Skip to content

438 search results for "mim"

Estado do futuro precisa de políticas de transformação, diz secretária

Não dá para falar em metas estratégicas e em futuro sem planejamento, e este é um fator que necessita ser intensificado para o fortalecimento do Estado, disse a secretária executiva da Casa Civil da Presidência da República, Miriam Belchior, que participou, nesta terça-feira (23), do segundo dia do encontro States of the Future, na sede do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), no centro do Rio.

Segundo Miriam, o Estado do futuro precisa ser capaz de formular para o país metas de transformação econômicas, sociais, democráticas e ambientais, relacionadas a todos os desafios contemporâneos. “Estabelecer objetivos de médio e longo prazo. Por isso, é necessário que o Estado tenha condições de desenvolver as capacidades dos cidadãos, das empresas e dele mesmo.”

A secretária disse que algumas metas, como o desafio do clima, extrapolam os limites dos países e que, para enfrentá-lo, as demais nações têm que cumprir sua parte. “Claramente é uma meta que não depende, no caso aqui, apenas do Brasil. Depende de uma conjunção de esforços internacionais para conseguir o objetivo de combater os efeitos do clima”, afirmou.

Para ela, o Estado em geral e o Estado do futuro, que está no foco das discussões do encontro, deve também ser capaz de desenvolver seu papel estratégico de instrumento de ação coletiva de uma nação para elevar o conjunto da sua população ao máximo de direitos proporcionados pela riqueza nacional, obtida por uma economia de mercado, mas plenamente desenvolvida e integrada às cadeias globais.

Todos os países em que, nas últimas décadas, o Estado conseguiu garantir esse patamar superior de desenvolvimento e de dignidade e direitos à população, trilharam diferentes caminhos, mas todos com um ponto em comum: o Estado desempenhou papel fundamental para alcançar tais objetivos, disse Miriam, acrescentando que qualquer dos asiáticos que se pegue tem esse traço.

De acordo com a secretária da Casa Civil, este é um momento singular em que a necessidade de um Estado do futuro entrou de forma importante na agenda pública global. Ela citou declarações da ministra da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos, Esther Dweck, na abertura do encontro, de que a relevância do Estado voltou a ser reconhecida. “O Estado voltou à moda. Sabemos que, na verdade, nunca saiu de cena, muito menos nos países que mais favoreceram externamente a agenda do seu enfraquecimento”, disse ontem Esther Dweck.

Para Miriam Belchior, o mundo vive uma combinação de incertezas e tensões disruptivas e simultâneas, que implicam desafios em escala planetária. “Para cada um de nós, para todos nós, coletivamente, e sobretudo para os estados nacionais que têm que enfrentar essa combinação de incertezas e tensões.” Ela destacou desafios como o da crise climática, que coloca em risco o planeta; a busca frenética por desenvolvimento econômico em meio à disputa entre polos econômicos globais; o crescimento das desigualdades sociais no mundo, inclusive em países desenvolvidos; além da crescente precariedade e informalidade do mercado de trabalho, que resultam na vulnerabilidade do trabalhador.

A secretária destacou ainda o receio de ataques permanentes à democracia no mundo e a existência de um “questionamento brutal” da capacidade do Estado em prover serviços a partir de dois elementos principais: a insuficiência da sua base de financiamento e a escalada de transformação digital que estabeleceu um padrão de atendimento não alcançado pelo Estado.

“Todos esses desafios entre muitos outros testam simultaneamente a capacidade dos Estados nacionais. É nesse momento que nos encontramos e aqui estamos discutindo como lidar com tudo isso. Do meu ponto de vista, o modelo de estado mínimo preconizado pelo liberalismo econômico nos seus vários matizes não tem como responder a esses enormes desafios”, afirmou Miriam Belchior. Para ela, momentos como a pandemia mostraram que cada vez mais o Estado é importante. “Não me parece que menos Estado possa dar conta dessa realidade tão desafiadora.”

Arco da Restauração

Tereza Campello, diretora Socioambiental do BNDES – Arquivo/Agência Brasil

 

A diretora Socioambiental do BNDES, Tereza Campello, destacou a importância da presença do Estado para tratar das necessidades das populações, lembrada no primeiro dia do encontro. Segundo Tereza, essa importância foi enfatizada na fala de todo mundo. “Isso esteve presente em todas as falas com mais ou menos detalhes, e uma das coisas que ficou muito afirmada é que não aceitamos esse papel acanhado de atuar nas falhas do mercado, nós nos colocamos aqui como promotores do desenvolvimento e do direito.”

Na opinião de Tereza Campello, nenhum dos países – ricos, pobres ou em desenvolvimento – está preparado para enfrentar as tragédias e as mudanças climáticas. “A tragédia já está contratada:  o que a gente dizia na década de 90 e no início dos anos 2000 que iria evitar. Nós já topamos 1,5°C que tentávamos evitar. Portanto, não vamos poder preparar o Estado para enfrentar esse desafio.”

Na área de combate aos efeitos das mudanças climáticas, Tereza detalhou o projeto do BNDES chamado de Arco da Restauração. “Assumimos essa missão e essa tarefa de construirmos um projeto gigantesco. Seja pela escala ou impacto que pretende gerar, diria que o projeto se enquadra em uma das missões do país, que é reconstruir a Amazônia.”

“A ideia [é] da Amazônia como uma das grandes soluções para o planeta. A maior parte dos países vem discutindo como reduzir suas emissões. Temos uma curva de emissões que na verdade só tem aumentado. O mundo se coloca a tarefa de como reduzir as emissões. Isso não é mais suficiente. Não podemos mais só reduzir as emissões: 1,5°C já está praticamente contratado. Precisamos mais do que reduzir as emissões, e é isso que estamos tentando nos colocar como tarefa. A ideia de que o Brasil voltou. Não estou dizendo que não vamos trabalhar para reduzir as emissões”, acrescentou.

Para a reconstrução, o projeto propõe capturar carbono e preservar a biodiversidade, gerar emprego e renda associados às cadeias de restauro e construir uma barreira de contenção do avanço do desmatamento. De acordo com a iniciativa, a existência da floresta já garante que a temperatura da Terra esteja 1°C mais fria. “Queremos reconstruir e transformar o Arco do Desmatamento, que é a região da entrada do desmatamento na Amazônia, fronteira agrícola que vem sendo desmatada ao longo das décadas e transformá-la no Arco da Restauração”, disse.

Segundo a diretora do BNDES, a região vai do Acre até o Pará, e o projeto pretende restaurar 24 milhões de hectares. Na primeira fase, serão recuperados 6 milhões de hectares e, para isso, o banco calculou que são necessários R$ 51 bilhões. “É uma tarefa que o Brasil se coloca, mas precisamos de apoio. Não temos recursos para executar toda essa missão. Precisamos contar com o setor privado e, até 2050, mais 18 milhões de hectares. Com isso, na primeira fase, 1 bilhão e 600 milhões de toneladas de carbono serão retirados da atmosfera. Estamos ajudando a cumprir 1,5°C”, concluiu.

States of the Future

Evento paralelo do G20, fórum internacional que reúne as 19 maiores economias do mundo, mais União Europeia e a União Africana, o States of the Future foi organizado para articular e compartilhar diversas visões, estratégias e práticas inovadoras de governos, think-tanks (instituições que produzem conhecimento), sociedade civil, academia, setor privado e organismos internacionais, que possam transformar os serviços públicos e a governança, inserindo tecnologias modernas e a resposta aos choques e crises que desafiam a capacidade estatal frente aos desafios emergentes do século 21.

No centro das discussões estão temas como as políticas industrial e econômica, emergência climática, transformação digital, governança global, diversidade, saúde e educação.

O States of the Future é realizado pelos ministérios da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos, das Relações Exteriores e do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, pelo BNDES e pela Organização de Estados Ibero-Americanos para a Educação, a Ciência e a Cultura no Brasil, com apoio do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), da Open Society Foundations, da Maranta e da República.org.

Autoembargo do Brasil garantiu transparência a mercados, diz Fávaro

O ministro da Agricultura e Pecuária, Carlos Fávaro, disse nesta segunda-feira (22), na capital paulista, que a decisão do governo brasileiro em adotar o autoembargo após a confirmação de um caso da doença de Newcastle no Rio Grande do Sul foi importante para garantir segurança ao mercado externo e evitar maiores riscos.

Após a identificação de um caso da doença de Newcastle em uma granja de Anta Gorda (RS), o Ministério da Agricultura suspendeu preventivamente a exportação de produtos avícolas para 44 países, definindo diferentes raios de restrição. Esses raios variam de dez quilômetros da área afastada até todo o território brasileiro, dependendo do mercado.

