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No 3º dia da Conferência de Cultura produtores destacam desafios

A 4ª Conferência Nacional de Cultura (4ª CNC), realizada pelo Ministério da Cultura, entrou no terceiro dia nesta quarta-feira (6). De acordo com o MinC, o setor representa 3,11% do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro e emprega mais de 7,5 milhões de pessoas.

O encontro tem mobilizado gestores, trabalhadores e fazedores da cultura, a sociedade e o governo de todo o país para discutir o que deve ser incluído no próximo Plano Nacional de Cultura. O PNC orienta o poder público na formulação de políticas culturais e destinação de recursos ao setor.

Até sexta-feira, salas temáticas reúnem centenas de delegados que votam textos que tratam do desenvolvimento de programas e projetos; exigência de reconhecimento e valorização dos profissionais, acesso a editais de cultura para destinação de recursos, patrocínios e parcerias; promoção e preservação da diversidade cultural existente no Brasil e do desenvolvimento da economia criativa.

A ministra da Cultura, Margareth Menezes, avalia que após mais de dez anos sem a realização de uma conferência nacional, a participação social de quem, de fato, está envolvido com o segmento, tem sido valiosa nesta conferência. “As pessoas que estão aqui estão credenciadas por suas comunidades, por suas representações nos estados. E as conferências temáticas servem para a gente, governo, ouvir. Para acolher o nosso novo plano nacional de cultura é necessário fazer essa escuta. Entendo que foi muito ruim ficar mais de 10 anos sem conferência.”

Eixos temáticos

No Eixo 6 da Conferência Nacional de Cultura, que trata do Direito às Artes e Linguagens Digitais, houve pedido de garantia de fornecimento permanente de internet. Além da popularização dos softwares livres ou abertos em ambientes gratuitos e de cooperação, que podem ser baixados e usados por qualquer pessoa, diferentemente dos softwares comercializados. Nestes, o pagamento da propriedade intelectual ao desenvolvedor, pode tornar inviável o acesso de usuários.

Os presentes ainda solicitaram editais de digitalização de acervos para que documentos e livros não se percam na história e facilitem o acesso à informação.

A socióloga Laurene Ataíde, que coordena a Associação Folclórica Cordão de Pássaro Colibri de Outeiro, da Vila de Icoaraci, no Pará, pede a volta dos telecentros para integrar os moradores ao mundo e reavivar Pontos de Cultura Viva existentes na ilha. Devido às décadas de experiência como mestre de cultura popular, Laurene foi chamada de conselheira da ancestralidade digital.

Ela detalha que a estrutura da associação conta com biblioteca, sala de aula de dança, mas que houve uma descontinuidade dos serviços e sucateamento de equipamentos. “É preciso que esse projeto retorne. Tiraram até a nossa internet. Precisamos que seja assegurada a permanência da internet e que nenhum governo que entre venha retirar.”

A rede do Mídia Índia , que reúne 188 jovens indígenas de diferentes povos, capacitados para fazer a ponte entre a tecnologia e ancestralidade e religiosidade, também teve voz nas discussões.  O idealizador do veículo, o jornalista e DJ Eric Marky Terena, quer, por meio da comunicação, mostrar ao mundo a luta dos indígenas brasileiros até mesmo contra as fake news que afetam os povos. “É muito difícil a gente trazer essa inteligência artificial enquanto ainda estamos nos primeiros passos das comunidades tradicionais. Como falar sobre inteligência artificial, que consegue identificar nosso gosto de roupa, nosso gosto musical, mas não consegue identificar crimes de desmatamento dentro das comunidades indígenas?”, questiona o ativista. E acrescenta “Lutamos muito contra fake news que desconstroem o que somos de verdade e impõem uma inverdade de que queremos progresso e integração, como ouvimos nos últimos anos.”

No 5º eixo da conferência, que trata de Economia criativa diante de desafios como a informalidade, os produtores culturais reivindicam financiamento de projetos, profissionalização e acesso a mercados.

O representante da sociedade civil Anderson Barros pediu que os produtores culturais sejam capacitados a entenderem os editais públicos de financiamento de projetos, pois, segundo ele, a complexidade dos editais dificulta o amplo acesso e inscrição de projetos para recebimento de recursos.

“Sempre são as mesmas pessoas que sabem como conseguir deixar o projeto eficiente para os editais, porque não há uma política de formação. Temos que cobrar os governos nas esferas municipais, estaduais e federal para que os editais sejam mais participativos, que garantam acesso ao jovem, aos produtores iniciantes. É preciso formação para que todo mundo possa ter condições de ter experiência”.

Formalização

Para aumentar a formalização dos trabalhadores do setor, o secretário de Cultura da Central Única dos Trabalhadores (CUT) SP, Carlos Fábio (Índio), citou como avanço o projeto de lei que regulamenta a atividade de motoristas de aplicativos. Índio adiantou que a entidade sindical tem cobrado soluções do Ministério da Cultura e que a conferência nacional é um importante canal para discutir a questão. “O papel do trabalhador é central no universo da cultura. Vamos continuar tentando viabilizar a questão dentro das esferas necessárias para poder andar, como aconteceu com os trabalhadores de aplicativos, e vamos discutir as propostas nas convenções coletivas e acordos coletivos.”

A produtora cultural e diretora da Secretaria de Cultura de Salvador (BA) Maylla Pita defendeu pensamentos mais objetivos e metas mais abrangentes para o Plano Nacional de Cultura (PNC). “A lei nacional Aldir Blanc fortalece a política nacional do Cultura Viva e os pontos de cultura, em uma interlocução. E é importante que a gente pense em um plano de desenvolvimento da economia criativa que estabeleça arranjos institucionais, inclusivos e federativos, entre os entes. Isso é imperativo”.

Empresa do RN vence leilão de marcas da Chocolates Pan 

A empresa Real Solar, de Goianinha, no Rio Grande do Norte, venceu o leilão das 37 marcas da Chocolate Pan, tradicional fabricante de doces como o Cigarrinho de Chocolate, o Chocolápis e as Moedas de Chocolate. O lance vencedor foi de R$ 3,7 milhões. Doze empresas participaram do certame, que teve 25 lances. O resultado agora precisa receber a homologação da Justiça.

“O leilão da marca foi um processo muito disputado e transparente, que atraiu o interesse de vários licitantes. A empresa vencedora terá a chance de explorar o enorme potencial dessa marca tão tradicional e querida pelos brasileiros. Agora o resultado depende de aprovação do juiz”, afirmou o leiloeiro oficial, Erick Teles. 

