades”. No relatório já citado, a organização alerta que “a promessa de que as neurotecnologias melhorem a vida das pessoas que vivem com deficiências desencadeadas por problemas relacionados ao cérebro pode ter um custo elevado em termos de direitos humanos e liberdades, se abusadas”. Daí a importância de “políticas bem-elaboradas, eficazes, baseadas em evidências e numa clara definição e descrição do problema, para que as escolhas feitas não corram o risco de serem distorcidas”.

 

Pioneirismo

Em outubro de 2021, o Chile se tornou o primeiro país a incluir em sua Constituição a proteção à atividade e aos dados cerebrais. Aprovada por unanimidade, a Lei nº 21.383 estabelece que o desenvolvimento científico e tecnológico deve estar a serviço das pessoas, respeitando a vida e a integridade física e psíquica. A lei também prevê a futura regulamentação dos requisitos, condições e restrições ao uso da neurotecnologia em seres humanos.

A proposta de regular os neurodireitos já tem defensores no Brasil. Desde o ano passado, tramita no Senado a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) nº 29, que, se aprovada, resultará na inclusão da proteção à integridade mental e à transparência algorítmica entre os direitos e garantias constitucionais. (Leia mais sobre a PEC aqui). Na Câmara dos Deputados, há um projeto de lei, de autoria do deputado federal Carlos Henrique Gaguim (União-TO), sobre o mesmo tema. O Projeto de Lei nº 1229, de 2021, visa modificar a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD), incluindo nela a proteção aos dados neurais “obtidos a partir de qualquer sistema eletrônico, óptico ou magnético”.

Para a procuradora do estado de São Paulo Camila Pintarelli, os direitos fundamentais precisam ser relidos à luz das novas tecnologias – Joel Vargas

“Os direitos fundamentais precisam ser relidos à luz das novas tecnologias e já está na hora de o Brasil incorporar a proteção à atividade mental em nossa Constituição”, defende a procuradora do estado de São Paulo Camila Pintarelli, umas das pessoas por trás da proposta de emenda à Constituição apresentada com a chancela de parlamentares governistas e da oposição, como o líder do governo federal no Congresso Nacional, senador Randolfe Rodrigues (sem partido-AP), e o ex-vice-presidente da República senador Hamilton Mourão (Republicanos-RS), entre outros.

“É um tema abstrato, complexo, mas no qual precisamos começar a prestar atenção, porque a velocidade da tecnologia é muito superior à velocidade da regulação”, acrescentou a procuradora.

“Muitas pessoas que ouvem falar sobre a necessidade de proteção à mente humana e aos neurodireitos acreditam que estamos falando de ficção científica, mas a interação entre máquinas e cérebros já é algo real e está cada vez mais próxima de nós. Seja para fins terapêuticos, oferecendo possibilidades de cura para doenças mentais até então incuráveis, seja para fins comerciais diversos, onde causam maior preocupação”, destacou  Camila Pintarelli.

Manipulação

Professor da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), onde orienta pós-graduandos dos cursos de direito e de neurociências, Renato César Cardoso defende que, antes de qualquer coisa, o Congresso Nacional promova um debate amplo, com a participação de representantes de diferentes segmentos sociais.

“O direito vem a reboque das mudanças sociais, que surgem e nos impõem a necessidade de nos anteciparmos, sob risco de sermos atropelados pela realidade. Está muito claro que, se nada for feito, muito em breve teremos problemas com questões como a privacidade mental. Então, é sim preciso regular alguns aspectos. Só que essa regulação deve ser fruto de um debate envolvendo toda a sociedade. Não cabe só aos neurocientistas, políticos ou advogados dizer o que deve ser feito”, comentou Cardoso

Professor Renato César Cardoso diz que é preciso diferenciar legalmente o uso comercial das neurotecnologias do emprego para pesquisas científicas – Renato César Cardoso/Arquivo pessoal

Ele apontou o que classifica de “problemas jurídicos e conceituais” nas propostas de regulação da Fundação Neurorights e em tramitação no Congresso brasileiro. “As duas propostas têm o mérito de fomentar o debate, mas contêm pontos confusos, imprecisos. Talvez porque tenham um forte viés neurocientífico e, em alguns aspectos, acabem derrapando na parte jurídica. Dizer, por exemplo, que vamos proteger a identidade e o livre-arbítrio… O que é identidade? O que exatamente deve ser protegido? São dois conceitos muito abertos, de difícil conceituação, seja no direito, na filosofia ou mesmo para as neurociências. Melhor seria falarmos em proteger as pessoas da eventual manipulação cognitiva; garantir a liberdade cognitiva dos usuários de neurotecnologias”, defendeu o acadêmico.