De acordo com o ministro, essa estratégia foi melhor do que apenas restringir áreas pequenas e, depois ir ampliando, o que poderia dar a impressão ao mercado externo de que os casos identificados da doença poderiam estar crescendo. “Então, o que fizemos foi fechar o estado e mostrar que não tem mais outros casos, que esse foi um caso isolado. Nessa granja que teve o caso, somente foi constatado Newcastle em um animal. O protocolo foi cumprido, exterminando os animais, enterrando, isolando, tudo isso foi cumprido com transparência, o que permitirá que a gente rapidamente vá abrindo os mercados”, disse Fávaro a jornalistas, após participar de uma reunião do Conselho Superior do Agronegócio da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) sobre o Plano Safra 2024/2025.

O ministro não deu prazos, mas informou que o governo tem se reunido diariamente com os mercados compradores de carne de frango para diminuir as áreas de restrição desse autoembargo.

“É uma negociação país a país, bloco a bloco, mas a gente entende que, com as evidências vindo de não contaminação do restante do plantel, isso rapidamente vai ser liberado”, completou Roberto Perosa, secretário de Comércio e Relações Internacionais do ministério.

Anistia

Durante o evento realizado na tarde de hoje, na Fiesp, o ministro também confirmou a possibilidade de anistia de dívidas para produtores do Rio Grande do Sul que foram prejudicados pelas chuvas e enchentes. De acordo com ele, a medida provisória sobre essa anista está em processo de construção e poderá ser publicada até o dia 30 de julho. “Estamos no processo de construção [da MP]. Mas até dia 30 a gente quer publicar essa medida provisória”, falou o ministro.

“Não vou dizer que nós vamos anistiar para todos os produtores. Mas aquele produtor que passou por enchente na sua propriedade, em sua própria casa, como que ele vai honrar um compromisso do financiamento do custeio dele, que está vencendo? Então, com critério técnico, é possível que venha até a anistia dessas dívidas de custeio e do investimento para os anos de 2024 e 2025, que está dentro da nossa proposta também ser anistiado. Paralelo a isso, há linhas de crédito para reconstrução”, explicou o ministro.

Plano Safra

Durante o evento, o ministro se dirigiu ao setor de agro e pediu paciência, reclamando que houve uma reação exagerada dos produtores quando houve um atraso no lançamento do Programa Safra. Segundo o ministro, o programa terminou de ser estruturado no dia 26 de junho, mas o anúncio demorou por problemas na agenda do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

“Tínhamos programado o anúncio do Plano Safra no dia 27 de junho. Mas nos dias 28, 29 e 30 de junho, o presidente Lula tinha agenda fora de Brasília. Nos dias 1 e 2 de julho ele também tinha agendas fora de Brasília. Então decidimos lançar o Plano Safra no dia 3 de julho. Dois dias depois do término do Plano Safra anterior. E isso já tinha acontecido antes”, explicou Fávaro.

“Ninguém precisa gostar do governo, do presidente Lula ou de mim. Não estamos participando de um concurso de simpatia. O setor é muito importante para o Brasil e todas as nossas demonstrações são de abertura dos mercados e de promover o crescimento [do setor]. Mas a intolerância está virando algo chato, está perdendo graça”, falou. “A oposição é legítima e significa que vivemos em uma democracia. Mas a intolerância está ficando chata”, ressaltou.

Ação Ordo carece de planejamento a longo prazo, dizem especialistas

Especialistas ouvidos pela Agência Brasil comentaram os efeitos da Ação Estruturada batizada de Ordo, que significa ordem. Embora vejam pontos positivos, demonstraram desconfiança nos impactos que possam ocorrer quando esse trabalho terminar. O temor é a retomada do cenário que provocou as incursões, inicialmente, em 10 comunidades identificadas como áreas de conflitos armados entre traficantes e milicianos nos bairros de Jacarepaguá, Barra da Tijuca, Recreio, Itanhangá e as Vargens Pequena e Grande, na zona oeste da capital.

Conforme o secretário de estado de Segurança Pública, Victor dos Santos, quando essa ação foi planejada, ela previa “escalabilidade” para se estender a qualquer região do estado. “Em qualquer dos 92 municípios do estado ela pode ser replicada. Ela já foi concebida com essa característica”, indicou em entrevista à Agência Brasil.

Deflagrada na segunda-feira (15) pelo governo do Rio de Janeiro, a Ordo foi ampliada na quarta-feira (17) para mais quatro localidades.Sem prazo para terminar, desde o começo tem registrado diariamente aumentos de prisões e apreensões de armas e drogas. Um dos objetivos é asfixiar financeiramente as organizações criminosas que dominam esses territórios.

No balanço da Ordo divulgado neste sábado (20) pelo governo fluminense, até ontem as Forças de Segurança do Governo do Estado realizaram 90 prisões, além da apreensão de 2.300 munições, 20 carregadores, nove artefatos explosivos e 147 kg de drogas na região. Oito menores foram apreendidos e houve a retirada de 47 toneladas de barricadas.

Segundo o secretário, o aumento de crimes contra o patrimônio praticados nesta região contribuiu para a realização da Ordo, bem como guerra de territórios, que segundo ele, viraram sinônimo de ganhos para os criminosos.

“Território hoje é sinônimo de receita. Não é só a venda de drogas hoje, são todos os serviços de água, luz, gás, construção civil, descarte de material de construção onde se aterra área de proteção ambiental. Tudo isso gerou receita para esses criminosos. Sem contar que essas comunidades viraram verdadeiras zonas francas, tudo quanto é tipo de ilegalidade é praticado lá dentro com cobertura e garantia que essa prática pode ser realizada ali dentro porque o Estado é ausente”, disse.

Na sexta-feira (19), depois de uma segunda expansão, a Ordo realizava incursões em 16 territórios nas comunidades da Cidade de Deus, da Gardênia Azul, do Rio das Pedras, do Morro do Banco, da Fontela, da Muzema, da Tijuquinha, do Sítio do Pai João, do Terreirão, César Maia, de Santa Maria, do Bateau Mouche, da Covanca, do Jordão, da Chacrinha e da Barão.

O aumento no número de locais de atuação da Ordo, em parte, ocorreu por causa da fuga de criminosos de onde chegava a Ação para outras localidades. O governo do estado informou que a expansão “se tornou possível com o avanço das informações de inteligência da Polícia Civil, que identificou a necessidade e embasou o planejamento”.

O mestre em antropologia, especialista em segurança pública e ex-policial do Batalhão de Operações Especiais (Bope) Paulo Storani destaca que a movimentação financeira por parte desses grupos criminosos, que inclui a estrutura de lavagem de dinheiro, vai muito além do que se pode imaginar. A situação se agrava, segundo ele, com os apoios que dão a candidaturas ao poder legislativo para obter vantagens em futuras leis. O especialista criticou a dificuldade de aprovação de leis mais duras contra esses grupos criminosos.

“Para mim crime é crime. Quanto maior for o impacto desse crime, mais grave tem que ser a punição. É assim em qualquer lugar do mundo”, comentou.

Storani acrescentou ao problema o déficit no número de policiais militares, que por isso, não conseguem atender à demanda de patrulhamento. “É função do Estado, entenda-se unidade da federação, conter o avanço da violência, mas [a operação] não resolve o problema da violência, porque por limitação o estado trabalha na consequência, não trabalha na solução do problema”, apontou.

O especialista, que acompanha Segurança Pública há 42 anos, afirmou ainda que, por mais que esses criminosos possam ser presos, há uma certeza de que ficarão pouco tempo nos presídios, o que dá a sensação de impunidade, causada pela legislação, que ele considera, condescendente e desproporcional de acordo com a modalidade criminosa. Enquanto alguns permanecem presos em períodos mais extensos por crimes de menor impacto, outros de maior abrangência como estupradores, traficantes e homicidas conseguem sair da prisão em menos tempo.

“Cria uma ambiência no Brasil de que o criminoso não tem nada a perder em relação a isso. Acaba sendo estimulado a continuar na atividade criminosa e mais gente entra. Essa operação é necessária, mas a polícia tem alcance limitado de conter o avanço. Não resolve a violência”.