De acordo com o administrador judicial da falência da marca, Fábio Rodrigues Garcia, da ARJ Administração e Consultoria Empresarial, o leilão da marca Pan foi importante para o processo de falência da empresa. “O valor arrecadado vai ajudar a quitar parte das dívidas com os credores, especialmente vamos conseguir quitar todos os débitos com os funcionários. Além disso, o leilão vai possibilitar que a marca Pan retorne ao mercado, com uma nova gestão, uma nova proposta, gerando mais emprego e renda”, disse. 

A Chocolate Pan, criada em 1935, em São Caetano do Sul, no ABC Paulista, funcionou até 2023, quando a Justiça decretou a falência da empresa após um processo de recuperação judicial iniciado em 2020. O prédio onde eram fabricados os principais produtos da Pan, na cidade do ABC Paulista, já havia sido leiloado no final de 2023 e arrematado pela Cacau Show.

Um dos produtos, ícone da empresa, o Cigarrinho de Chocolate, popularizado na década de 1940, foi descontinuado após a proibição no país, na década de 1990, da fabricação de produtos que simulassem cigarros ou derivados. 

Rede pública passará a contar com 117 emissoras de TV e 155 de rádio 

A Rede Nacional de Comunicação Pública (RNCP), coordenada pela Empresa Brasil de Comunicação (EBC), passará a contar com emissoras de 11 universidades estaduais e municipais. Os acordos foram assinados nesta quarta-feira (6), em evento no Palácio do Planalto. 

A parceria vai permitir a integração de mais 15 canais de TV e 20 canais de rádio à Rede, que passará a contar no total com 117 emissoras de televisão e 155 de rádio. 

O presidente da EBC, Jean Lima, em evento de expansão RNCP universidades estaduais. Foto:  Rafa Neddermeyer/Agência Brasil

A interiorização dos conteúdos, a garantia do acesso à informação e o fortalecimento da comunicação pública serão os principais benefícios dos acordos firmados hoje, segundo o diretor-presidente da EBC, Jean Lima. 

Ele destacou a importância do respaldo político da Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República (Secom) para o fortalecimento do sistema público de comunicação.  

“A gente pretende com isso alcançar a população, interiorizar o nosso conteúdo e dar à população acesso ao conteúdo regional, às informações e, com isso, combater as fake news e fortalecer a democracia”

Ele também chamou a atenção para a necessidade de discutir o financiamento da comunicação pública no país, especialmente com a regulamentação da Contribuição para o Fomento da Radiodifusão Pública (CFRP). 

“É muito importante termos recursos para investimentos na rede, para a produção de conteúdo e para construir um sistema público efetivo de comunicação. Todos os entes precisam estar juntos nessa luta para a regulamentação da CFRP e para conseguir garantir que esses recursos que são oriundos de impostos possam ir realmente para o fortalecimento do sistema de comunicação.” 

A diretora-geral da EBC, Maíra Bittencourt, destacou que as universidades estaduais e municipais já têm em sua missão a educação, a cultura e as questões regionais e trazem isso para a comunicação da EBC. “Eles trazem os temas ligados à comunicação pública, a cultura regional, a diversidade, os múltiplos sotaques e o que está acontecendo em termos de jornalismo em cada um dos municípios espalhados Brasil afora.”  

O secretário-executivo da Secom, Ricardo Zamora, disse que a expansão da RNCP é o projeto próprio mais importante da Secretaria.

“Uma das funções da comunicação pública é o fomento à produção local. O que nós objetivamos ao fim desse processo é a democratização da comunicação e o incentivo à produção local de qualidade, reproduzindo a qualidade e a diversidade da produção cultural brasileira”, destacou Zamora, que representou o ministro da Secom, Paulo Pimenta. 

No ano passado, a EBC já havia assinado acordos de cooperação com a Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes) e 31 universidades federais e, em uma segunda etapa, com 16 institutos federais de ensino. 

Universidades

Nesta quarta-feira, foram firmados acordos com a Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN), a Fundação Universidade Estadual do Piauí (Fuespi), o Centro Universitário de Mineiros (Unifimes), a Universidade de Rio Verde (UniRV), a Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro (UENF), a Universidade do Estado de Mato Grosso (Unemat), a Universidade Estadual do Centro-Oeste (Unicentro), a Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS), a Universidade Estadual do Vale do Acaraú (UVA), a Universidade Estadual do Oeste do Paraná (Unioeste) e a Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). 

O presidente da Associação Brasileira dos Reitores das Universidades Estaduais e Municipais (Abruem), Odilon Máximo, comemorou a visibilidade que os conteúdos produzidos pelas universidades poderá ter com a parceria.

“Nós não vamos ser só receptoras de informação, mas também os conteúdos produzidos por nossas universidades vão estar dentro da Rede, podendo ser retransmitidos por todos os estados do Brasil”, disse o presidente da entidade, que representa 45 universidades estaduais e municipais 

Para o presidente da Associação Brasileira de Televisão Universitária, Fabiano Pereira, a assinatura dos acordos é mais um marco na reconstrução da comunicação pública brasileira. “Nós esperamos que seja uma reconstrução que permaneça e que nunca mais seja ameaçada”. 

RNCP

A Rede Nacional de Comunicação Pública (RNCP), prevista na Lei de Criação da EBC, é formada por emissoras de TV e Rádio que atuam por todo o país. A EBC é responsável pela formação da Rede e investe no fortalecimento e expansão da rede.

A EBC foi criada em 2007 como responsável pelo sistema público de comunicação federal, incluindo a rede pública de comunicação de rádio e televisão. A EBC gerencia as rádios Nacional e MEC, a Radioagência Nacional, a Agência Brasil e a TV Brasil, além do veículo governamental Canal Gov, e do programa Voz do Brasil.

STF suspende julgamento sobre descriminalização do porte de drogas

O Supremo Tribunal Federal (STF) suspendeu nesta quarta-feira (6) o julgamento sobre a descriminalização do porte de drogas. A data para retomada do julgamento não foi definida.

A análise do caso foi interrompida por um pedido de vista feito pelo ministro Dias Toffoli. Antes da interrupção, o julgamento está 5 votos a 3 para a descriminalização somente do porte de maconha para uso pessoal.

O julgamento estava suspenso desde agosto do ano passado, quando o ministro André Mendonça também pediu mais tempo para analisar o caso.

Na tarde de hoje, Mendonça votou contra a descriminalização do porte de drogas para consumo pessoal.

