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“Clientes nos confundem com garçons”, reclama entregador de aplicativo

Sofrer episódios de agressão, ofensa e humilhação são rotina no cotidiano de entregadores de aplicativo. A percepção foi relatada à Agência Brasil por trabalhadores das duas maiores cidades do país, Rio de Janeiro e São Paulo. O caso mais recente de repercussão foi o do entregador da plataforma iFood Nilton Ramon de Oliveira, de 24 anos, baleado por um cliente policial militar (PM) na segunda-feira (4), em Vila Valqueire, zona oeste do Rio de Janeiro.

O motivo do desentendimento entre Nilton e o cabo Roy Martins Cavalcanti foi a exigência do cliente para que o pedido fosse entregue na porta da casa do PM. Nilton foi baleado na perna e está internado no Hospital Municipal Salgado Filho. O quadro dele é grave. O cabo da PM se apresentou a uma delegacia, prestou depoimento e foi liberado. A Polícia Civil investiga o caso, e a Corregedoria da PM abriu um procedimento interno.

O iFood reforça que os entregadores não têm obrigação de levar os pedidos até a porta dos apartamentos. “A entrega tem que ser realizada no primeiro ponto de contato, ou seja, no portão da residência ou na portaria do condomínio. O que aconteceu com o Nilton é inaceitável e condenável”, diz a gerente de Impacto Social do iFood, Tatiane Alves.

Segundo ela, a empresa entrou em contato com a família do entregador e se colocou à disposição para todo tipo de apoio. “Espero que o caso não fique impune e que o Nilton se recupere muito em breve. Vamos acompanhar de perto esse caso”, afirma.

Passado escravocrata

O entregador Bruno França trabalha no centro do Rio de Janeiro. Ele contou que todos os dias acontecem casos de ofensas e desentendimentos entre clientes e entregadores. Para ele, a raiz do problema tem relação com o passado escravocrata do país.

“Eu acho que a história de como foi construído o Brasil permeia até hoje. As reverberações do que aconteceu no passado influenciam a nossa vida. Não tenho dúvida de que isso tem ligação com o racismo. Muitos clientes, dentro de uma visão histórica escravocrata brasileira, acreditam que a gente tem que subir até o apartamento, colocar um babador e colocar comida na boca deles”, diz o entregador.

Bruno França conta que os desentendimentos com clientes são frequentes – Vinícius Ribeiro/Divulgação

Outra queixa de Bruno é que a plataforma, na avaliação dele, não deixa claro para o cliente que os entregadores não são obrigados a fazer a entrega na porta do apartamento.

“Todo dia acontece isso [desentendimento] porque muitos clientes entendem que a gente é obrigado a subir”. Ele cita ainda que, eventualmente, há um descumprimento da lei em vigor na cidade do Rio que proíbe a distinção no uso de elevadores entre social e de serviço.

O entregador também aponta a falta de direitos trabalhistas como um dos motivos para a categoria ser alvo de agressões e ofensas.

“Marginalização em relação ao mundo do trabalho. Não temos direito algum. A gente vive em uma sociedade violenta. Dentro dessa perspectiva desses agressores, eles nos veem como alguém sem direitos e que pode ser agredido, pode ser violado.”

Garçons

Rafael Simões faz entregas na cidade de Niterói, região metropolitana do Rio. Ao conversar com a reportagem da Agência Brasil, pouco antes do meio-dia, ele avisou: “Vamos rapidinho porque está chegando o horário de pico, sabe como é, né?”

Ele compartilha da opinião de que o passado do país tem a ver com a forma atual como entregadores são tratados por alguns clientes.

“O cliente acha que é obrigação [entregar no andar]”, reclama Rafael Simões, que trabalha em Niterói – Rafael Simões/Arquivo Pessoal

“A gente vive nessa sociedade assim. O pessoal está realmente pensando que a gente é escravo”, diz.

“O cliente acha que é obrigação [entregar no andar]. O cliente está confundindo entregador com garçom. Nós não somos garçons”, reclama Rafael.

Rafael Simões conta que muitas vezes o entregador opta por deixar o pedido na porta do cliente para evitar problemas e também não perder tempo esperando a pessoa descer – muitas vezes com pressa nenhuma. “Às vezes, para evitar o problema, a gente sobe. Mas não é obrigação.”

Agressões

A comparação de Bruno e Rafael com o tempo de escravidão ganha mais significância ao se lembrar o caso de Max Ângelo dos Santos. Em abril de 2023, o entregador negro foi “chicoteado” com uma coleira de cachorro por uma mulher branca que se sentiu incomodada com a presença de entregadores em uma calçada, em São Conrado, bairro nobre na zona sul do Rio de Janeiro.

Em outro caso de repercussão, também em São Conrado, um entregador compartilhou nas redes sociais a abordagem de uma mulher que desceu até a portaria do prédio com um cutelo, depois de ele ter se recusado a subir para fazer a entrega.

Produtividade

Fora do Rio de Janeiro, desentendimentos e ofensas também são frequentes, afirma o presidente da Associação dos Motofretistas de Aplicativo e Autônomos do Brasil (AMABR), Edgar Franscisco da Silva, conhecido como Gringo. Outro ponto de atrito recorrente, segundo ele, é quando há demora para a chegada do pedido.

Gringo atribui a recusa da entrega na porta do apartamento a uma busca por produtividade, uma vez que, pelos aplicativos de delivery, os trabalhadores ganham por quantidade de entregas.

“Se a pessoa já está na portaria na hora que o entregador chega, ele entrega, e o aplicativo já toca imediatamente para ele pegar outra corrida. Quando ele tem que subir até o apartamento, ele perde uma ou duas entregas, que vão fazer falta na casa deles”, explica. Gringo lembra que há prédios em que a pessoa anda centenas de metros até chegar ao cliente.

Exército de reserva

O presidente da AMABR contextualiza que a mudança de comportamento dos entregadores, que antes faziam a entrega na porta do domicílio, sofreu alterações mais profundamente durante a pandemia, quando muita gente foi forçada a trabalhar como meio de sustento. Além de mais gente fazendo delivery, os aplicativos acirravam a concorrência por cliente baixando valores da taxa de entrega.

Conhecido com Gringo, Edgar Francisco da Silva diz que os aplicativos de entrega têm à sua disposição um “exército de reserva” – Edgar Francisco da Silva/Arquivo

“Eles baixaram o preço para ter mais clientes, mas quem sentiu isso foi o entregador”, observa.

“Devido à baixíssima remuneração, os entregadores estão tendo outro comportamento que é ‘não vou subir, porque eu corro risco de ser multado, de a minha moto ser roubada, e não estou ganhando para isso, não vale a pena.”

Gringo nota ainda que algumas pessoas se veem superiores aos trabalhadores de delivery.

“Eu não sei explicar esse comportamento, mas tem pessoas que se sentem superiores e, em qualquer situação que não for do jeito que elas gostariam, já partem para esse lado da humilhação e da agressão”, lamenta o presidente da associação.