Para Storani, a Ordo não tem planejamento de longo prazo. “Se essa operação acontecesse em todas as regiões ao mesmo tempo, durante um, dois, três meses, reduziria os indicadores mas cessada a operação os indicadores voltarão. Essa é a realidade”, 

Rio de Janeiro (RJ) 21.07.2024 – Ação da Operação Ordo. Foto: Carlos Magno/Governo RJ – Carlos Magno/Governo RJ

Integração

Com uma atuação integrada de polícias, da Guarda Municipal, da Marinha, de secretarias e órgãos públicos estaduais e municipais, um dos primeiros focos da Ordo foi restabelecer os atendimentos das concessionárias no fornecimento de água, gás e energia e das operadoras de TV a cabo e internet, que eram impedidas de manter o funcionamento nesses territórios com a imposição, por parte da criminalidade, de serviços ilegais nessas atividades e ainda no transporte. “É importante todas as agências juntas atuando, porque quando se chega na comunidade toda demanda é atendida de uma única vez”, comentou o secretário.

Mas essa questão também tem controvérsias. “Assim que eles saírem haverá uma tentativa de retomada, porque é uma atividade econômica muito rentável. Tanto a milícia como o tráfico já exploram esta atividade. O tráfico começou a copiar esse modelo das milícias. Tirou a mão forte do Estado que protege, pode ter certeza que haverá uma tentativa ou retomada da atividade. É uma situação de cabo de guerra”, observou Storani.

Em outra frente, a Secretaria Municipal de Ordem Pública (Seop) da Prefeitura do Rio demoliu prédios de residências e de comércio construídos irregularmente, incluindo em áreas de proteção ambiental. Em geral, essas construções costumam ser feitas pelas milícias, que ocupam alguns territórios da zona oeste. A demolição na quarta-feira (17), feita pela Secretaria Municipal de Ordem Pública, em imóveis irregulares na Cidade de Deus, gerou reação de moradores, que interrompeu o trânsito nas três principais vias da região. 

Alguns manifestantes agrediram o ex-secretário municipal da Juventude do Rio e atual pré-candidato a vereador pelo PSD Salvino Oliveira, que estava no local. Um ônibus foi apedrejado e os serviços em uma unidade de saúde foram interrompidos, enquanto em outras as visitas domiciliares foram suspensas. Houve ação da polícia.

Falta de planejamento

Na visão do professor de Sociologia Daniel Hirata, coordenador do Grupo de Estudos dos Novos Ilegalismos (Geni) da Universidade Federal Fluminense (UFF), a Ação Estruturada não tem um planejamento de longo prazo e de atuação em todo o estado. Conforme apontou, a questão das disputas pelos grupos armados, travadas nos últimos anos, não está restrita à zona oeste. Outra limitação é do ponto de vista da sustentabilidade dessas ações. 

“Não dá para imaginar que dois mil homens vão se manter na região durante muito tempo e que após a saída os conflitos não voltarão”, relatou, indicando ainda como limitação o desmantelamento das redes que sustentam essas organizações criminosas. “Só vamos atuar de forma mais eficaz se entendermos exatamente quais são as redes que dão sustentação e como estão agindo”, disse Hirata.

O professor fez uma comparação com a Operação Cidade Integrada, implantada nas comunidades do Jacarezinho, na zona norte do Rio, e da Muzema, na zona oeste, em 2022. Lembrou que como agora a Ação ocorre em ano eleitoral. “Me parece que isso tem um apelo muito mais comunicacional do governo demonstrar que está fazendo uma coisa frente aos eventos dramáticos que aconteceram na zona oeste em ano eleitoral do que tomar ações mais efetivas para o enfrentamento da questão na profundidade e gravidade que representa”.

Para o secretário, existem diferenças entre a Operação Cidade Integrada e a Ação Estruturada Ordo. Conforme explicou, a atuação das forças e órgãos públicos em uma operação ou projeto acaba ficando engessada, por ter um período determinado com começo, meio e fim, ao contrário desta Ação, cuja novidade é a flexibilização, que ele espera ter resultado muito mais positivo.

“Não vou entrar no mérito do Jacarezinho porque há outras questões naquela região. Quando a gente planejou a Ação Integrada, houve uma produção de conhecimento. A questão de escolher a área de Jacarepaguá e Barra da Tijuca teve um critério, talvez essa da Cidade Integrada no Jacarezinho tenha que ser revista, como a UPP também e outros projetos que já estão há muito tempo, tenham que ser revistos. Já estão sendo feitas tanto a UPP como a Cidade Integrada. Todos esses projetos estão sendo revistos para que a gente consiga fazer uma readequação, por isso, a diferença de projeto, operação e ação. A Ação tem sido revista diariamente”, analisou, acrescentando que a conclusão da revisão do projeto das UPPs deve ocorrer ainda este mês.

Hirata questionou também a intenção dos formuladores da Ação Estruturada para obter informações de inteligência enquanto o trabalho é feito diariamente. “Provavelmente daqui a dois anos, quando teremos novo ciclo eleitoral, teremos outras ações desta mesma monta e a descontinuidade das ações do que está sendo feito agora. Não vejo com muita expectativa a eficácia do ponto de vista da sustentabilidade dessas ações e do impacto mais importante do cunho investigatório e muito menos pensando no conjunto da região metropolitana e do estado do Rio de Janeiro”.

No entendimento do professor José Cláudio Alves, da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), quando os grupos armados identificam deficiência de política pública de atendimento às necessidades da população local entram para favorecer os moradores e vão faturar muito, diante de pessoas que começam a ter acesso a serviços de água, gás, energia e internet a preços mais acessíveis por meio de traficantes e milicianos. “Não adianta ter pirotecnia, aparecer na mídia, prendendo tantos, demolindo casas e comércio, se não você não tem alternativa e resposta pública para essas demandas”, analisou.

Para fazer o combate efetivo à estrutura financeira da milícia é preciso verificar o caminho do dinheiro movimentado por este grupo. “Siga o dinheiro. Não pegue quem está recebendo o dinheiro na ponta, lá na lojinha. Acompanha para onde vai o dinheiro. Isso é possível fazer. A Polícia Federal tem tecnologia para isso. Faz isso, inclusive, com facções do tráfico”, pontuou.

Alves criticou ainda a utilização da tecnologia de reconhecimento facial, que segundo ele, já registrou erros de identificação. “Essas tecnologias vêm apresentando muitas falhas e normalmente, comumente, quase na sua totalidade essas falhas afetam mais pessoas negras. Então, as câmeras e o sistema de reconhecimento facial, ou coisas desse tipo, têm colocado muito mais pessoas negras encarceradas por questão de erro do que pessoas brancas. Tem uma questão racial que precisa ser vista nessas operações”.

Na visão do pesquisador do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania (CESeC) da Universidade Cândido Mendes e coordenador de pesquisa da Rede de Observatórios da Segurança, Jonas Pacheco, a falta de um planejamento a longo prazo pode comprometer o sucesso da Ação.

“O secretário afirma que essas ações são para combater e asfixiar os griupos crimonosos e epensando dessa forma cortar o fornecimento dos serviços de gás, muito típico das milícias,, a instalação do mercado ilegal do tasnsprote alternativo, isso cria um combatge ao braço armado dessesd grupos mas ao mesmo tempoi a gente não vê uma estruturação no médio e longo prazo para que isso se efeitive, sinceramente, achom difícil que isso vá ter resultado no médio e longo prazo”, relatou.

Como um dos pontos de uma política de segurança de longo prazo, o pesquisador indicou que precisa ocorrer não só no Rio de Janeiro, como em todo o Brasil uma fiscalização intensa na circulação de armas de grosso calibre que fomenta a segurança do tráfico e da milícia. “Quais as outras perspectivas de políticas associadas que podem vir junto? 

Experiências de outros locais mostram que não é suficiente ter um aparato policialesco só e somente para dar conta de segurança pública. Precisa pensar de maneira integrada não só no sistema de justiça criminal, mas também em outros setores como saneamento, educação e cultura”, disse.

“Tudo isso implica também em condições de bem viver nestes locais”, concluiu Pacheco.

Ordo

De acordo com o governo do estado , a ação de segurança pública emprega diariamente 2 mil militares, civis e agentes do programa Segurança Presente, com apoio de 200 viaturas, 40 motocicletas, dois helicópteros, ambulância blindada, além de um forte aparato tecnológico, que utiliza drones com câmera de reconhecimento facial e de leitura de placas, faróis de busca e imageador térmico. O Centro Integrado de Comando e Controle Móvel foi instalado ao lado da base do Barra Presente, na Avenida Ayrton Senna, na zona oeste.

Convívio com animais traz benefícios à saúde física e mental do tutor

O Dia do Amigo, comemorado neste sábado (20), celebra não só as amizades entre pessoas mas, também, o convívio entre animais e seres humanos, construídas, muitas vezes, a partir de eventos traumáticos, trazendo benefícios não só à saúde física, mas mental dos tutores.