Ao votar contra a descriminalização, o ministro disse que a questão deve ser tratada pelo Congresso. “Vamos jogar para um ilícito administrativo. Qual autoridade administrativa? Quem vai conduzir quem? Quem vai aplicar a pena? Na prática, estamos liberando o uso”, questionou. 

Em seguida, o ministro Nunes Marques também votou contra a descriminalização.

Ao divergir da maioria, o ministro argumentou que o questionamento sobre a criminalização do porte, previsto na Lei de Drogas, não tem “consistência jurídica”, e a descriminalização só pode ser alterada pelo Congresso.

“Não considero que a leitura abstrata do direito fundamental à intimidade tenha alcance de proibir a tipificação penal pelo legislador”, afirmou. 

Em 2015, quando o julgamento começou, os ministros começaram a analisar a possibilidade de descriminalização do porte de qualquer tipo de droga para uso pessoal. No entanto, após os votos proferidos, a Corte caminha para restringir somente para a maconha.

Conforme os votos proferidos até o momento, há maioria para fixar uma quantidade de maconha para caracterizar uso pessoal, e não tráfico de drogas, que deve ficar entre 25 e 60 gramas ou seis plantas fêmeas de cannabis. A quantidade será definida quando o julgamento for finalizado.

Nas sessões anteriores, já votaram nesse sentido os ministros Gilmar Mendes, Edson Fachin, Luís Roberto Barroso, Alexandre de Moraes e Rosa Weber (aposentada).

Cristiano Zanin votou contra a descriminalização, mas defendeu a fixação de uma quantidade máxima de maconha para separar criminalmente usuários e traficantes.

Flagrante

Durante o julgamento, o ministro Alexandre de Moraes fez um aparte e destacou as consequências da eventual decisão da Corte a favor da descriminalização.

“A polícia não poderá entrar no domicílio de alguém que esteja com maconha para uso próprio, porque não é mais flagrante. Também não permite que a pessoa fume maconha dentro do cinema”, afirmou.

Não é legalização

Na abertura da sessão, o presidente do STF, ministro Luís Roberto Barroso, destacou que o Supremo não está discutindo a legalização das drogas. O ministro explicou que a lei definiu que o usuário não vai para a prisão, e a Corte precisa definir a quantidade de drogas que não será considerada tráfico. Barroso também destacou que o tráfico de drogas precisa ser combatido.

“Não está em discussão no STF a questão da legalização de drogas. É uma compreensão equivocada que foi difundida por desconhecimento e tem se difundido, às vezes, intencionalmente”, afirmou.

Entenda

O Supremo julga a constitucionalidade do Artigo 28 da Lei das Drogas (Lei 11.343/2006), que cria a figura do usuário, diferenciado do traficante, que é alvo de penas mais brandas. Para diferenciar usuários e traficantes, a norma prevê penas alternativas de prestação de serviços à comunidade, advertência sobre os efeitos das drogas e comparecimento obrigatório a curso educativo para quem adquirir, transportar ou portar drogas para consumo pessoal.

A lei deixou de prever a pena de prisão, mas manteve a criminalização. Dessa forma, usuários de drogas ainda são alvos de inquérito policial e processos judiciais que buscam o cumprimento das penas alternativas.

No caso concreto que motivou o julgamento, a defesa de um condenado pede que o porte de maconha para uso próprio deixe de ser considerado crime. O acusado foi detido com três gramas de maconha.

Projeto de regulação de motoristas de aplicativos frusta especialistas

O projeto de lei que pretende regular a atividade dos motoristas de aplicativo foi criticado por especialistas do mundo do trabalho. A Agência Brasil ouviu três pesquisadores do tema, com análises que vão desde a “pior projeto do mundo” até avaliações como “foi o possível de se avançar” em uma mesa de negociação com empresas de tecnologia.

Apresentado nessa semana após negociação entre governo, empresas e sindicatos, o texto cria a figura do “trabalhador autônomo por plataforma”, não prevê vínculo empregatício entre motorista e empresas, estipula um valor mínimo para remuneração por hora de corrida, inclui os motoristas obrigatoriamente na Previdência Social com contribuição dos empregadores e determina a negociação via acordos coletivos.

O professor de Direito do Trabalho da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Rodrigo Carelli, afirmou que o projeto é “trágico” e “desastroso”. Diz ainda que é pior do que o que foi estabelecido na Califórnia, nos Estados Unidos, ou na Espanha, Alemanha e Portugal, além de considerar pior também do que está em discussão na União Europeia.

Para o professor, que também é procurador do trabalho, a proposta cria uma figura híbrida, que não é nem autônomo, nem trabalhador.

“Ele cria uma figura que é um nem-nem. Ele pega tudo de ruim da subordinação e tudo de ruim do trabalho autônomo, que é a ausência de direitos”, afirma.

Carelli argumenta que o projeto mantém a subordinação do trabalhador à empresa ao prever o poder da plataforma fiscalizar e punir os motoristas, o que violaria a noção de autonomia.  Ao mesmo tempo, destacou que o projeto não garante os direitos previstos no artigo 7º da Constituição, como 13ª salário, participação nos lucros e Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS).

“Nós estamos criando uma categoria que não tem direitos fundamentais. Nós estamos criando uma subcategoria de cidadãos. Cidadãos que, apesar de serem subordinados à empresa, e o projeto de lei garante essa subordinação, não garante a autonomia”, completou. Para Carelli, o único “pequeno avanço” do projeto seria a obrigatoriedade de as empresas contribuírem com a Previdência Social.

O professor da URFJ acredita que a aprovação desse projeto terá repercussão em todo mundo do trabalho no país. “O que está acontecendo no Brasil é uma desconstrução dos direitos no mundo do trabalho. Conseguiram incutir na cabeça das pessoas que realmente não tem que ter direitos, que as empresas fazem somente o bem e que cada um tem que se entender também como empreendedor. É a ideologia dominante”, finalizou.

Posição semelhante têm a professora de Direito da PUC de Minas, Ana Carolina Paes Leme, autora do livro De Vida e Vínculos: As Lutas dos Motoristas Plataformizados por Reconhecimento, Redistribuição e Representação no Brasil.

Para a doutora em direito do trabalho, a comissão tripartite que criou o texto não garantiu a efetiva participação dos trabalhadores. Isso porque lideranças foram excluídas da mesa, outras não entendiam sobre esse tipo de trabalho e alguns motoristas ficaram sem rendimento enquanto estavam nas negociações.