Ele conta que já vivenciou situações em que teve que ser transportado em elevador que carregava lixo. “Aquele fedor insuportável”. Além disso, já levou um empurrão de uma cliente.

“Isso impacta, você fica com aquilo na cabeça. A chance de você depois sofrer um acidente de moto porque estava com a cabeça naquilo é gigante”, relata.

Gringo complementa que o fato de ter muita gente buscando trabalho como entregador faz com que empresas e plataformas não deem a devida atenção a reclamações dos trabalhadores.

“O entregador fica muito submisso ao cliente, e o cliente aproveita disso. O cliente sabe que é só ele falar ‘o entregador foi mal-educado’. O aplicativo não quer nem escutar o entregador, ele não quer perder o cliente, então bloqueia o entregador porque ele tem um exército de reserva para fazer as entregas”, diz Gringo.

Campanha

A iFood faz campanhas e parcerias, inclusive com o Secovi (sindicato que reúne administradoras de imóveis), para conscientizar a população e diminuir as chances de desentendimentos entre clientes e entregadores. No carnaval, houve a campanha #BoraDescer, sobre a necessidade de o cliente ir até o entregador no ponto de contato (portaria ou portão da residência).

A plataforma, que tem 250 mil entregadores ativos, oferece, desde junho 2023, uma central de apoio jurídico e psicológico, que fornece assistência para entregadores vítimas de discriminação, agressão física, ameaça, assédio, abuso e/ou violência sexual. A central é uma parceria com o grupo Black Sisters in Law, formado por advogadas negras.

Apenas em 2024, a central recebeu 13.576 denúncias de ameaça e agressão física. Desde 2023, dos casos que resultaram em processos e atendimentos pela central de apoio, 26% se referem a casos de agressão física, 23%, de ameaça e 22%, de discriminação. De todos os casos atendidos, 16% estão relacionados a subir ou não nos apartamentos.

Legislação

Um levantamento do Instituto Fogo Cruzado, especializado na coleta de informações relacionadas à violência armada, aponta que ao menos 26 entregadores motoboys foram baleados em serviço na região metropolitana do Rio desde 2017. Desses, 21 morreram. Os dados não apontam se eram especificamente ligados a plataformas e incluem vítimas de operações policiais.

“Precisamos continuar falando dessa profissão que é tão desprezada, que coloca muita gente em risco e sustenta tantas famílias no Brasil”, observa Carlos Nhanga, coordenador regional do Instituto Fogo Cruzado no Rio de Janeiro.

“Esses trabalhadores precisam de proteção que assegurem os direitos ao emprego e os direitos da vida também. É preciso criar políticas que assegurem o vínculo empregatício mais seguro, além de punir agentes de segurança que usem da violência para impor as suas vontades. É inadmissível que um policial militar armado ameace cidadãos dessa forma e fique por isso mesmo”, critica o coordenador.

Nhanga lembra que o país discute formas de regulamentação do trabalho por meio de plataformas. Na segunda-feira (4), o governo enviou ao Congresso um projeto de lei que regula a atividade de motorista de aplicativos. 

*Colaborou Vinicius Lisboa.

Governo condena tentativa de censurar livro O Avesso da Pele

O ministro-chefe da Secretaria de Comunicação Social (Secom) da Presidência da República, Paulo Pimenta, e a ministra da Cultura (MinC), Margareth Menezes, criticaram nesta segunda-feira (4) a tentativa de censura e os ataques ao livro O Avesso da Pele, do autor brasileiro Jeferson Tenório.

“Em minha opinião, trata-se de uma demonstração de ignorância, de preconceito, mas também de covardia por parte dessas pessoas”, diz em vídeo o ministro-chefe da Secom, Paulo Pimenta.

O caso ganhou repercussão depois que a diretora de uma escola gaúcha chamou de “lamentável” o envio de 200 exemplares da obra para a Escola Estadual de Ensino Médio Ernesto Alves de Oliveira. Em vídeo postado nas redes sociais, Janaína Venzon criticou o envio dos livros “com vocabulários de tão baixo nível para serem trabalhados com estudantes do ensino médio”

Contactada, a 6ª Coordenadoria Regional de Educação do Rio Grande do Sul solicitou que os exemplares da obra não sejam disponibilizados nas bibliotecas nem aos estudantes de escolas da sua abrangência, “até segunda ordem”.

O ministro da Secom rebateu a acusação da diretora ao esclarecer que o governo federal só envia obras literárias mediante solicitação da escola. Ele disse ainda que o livro entrou no Programa Nacional do Livro e do Material Didático no governo anterior.

“O que eles não sabiam era que o livro foi aprovado para compor a lista de materiais disponíveis para escolas após edital feito pelo governo anterior, bem como sua compra pelo MEC. A distribuição, exclusiva para o ensino médio, feita ainda no ano passado, ocorreu após o pedido da escola para que o livro fizesse parte de seu plano pedagógico.”

O autor

Na rede social Instagram, o autor Jeferson Tenório considerou o episódio como “absurdo”. À emissora de TV por assinatura Globo News, ele declarou: “me causa sempre espanto, porque já temos tão poucos leitores no Brasil e deveríamos estar preocupados em formar leitores. E não censurar livros”.

Jeferson Tenório disse que o título também foi alvo de tentativa de censura por parte de uma escola de Salvador (BA), em 2022 e conectou as iniciativas de censurar a obra à polarização política e ao conservadorismo.

MinC

A ministra da Cultura (MinC), Margareth Menezes, também repudiou os ataques à obra. “Meu total repúdio a qualquer tipo de censura em relação à nossa literatura. O que estiver no escopo do Ministério da Cultura, o que for possível fazer para apoiar, dentro da legalidade, para combater esse tipo de ação, nós faremos.”

A ministra acrescentou que as escolhas dos livros pelo programa federal do MEC seguem diretrizes claras. “Não são feitas de maneira deliberada. Existem conselhos. O que é colocado ali não é de graça, ainda mais em relação às escolas. Nós estamos procurando ter todo o cuidado. E o ministro Camilo [Santana, do MEC], o Ministério da Educação também têm essa sensibilidade.”

O secretário-executivo do MinC, Márcio Tavares, manifestou solidariedade ao autor ao considerar o livro um dos melhores dos últimos anos. “Nesse momento, quero manifestar a nossa solidariedade com esse autor, que é uma referência da nossa literatura e que tem todo o nosso apreço.”

MEC

Em nota, o Ministério da Educação (MEC) explicou o processo de inclusão de obras no Programa Nacional do Livro e do Material Didático (PNLD). O MEC esclareceu que os professores escolhem livros a serem adotados em sala de aula, e não o MEC e que a pasta envia obras para escolas apenas mediante solicitação dos próprios educadores.

“A escolha das obras literárias a serem adotadas em sala de aula é feita pelos educadores de cada escola a partir do Guia Digital, onde as obras integrantes do programa estão listadas para conhecimento de professores e gestores.”