O presidente do Conselho Regional de Medicina Veterinária do Rio de Janeiro (CRMV-RJ), Diogo Alves, observa que, na verdade, a ciência já estuda há bastante tempo os benefícios de se ter um animal para ajudar na saúde mental. Segundo o veterinário, os donos de pets têm níveis mais baixos de triglicerídeos e colesterol quando comparados com pessoas que não têm animais. “Estudos apontam que pessoas acima de 65 anos de idade que têm um animal em casa têm 30% menos probabilidade de ir a médicos, em relação àquelas que não têm”.

Diogo Alves assegura que “brincar com cães, gatos e outros animais de estimação eleva os níveis de serotonina e dopamina, trazendo relaxamento, paz, calma e sensação de bem-estar para a gente”. 

Pessoas que têm animais de estimação têm, ainda, segundo veterinário, menor nível de pressão arterial e estresse. “Há estudos comprovando que pessoas que eram hipertensas, depois de alguns meses com um animalzinho, tiveram uma queda considerável [da pressão alta] em comparação a quem não tinha o animal. O benefício é imenso”, disse.

Hoje, pode-se dizer, que a inter-relação entre humano e animais é uma via de mão dupla, diz o presidente do CRMV-RJ. “É menos solidão. A gente observa que as pessoas ao caminhar com seus pets na rua são abordadas por outras pessoas. Estabelece-se uma relação de amizade e contato. É super interessante do ponto de vista social e comportamental. É muito importante esse convívio mútuo entre o animal e o ser humano”, avalia.

Diogo Alves diz que o convívio com um animal ajuda, inclusive, a afastar ameaças de suicídio. “Com certeza, o isolamento pode acentuar sintomas de depressão, e a companhia de um pet pode beneficiar pessoas que estão deprimidas ou depressivas”,diz. 

De acordo com o veterinário, cuidar de um animalzinho faz com que o dono se sinta necessário e querido e a pensar que, se morrer, quem irá cuidar dele? “Essa companhia mútua faz com que a pessoa desista da questão de suicídio”, diz.

O amor dos pets Elza e Alfred ajudaram Carla e a filha Gabriela a superar a morte de outra cachorrinha. Foto: Carla Ribeiro/Arquivo pessoal

Preenchendo vazios

A assistente social Carla Maria da Silva Ribeiro e sua filha Gabriela ficaram muito tristes com a morte, em 2017, da poodle Mel, com quem conviviam há 16 anos. “Foi um sofrimento. Ficou aquele vazio”, disse Carla. No ano seguinte, a mãe de Carla também morreu.

Por sugestão da filha, Carla decidiu adotar um novo animal. Depois de quatro meses em sua casa, Carla descobriu que a cadela é epiléptica. “Após todo o cuidado, a gente percebe o carinho e a gratidão no olhar dela”. Depois de seis meses da primeira adoção, resolveram adotar mais um cão, o Alfred. Na pandemia da covid-19, Carla foi contaminada e o animal não se afastava do seu lado.

“Eles são fiéis. É uma paixão que a gente tem”, afirma Carla. Os dois animais, segundo ela, ajudaram a diminuir o vazio causado pelo falecimento de Mel e, depois, da mãe de Carla.

Efeito terapêutico

Para Raquel Coutinho, a gatinha Azeitona é parte da família. Foto: Raquel Coutinho/Arquivo Pessoal

Na vida de Raquel Coutinho tem 22 anos, quem fez diferença foi Azeitona, uma gatinha vira-lata de pelagem preta, nascida em 2016. Azeitona foi a única sobrevivente de uma ninhada desprezada pela mãe. “Ela sofreu muito, a gente que cuidava, então ficamos muito agarrados com ela”, contou Raquel, estudante do curso de enfermagem, à Agência Brasil.

Agora, Azeitona é parte da família. “Hoje em dia, não me vejo sem ela, porque é como se fosse uma pessoa da família. Ela cresceu comigo, acompanhou minha fase de adolescência para a fase adulta. Ela sempre foi muito importante para mim.”.

A gata se mostrou especialmente importante quando a mãe de Raquel enfrentou problemas de saúde. “Minha mãe teve depressão, uma depressão extrema, que limitava mesmo a vida dela, durante alguns anos, de 2019 até o início de 2023. E foi uma fase em que a Azeitona era o meu ponto de confiança. Eu precisava sair de casa e se minha mãe ficasse sozinha, a Azeitona ficava com ela”, contou.

“Com certeza, Azeitona seria aquele bichinho capacitado para ser terapêutico, porque ela é justamente um ponto de equilíbrio mental para minha mãe e para mim. E acredito que para todo mundo aqui em casa”, acrescentou.

* Colaborou Francielly Barbosa, estagiária da Agência Brasil

Dia do Amigo: relação é fundamental para a saúde mental, diz psicóloga

Neste sábado (20), se comemora o Dia do Amigo. A data foi criada pelo professor de psicologia e filósofo argentino Enrique Ernesto Febbraro, inspirado na chegada do homem à lua, em 20 de julho de 1969. Febbraro acreditava que este feito humano, mais do que uma conquista científica, significava a chance de se fazer amigos. O Dia do Amigo foi instituído, inicialmente, na Argentina, mas logo ganhou outros países. No Uruguai, por exemplo, foi adotado na década de 1970, chegando ao México na década seguinte e, no Brasil, nos anos de 1990.

A música Canção da América, de autoria de Milton Nascimento e Fernando Brant, é considerada, no Brasil, símbolo da amizade, ao afirmar que “Amigo é coisa para se guardar debaixo de sete chaves, dentro do coração”. Foi essa a música que Milton cantou na homenagem prestada à sua amiga, a cantora Elis Regina, morta no dia 19 de janeiro de 1982, aos 36 anos.

Relações humanas

Na avaliação da psicóloga Renata Ishida, gerente pedagógica do Laboratório Inteligência de Vida (LIV), estamos vivendo um momento no mundo em que o individualismo e a autossuficiência são muito valorizados e fomentados. “E a gente esquece que o ser humano não se constitui e não sobrevive sozinho. Inclusive os bebês humanos não conseguem sobreviver sem o contato com o outro. A gente precisa, portanto, das relações humanas”, diz. Embora a vida se apresente diferente para cada pessoa, a amizade tem milhões de funções. Uma delas é a gente expandir o nosso repertório. E para a criança, isso é fundamental”.

Na configuração urbana atual, principalmente, o fato de a criança começar a conviver com outras pessoas vai desenvolver nela a possibilidade de comunicação, empatia, pensamento crítico, de criatividade muito maior do que se ela permanecesse só na relação do núcleo familiar. “Conhecer pessoas fora da família faz com que a criança desenvolva várias habilidades, o que é fundamental para a saúde mental”, externou a especialista em criança e adolescência.

Destacou também que na amizade, a hierarquia existente na família se dilui. Há uma horizontalidade que vai desenvolver a autonomia da criança e do adolescente. “Ela vai conseguir desenvolver sua capacidade de argumentação, de estabelecimento de confiança com alguém externo, fora da família, de se defender. Significa que o amigo pode cuidar da criança, mas não é responsável por ela, como ocorre dentro da família”.

A amizade cria também a capacidade de suportar, respeitar e celebrar as diferenças, porque dentro da família, as pessoas pensam de uma forma mais próxima. “Então, ter esse vínculo de amizade leva as crianças a entender que as pessoas são diferentes e nem por isso elas são nossas inimigas, nem são ameaçadoras. A gente pode identificar as diferenças caminhando pelo mundo. Mas a beleza da amizade é você reconhecer essas diferenças e, mesmo assim, não amar menos, não precisar romper nem achar que o outro é motivo de ameaça ou medo para a gente”. O respeito leva à celebração das diferenças, “que é o mais bonito”, de acordo com a especialista Renata Ishida.

De acordo com Renata, a amizade ajuda também no enfrentamento de situações difíceis, embora o amigo não vá substituir um terapeuta, caso haja necessidade desse profissional. “Mas hoje em dia, o sofrimento é tido como doença. Não existe espaço para a gente falar sobre sofrimento. E quem melhor que um amigo para ouvir sobre isso que a gente sofre?”, indagou. Renata explicou que é mais fácil trocar esse tipo de assunto com amigos do que com os pais, porque crianças e adolescentes não querem decepcionar os pais nem fazê-los ficarem tristes. Compartilhar o sofrimento com amigos faz, muitas vezes, a criança ou adolescente se sentir mais verdadeiro e seguro, opinou.