Do outro lado, as empresas eram representadas por advogados com ótimas remunerações. “Não foi acordo. Não houve paridade de participação. Foi uma luta de estilingues contra drones a laser”, comentou. Paes Leme também defende que o único ponto positivo foi a inclusão das empresas na contribuição da previdência.

Foi o possível

Por outro lado, o historiador social do trabalho Paulo Fontes, apesar de reconhecer que o projeto não iguala os motoristas de aplicativo aos demais trabalhadores regidos pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), pondera que houve avanços dentro de um contexto de negociação com empresas de aplicativo.

Para o coordenador do Laboratório de Estudos de História dos Mundos do Trabalho (Lehmt) da UFRJ, a situação atual é pior do que a que o projeto pretende criar.

“Do ponto de vista da construção dos motoristas de aplicativo como trabalhadores, é óbvio que o projeto não traz todas as demandas de vários setores. Agora, isso é fruto de uma negociação e, dentro de uma negociação, você ganha ao mesmo tempo que você cede. Então, acho que no cômputo geral houve avanços”, destacou.

Fontes cita a regulamentação de horários máximos de trabalho, a previsão de acordos coletivos e a obrigatoriedade das plataformas de pagarem a previdência como pontos positivos. “A situação atual é, obviamente, de precariedade total e de domínio absoluto das empresas de plataforma sobre os trabalhadores”, completou.

Acordos coletivos

A determinação de se realizar negociações por meio acordo coletivos entre sindicatos e empresas é apresentado como um avanço por representantes da categoria, que argumentam que, atualmente, as empresas sequer sentam na mesa com os trabalhadores. 

A professora de direito do trabalho da PUC de Minas, Ana Carolina Paes Leme, pondera que não há paridade de forças entre empresas de tecnologia e sindicatos de motoristas que possa  garantir avanços por meio das negociações coletivas.

“Acordo coletivo entre autônomo e empresa? Não vai dar certo. Só tem negociação coletiva em setores de empregados: metalúrgicos, professores, enfermeiros, etc”, afirmou. Ana Carolina explicou que os sindicatos de motoristas não têm dinheiro, nem estrutura. Além disso, diz que as empresas se aproveitam do desemprego estrutural do Brasil e sabem que os trabalhadores não vão parar.

“Todas as manifestações de motoristas de aplicativos tiveram baixa adesão. Só os sindicatos de São Paulo e do Rio Grade do Sul têm mais força porque tem a CUT [Central Única dos Trabalhadores] e a UGT [União Geral dos Trabalhadores] por trás deles. Mas, mesmo assim, eles não têm dinheiro algum pra pagar publicitário. Já a Uber gasta R$ 200 milhões com publicidade. As forças são muito desiguais para sentar em mesa de negociação”, destacou.

A professora também acrescentou que a jornada de até 12 horas é um grande retrocesso. “Esse PL é o retorno ao período anterior à 1934”, acrescentou. A professora da PUC Minas ainda pondera que a possibilidade de recorrer de uma exclusão da plataforma injusta não traz garantias para os trabalhadores. “O recurso será para quem? Para a própria empresa que excluiu? Isso se chama sistema medieval de solução de conflitos”, completou.

Comparação internacional

O professor de Direito do Trabalho da UFRJ, Rodrigo Carelli, comparou o projeto apresentado no Brasil ao que foi aprovado na Califórnia, em Portugal, na Espanha e o que prevalece na Alemanha. Carelli lembrou que em Portugal e na Espanha os motoristas têm o vínculo empregatício garantido por lei e na Alemanha, apesar de não existir uma lei semelhante, garante aos motoristas de aplicativo os direitos dos demais trabalhadores

“Até a legislação da Califórnia, que foi escrita e financiada pelas plataformas, ela é mais benéfica aos trabalhadores do que a brasileira, apesar de ser muito similar. Lá tem seguro obrigatório de saúde e de acidentes para os trabalhadores. Tudo isso pago integralmente pela empresa”, afirmou.

Projeto de regulação de motoristas de aplicativos frustra especialistas

O projeto de lei que pretende regular a atividade dos motoristas de aplicativo foi criticado por especialistas do mundo do trabalho. A Agência Brasil ouviu três pesquisadores do tema, com análises que vão desde a “pior projeto do mundo” até avaliações como “foi o possível de se avançar” em uma mesa de negociação com empresas de tecnologia.

Apresentado nessa semana após negociação entre governo, empresas e sindicatos, o texto cria a figura do “trabalhador autônomo por plataforma”, não prevê vínculo empregatício entre motorista e empresas, estipula um valor mínimo para remuneração por hora de corrida, inclui os motoristas obrigatoriamente na Previdência Social com contribuição dos empregadores e determina a negociação via acordos coletivos.

Preofessor Rodrigo de Lacerda Carelli – Faculdade Nacional de Direito/Divulgação

O professor de Direito do Trabalho da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Rodrigo Carelli, afirmou que o projeto é “trágico” e “desastroso”. Diz ainda que é pior do que o que foi estabelecido na Califórnia, nos Estados Unidos, ou na Espanha, Alemanha e Portugal, além de considerar pior também do que está em discussão na União Europeia.

Para o professor, que também é procurador do trabalho, a proposta cria uma figura híbrida, que não é nem autônomo, nem trabalhador.

“Ele cria uma figura que é um nem-nem. Ele pega tudo de ruim da subordinação e tudo de ruim do trabalho autônomo, que é a ausência de direitos”, afirma.

Carelli argumenta que o projeto mantém a subordinação do trabalhador à empresa ao prever o poder da plataforma fiscalizar e punir os motoristas, o que violaria a noção de autonomia.  Ao mesmo tempo, destacou que o projeto não garante os direitos previstos no artigo 7º da Constituição, como 13ª salário, participação nos lucros e Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS).

“Nós estamos criando uma categoria que não tem direitos fundamentais. Nós estamos criando uma subcategoria de cidadãos. Cidadãos que, apesar de serem subordinados à empresa, e o projeto de lei garante essa subordinação, não garante a autonomia”, completou. Para Carelli, o único “pequeno avanço” do projeto seria a obrigatoriedade de as empresas contribuírem com a Previdência Social.

O professor da URFJ acredita que a aprovação desse projeto terá repercussão em todo mundo do trabalho no país. “O que está acontecendo no Brasil é uma desconstrução dos direitos no mundo do trabalho. Conseguiram incutir na cabeça das pessoas que realmente não tem que ter direitos, que as empresas fazem somente o bem e que cada um tem que se entender também como empreendedor. É a ideologia dominante”, finalizou.