De acordo com o comunicado, a obra O Avesso da Pele entrou no PNLD em 2022, juntamente com outros 530 títulos.

A editora

A Companhia das Letras publicou um texto em sua página na internet, no qual condena a censura. “A retirada de exemplares de um livro, baseada em uma interpretação distorcida e descontextualizada de trechos isolados, é um ato que viola os princípios fundamentais da educação e da democracia, empobrece o debate cultural e mina a capacidade dos estudantes de desenvolverem pensamento crítico e reflexivo”, diz o texto.

Clique aqui e leia a íntegra da nota.

Livro premiado

A obra O Avesso da Pele já foi traduzida para 16 idiomas e ganhou o Prêmio Jabuti, principal prêmio literário brasileiro, na categoria Romance Literário, em 2021. O livro trata das relações raciais, sobre violência e negritude e identidade na história fictícia de Pedro, que, após a morte do pai, assassinado em uma desastrosa abordagem policial, sai em busca de resgatar o passado da família e refazer os caminhos paternos.

Rio: PM atendeu 26% de pedidos de acesso a imagens de câmera corporal

Levantamento feito pela Defensoria Pública do Rio de Janeiro (DPRJ) revela dificuldade do órgão para obter imagens das câmeras corporais instaladas em uniformes policiais. Entre 27 de abril e 18 de dezembro de 2023, foi encaminhado à Polícia Militar do Rio (PMERJ) um total de 215 ofícios solicitando acesso a alguma gravação. Em apenas 56 ocasiões, o material foi disponibilizado. Isso significa que em 74% dos casos, o pedido não foi atendido.

Os dados constam do Relatório de Acesso ao Conteúdo Audiovisual das Câmeras Operacionais Corporais. Segundo o levantamento, a PMERJ admitiu não dispor das gravações ao responder a 57 ofícios, seja porque elas já haviam sido apagadas do sistema ou porque houve falha na captação das imagens. Mais 96 solicitações não foram respondidas até janeiro deste ano, quando foram colhidos os dados para a elaboração do levantamento.

Nos demais casos, alegou-se que os policiais estavam a serviço do Programa Segurança Presente, administrado pela Secretaria de Estado e Governo, a quem deveria ser encaminhado o ofício. No entanto, ao ser procurada pela DPRJ, a pasta respondeu não ter a gerência das imagens usadas pelo efetivo policial.

Conforme a Resolução 2421/2022, da Secretaria de Estado da Polícia Militar, as imagens das câmeras corporais podem ser requisitadas pela DPRJ, pelo Ministério Público e pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). Os ofícios devem ser respondidos em até 15 dias úteis.

A instalação de câmeras e de equipamentos de geolocalização nos uniformes e viaturas policiais é uma medida que vem avançando em todo o mundo. No Brasil, já é adotada de forma parcial em alguns estados. O Ministério da Justiça e da Segurança Pública realiza debates para a elaboração de um projeto de lei que institucionalize a prática. Há duas semanas, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Gilmar Mendes defendeu publicamente a medida.

Para o coordenador do Núcleo de Defesa dos Direitos Humanos (Nudedh) da DPRJ, André Castro, os benefícios são diversos. “Eu acredito que o monitoramento por câmera corporal tem potencial para reduzir não apenas a letalidade policial, mas também uma série de outros desvios nas ações da polícia. Isso é verificado em outros países, onde esse tipo de programa foi implementado há mais tempo”, diz.

André, no entanto, manifesta grande preocupação com o percentual de ofícios respondidos pela PMERJ. “Em um quarto de tudo que solicitamos, recebemos a resposta de que as imagens não estavam disponíveis porque não foram gravadas, foram perdidas ou apagadas do sistema”, acrescentou..

Vinculado ao Ministério da Justiça e da Segurança Pública, o Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária (CNPCP), formado por representantes da sociedade civil, tem defendido que a adoção de câmeras corporais se torne obrigatória em todos os estados e que os dados sejam armazenados por um período de três a seis meses. No Rio de Janeiro, a temporalidade tem sido definida com base na Lei Estadual 5.588/2009, aprovada há quase 15 anos quando se implantou o sistema de vídeo em viaturas policiais. Ela estabelece que as gravações sejam preservadas por pelo menos 60 dias, prazo que deve ser ampliado para um ano caso gere registro de ocorrência ou tenha morte envolvida.

“O problema no Rio de Janeiro não é de regra. Tem até bastante regra. Claro que sempre pode ser aprimorado, mas inclusive o regramento feito pela Polícia Militar do Rio é bem razoável”, avalia André. De acordo com ele, os ofícios enviados pela DPRJ envolvem pedidos de acesso a imagens que geraram registro de ocorrência e que, portanto, deveriam estar armazenadas por um ano. Porém, boa parte delas está sendo apagada com 60 dias.

O defensor público crê que há um problema na implementação da medida. “A Polícia Militar informa que o próprio policial precisa acionar um botão na câmera que aciona o modo ocorrência. Se ele apertar, a imagem fica gravado por um ano. Se não apertar, fica por 60 dias. O problema é que foi transferido para o próprio agente a responsabilidade de determinar a temporalidade da gravação”, diz.

“Temos um caso, por exemplo, de um pedido de imagem envolvendo a morte de um senhor que estava na rua, numa situação aparentemente de transtorno mental. Ele foi abordado por dois policiais e foi alvo de 13 tiros. O número de disparos, para nós, sugere que possa ter havido um excesso. E os policiais estavam usando câmeras, mas as imagens foram apagadas do sistema em 60 dias. Não era uma ocorrência qualquer”, afirma André.

O relatório produzido pela DPRJ também registra que, com as poucas imagens obtidas, foi possível identificar casos de mau uso e de obstrução do equipamento, manipulação de imagens e violações de direitos das pessoas abordadas pelos policiais. Há 24 casos em que o momento exato da abordagem policial não foi gravado ou ocorreu de forma incompleta.

“O que a gente tem visto é que, na implementação do programa, vários pontos ainda precisam ser aprofundados. No Rio de Janeiro, o programa é recente. É normal a necessidade de ajuste. Mas chamamos a atenção hoje para um aspecto central, que é o fato de que boa parte das imagens que estamos solicitando não foi gravada ou foi perdida ou apagada”, observa André.

Procurada pela Agência Brasil, a Secretaria de Estado de Polícia Militar apenas disse que não teve acesso ao relatório da DPRJ.

Letalidade policial em queda

De acordo com dados divulgados na semana passada pelo Instituto de Segurança Pública (ISP), as mortes por intervenção de policiais caíram 45% em janeiro no estado do Rio, em comparação com o mesmo mês de 2023. Pesquisadores têm levantado a hipótese de que a queda drástica tem relação com o avanço do programa de câmeras corporais.