Outro ponto importante para a criança e o adolescente é a identificação porque, por mais diferente que seja o amigo, eles percebem que o outro pode estar passando por situações parecidas às deles. Nesse ponto, a amizade tem um lugar mais sincero e isso, às vezes, reduz um pouco a ansiedade. Essa identificação propicia a criação de um lugar no mundo para crianças e adolescentes, que é diferente da família. A independência que o movimento de bando favorece traz riscos, admitiu Renata Ishida, mas alertou que a construção dessa intimidade e da vulnerabilidade diante do outro mostra que aquilo não vai prejudicar a pessoa e que o outro não vai abusar dele porque está vulnerável na sua frente. Ao contrário, é um movimento rico para o desenvolvimento da saúde mental e do autoconhecimento.

Há amizades que nascem na infância e duram até a velhice. Renata esclareceu que a amizade se diferencia dos relacionamentos amorosos conjugais, porque não coloca tantas expectativas e regras. Essa amizade permite que a pessoa seja mais verdadeira e mesmo que fique um tempo sem se ver, quando ocorre o reencontro, parece que não houve esse lapso de tempo. Renata analisou que, em uma amizade verdadeira, onde exista confiança e a pessoa se sinta vulnerável na frente da outra, não há cobranças. E a chance disso durar é muito grande”. A não exigência faz com que a amizade consiga ter uma durabilidade maior. Como ela não tem regras, a expectativa não fica tão alta, concluiu.

Todo dia

Para o jornalista Marcio Vieira, celebrar os amigos não tem data certa. “Amigo para mim é todo dia”. Ele ainda mantém amigos de infância na cidade onde nasceu, Bom Jesus do Itabapoana, no interior do estado do Rio de Janeiro, de onde saiu aos 16 anos. Esses amigos de infância permanecem ativos. “A gente fica horas batendo papo”. Ele lembra até hoje o que o pai lhe falava: “Meu filho, olha quem você coloca dentro de casa, com quem você conversa”. E, principalmente, “família você não pode escolher, mas amigos, você tem obrigação de escolher”.

Marcio Vieira e sua grande amiga, Cláudia Silva. – Marcio Vieira/Arquivo Pessoal

Marcio Vieira tem amigos de todas as horas, prontos para socorrê-lo em momentos de doença, em necessidade de viagem. Amigos ajudam a superar episódios de depressão, de tristeza, indicou. “Tem aquele amigo que, quando você está no fundo do poço, ele parece que pressente e liga para você”. Mesmo quando passam anos sem se verem, a amizade entre eles persiste. “Ela se mantém. Acho que amizade, para quem é do bem, para quem tem uma alma boa, um coração bom, é inerente a tudo. Na minha percepção, não são necessários anos e anos de convivência para as pessoas serem amigas”.

Segundo Vieira, a discordância entre amigos é normal. Mas ele procura guardar as boas lembranças porque os amigos verdadeiros vão ajudar sempre. “São poucos, mas boas pessoas”. Destacou que quando há cobrança, não é amizade. “Foram anos de terapia para eu aprender isso”. Ele deixa claro que precisa de amigos na sua vida. “Amigos na minha vida são fundamentais. Eu não sobrevivo mental e humanamente sem amigo”. Sustentou que é um dom a pessoa estar disposta a ouvir a outra. “Amizade está na essência”, garantiu.

Estímulo

Devido aos benefícios para a saúde mental em todas as fases da vida, é importante que a criança tenha amizades. A afirmação foi feita à Agência Brasil pelo presidente do Departamento de Pediatria Ambulatorial da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP), Tadeu Fernandes. Isso ocorre desde a vida uterina, traduzida pela amizade com a mãe, o pai. Fernandes orienta que os pais conversem com o bebê dentro do útero e façam carinho na barriga “porque o bebê sente todas essas manifestações”.

“O entorno vai ser bom não só para a criança, mas servirá de apoio para os pais”. Após o sexto mês, que é a fase do neurodesenvolvimento importante, quando a criança começa a contatar com o meio ambiente, o pediatra destacou que é saudável que ela comece a brincar com outra criança. “ A amizade começa desde aí”.

Na fase escolar, porque pais e avós trabalham, a amizade feita com coleguinhas deve ultrapassar os muros da escola, estimulando os encontros das crianças nos finais de semana. Fernandes disse que o estímulo deve ser no sentido que as crianças tenham amizades físicas e não virtuais, “lembrando tempo de tela zero até 2 anos de idade e, após 2 anos, somente uma hora. Não ter amigos virtuais, mas reais”. Na adolescência, valem as mesmas recomendações para que eles tenham amizades, a partir de uma análise criteriosa dos amigos que o filho ou filha vai ter, para que não ocorram problemas nem desvios para drogas ilícitas e lícitas. Recomendou que sejam estimulados passeios ao ar livre, idas ao shopping, ao cinema, ao teatro.

Atualmente com 68 anos, o pediatra Tadeu Fernandes afirmou ter ainda amizades desenvolvidas na infância. “Os verdadeiros amigos são meus amigos até hoje. A gente se reúne, se encontra para um bate papo em um barzinho ou na casa de um amigo. Viajamos juntos. É muito legal e até serve de exemplo para os nossos filhos e netos que existem amizades reais que perduram. Muitos são madrinhas e padrinhos e são o nosso apoio”. Por isso, afirmou que amigos de infância são amigos para toda a vida.

IncaVoluntário

A contadora aposentada Maria da Assunção é voluntária no Inca – Maria da Assunção/Arquivo Pess

A Área de Ações Voluntárias do Instituto Nacional de Câncer (Inca), ou INCAvoluntário, é considerada fundamental para auxiliar os pacientes em tratamentos. Um exemplo é Maria da Assunção da Silva Brum, que tem sido apoio da paciente Jailcimá Pereira de Lima, 45 anos, dona de casa, paciente do Inca desde 2015. .

Jailcimá está atualmente em tratamento quimioterápico devido a uma metástase. “Desde 2015 que eu me trato no Inca, e sempre vou acompanhada do meu filho Felipe que, na época, estava com 5 anos. Tenho muito carinho pelas voluntárias do INCAvoluntário e considero parte da minha família. São muitos anos convivendo com elas no hospital, especialmente a Maria da Assunção. Ela me recebe sempre com um café e biscoitos, conversa comigo e com meu filho, que agora está grandão, pergunta sobre a escola, me ouve, ela conhece minha vida toda. É uma amizade que, mesmo sendo só dentro do hospital, é longa e muito importante para quem enfrenta o tratamento”, contou Jailcimá.

Jailcimá e o filho Felipe.- Jacilmá/Arquivo Pessoal

Maria da Assunção da Silva Brum é contadora aposentada e voluntária do INCAvoluntário há quase dez anos. No seu entender, “a amizade entre um voluntário e um paciente oncológico é muito especial porque conhecemos a pessoa e seguimos com ela em um dos momentos mais delicados e difíceis da vida, é um vínculo que vai se fortalecendo cada vez mais. É diferente, claro, de uma amizade fora do hospital. Nós damos carinho, atenção, palavras de motivação, e recebemos em troca muita gratidão e confiança. É uma alegria poder receber a Jailcimá e o filho dela ao longo desses anos todos, participar da vida deles. É uma conexão que ambas levaremos pela vida afora”, afiançou.

Padre Cícero: entre a santidade e a política aos 90 anos de morte

Milagres, guerra e política marcaram a vida de Padre Cícero Romão, considerado um dos personagens mais importantes da história do Brasil. Este sábado (20) marca os 90 anos de morte do sacerdote, que ainda hoje mobiliza centenas de milhares de pessoas a Juazeiro do Norte (CE) todos os anos.

Nascido em 1844, no Crato (CE), sertão cearense, Padre Cícero (mais conhecido como Padim Ciço) é considerado santo por uma multidão de devotos e Juazeiro do Norte é tido como um local sagrado.

Brasília (DF), 19.07.2024 – Cozinheira e costureira Marinez Pereira do Nascimento Foto: Marinez Pereira/Arquivo Pessoal

A cozinheira e costureira Marinez Pereira do Nascimento, de 58 anos, que é mestra de cultura popular, relatou a devoção que tem à Padre Cícero e à Maria de Araújo, beata que protagonizou os famosos milagres das hóstias.   

“Minhas letras [de músicas de coco] falam muito sobre o Padre Cícero porque, para mim, ele é santo. O Padre Cícero veio para transformar Juazeiro. Ele é um enviado de Deus para a região do Cariri. Se não fosse o Padre Cícero, não existia Juazeiro, não existia romaria. A beata Maria de Araújo, para mim, faz e fez o mesmo papel que Nossa Senhora”, explicou.

A santificação dada pelo povo ao Padre Cícero e à Maria do Araújo tem origem nos chamados milagres das hóstias. Conta-se que as hóstias ministradas pelo Padre viraram sangue na boca da beata Maria de Araújo.