Posição semelhante têm a professora de Direito da PUC de Minas, Ana Carolina Paes Leme, autora do livro De Vida e Vínculos: As Lutas dos Motoristas Plataformizados por Reconhecimento, Redistribuição e Representação no Brasil.

Para a doutora em direito do trabalho, a comissão tripartite que criou o texto não garantiu a efetiva participação dos trabalhadores. Isso porque lideranças foram excluídas da mesa, outras não entendiam sobre esse tipo de trabalho e alguns motoristas ficaram sem rendimento enquanto estavam nas negociações.

Do outro lado, as empresas eram representadas por advogados com ótimas remunerações. “Não foi acordo. Não houve paridade de participação. Foi uma luta de estilingues contra drones a laser”, comentou. Paes Leme também defende que o único ponto positivo foi a inclusão das empresas na contribuição da previdência.

Foi o possível

Por outro lado, o historiador social do trabalho Paulo Fontes, apesar de reconhecer que o projeto não iguala os motoristas de aplicativo aos demais trabalhadores regidos pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), pondera que houve avanços dentro de um contexto de negociação com empresas de aplicativo.

 Professor Paulo Fontes – Paulo Fontes/Arquivo Pessoal

Para o coordenador do Laboratório de Estudos de História dos Mundos do Trabalho (Lehmt) da UFRJ, a situação atual é pior do que a que o projeto pretende criar.

“Do ponto de vista da construção dos motoristas de aplicativo como trabalhadores, é óbvio que o projeto não traz todas as demandas de vários setores. Agora, isso é fruto de uma negociação e, dentro de uma negociação, você ganha ao mesmo tempo que você cede. Então, acho que no cômputo geral houve avanços”, destacou.

Fontes cita a regulamentação de horários máximos de trabalho, a previsão de acordos coletivos e a obrigatoriedade das plataformas de pagarem a previdência como pontos positivos. “A situação atual é, obviamente, de precariedade total e de domínio absoluto das empresas de plataforma sobre os trabalhadores”, completou.

Acordos coletivos

A determinação de se realizar negociações por meio acordo coletivos entre sindicatos e empresas é apresentado como um avanço por representantes da categoria, que argumentam que, atualmente, as empresas sequer sentam na mesa com os trabalhadores. 

A professora de direito do trabalho da PUC de Minas, Ana Carolina Paes Leme, pondera que não há paridade de forças entre empresas de tecnologia e sindicatos de motoristas que possa  garantir avanços por meio das negociações coletivas.

“Acordo coletivo entre autônomo e empresa? Não vai dar certo. Só tem negociação coletiva em setores de empregados: metalúrgicos, professores, enfermeiros, etc”, afirmou. Ana Carolina explicou que os sindicatos de motoristas não têm dinheiro, nem estrutura. Além disso, diz que as empresas se aproveitam do desemprego estrutural do Brasil e sabem que os trabalhadores não vão parar.

“Todas as manifestações de motoristas de aplicativos tiveram baixa adesão. Só os sindicatos de São Paulo e do Rio Grade do Sul têm mais força porque tem a CUT [Central Única dos Trabalhadores] e a UGT [União Geral dos Trabalhadores] por trás deles. Mas, mesmo assim, eles não têm dinheiro algum pra pagar publicitário. Já a Uber gasta R$ 200 milhões com publicidade. As forças são muito desiguais para sentar em mesa de negociação”, destacou.

A professora também acrescentou que a jornada de até 12 horas é um grande retrocesso. “Esse PL é o retorno ao período anterior à 1934”, acrescentou. A professora da PUC Minas ainda pondera que a possibilidade de recorrer de uma exclusão da plataforma injusta não traz garantias para os trabalhadores. “O recurso será para quem? Para a própria empresa que excluiu? Isso se chama sistema medieval de solução de conflitos”, completou.

Comparação internacional

O professor de Direito do Trabalho da UFRJ, Rodrigo Carelli, comparou o projeto apresentado no Brasil ao que foi aprovado na Califórnia, em Portugal, na Espanha e o que prevalece na Alemanha. Carelli lembrou que em Portugal e na Espanha os motoristas têm o vínculo empregatício garantido por lei e na Alemanha, apesar de não existir uma lei semelhante, garante aos motoristas de aplicativo os direitos dos demais trabalhadores

“Até a legislação da Califórnia, que foi escrita e financiada pelas plataformas, ela é mais benéfica aos trabalhadores do que a brasileira, apesar de ser muito similar. Lá tem seguro obrigatório de saúde e de acidentes para os trabalhadores. Tudo isso pago integralmente pela empresa”, afirmou.

“Clientes nos confundem com garçons”, reclama entregador de aplicativo

Sofrer episódios de agressão, ofensa e humilhação são rotina no cotidiano de entregadores de aplicativo. A percepção foi relatada à Agência Brasil por trabalhadores das duas maiores cidades do país, Rio de Janeiro e São Paulo. O caso mais recente de repercussão foi o do entregador da plataforma iFood Nilton Ramon de Oliveira, de 24 anos, baleado por um cliente policial militar (PM) na segunda-feira (4), em Vila Valqueire, zona oeste do Rio de Janeiro.

O motivo do desentendimento entre Nilton e o cabo Roy Martins Cavalcanti foi a exigência do cliente para que o pedido fosse entregue na porta da casa do PM. Nilton foi baleado na perna e está internado no Hospital Municipal Salgado Filho. O quadro dele é grave. O cabo da PM se apresentou a uma delegacia, prestou depoimento e foi liberado. A Polícia Civil investiga o caso, e a Corregedoria da PM abriu um procedimento interno.

O iFood reforça que os entregadores não têm obrigação de levar os pedidos até a porta dos apartamentos. “A entrega tem que ser realizada no primeiro ponto de contato, ou seja, no portão da residência ou na portaria do condomínio. O que aconteceu com o Nilton é inaceitável e condenável”, diz a gerente de Impacto Social do iFood, Tatiane Alves.

Segundo ela, a empresa entrou em contato com a família do entregador e se colocou à disposição para todo tipo de apoio. “Espero que o caso não fique impune e que o Nilton se recupere muito em breve. Vamos acompanhar de perto esse caso”, afirma.

Passado escravocrata

O entregador Bruno França trabalha no centro do Rio de Janeiro. Ele contou que todos os dias acontecem casos de ofensas e desentendimentos entre clientes e entregadores. Para ele, a raiz do problema tem relação com o passado escravocrata do país.