“Acho que ainda não temos elementos suficientes para fazer essa correlação”, diz André. Embora acredite que o uso da câmera pode de fato demover o policial da ideia de cometer algum crime ou de atuar com uso excessivo da força, ele entende que a medida ainda precisa ser aprimorada para alcançar os melhores resultados.

“A gente teria que verificar, por exemplo, se o número de operações policiais que foram efetuadas nesse período também não foi menor na comparação com os períodos anteriores. Teríamos que fazer uma análise das regiões onde os índices de letalidade eram maiores e comparar com o que ocorreu agora nesse período. A análise deve ser bem mais minuciosa para a gente poder apontar realmente o que está acontecendo. Às vezes, a queda de letalidade policial em uma única região impacta nos dados gerais. E, nesse caso, seria um fenômeno mais regionalizado, sem muita relação com um programa espalhado pelo estado inteiro”.

Ele disse também que é importante avançar na medida até que todo o efetivo seja alcançado. “A meta é chegar a 100% dos policiais com câmeras corporais. Mas tão importante quanto a implementação das câmeras é que o modelo e a supervisão do programa sejam muito bons. Do contrário, a gente vai fazer um investimento alto e não vai ter o resultado esperado”.

Mais Médicos: 624 municípios vão receber mais 1,5 mil profissionais

Mais de 1,5 mil médicos intercambistas e brasileiros formados no exterior iniciam nesta segunda-feira (4) o primeiro módulo de acolhimento e avaliação do programa Mais Médicos. A previsão, de acordo com o Ministério da Saúde, é que os profissionais passem a reforçar o atendimento via Sistema Único de Saúde (SUS) em 624 municípios e 15 distritos sanitários indígenas de todas as regiões do país.

“Nesta edição, o módulo será realizado simultaneamente em Brasília e Belo Horizonte. A etapa, presencial e obrigatória para o início das atividades em saúde, incluirá os profissionais selecionados no edital regular e coparticipação, além dos direcionados para a saúde prisional, indígena e equipes do Consultório na Rua”, informou a pasta, por meio de nota.

O módulo conta com a participação de 1.515 médicos brasileiros com diploma do exterior e 82 estrangeiros. Após a conclusão da etapa, os profissionais se juntam aos médicos já em atividade pelo programa. Em 2023, o Mais Médicos contabilizava 28,2 mil vagas preenchidas em 82% do território nacional e 86 milhões de brasileiros beneficiados com o atendimento.

“Outro feito do programa foi ter chegado a 100% dos 34 distritos sanitários especiais indígenas (DSEIs) — um avanço importante diante da desassistência enfrentada por essa população nos últimos anos”, destacou o ministério.

Entenda

O módulo de acolhimento e avaliação é realizado em parceria com o Ministério da Educação. Os profissionais cumprem 160 horas de aulas de legislação, atribuições e funcionamento do SUS, ações de escopo da atenção primária, protocolos clínicos de atendimentos definidos pelo ministério e pelo Código de Ética Médica, além de protocolos e diretrizes específicas do estado e do município em que irão atuar.

Novidade

Em 2024, pela primeira vez, o programa abriu processo seletivo direcionado ao atendimento de populações em vulnerabilidade, como pessoas privadas de liberdade ou em situação de rua. Serão ofertadas ainda formações específicas para médicos intercambistas que vão trabalhar diretamente com grupos ou populações que exigem habilidades específicas.

“Agora, módulos e aulas específicas irão instruir os profissionais sobre abordagem em situações que envolvem violência, uso abusivo de álcool e outras drogas, infecções sexualmente transmissíveis (IST), saúde mental e outras temáticas”, detalhou a pasta.

Relatório denuncia execução sumária pela PM de SP na Operação Escudo

Relatório da Ouvidoria de Polícia de São Paulo e de organizações da sociedade civil denuncia cinco casos de execução sumária pela Polícia Militar, um caso de tentativa de execução, duas invasões ilegais de domicílio pelos militares e seis relatos de abusos policiais durante abordagens da Operação Escudo da PM, ocorridas de 7 a 9 de fevereiro, no litoral paulista. O documento foi entregue nesta segunda-feira (26) à Procuradoria Geral de Justiça do Estado de São Paulo.

O Relatório de Monitoramento de Violação de Direitos Humanos na Baixada Santista durante a Segunda Fase da Operação Escudo é baseado em depoimentos colhidos, em 11 de fevereiro, em Santos e São Vicente, no litoral paulista, pela Ouvidoria da Polícia e uma comissão formada por entidades civis e parlamentares.

A região da Baixada Santista é alvo da segunda fase da Operação Escudo da polícia de São Paulo desde o último dia 2. A operação foi lançada como reação à morte do policial militar da Rota Samuel Wesley Cosmo por criminosos da região. Até ontem (25), a operação já deixou 33 civis mortos em supostos confrontos contra a polícia.

“Entre as vítimas da Operação Escudo no período de análise do relatório, estão duas pessoas com deficiência física, sendo que uma delas se locomovia apenas com auxílio de muletas e a outra possuía 20% de visão em um único olho. Nos dois casos, os agentes policiais, que não utilizavam identificação, disseram ter sido ameaçados pelas vítimas, embora laudos médicos comprovem a incapacidade deste cenário”, destacou a Ouvidoria, em nota.

Entre os casos citados no documento está o de um motorista de aplicativo que relatou uma emboscada da polícia que resultou na morte de um passageiro, identificado como um suposto traficante. O carro foi parado por policiais da Rota, que pediram para o motorista sair do carro enquanto o passageiro permanecia no veículo.

“Um dos policiais contornou o carro e atirou no passageiro. Após o incidente, o motorista relatou ter sido ameaçado pelos policiais para manter a versão dos fatos conforme eles descreveram”, diz o relatório.

Segundo o documento, o homem parou de trabalhar como motorista de aplicativo devido ao trauma da execução, da abordagem policial e ao estado do seu carro, que ainda estava com marcas de balas e cheiro de sangue.

“De modo geral, a Operação Escudo não atingiu o seu objetivo de trazer uma sensação de segurança e mais do que isso, tem ampliado as vítimas. Agora, não só a sociedade civil é vítima de atos ilegais por parte da polícia, como a reação de bandidos têm gerado a morte de policiais e agentes da segurança pública”, destacou do presidente do Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana de São Paulo (Condepe), Dimitri Sales.

De acordo com Sales, a Operação Escudo revela o desastre da política de segurança pública em São Paulo e precisa ser freada imediatamente.

“No relatório que publicamos são muitos os casos de agressões, de violência, o que contrasta com a versão apresentada pelo governo do estado de que essas pessoas haviam sido mortas em tiroteio, em reação a alguma ação policial. Não é verdade. A Operação Escudo precisa ser extinta imediatamente”, acrescentou.