O suposto milagre – rejeitado pela Igreja Católica, que chegou a excomungar o sacerdote e proibir que ele realizasse missas – levou multidões para Juazeiro, criando um dos maiores movimentos populares e religiosos da história do país.

Da religião para política

O historiador e professor Régis Lopes, da Universidade Federal do Ceará (UFC), ressalta que a partir do trabalho religioso, Padre Cícero se tornou um importante político do seu tempo.

“O político é uma consequência do religioso. O prestígio que ele tem em relação aos devotos, às notícias sobre os milagres e toda essa repercussão que vai entrar em choque com a Igreja e em sintonia com essas tradições sertanejas transforma o Padre Cícero em um santo vivo. Então, tudo decorre daí. O prestígio político dele vem daí”, explicou.

O religioso foi prefeito de Juazeiro por sucessivos mandatos, chegando a ocupar o cargo de vice-governador do Ceará.

Visão equivocada

Filho de romeiros, o professor, escritor e memorialista Renato Dantas, de 75 anos, critica a visão que considera equivocada de parte da academia e que intelectuais têm de Juazeiro e dos romeiros, retratados muitas vezes como “fanáticos”.

Brasília (DF), 19.07.2024 – Professor, escritor e memorialista Renato Dantas Foto: Renato Dantas/Arquivo Pessoal

“Comecei a estudar para saber até que ponto nós poderíamos ser fanáticos ou guardadores de uma memória da religiosidade popular. Cheguei à conclusão de que Juazeiro é o repositório dessa memória e que os romeiros e as romeiras consideram aqui um espaço sagrado”, explicou.

Para o juazeirense, o sonho que Padre Cícero teria tido – no qual Jesus teria orientado ele a “tomar de conta” daquele povo – os milagres das hóstias e a guerra de 1914 do Ceará são os três elementos que constroem essa religiosidade.

“A forma como o Juazeiro foi se construindo nesse local sagrado foi um sonho, um milagre e uma guerra. Para mim, são os três aspectos que consolidam a posição de Padre Cícero no Juazeiro, da compreensão romeira a respeito de Juazeiro”, defendeu Dantas.

Revolta de Juazeiro

Brasília (DF), 19.07.2024 – Historiador e professor Régis Lopes, da Universidade Federal do Ceará (UFC). Foto: Régis Lopes/Arquivo Pessoal

Em 1914, ocorreu a chamada Revolta ou Sedição de Juazeiro. O governo do Ceará mandou cercar a cidade na tentativa de desarticular o poder que Padre Cícero exercia na região. A resistência armada popular conseguiu não apenas romper o cerco, mas marchar até Fortaleza e derrubar o então governo local de Franco Rabelo.

“O fato é que Juazeiro só consegue se revoltar por conta da força de atração do Padre Cícero em Juazeiro. Ele chama mesmo as pessoas para defender Juazeiro. Se não houvesse esse prestígio, não teria acontecido nada porque Juazeiro era uma cidade pequena, não tinha como construir um batalhão”, contou o professor Régis Lopes.

Anos antes, em 1911, a atuação de Padre Cícero levou à autonomia política de Juazeiro do Norte, que até então era um distrito do Crato. Apesar do envolvimento político, o historiador Régis Lopes diz que o Padre dedicava seu tempo e energia para questões religiosas, deixando as articulações políticas para o aliado Floro Bartolomeu.

“Para muita gente, o Floro era o prefeito de Juazeiro porque na prática ele era quem fazia mesmo essa articulação. As preocupações do Padre Cícero eram outras. A documentação escrita do Padre Cícero mostra que a vida dele, o gosto dele, era em relação a ser padre da Igreja”, acrescentou o historiador.

Santo popular

Padim Ciço morreu rompido com o Vaticano. Em 2015, a Igreja se reconciliou com o religioso e, em 2022, foi anunciado o início do processo para a sua beatificação. Em outubro de 2023, Padre Cícero foi incluído no Livro dos Heróis e Heroínas da Pátria do Brasil por Lei sancionada pelo presidente Luís Inácio Lula da Silva.

O historiador Régis Lopes, da UFC, defendeu que, do ponto de vista sociológico, Padre Cícero é santo, ainda que não reconhecido oficialmente pelo Vaticano. “Só existe santo se tem devoto. Essa é a lógica básica de qualquer romaria. Tem que ter uma base social que vai construindo essa ideia de santidade”, explicou.

Ódio nas redes é tema de livro finalista do Prêmio Jabuti Acadêmico

Foi com surpresa e felicidade que a jornalista Luciana Barreto recebeu a notícia de que seu primeiro livro, Discursos de Ódio contra Negros nas Redes Sociais, está entre os cinco finalistas da categoria divulgação científica da primeira edição do Prêmio Jabuti Acadêmico.

“É a minha dissertação de mestrado. E eu me dediquei muito a ela com um motivo genuíno: eu queria contribuir demais com algo que, para mim, incomodava demais, que é o aumento do discurso de ódio na rede social”, diz.

Luciana Barreto é mestre em relações étnico-raciais, palestrante, escritora, pesquisadora e apresentadora da TV Brasil. Após conhecer, nos Estados Unidos, o projeto Teaching Tolerance, em tradução livre, Ensinando Tolerância, ela voltou para o Brasil com vontade de criar também por aqui uma iniciativa semelhante. O projeto não apenas oferece apoio a vítimas de discurso de ódio, como produz materiais de apoio para orientar escolas e a sociedade.

A criação do projeto ainda está no radar, mas antes, Luciana levou a ideia para o mestrado que, no final do ano passado, e virou também livro. Na obra, que ela enfatiza, não é voltada apenas para pessoas negras, mas para toda a sociedade, ela traz, primeiro, uma contextualização histórica brasileira, de construção da sociedade e de como o racismo é estruturado. Em seguida, analisa publicações com discursos de ódio nas redes sociais.

“Acho que esse é o alerta maior do livro, as pessoas acham que são só garotos nas redes sociais falando. Não. O discurso de hoje está interferindo na sociedade brasileira”, diz.

Segundo ela, são necessárias medidas urgentes, como a responsabilização e cobrança de medidas por parte das grandes empresas de tecnologia, as chamadas big techs, responsáveis pelas redes sociais.

“O discurso de ódio mata. E o discurso de ódio faz morrer. Porque as pessoas estão cometendo suicídio por conta de questões nas redes sociais. As pessoas estão viciadas. As pessoas estão com sérios problemas ligados à rede social”, enfatiza a jornalista.

Os finalistas de cada uma das categorias do prêmio foram divulgados nesta quinta-feira (18). O Prêmio Jabuti é o principal reconhecimento literário do Brasil, é idealizado pela Câmara Brasileira do Livro e ocorre desde 1958. Neste ano, para chamar atenção às contribuições significativas à ciência no país, foi lançada uma nova modalidade, o Prêmio Jabuti Acadêmico, que conta com o apoio da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) e da Academia Brasileira de Ciências (ABC).

Horas depois de saber o resultado, Barreto conversou com a Agência Brasil. Confira os principais trechos da entrevista:

Agência Brasil – Como você recebe esse resultado, esse reconhecimento?

Luciana Barreto – Primeiro, claro que eu estou muito feliz. Mas muito surpresa, porque às vezes eu acho que a gente trabalha tão intensamente e realmente sem pretensões. Eu não tinha nenhuma pretensão nem disso virar livro. É a minha dissertação de mestrado. E eu me dediquei muito a ela com um motivo genuíno: eu queria contribuir demais com algo que, para mim, incomodava demais, que é o aumento do discurso de ódio na rede social. Eu realmente via as minhas amigas ligarem chorando. E eu estou falando de pessoas extremamente empoderadas. Pessoas que têm cargos, que têm dinheiro, que têm reconhecimento e que estavam fragilizadas diante de discursos de ódio.  

Eu já tinha a intenção de estudar isso. Quando fui para os Estados Unidos, conheci esse projeto, que é o Teaching Tolerance, ensinando a tolerância. Era um projeto que dava todo o apoio às vítimas de discurso de ódio, desde apoio jurídico, material a apoio para os professores, para ensinarem esse contradiscurso. Quando eu vi tudo isso, aí eu falei, vamos levar para o Brasil. Mas então eu tive uma intenção genuína, a minha intenção era apresentar para as pessoas uma proposta de se proteger do discurso de ódio, o que eu chamo de contradiscurso. Perceber que isso virou um livro, ou seja, tem uma distribuição maior entre as pessoas. E depois perceber que esse livro tem um reconhecimento. Para mim, é incrível.

Luciana Barreto é uma das 5 semifinalistas da primeira edição do Prêmio Jabuti Acadêmico – Tânia Rêgo/Agência Brasil

Agência Brasil – Conta um pouquinho o que é o livro e como ele está estruturado.