“Eu acho que a história de como foi construído o Brasil permeia até hoje. As reverberações do que aconteceu no passado influenciam a nossa vida. Não tenho dúvida de que isso tem ligação com o racismo. Muitos clientes, dentro de uma visão histórica escravocrata brasileira, acreditam que a gente tem que subir até o apartamento, colocar um babador e colocar comida na boca deles”, diz o entregador.

Bruno França conta que os desentendimentos com clientes são frequentes – Vinícius Ribeiro/Divulgação

Outra queixa de Bruno é que a plataforma, na avaliação dele, não deixa claro para o cliente que os entregadores não são obrigados a fazer a entrega na porta do apartamento.

“Todo dia acontece isso [desentendimento] porque muitos clientes entendem que a gente é obrigado a subir”. Ele cita ainda que, eventualmente, há um descumprimento da lei em vigor na cidade do Rio que proíbe a distinção no uso de elevadores entre social e de serviço.

O entregador também aponta a falta de direitos trabalhistas como um dos motivos para a categoria ser alvo de agressões e ofensas.

“Marginalização em relação ao mundo do trabalho. Não temos direito algum. A gente vive em uma sociedade violenta. Dentro dessa perspectiva desses agressores, eles nos veem como alguém sem direitos e que pode ser agredido, pode ser violado.”

Garçons

Rafael Simões faz entregas na cidade de Niterói, região metropolitana do Rio. Ao conversar com a reportagem da Agência Brasil, pouco antes do meio-dia, ele avisou: “Vamos rapidinho porque está chegando o horário de pico, sabe como é, né?”

Ele compartilha da opinião de que o passado do país tem a ver com a forma atual como entregadores são tratados por alguns clientes.

“O cliente acha que é obrigação [entregar no andar]”, reclama Rafael Simões, que trabalha em Niterói – Rafael Simões/Arquivo Pessoal

“A gente vive nessa sociedade assim. O pessoal está realmente pensando que a gente é escravo”, diz.

“O cliente acha que é obrigação [entregar no andar]. O cliente está confundindo entregador com garçom. Nós não somos garçons”, reclama Rafael.

Rafael Simões conta que muitas vezes o entregador opta por deixar o pedido na porta do cliente para evitar problemas e também não perder tempo esperando a pessoa descer – muitas vezes com pressa nenhuma. “Às vezes, para evitar o problema, a gente sobe. Mas não é obrigação.”

Agressões

A comparação de Bruno e Rafael com o tempo de escravidão ganha mais significância ao se lembrar o caso de Max Ângelo dos Santos. Em abril de 2023, o entregador negro foi “chicoteado” com uma coleira de cachorro por uma mulher branca que se sentiu incomodada com a presença de entregadores em uma calçada, em São Conrado, bairro nobre na zona sul do Rio de Janeiro.

Em outro caso de repercussão, também em São Conrado, um entregador compartilhou nas redes sociais a abordagem de uma mulher que desceu até a portaria do prédio com um cutelo, depois de ele ter se recusado a subir para fazer a entrega.

Produtividade

Fora do Rio de Janeiro, desentendimentos e ofensas também são frequentes, afirma o presidente da Associação dos Motofretistas de Aplicativo e Autônomos do Brasil (AMABR), Edgar Franscisco da Silva, conhecido como Gringo. Outro ponto de atrito recorrente, segundo ele, é quando há demora para a chegada do pedido.

Gringo atribui a recusa da entrega na porta do apartamento a uma busca por produtividade, uma vez que, pelos aplicativos de delivery, os trabalhadores ganham por quantidade de entregas.

“Se a pessoa já está na portaria na hora que o entregador chega, ele entrega, e o aplicativo já toca imediatamente para ele pegar outra corrida. Quando ele tem que subir até o apartamento, ele perde uma ou duas entregas, que vão fazer falta na casa deles”, explica. Gringo lembra que há prédios em que a pessoa anda centenas de metros até chegar ao cliente.

Exército de reserva

O presidente da AMABR contextualiza que a mudança de comportamento dos entregadores, que antes faziam a entrega na porta do domicílio, sofreu alterações mais profundamente durante a pandemia, quando muita gente foi forçada a trabalhar como meio de sustento. Além de mais gente fazendo delivery, os aplicativos acirravam a concorrência por cliente baixando valores da taxa de entrega.

Conhecido com Gringo, Edgar Francisco da Silva diz que os aplicativos de entrega têm à sua disposição um “exército de reserva” – Edgar Francisco da Silva/Arquivo

“Eles baixaram o preço para ter mais clientes, mas quem sentiu isso foi o entregador”, observa.

“Devido à baixíssima remuneração, os entregadores estão tendo outro comportamento que é ‘não vou subir, porque eu corro risco de ser multado, de a minha moto ser roubada, e não estou ganhando para isso, não vale a pena.”

Gringo nota ainda que algumas pessoas se veem superiores aos trabalhadores de delivery.

“Eu não sei explicar esse comportamento, mas tem pessoas que se sentem superiores e, em qualquer situação que não for do jeito que elas gostariam, já partem para esse lado da humilhação e da agressão”, lamenta o presidente da associação.

Ele conta que já vivenciou situações em que teve que ser transportado em elevador que carregava lixo. “Aquele fedor insuportável”. Além disso, já levou um empurrão de uma cliente.

“Isso impacta, você fica com aquilo na cabeça. A chance de você depois sofrer um acidente de moto porque estava com a cabeça naquilo é gigante”, relata.

Gringo complementa que o fato de ter muita gente buscando trabalho como entregador faz com que empresas e plataformas não deem a devida atenção a reclamações dos trabalhadores.

“O entregador fica muito submisso ao cliente, e o cliente aproveita disso. O cliente sabe que é só ele falar ‘o entregador foi mal-educado’. O aplicativo não quer nem escutar o entregador, ele não quer perder o cliente, então bloqueia o entregador porque ele tem um exército de reserva para fazer as entregas”, diz Gringo.

Campanha

A iFood faz campanhas e parcerias, inclusive com o Secovi (sindicato que reúne administradoras de imóveis), para conscientizar a população e diminuir as chances de desentendimentos entre clientes e entregadores. No carnaval, houve a campanha #BoraDescer, sobre a necessidade de o cliente ir até o entregador no ponto de contato (portaria ou portão da residência).

A plataforma, que tem 250 mil entregadores ativos, oferece, desde junho 2023, uma central de apoio jurídico e psicológico, que fornece assistência para entregadores vítimas de discriminação, agressão física, ameaça, assédio, abuso e/ou violência sexual. A central é uma parceria com o grupo Black Sisters in Law, formado por advogadas negras.