Além da Ouvidoria da Polícia, as organizações e parlamentares que participaram da comitiva e assinam o relatório são: Centro de Direitos Humanos e Educação Popular, Comissão Arns, Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil-SP, Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana, Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Instituto Sou da Paz, Instituto Vladimir Herzog, Mandato da Deputada Federal Juliana Cardoso, Mandato da Deputada Estadual Mônica Seixas, Mandato da Vereadora Débora Alves Camilo de Santos, Mandato do Deputado Estadual Eduardo Suplicy, Mandato do Vereador Tiago Peretto de São Vicente, Rede de Proteção e Resistência Contra o Genocídio da Juventude Preta, Pobre e Periférica, Rui Elizeu de Matos Pereira e Patrícia Bueno Resende.

Procurada, a Secretaria de Segurança Pública (SSP) informou em nota que as forças de segurança do Estado são instituições legalistas que atuam no estrito cumprimento do seu dever constitucional, e suas corregedorias estão à disposição para formalizar e apurar toda e qualquer denúncia.

“Os casos de Morte Decorrente de Intervenção Policial (MDIP) são consequência direta da reação violenta de criminosos à ação da polícia no combate ao crime organizado, que tem presença na Baixada Santista e já vitimou três policiais militares desde 26 de janeiro. A opção pelo confronto é sempre do suspeito, colocando em risco a vida do policial e da população”, diz o texto.

Pesquisa traz dicas sobre como reduzir desperdício de alimentos

Pesquisa feita em 24 países pela Food Law and Policy Clinic (FLPC), da Harvard Law School, mais antiga universidade de direito dos Estados Unidos, e a The Global FoodBanking Network (GFN), traz algumas recomendações sobre como os legisladores podem ajudar a reduzir o desperdício de alimentos e a insegurança alimentar no Brasil. As recomendações compõem o Atlas Global de Políticas de Doação de Alimentos, que analisa leis e políticas que afetam a doação de alimentos em todo o mundo.

A sondagem teve como interlocutor no Brasil o programa Sesc Mesa Brasil, do Serviço Social do Comércio (Sesc), que mediou os contatos dos pesquisadores de Harvard com os de outras instituições que trabalham com bancos de alimentos, para entender também a instância da política pública, até porque a configuração geopolítica brasileira é diferente da dos outros países, disse   nesta segunda-feira (26) à Agência Brasil a diretora de Programas Sociais do Sesc, Janaína Cunha.

Segundo Janaína, uma das recomendações é sobre a adoção de políticas locais e nacionais que exijam a doação de alimentos excedentes, e é exatamente nessa faixa de atuação que a entidade tem uma identificação mais profunda, devido ao programa Sesc Mesa Brasil. O programa recolhe o alimento que, a rigor, ia ser desperdiçado, e coloca na mesa de quem passa fome.

“E não se trata de um alimento que ia ser descartado por falta de condições de uso e consumo”. Ao contrário. Janaína explicou que, muitas vezes, o alimento talvez não esteja virtualmente em condições de ser comercializado, mas está próprio para consumo. “Esse alimento é absolutamente adequado para a mesa. O Brasil precisa aprender a conhecer melhor o potencial dos seus alimentos e não descartar cascas e partes importantes do alimento que podem ser usadas de outras maneiras”. O Sesc Mesa Brasil tem oficinas que ensinam a aproveitar melhor os alimentos.

A casca de banana, por exemplo, pode ser usada como farinha nutritiva e como insumo ou ingrediente para bolo. Com isso, além de não desperdiçar, a pessoa agrega valor nutricional ao alimento que está sendo preparado. O programa Sesc Mesa Brasil tem atualmente 3 mil empresas parceiras que são doadoras e 7 mil entidades assistidas, com média mensal de 2 milhões de pessoas atendidas. Além disso, tem uma rede de 95 bancos de alimentos, a maior rede privada da América Latina. “Estamos em uma frente muito importante, uma vez que a insegurança alimentar afeta 61,3 milhões de brasileiros, de acordo com dados oficiais do governo.”

Responsabilidade civil

Outra recomendação que dialoga com o programa do Sesc é promover a conscientização sobre as exclusões de responsabilidade civil para doadores de alimentos, como está previsto na Lei de Combate ao Desperdício. “Isso é importante porque muitas empresas não têm consciência de que podem fazer isso, ou seja, que elas podem doar”. Para Janaína, promover essa conscientização é fundamental. O Sesc sempre estimula os parceiros a divulgar suas ações e seu trabalho. “É importante reiterar que não se trata de generosidade, mas de entender o contexto social do país, de entender que este é um país que não necessita ter fome.”

O Brasil dispõe de espaço para plantar, promover a circulação dos insumos e da alimentação adequada. “Ensinar como se alimentar adequadamente também faz parte de superar ou de enfrentar a questão da insegurança alimentar”, destacou Janaína. Ao lidar com populações indígenas, o programa Sesc Mesa Brasil observa os hábitos alimentares locais de consumo. “Ainda fazemos essa adequação.”

Emissões

A perda e o desperdício de alimentos são responsáveis por até 10% das emissões globais de gases de efeito estufa. Segundo a pesquisa, o Brasil pode tomar medidas importantes para reduzir essas emissões e alimentar mais pessoas que lidam com a insegurança alimentar. Uma das políticas sugeridas é a implementação de um sistema padrão de rotulagem com duas datas, diferenciando de forma clara a data baseada na segurança e a baseada na qualidade. Essa diferenciação permitirá que ocorra a doação após a data baseada na qualidade, garantindo que os rótulos de data não resultem no descarte de alimentos que seriam seguros para consumo. Jogados em aterros, esses alimentos produzem metano, potente gás de efeito estufa.

Outra recomendação envolve aumentar a dedução fiscal aplicável a doações de alimentos e atividades associadas ao armazenamento, transporte e entrega de alimentos doados. O objetivo é garantir que os doadores e as associações de recuperação de alimentos recebam incentivos fiscais e informações apropriadas para participar da doação de alimentos.

A pesquisa recomenda também o desenvolvimento de oportunidades de subsídios governamentais para a infraestrutura de doação de alimentos, a fim de garantir que doadores e organizações de recuperação de alimentos possam manusear, transportar e distribuir os excedentes de forma mais eficaz e segura.

Compromisso

Janaína Cunha ressaltou, porém, que, como entidade privada, cujo programa Sesc Mesa Brasil existe há 15 anos, não há comprometimento da instituição, bem como do governo, de realizar as recomendações de Harvard. A pesquisa traça um panorama de como as políticas de doações de alimentos estão implementadas em cada nação. Lembrou que algumas das recomendações já estão no escopo do Sesc. “O que é pertinente à nossa alçada estamos cuidado para ter uma intensificação cada vez maior, até pelo cumprimento da nossa própria missão”, afirmou a diretora de Programas Sociais do Sesc.

Atualmente, o Brasil perde ou desperdiça 42% do seu abastecimento alimentar. “Este é um dado importante que o Sesc já vem monitorando e acompanhando ano a ano. É claro que, quando tem uma instituição como Harvard se preocupando com isso, a gente apoia, abraça”.