Para Cardoso, outra questão “problemática”, embora pertinente, é a que trata do acesso equitativo às neurotecnologias de ampliação sensorial e benefícios do uso delas. “Claro que é preciso evitar que uma casta de privilegiados tenha acesso exclusivo a avanços que podem não beneficiar a maior parte da população, que será excluída, mas isso exige outras medidas, como políticas públicas que busquem reduzir as desigualdades. E que, neste aspecto, não se limitam às legislações nacionais”, destacou o professor, defendendo a importância de se diferenciar legalmente o uso comercial das neurotecnologias do emprego para pesquisas científicas.

“Se não estiver muito claro o que se quer e se deve proteger, há sim o risco de a proposta inviabilizar um monte de pesquisas acadêmicas. A distinção entre dados neurais obtidos para pesquisa e para uso comercial tem que estar na lei”, concluiu.

Brasil é o terceiro colocado na participação feminina na ciência

Nos últimos 20 anos, a proporção de pesquisadoras que assinam publicações científicas no país saltou de 38% para 49%. O Brasil é o terceiro colocado na lista dos locais com maior participação feminina na ciência, que conta com 18 países mais a União Europeia. Os dados constam do relatório da Elsevier-Bori Em direção à equidade de gênero na pesquisa no Brasil, lançado nesta sexta-feira (8).

A Elsevier é uma empresa holandesa, que atua na produção de conteúdo científico e técnico, enquanto a Agência Bori tem como missão a valorização das evidências científicas por meio da divulgação à imprensa. O relatório resultante dessa parceria cita que Argentina e Portugal ocupam os primeiros lugares no ranking. Ambos têm maioria (52%) de mulheres como autoras dos artigos. 

O que se observou para fazer a análise foi a base de dados Scopus, a partir da ferramenta da Elsevier. O recurso é capaz de fazer um recorte de gênero, de forma binária, ou seja, com um limite de alcance.

Ainda de acordo com o levantamento, o crescimento da participação de mulheres na produção científica também se verificou, no período analisado, nas áreas chamadas de STEM (sigla para representar Ciência, Tecnologia, Engenharia e Matemática, em inglês). Nesse caso, a porcentagem era de 35% em 2020 e passou, em 2022, para 45%. O relatório também registra que, nessas áreas do conhecimento, houve uma desaceleração no aumento da participação das pesquisadoras desde 2009-2010. 

Apesar do avanço nas STEM, há, ainda, desafios a superar. Um deles consiste em obter mais equilíbrio independentemente do tempo de experiência das pesquisadoras. Isso porque, conforme ressalta o relatório produzido, à medida que a carreira avança, o que se constata é a redução da presença de mulheres. 

No período de 2018 a 2022, as mulheres com até 5 anos de experiência foram autoras ou coautoras em mais da metade (51%) das publicações. A parcela cai para 36% quando se confere sua existência entre autores com mais de 21 anos de estrada na pesquisa. 

Outro dado que expõe a necessidade de se pensar em medidas de redução da iniquidade de gênero diz respeito à preponderância de homens em determinadas áreas. De 2018 a 2022, houve três campos em que as mulheres representavam um quinto ou pouco mais disso,  matemática (19%), ciência da computação (21%) e engenharia (24%). 

Em relação a patentes de inovação, os homens continuam acumulando muito mais direitos do que as mulheres. Houve, segundo o relatório, estagnação no nível de participação feminina nos últimos 15 anos, quando a proporção variou de 3% a 6%. Quando os inventores que levam crédito pelas criações são homens e mulheres, a porcentagem subiu de 24% para 33%, de 2008 para 2022.