Apenas em 2024, a central recebeu 13.576 denúncias de ameaça e agressão física. Desde 2023, dos casos que resultaram em processos e atendimentos pela central de apoio, 26% se referem a casos de agressão física, 23%, de ameaça e 22%, de discriminação. De todos os casos atendidos, 16% estão relacionados a subir ou não nos apartamentos.

Legislação

Um levantamento do Instituto Fogo Cruzado, especializado na coleta de informações relacionadas à violência armada, aponta que ao menos 26 entregadores motoboys foram baleados em serviço na região metropolitana do Rio desde 2017. Desses, 21 morreram. Os dados não apontam se eram especificamente ligados a plataformas e incluem vítimas de operações policiais.

“Precisamos continuar falando dessa profissão que é tão desprezada, que coloca muita gente em risco e sustenta tantas famílias no Brasil”, observa Carlos Nhanga, coordenador regional do Instituto Fogo Cruzado no Rio de Janeiro.

“Esses trabalhadores precisam de proteção que assegurem os direitos ao emprego e os direitos da vida também. É preciso criar políticas que assegurem o vínculo empregatício mais seguro, além de punir agentes de segurança que usem da violência para impor as suas vontades. É inadmissível que um policial militar armado ameace cidadãos dessa forma e fique por isso mesmo”, critica o coordenador.

Nhanga lembra que o país discute formas de regulamentação do trabalho por meio de plataformas. Na segunda-feira (4), o governo enviou ao Congresso um projeto de lei que regula a atividade de motorista de aplicativos. 

*Colaborou Vinicius Lisboa.

Servidoras do DF passam a ter direito a licença menstrual remunerada

A partir desta quarta-feira (6), servidoras públicas do Distrito Federal que sofrem com dores intensas durante o período menstrual passam a ter direito a licença de até 3 dias, a cada mês, do trabalho.

O afastamento está previsto na Lei Complementar 1.032/2024, promulgada pela Câmara Legislativa do Distrito Federal, e foi incluído na legislação que rege os servidores públicos civis, das autarquias e das fundações públicas locais. 

Pela lei, a licença é concedida após ser atestada por um médico do trabalho ou ocupacional. As funcionárias não terão desconto salarial.

Para a maioria das mulheres, os sintomas do período menstrual são de intensidade de leve a mediana. Estima-se que para aproximadamente 15% delas a menstruação apresenta sintomas graves, como dores abdominais, fortes cólicas, endometriose e enxaqueca, que afetam o desempenho profissional.

Autor da lei, o deputado distrital Max Maciel (PSOL) ressalta que a nova lei vem para acolher essa parcela da população. O Distrito Federal é a primeira unidade da Federação a aprovar licença menstrual remunerada, segundo a assessoria do parlamentar.

“A promulgação da lei é um primeiro passo para que a gente comece a discutir a saúde menstrual. Além de reconhecer e tratar as mulheres que têm sintomas graves associados ao fluxo menstrual, é uma oportunidade para difundir informações a toda a população. Assim como em outros países, esperamos que a nossa lei seja semente para adoção da licença para todas as pessoas que menstruam”, disse o parlamentar.

Caberá ao governo do Distrito Federal definir a aplicação da lei nos órgãos por meio de regulamentação.

Brasil

Atualmente, não existe lei nacional a respeito do tema. No Pará, projeto semelhante foi analisado, mas acabou vetado pelo governo estadual.

Outros países

A maioria dos países que garante algum tipo de afastamento remunerado para mulheres durante a menstruação ficam na Ásia, entre eles Japão, Taiwan, Indonésia e Coreia do Sul.

Em fevereiro de 2023, a Espanha tornou-se a primeira nação europeia a autorizar a ausência das mulheres com fortes cólicas menstruais. A lei espanhola não estipula o número de dias de afastamento e considera a cólica menstrual como “incapacidade temporária”.  

Em abril, a França começou a avaliar a possibilidade de estabelecer uma licença menstrual indenizada no país.

Baixada Santista tem violência institucional crônica, diz Defensoria

As comunidades da Baixada Santista têm vivenciado situação de violência institucional crônica, por meio de reiterados abusos policiais. A conclusão é da Defensoria Pública de São Paulo, a partir de relatos colhidos nas regiões afetadas pela violência policial praticada no âmbito das Operações Escudo e Verão, do governo do estado.

“[Os abusos] vão desde xingamentos, a invasões de domicílio, uso inadvertido e desproporcional de armamento de fogo pesado em meio a aglomeração de pessoas, limitação de circulação no espaço público até mortes praticadas por intervenção policial com características de execução sumária”, diz relatório da Defensoria produzido a partir de visitas realizadas em três comunidades, no dia 22 de fevereiro deste ano, e divulgado ontem (5).

No total, foram ouvidas 24 pessoas atingidas pela violência institucional na Vila Teimosa e Vila Sonia, em Praia Grande; Vila dos Pescadores, em Cubatão; e Vila dos Criadores, em Santos. Além disso, o órgão tem recebido relatos de violência policial pelo atendimento virtual.

Desde o ano passado, a Baixada tem sido alvo de grandes operações policiais, após policiais militares serem mortos na região. O número de pessoas mortas por PMs em serviço na região aumentou mais de cinco vezes nos dois primeiros meses deste ano. Em janeiro e fevereiro, os agentes mataram 57 pessoas, segundo dados divulgados pelo Ministério Público de São Paulo (MPSP). No primeiro bimestre de 2023, foram registradas dez mortes por policiais em serviço na região. 

“Os relatos aqui mencionados, longe de constituir casos isolados de desvios de conduta individuais de policiais, ilustram o quadro contínuo e sistemático de violações de direitos fundamentais dos moradores das comunidades periféricas da Baixada Santista”, apontaram as defensoras públicas Fernanda Balera, Cecilia Ferreira e Surrailly Youssef, no relatório.

A situação, segundo avaliaram, é fruto tanto da precariedade de planejamento nas ações policiais que levem em consideração a proteção de seus moradores, quanto de uma cultura permissiva de variadas violações de direitos humanos e desrespeito em relação a população residente de favelas e territórios periféricos.

A Defensoria verificou ainda a maior vulnerabilidade de crianças e adolescentes aos excessos do uso da força policial. Houve relatos descrevendo mudança da dinâmica de vida, incluindo a frequência escolar, de crianças e adolescentes, especialmente com limitações do direito ao brincar e maior exposição a abordagens policiais seletivas.