Dados oficiais indicam que a insegurança alimentar no Brasil atinge um quarto da população, incluindo várias gradações da fome, do ponto de vista nutricional e do ponto de vista da escassez. “Isso é muito grave para um país com as nossas dimensões e a capacidade de produção de alimentos. Essa é uma preocupação do Sesc”. São quase 50 milhões de quilos de alimentos distribuídos de forma valorosa, afirmou. Este é o volume de doações que o programa consegue efetivar. “Podemos fazer mais e faremos mais. E contamos com o empenho de todos, porque isso é uma cadeia”.

Políticas

A professora clínica de direito na Harvard Law School e diretora do corpo docente da FLPC, Emily Broad Leib, disse que as melhores políticas de doação de alimentos estão ao alcance das mãos, quando se trata de enfrentar as alterações climáticas e a fome.

As recomendações, desenvolvidas em parceria com o Sesc Mesa Brasil e em consulta com outros especialistas brasileiros, podem ser implementadas agora, muitas a baixo custo, para limitar os danos ambientais do desperdício de alimentos e ajudar os brasileiros a terem acesso a alimentos saudáveis, seguros e excedentes, disse Emily.

Da mesma forma, a presidente da The Global FoodBanking Network, Lisa Moon, ressaltou que a “extraordinária biodiversidade” torna o Brasil um país importante quando se trata de alimentação, recursos naturais e clima. Ela acredita que as recomendações propostas auxiliarão muitas pessoas no país.

Atlas Global

A pesquisa do projeto Atlas sobre 24 países em cinco continentes e também a União Europeia está disponível no site do Atlas Global de Políticas de Doação de Alimentos.

A Food Law and Policy Clinic fornece orientação sobre questões de ponta em relação a sistemas alimentares, ao mesmo tempo que envolve estudantes de direito na prática da legislação e política alimentar. A FLPC está empenhada em promover uma abordagem intersetorial, multidisciplinar e inclusiva ao seu trabalho, criando parcerias com instituições acadêmicas, órgãos governamentais, intervenientes do setor privado e a sociedade civil com experiência em saúde pública, ambiente e economia. O trabalho da FLPC procura melhorar o acesso a alimentos nutritivos, abordar os impactos dos sistemas alimentares e agrícolas relacionados com o clima, reduzir o desperdício de alimentos saudáveis e promover a justiça nos sistemas alimentares.

A Global FoodBanking Network, por sua vez, apoia soluções lideradas pelas comunidades para aliviar a fome em mais de 50 países. A instituição acredita que bancos de alimentos administrados por líderes locais são fundamentais para alcançar a meta de fome zero e construir sistemas alimentares resilientes.

Esperança de justiça une mães de vítimas da violência policial no Rio

A longa espera por justiça é uma realidade presente entre as mães de vítimas da violência policial do Rio de Janeiro. Deise Silva de Carvalho, coordenadora e fundadora do Núcleo de Mulheres vítimas da violência do Estado, perdeu o filho Andreu Luiz Silva de Carvalho, em 2008, na época com 17 anos. O adolescente estava internado no Centro de Triagem e Reabilitação (CRT) na Ilha do Governador, zona norte do Rio.

Segundo a mãe, Andreu foi submetido à tortura por uma hora e meia por seis agentes do sistema socioeducativo no CTR na Ilha do Governador.

“Não estou falando de um jovem que se encontrava vulnerável dentro da favela e tomou um tiro [dado] pela PM [Polícia Militar], mas de um jovem que se encontrava sob a tutela do Estado, que veio a óbito com traumatismo craniano, cortes contundentes, mandíbula deslocada, pescoço quebrado, deslocamento da retina dos olhos. Segundo depoimento dos jovens, Andreu foi torturado com um saco plástico sobre seu rosto”, contou Deise, sobre parte da violência sofrida pelo filho morto e pelo qual luta por justiça há 16 anos.

“No Brasil, não vivemos um estado democrático de direito e sim um estado de violação ao direito da dignidade humana desses jovens. Andreu deveria pagar dentro das margens da lei, e não este estado democrático decidir quem vai viver ou morrer”, afirmou. “O Estado cometeu um crime e deve pagar pelo seu ato criminoso”, acrescentou.

Fundadora do Grupo Mães de Manguinhos, Ana Paula luta há 10 anos pela punição dos responsáveis pela morte do filho Johnatha – Tomaz Silva/Agência Brasil

Há quase 10 anos, a fundadora do Grupo Mães de Manguinhos, Ana Paula Oliveira, luta pela punição dos envolvidos no crime que provocou a morte do filho Jhonatha, no dia 14 de maio de 2014, quando voltava da casa da namorada, às 16h30. Na época, o jovem tinha 19 anos e foi baleado com um tiro nas costas.

Segundo Ana Paula, o policial autor do disparo já respondia, naquele momento, por triplo homicídio e duas tentativas de homicídio, além de ter sido preso um ano antes por causa de outros crimes. “Fato é que ele vivia livre, leve e solto com a certeza da impunidade dentro da favela de Manguinhos, fazendo uma nova vítima que infelizmente foi o meu filho”, acrescentou Ana Paula.

O  julgamento do policial no Tribunal de Justiça do Rio estava previsto para 2 de fevereiro, mas foi transferido para 5 de março. “O que eu e minha família esperamos é que haja condenação”, afirmou.

Escuta Popular

Em busca da mudança do cenário de violência que as mães costumam vivenciar, a plataforma de Direitos Humanos Dhesca Brasil [Direitos Humanos, Econômicos, Sociais, Culturais e Ambientais], com apoio das organizações filiadas Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (Ibase) e Justiça Global, reuniu integrantes de movimentos sociais, defensores de direitos humanos, pesquisadores e familiares para a Escuta Popular sobre a Letalidade Policial e seus Impactos nas Infâncias Negras. O encontro foi no auditório do Ibase, na sede da Ação da Cidadania, na Gamboa, região portuária da capital.

A ideia era que histórias marcantes como as de Ana Paula e Deise fossem ouvidas. Para isso, segundo a diretora do Ibase, Rita Correia Brandão, mães de vítimas da violência policial foram convidadas a dar depoimento, que, ao fim, resultaram na carta compromisso com propostas para a resolução dos crimes. Rita destacou que o objetivo é implementar tais propostas de forma mais incisiva, mais comprometida.

Crianças correm atrás de bala, não são balas que correm atrás de crianças, diz Benilda Brito, do Coletivo de Mulheres Negras – Tomaz Silva/Agência Brasil

Como seguidora do Candomblé do Ketu, Benilda Brito, do Coletivo de Mulheres Negras de Belo Horizonte, que integra a plataforma Dhesca, evocou Ogum, orixá guerreiro e forte, para proteger o encontro. “É sob a proteção de Ogum que a gente está abrindo essa escuta para nós e para qualquer outra religião que as pessoas queiram”, enfatizou.