Luciana Barreto – O livro é um resultado de dissertação de mestrado, só que ele é escrito por uma jornalista. Então, isso faz toda a diferença. Na primeira etapa do livro – eu falo que esse é um livro voltado não só para pessoas negras, apesar de ser um livro sobre discurso de ódio contra pessoas negras, ele é voltado para que todos leiam – e para isso, eu tenho aí uma primeira parte do livro ambientando o leitor com termos, ambientando o leitor com a história do movimento negro.

Em um segundo momento, eu entro nessa parte mais acadêmica. O livro é numa área de análise do discurso. Eu pego expressões de discurso de ódio que são muito recorrentes nas redes socais e faço uma análise dessas expressões. E aí eu entendo por que o hater [em tradução livre, odiador. É um termo usado na internet para classificar pessoas que postam comentários de ódio] utiliza essa expressão, que tipo de objetivo o hater quer ao utilizar essa expressão. Quando o leitor já chega nessa parte, ele já entende que existe toda uma questão social e econômica envolvida com a questão racial. Ele percebe, por exemplo, por que se utilizam expressões como o “mimimi”, por que eles focam mulheres negras, por exemplo, com uma condição econômica, social um pouco mais vantajosa.

O leitor já está entendendo que a condição da mulher negra na opinião do hater, e às vezes em parte significativa do Brasil, infelizmente, é uma condição em que ela está numa posição do servir. Então, se ela aparece numa posição de poder, ela sofre discurso de ódio. Se ela aparece numa condição de beleza que é muito ligada às pessoas brancas, ela sofre discurso de ódio. Então, o leitor vai entendendo todo esse mecanismo de opressão pelo qual passam as vítimas de discurso de ódio.

Agência Brasil – Pode nos dar um exemplo?

Luciana Barreto – Um exemplo, a expressão “mimimi”, que eu analiso nesse livro. O “mimimi” é sempre uma dor. Brincam que “mimimi” é a dor que dá no outro. O ponto de partida é dizer que a sua reivindicação é uma reivindicação menor. Essa é a ideia do “mimimi”. O hater quer sempre trazer uma ideia supremacista, eu diria, dizendo que existe um grupo que não reclama, que vive a vida, trabalha. Essa ideia de que tem esse grupo – e a gente sabe esse grupo idealizado qual é – e, por outro lado, tem um grupo que reclama. Então, a análise do discurso é para isso. A minha ideia era fazer com que as pessoas entendessem, as minhas amigas também, é mostrar: ele está usando esse termo para te paralisar, para te fazer regredir, voltar, te deixar estática, e isso não vale a pena, porque tem uma ideia supremacista aqui envolvida quando ele usa certas expressões com você.

Eu utilizo, inclusive, um estudo do pesquisador Luiz Valério Trindade. Ele quantificou os discursos de ódio no Facebook. Tem uma porcentagem bem grande de mulheres negras como principal alvo. Os haters são normalmente meninos jovens que perseguem essas mulheres negras. E ele traz dez itens em que elas são perseguidas: quando elas estão fazendo uma viagem ao exterior, por exemplo, uma viagem de férias, se ela estiver no Hemisfério Norte, se for aos Estados Unidos e Europa; se tiver um casamento interracial; se utilizar o cabelo black como um sinal de beleza; se estiver numa posição de profissional liberal, como advogada, jornalista, apresentadora; se ganha um concurso de beleza. Ele vai elencando alguns tópicos em que essas mulheres, que são o principal alvo, aparecem com mais frequência como alvo dos haters.

Eu não faço uma análise quantitativa, como eu disse, eu faço uma análise do discurso. Então, eu faço análise das palavras, das expressões e como elas são colocadas, como elas aparecem e por qual objetivo.

Agência Brasil – Qual o papel das redes sociais na disseminação de discursos de ódio e como é possível combater a disseminação desse tipo de conteúdo?

Luciana Barreto – A discussão de regulação é uma discussão, acho, muito lenta e a gente precisa mesmo de uma cobrança maior às big techs. E é isso que os outros países estão fazendo, estão indo direto nelas. Eu acho que é isso que a gente vai conseguir de mais imediato. Por que eu falo de imediato? Porque, o discurso de ódio mata. E o discurso de ódio mata. E o discurso de ódio faz morrer. Porque as pessoas estão cometendo suicídio por conta de questões nas redes sociais. As pessoas estão viciadas. As pessoas estão com sérios problemas ligados à rede social. Não dá para a gente ficar esperando anos e anos de discussão sobre isso.

Agência Brasil – No livro você cita o Teaching Tolerance. Existem iniciativas semelhantes no Brasil?

Luciana Barreto – A gente não tem nada parecido. Eles são um projeto do Alabama, um lugar que tem muito discurso de ódio, que é no berço do movimento dos direitos civis. Ali onde teve ataque contra a população negra, onde teve bomba em igreja, onde teve assassinatos, enforcamentos, e que tem uma ferida aberta ainda. Eu estava lá no último ano do governo de Barack Obama. Eles já percebiam o aumento do discurso da extrema-direita que acabou levando Donald Trump ao poder logo em seguida. Mas já se percebia um aumento do discurso de ódio. Discurso de ódio contra estrangeiros, aumento da xenofobia, contra os latinos, discurso de ódio contra negros, o discurso meritocrático que muitas vezes passa por discurso de ódio, discurso contra população LGBT. Isso era 2016. Então, eles estavam tentando algo, uma plataforma que desse todo o suporte e apoio, não só ao combate ao discurso de ódio, mas também à vítima. Eu achei aquilo incrível. Pensei que precisava voltar e propor algo aqui. Surgiu, então, a ideia de me matricular no mestrado.  

Agência Brasil – Em um dos resumos do seu livro me chamou atenção uma frase que diz que o ódio é uma forma de exclusão.

Luciana Barreto – Isso, exato. Acho que esse é o alerta maior do livro, as pessoas acham que são só garotos nas redes sociais falando. Não. O discurso de hoje está interferindo na sociedade brasileira E as grandes plataformas [redes sociais] distribuem esse discurso preferencialmente. Essa é a questão.

Jornalista da TV Brasil Luciana Barreto é finalista do Prêmio Jabuti

Foi com surpresa e felicidade que a jornalista Luciana Barreto recebeu a notícia de que seu primeiro livro, Discursos de Ódio contra Negros nas Redes Sociais, está entre os cinco finalistas da categoria divulgação científica da primeira edição do Prêmio Jabuti Acadêmico.

“É a minha dissertação de mestrado. E eu me dediquei muito a ela com um motivo genuíno: eu queria contribuir demais com algo que, para mim, incomodava demais, que é o aumento do discurso de ódio na rede social”, diz.

Luciana Barreto é mestre em relações étnico-raciais, palestrante, escritora, pesquisadora e apresentadora da TV Brasil. Após conhecer, nos Estados Unidos, o projeto Teaching Tolerance, em tradução livre, Ensinando Tolerância, ela voltou para o Brasil com vontade de criar também por aqui uma iniciativa semelhante. O projeto não apenas oferece apoio a vítimas de discurso de ódio, como produz materiais de apoio para orientar escolas e a sociedade.

A criação do projeto ainda está no radar, mas antes, Luciana levou a ideia para o mestrado que, no final do ano passado, e virou também livro. Na obra, que ela enfatiza, não é voltada apenas para pessoas negras, mas para toda a sociedade, ela traz, primeiro, uma contextualização histórica brasileira, de construção da sociedade e de como o racismo é estruturado. Em seguida, analisa publicações com discursos de ódio nas redes sociais.

“Acho que esse é o alerta maior do livro, as pessoas acham que são só garotos nas redes sociais falando. Não. O discurso de hoje está interferindo na sociedade brasileira”, diz.

Segundo ela, são necessárias medidas urgentes, como a responsabilização e cobrança de medidas por parte das grandes empresas de tecnologia, as chamadas big techs, responsáveis pelas redes sociais.

“O discurso de ódio mata. E o discurso de ódio faz morrer. Porque as pessoas estão cometendo suicídio por conta de questões nas redes sociais. As pessoas estão viciadas. As pessoas estão com sérios problemas ligados à rede social”, enfatiza a jornalista.

Os finalistas de cada uma das categorias do prêmio foram divulgados nesta quinta-feira (18). O Prêmio Jabuti é o principal reconhecimento literário do Brasil, é idealizado pela Câmara Brasileira do Livro e ocorre desde 1958. Neste ano, para chamar atenção às contribuições significativas à ciência no país, foi lançada uma nova modalidade, o Prêmio Jabuti Acadêmico, que conta com o apoio da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) e da Academia Brasileira de Ciências (ABC).