Depoimentos

Mãe de uma criança de 12 anos com paralisia cerebral, uma das testemunhas contou que as crianças não têm mais liberdade de ficar na rua ou brincar no parquinho e que os policiais militares não respeitam os menores de idade.

“Faz duas semanas, estava voltando da escola com meu filho quando iniciou um tiroteio. Na sequência, eu estava passando por uma rampa, um policial da rota impediu que eu continuasse a passar pela rampa. Ele me disse que se eu quisesse eu que esperasse passar o tiroteio ou que me deitasse no chão”, relatou aos defensores.

Outra testemunha contou que policiais militares apontaram fuzis ao seu filho de dez anos e mais três amigos, que estavam brincando em frente a uma associação de moradores, em Praia Grande. A moradora contou também que policiais sem identificação e armados com fuzis invadiram a comunidade e entraram em algumas casas.

Segundo a testemunha, uma mulher foi abordada, pegando-a pelas costas e sentaram-na no chão, na chuva. Usando palavrões, os agentes pediam que ela informasse onde era o ponto do tráfico. Como respondeu que não sabia, quebraram o celular dela, jogaram gasolina em seu rosto e a mandaram subir sem olhar para trás.

Segundo a Defensoria, os relatos colhidos descrevem buscas domiciliares generalizadas, em que não há situação de flagrante delito ou determinação judicial, ou seja, fora dos limites constitucionais e legais impostos à atividade de segurança pública. Uma mulher relatou que, em fevereiro, estava em casa lavando roupas quando os policiais entraram em sua casa e colocaram o fuzil na cara da sua filha de 10 anos.

“Eles chamam de operação, mas é matação. Eles chegam atirando e falam que é troca de tiro. Eles entram na comunidade, invadem o barraco (…). As crianças estão apavoradas, pois a polícia entra com tudo e com a viatura. Desconsideram que tem crianças e idosos”, relatou outra moradora. “Para eles é uma favela perigosa, mas para nós é uma comunidade”, acrescentou.

Segundo relato de uma jovem de 17 anos, policiais estavam correndo atrás de um menino e entraram na casa da mãe dela procurando por ele. Perguntaram se elas o conheciam e, quando responderam que não porque tinham acabado de se mudar, os agentes as ameaçaram.

“Os policiais começaram a questionar e intimidar, falando que iam verificar se ela tinha se mudado mesmo, falaram que iam ‘forjar’ – ‘vou colocar 1kg de droga na sua casa’. Eles dizem que quem está em casa ‘tá guardado’, mas não está. A gente tá mais seguro na rua, com outras pessoas vendo, do que em casa”, contou a jovem.

Transparência

O Núcleo Especializado de Cidadania e Direitos Humanos do órgão avalia ainda que é necessário e urgente uma maior transparência, controle e responsabilidade em relação às operações policiais no local, mediante o fornecimento de informações às instituições do Sistema de Justiça, sendo a Defensoria Pública e o Ministério Público.

Entre tais informações, deveria constar o responsável pela ordem da operação, o comandante da execução e fiscalização e o objetivo da operação policial; a identificação das pessoas detidas e mortas – policiais ou não; as buscas domiciliares realizadas, com ou sem mandado judicial; a relação de policiais militares que usam câmeras operacionais portáteis, bem como o acesso às imagens em sua integralidade nas ocorrências em que haja morte em decorrência de intervenção policial.

A Agência Brasil solicitou posicionamento à Secretaria de Segurança Pública de São Paulo e aguarda posicionamento.

Sánchez: há dúvida sobre cumprimento de direito humanitário por Israel

O presidente da Espanha, Pedro Sánchez, afirmou, nesta quarta-feira (6), que seu país está buscando soluções para o conflito entre Israel e o grupo palestino Hamas, na Faixa de Gaza, e defendeu o fim das hostilidades “de qualquer natureza” e o reconhecimento dos dois Estados: palestino e israelense.

Sánchez disse que, a partir desses pilares, pode trabalhar com o governo brasileiro pela paz na Palestina, que hoje é composta pela Faixa de Gaza e pela Cisjordânia, territórios com acesso controlado por Israel.

Em declaração à imprensa no Palácio do Planalto, ao lado do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o presidente espanhol disse que “há dúvidas” de que Israel esteja cumprindo o direito internacional humanitário. Sánchez está em visita oficial ao Brasil e foi recebido por Lula, hoje, na sede do governo.

“Nós defendemos, desde o primeiro momento, que Israel tinha, claro, o direito de se defender de um ataque terrorista, que nós condenamos, e de cobrar a urgente libertação dos reféns que ainda estão sendo mantidos pelo grupo terrorista Hamas. Só que, ainda mais importante, tudo isso com respeito ao direito internacional, principalmente o direito internacional humanitário”, afirmou.

“E penso que, diante de 30 mil mortes e de uma devastação que está deixando a Faixa de Gaza em uma situação que vai exigir décadas para a reconstrução e para voltar aos níveis de crescimento econômico e de bem-estar anteriores ao ataque, níveis por si só que já eram paupérrimos, nós temos dúvidas razoáveis de que Israel esteja cumprindo o direito internacional humanitário”, acrescentou Sánchez.

No dia 7 de outubro de 2023, o Hamas, que controla a Faixa de Gaza, lançou um ataque surpresa de mísseis contra Israel e com a incursão de combatentes armados por terra, matando cerca de 1,2 mil civis e militares e fazendo centenas de reféns israelenses e estrangeiros.

Em resposta, Israel vem bombardeando várias infraestruturas do Hamas, em Gaza, e impôs cerco total ao território, com o corte do abastecimento de água, combustível e energia elétrica. Os ataques israelenses já deixaram cerca de 30 mil mortos, a maioria mulheres e crianças, além de feridos e desabrigados. A guerra entre Israel e Hamas tem origem na disputa por territórios que já foram ocupados por diversos povos, como hebreus e filisteus, dos quais descendem israelenses e palestinos.

Já o presidente Lula reafirmou que o governo de Israel promove um genocídio na Faixa de Gaza e voltou a criticar a inação do Conselho de Seguranças das Nações Unidas. Para ele, é preciso haver uma pausa humanitária no conflito no enclave palestino para que a população civil seja assistida.

“O Brasil condenou o ato terrorista do Hamas, mas não podemos deixar de condenar a atuação do governo de Israel com relação aos palestinos. É uma coisa brutal. O conselho tem obrigação de tomar uma atitude e abrir um corredor humanitário para permitir que cheguem alimentos, água, remédio e que as pessoas sejam tratadas”, disse. “Não é possível continuar a matança”, afirmou.