“Na nossa concepção africana, as crianças são as ibejis. As crianças correm atrás de bala, para chupar bala e comer doce, não são as balas que correm atrás de nossas crianças como a gente está vivendo hoje”, afirmou.

Benilda definiu a entidade como uma plataforma que denuncia violações e destacou que, na gestão atual, o coletivo tem sete mulheres negras na administração. “A gente vem adubando esperança em tanto tempo de morte. Sou Benilda Brito, mulher negra, lésbica, do axé, sou quilombola e venho carregando no meu corpo todas as violências ‘cotidiárias’ do racismo. É por isso que a gente está junto, por isso, que a gente luta tanto e conhece tanto a dor umas das outras. A gente sabe o que é ser mulher negra neste país”, desabafou.

Na defesa de que os casos de violações não podem ser esquecidos, Benilda lembrou um ditado africano. “‘A pessoa só morre quando é esquecida’. Nossos mortos têm voz e história e não serão esquecidos”, afirmou.

Lembrança

No início do encontro, antes da apresentação, que emocionou os presentes, o artista Dudu Neves, integrante do coletivo Nós da Rua, pediu a participação de todos, para que durante um minuto, aplaudissem e cada um lembrasse os nomes de vítimas da violência policial. Logo depois, por meio da poesia Conto Ancestral, falou de ancestralidade, de violência contra corpos pretos, de violação de direitos, da morte da vereadora Marielle Franco e de povos originários do Brasil.

“Querem me silenciar, minha história apagar, minha ancestralidade ocultar. Querem me botar para trabalhar, salário mínimo ganhar, pra mim tentar me sustentar, na crise desse país. Bara [orixá mensageiro divino, guardião dos templos, casas e cidades], que zele pela minha vida, me livre da dura da viatura, do homem do saco, do capitão do mato e das balas perdidas. É que assim se foram tantas vidas, sonhos mutilados, por causa da melanina!”, disse Dudu Neves, citando um dos versos do poema.

Relatos

Dentro da programação da Escuta Popular, Ana Paula e Deise atuaram como porta-vozes de outras mães, transmitindo aos presentes os depoimentos delas e dos pais de vítimas da violência policiais. Um dos depoimentos foi o de José Luiz Faria da Silva, pai de Maicon, que há 28 anos busca por justiça pela morte do filho de apenas 2 anos. A criança brincava na porta de casa em Acari, zona norte do Rio, quando foi baleada.

Deise contou que nenhum dos policiais militares envolvidos foi levado à Justiça e que o caso do menino foi registrado na época como auto de resistência. “O termo é usado por policiais que alegam estar se defendendo de matar alvo suspeito em trocas de tiros nas favelas e periferias. Maicon tinha 2 anos de idade e entrou no chamado auto de resistência, onde o poder judiciário, o Ministério Público e os nobres representantes da lei encontraram essa brecha. Estamos falando de uma criança de apenas 2 anos de idade”, ressaltou Deise.

Ela acrescentou que, no Brasil, o crime já prescreveu mas está em avaliação da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, que “infelizmente para a dor e desespero desta família ainda não deu uma sentença condenatória ao Brasil por este crime hediondo”.

Outro caso apresentado foi o de Sandra Gomes, mãe de Matheus Gomes, que junto a mais 27 pessoas, perdeu a vida no dia 6 de maio de 2021, na mais letal operação policial do Rio, conhecida como Chacina do Jacarezinho, na zona norte da cidade. Segundo testemunhas, no momento em que foi baleado, Mateus estava sentado em uma cadeira porque estava tendo uma convulsão. Se Matheus estivesse vivo, teria completado 24 anos na quarta-feira (21).

Sandra conta que a vida de outro filho, Felipe, de 17 anos, se transformou com a tragédia. Felipe sofre com as lembranças da morte do irmão, que viu ferido, e há três anos não passa da 1ª série do ensino médio. A preocupação com o filho mais novo, João Paulo, de 10 anos, também é grande.

Como outras mães de vítimas da violência policial, Sandra vive fazendo tratamento de saúde e, além das questões psicológicas, sofre com o agravamento da diabetes. Além disso, depois da chacina, ela viu diminuir o movimento de sua atividade comercial, com a venda de churrasquinho, que tinha com o marido. Agora, restou apenas um trailer.

“Dentro de mim, eu tenho esperança de justiça, e a gente vem porque não pode deixar que esse sistema, que nos oprime todos os dias, nos silencie. A gente vem para continuar a dar voz para nossos filhos”, disse Sandra à Agência Brasil.

Melisanda Trentin, da da área de Justiça Socioambiental e Climática da Justiça Global, durante evento sobre letalidade policial – Tomaz Silva/Agência Brasil

Segundo a coordenadora da área de Justiça Socioambiental e Climática da Justiça Global, Melisanda Trentin, além da presença de familiares das vítimas, o encontro da escuta popular teve participação de representantes do poder legislativo do Rio, do Ministério Público Federal e da Defensoria Pública, o que é importante para o surgimento de medidas que possam alterar o andamento lento e muitas vezes sem resultado dos processos na Justiça.

“Essa escuta faz parte de uma missão da plataforma Dhesca, assim como a gente já fez outras missões. O objetivo é a denúncia mesmo, para que se chegue à resolução desses casos, na reparação, no acesso à Justiça. Enfim, tratar isso não como casos individuais ou isolados, mas como um fenômeno que acontece no Rio de Janeiro, muito marcado pelo racismo nas favelas”, enfatizou.

Melisanda Trentin disse que o que unifica, desde a chacina da Candelária, que já tem 30 anos, e a de Acari, com 33 anos, até casos do ano passado e deste ano, é justamente a política aplicada, que ela chama de “genocida e racista” da polícia do Rio de Janeiro. “A gente espera mudança na abordagem policial. Tudo isso é resultado da falida guerra às drogas, do racismo, e a gente espera que a polícia tenha outro tipo de atuação, sem blindados [veículos das polícias], sem helicópteros [que fazem voos rasantes sobre as comunidades], que as investigações tenham prosseguimento e de fato se chegue à justiça.”

Ao fim do encontro, realizado terça-feira, foi divulgada uma carta compromisso com propostas de medidas para mudar a forma de tratamento dos crimes. “É uma carta ampla, que abarca todas as possibilidades que cada um dos casos, cada uma das chacinas apresentarem”, observou a diretora do Ibase, Rita Correia Brandão.

Motoboy negro agredido com faca é indiciado por agressão

O motoboy Éverton Henrique Goandete da Silva, de 40 anos, foi indiciado por lesão corporal leve e desobediência policial pela Polícia Civil do Rio Grande do Sul após o episódio em que ele próprio foi agredido com um canivete no pescoço pelo aposentado Sérgio Kupstaitis, de 71 anos, no bairro Rio Branco, em Porto Alegre (RS). O caso ocorreu no último sábado (17) e gerou revolta na internet, no dia seguinte, com a repercussão das imagens.

De acordo com manifestações de testemunhas e vídeos postados nas redes sociais, policiais da Brigada Militar prenderam o motoboy que havia chamado a polícia após ter sofrido tentativa de homicídio, por parte do idoso, uma pessoa branca, que portava a faca usada no crime. Enquanto prendia o motoboy, o agressor conversava tranquilamente com os policiais.

Sérgio Kupstaitis também deve responder na Justiça, mas apenas pelo crime de lesão corporal leve. De acordo com a investigação, cujos resultados foram divulgados nesta sexta-feira (23), em uma coletiva de imprensa, os dois envolvidos tinham desavenças desde o ano passado e que o episódio foi uma agressão mútua. O caso foi remetido ao Poder Judiciário, que decidirá sobre oferecer ou não denúncia contra os indiciados.

“Caso o Ministério Público ou o próprio Poder Judiciário entenda que houve um crime mais grave, o inquérito policial retorna à delegacia para novas diligências. Porém, entendemos que o fato está devidamente elucidado por parte da Polícia Civil”, afirmou o subchefe da Polícia Civil do Rio Grande do Sul, delegado Heraldo Chaves Guerreiro.

A repercussão do caso mobilizou autoridades. O ministro dos Direitos Humanos e da Cidadania, Silvio Almeida, afirmou que o caso retrata o racismo institucionalizado ainda presente no país, e criticou a ação da Brigada Militar. Já o governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite, determinou abertura de sindicância, concluída nesta sexta.

Ação da Brigada Militar

Já o resultado da sindicância da Brigada Militar não apontou indícios de crime militar ou de crime comum de parte dos policiais militares envolvidos na ocorrência. Em apresentação aos jornalistas, o corregedor-geral da BM, coronel Vladimir da Rosa, explicou as conclusões.

“Não houve agressão física perpetrada pelos policiais militares. Todas as 21 testemunhas que foram trazidas voluntariamente ou se apresentaram ratificaram que não houve nenhum tipo de agressão física por parte dos policiais em relação aos presos e que não houve qualquer agressão verbal, nem qualquer tipo de discriminação”, disse o coronel.

No entendimento da Corregedoria, houve uma “transgressão da disciplina militar” porque os policiais não acompanharam Sérgio Kupstaitis até sua casa para vestir uma camiseta e buscar documento. O autor da agressão com canivete também não foi conduzido à delegacia em um camburão, mas no banco de trás da viatura, diferentemente do motoboy.  

Agora, a Corregedoria tem oito dias para notificar os quatro policiais do resultado da sindicância. Uma vez notificados, eles têm o prazo de 15 dias para apresentar as defesas. Depois disso, conforme o entendimento da Corregedoria, eles poderão cumprir um período de detenção. Como não houve indiciamento pela abordagem realizada pelos policiais, o caso não será remetido à Justiça comum ou à Justiça Militar.

Se for do entendimento dos seus comandos, os PMs podem voltar imediatamente ao trabalho nas ruas. Dois deles haviam sido deslocados para trabalhos administrativos até o final da sindicância, informou a BM.

Governo do Rio fecha acordo no STF sobre apreensão de adolescentes

O governo do estado do Rio de Janeiro e a prefeitura da capital fluminense entraram em acordo com o Ministério Público Federal (MPF) e a Defensoria Pública estadual nesta quarta-feira (21), para que não haja mais apreensão e condução de adolescentes para a delegacia. 

A apreensão para fins de averiguação estava prevista na Operação Verão, promovida por estado e município nas praias cariocas. O MPF e a defensoria acionaram o Supremo Tribunal Federal (STF) contra a medida

Um acordo foi alcançado em conciliação mediada pelo ministro Cristiano Zanin, do Supremo Tribunal Federal (STF), nesta quarta-feira. 

As autoridades fluminenses concordaram com o restabelecimento da decisão da 1ª Vara de Infância, Juventude e Idoso do Rio, que havia suspendido as apreensões pelos agentes de segurança. Essa decisão havia sido derrubada pela presidência do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ), mas agora volta a vigorar de modo parcial.

Pelo acordo, as apreensões somente ficam autorizadas em hipótese de flagrante de ato infracional ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária.

Outro ponto do entendimento prevê um prazo de 60 dias para apresentar um plano de segurança pública voltado para a repressão de adolescentes em conflito com a lei, bem como um plano de abordagem social que não viole os direitos constitucionais e legais de crianças e adolescentes, especialmente o direito de ir e vir.

Argumentos

Para apreender os adolescentes, as autoridades estaduais e municipais alegaram que não poderia deixar que jovens em situação de vulnerabilidade vagassem pelas ruas “sem identificação e desacompanhados”, em respeito ao próprio Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). 

Em resposta, o MPF e a defensoria apontaram que o Supremo já se debruçou sobre o assunto e decidiu serem inconstitucionais as apreensões sem flagrante delito. A decisão do STF reforçou que nenhuma criança pode sofrer interferências arbitrárias ou ilegais na liberdade de locomoção. LINK 3

Governo do Rio fecha acordo para não aprender jovens sem flagrante

O governo do estado do Rio de Janeiro e a prefeitura da capital fluminense entraram em acordo com o Ministério Público Federal (MPF) e a Defensoria Pública estadual nesta quarta-feira (21) para que não haja mais apreensão e condução de adolescentes para a delegacia sem flagrante ou decisão judicial. 

A apreensão para fins de averiguação estava prevista na Operação Verão, promovida por estado e município nas praias cariocas. O MPF e a defensoria acionaram o Supremo Tribunal Federal (STF) contra a medida

Um acordo foi alcançado em conciliação mediada pelo ministro Cristiano Zanin, do Supremo Tribunal Federal (STF), nesta quarta-feira. 

As autoridades fluminenses concordaram com o restabelecimento da decisão da 1ª Vara de Infância, Juventude e Idoso do Rio, que havia suspendido as apreensões pelos agentes de segurança. Essa decisão havia sido derrubada pela presidência do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ), mas agora volta a vigorar de modo parcial.

Pelo acordo, as apreensões somente ficam autorizadas em hipótese de flagrante de ato infracional ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária.

Outro ponto do entendimento prevê um prazo de 60 dias para apresentar um plano de segurança pública voltado para a repressão de adolescentes em conflito com a lei, bem como um plano de abordagem social que não viole os direitos constitucionais e legais de crianças e adolescentes, especialmente o direito de ir e vir.

Argumentos

Para apreender os adolescentes, as autoridades estaduais e municipais alegaram que não poderia deixar que jovens em situação de vulnerabilidade vagassem pelas ruas “sem identificação e desacompanhados”, em respeito ao próprio Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). 

Em resposta, o MPF e a defensoria apontaram que o Supremo já se debruçou sobre o assunto e decidiu serem inconstitucionais as apreensões sem flagrante delito. A decisão do STF reforçou que nenhuma criança pode sofrer interferências arbitrárias ou ilegais na liberdade de locomoção.