Horas depois de saber o resultado, Barreto conversou com a Agência Brasil. Confira os principais trechos da entrevista:

Agência Brasil – Como você recebe esse resultado, esse reconhecimento?

Luciana Barreto – Primeiro, claro que eu estou muito feliz. Mas muito surpresa, porque às vezes eu acho que a gente trabalha tão intensamente e realmente sem pretensões. Eu não tinha nenhuma pretensão nem disso virar livro. É a minha dissertação de mestrado. E eu me dediquei muito a ela com um motivo genuíno: eu queria contribuir demais com algo que, para mim, incomodava demais, que é o aumento do discurso de ódio na rede social. Eu realmente via as minhas amigas ligarem chorando. E eu estou falando de pessoas extremamente empoderadas. Pessoas que têm cargos, que têm dinheiro, que têm reconhecimento e que estavam fragilizadas diante de discursos de ódio.  

Eu já tinha a intenção de estudar isso. Quando fui para os Estados Unidos, conheci esse projeto, que é o Teaching Tolerance, ensinando a tolerância. Era um projeto que dava todo o apoio às vítimas de discurso de ódio, desde apoio jurídico, material a apoio para os professores, para ensinarem esse contradiscurso. Quando eu vi tudo isso, aí eu falei, vamos levar para o Brasil. Mas então eu tive uma intenção genuína, a minha intenção era apresentar para as pessoas uma proposta de se proteger do discurso de ódio, o que eu chamo de contradiscurso. Perceber que isso virou um livro, ou seja, tem uma distribuição maior entre as pessoas. E depois perceber que esse livro tem um reconhecimento. Para mim, é incrível.

Luciana Barreto é uma das 5 semifinalistas da primeira edição do Prêmio Jabuti Acadêmico – Tânia Rêgo/Agência Brasil

Agência Brasil – Conta um pouquinho o que é o livro e como ele está estruturado.

Luciana Barreto – O livro é um resultado de dissertação de mestrado, só que ele é escrito por uma jornalista. Então, isso faz toda a diferença. Na primeira etapa do livro – eu falo que esse é um livro voltado não só para pessoas negras, apesar de ser um livro sobre discurso de ódio contra pessoas negras, ele é voltado para que todos leiam – e para isso, eu tenho aí uma primeira parte do livro ambientando o leitor com termos, ambientando o leitor com a história do movimento negro.

Em um segundo momento, eu entro nessa parte mais acadêmica. O livro é numa área de análise do discurso. Eu pego expressões de discurso de ódio que são muito recorrentes nas redes socais e faço uma análise dessas expressões. E aí eu entendo por que o hater [em tradução livre, odiador. É um termo usado na internet para classificar pessoas que postam comentários de ódio] utiliza essa expressão, que tipo de objetivo o hater quer ao utilizar essa expressão. Quando o leitor já chega nessa parte, ele já entende que existe toda uma questão social e econômica envolvida com a questão racial. Ele percebe, por exemplo, por que se utilizam expressões como o “mimimi”, por que eles focam mulheres negras, por exemplo, com uma condição econômica, social um pouco mais vantajosa.

O leitor já está entendendo que a condição da mulher negra na opinião do hater, e às vezes em parte significativa do Brasil, infelizmente, é uma condição em que ela está numa posição do servir. Então, se ela aparece numa posição de poder, ela sofre discurso de ódio. Se ela aparece numa condição de beleza que é muito ligada às pessoas brancas, ela sofre discurso de ódio. Então, o leitor vai entendendo todo esse mecanismo de opressão pelo qual passam as vítimas de discurso de ódio.

Agência Brasil – Pode nos dar um exemplo?

Luciana Barreto – Um exemplo, a expressão “mimimi”, que eu analiso nesse livro. O “mimimi” é sempre uma dor. Brincam que “mimimi” é a dor que dá no outro. O ponto de partida é dizer que a sua reivindicação é uma reivindicação menor. Essa é a ideia do “mimimi”. O hater quer sempre trazer uma ideia supremacista, eu diria, dizendo que existe um grupo que não reclama, que vive a vida, trabalha. Essa ideia de que tem esse grupo – e a gente sabe esse grupo idealizado qual é – e, por outro lado, tem um grupo que reclama. Então, a análise do discurso é para isso. A minha ideia era fazer com que as pessoas entendessem, as minhas amigas também, é mostrar: ele está usando esse termo para te paralisar, para te fazer regredir, voltar, te deixar estática, e isso não vale a pena, porque tem uma ideia supremacista aqui envolvida quando ele usa certas expressões com você.

Eu utilizo, inclusive, um estudo do pesquisador Luiz Valério Trindade. Ele quantificou os discursos de ódio no Facebook. Tem uma porcentagem bem grande de mulheres negras como principal alvo. Os haters são normalmente meninos jovens que perseguem essas mulheres negras. E ele traz dez itens em que elas são perseguidas: quando elas estão fazendo uma viagem ao exterior, por exemplo, uma viagem de férias, se ela estiver no Hemisfério Norte, se for aos Estados Unidos e Europa; se tiver um casamento interracial; se utilizar o cabelo black como um sinal de beleza; se estiver numa posição de profissional liberal, como advogada, jornalista, apresentadora; se ganha um concurso de beleza. Ele vai elencando alguns tópicos em que essas mulheres, que são o principal alvo, aparecem com mais frequência como alvo dos haters.

Eu não faço uma análise quantitativa, como eu disse, eu faço uma análise do discurso. Então, eu faço análise das palavras, das expressões e como elas são colocadas, como elas aparecem e por qual objetivo.

Agência Brasil – Qual o papel das redes sociais na disseminação de discursos de ódio e como é possível combater a disseminação desse tipo de conteúdo?

Luciana Barreto – A discussão de regulação é uma discussão, acho, muito lenta e a gente precisa mesmo de uma cobrança maior às big techs. E é isso que os outros países estão fazendo, estão indo direto nelas. Eu acho que é isso que a gente vai conseguir de mais imediato. Por que eu falo de imediato? Porque, o discurso de ódio mata. E o discurso de ódio mata. E o discurso de ódio faz morrer. Porque as pessoas estão cometendo suicídio por conta de questões nas redes sociais. As pessoas estão viciadas. As pessoas estão com sérios problemas ligados à rede social. Não dá para a gente ficar esperando anos e anos de discussão sobre isso.

Agência Brasil – No livro você cita o Teaching Tolerance. Existem iniciativas semelhantes no Brasil?

Luciana Barreto – A gente não tem nada parecido. Eles são um projeto do Alabama, um lugar que tem muito discurso de ódio, que é no berço do movimento dos direitos civis. Ali onde teve ataque contra a população negra, onde teve bomba em igreja, onde teve assassinatos, enforcamentos, e que tem uma ferida aberta ainda. Eu estava lá no último ano do governo de Barack Obama. Eles já percebiam o aumento do discurso da extrema-direita que acabou levando Donald Trump ao poder logo em seguida. Mas já se percebia um aumento do discurso de ódio. Discurso de ódio contra estrangeiros, aumento da xenofobia, contra os latinos, discurso de ódio contra negros, o discurso meritocrático que muitas vezes passa por discurso de ódio, discurso contra população LGBT. Isso era 2016. Então, eles estavam tentando algo, uma plataforma que desse todo o suporte e apoio, não só ao combate ao discurso de ódio, mas também à vítima. Eu achei aquilo incrível. Pensei que precisava voltar e propor algo aqui. Surgiu, então, a ideia de me matricular no mestrado.  

Agência Brasil – Em um dos resumos do seu livro me chamou atenção uma frase que diz que o ódio é uma forma de exclusão.

Luciana Barreto – Isso, exato. Acho que esse é o alerta maior do livro, as pessoas acham que são só garotos nas redes sociais falando. Não. O discurso de hoje está interferindo na sociedade brasileira E as grandes plataformas [redes sociais] distribuem esse discurso preferencialmente. Essa é a questão.

CNJ afasta desembargador que falou em mulheres loucas atrás de homens

O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) determinou nesta quarta-feira (17) o afastamento do desembargador do Tribunal de Justiça do Paraná (TJPR) Luís Cesar de Paula Espíndola.

A medida foi tomada pelo corregedor nacional de Justiça, ministro Luís Felipe Salomão, que decidiu investigar o magistrado por “discurso potencialmente preconceituoso e misógino” durante uma sessão de julgamento realizada no dia 3 de julho.

Durante o julgamento sobre assédio envolvendo uma menor de 12 anos, o desembargador disse que as “mulheres estão loucas atrás dos homens” e criticou o que chamou de “discurso feminista desatualizado”. Na sessão, o magistrado também votou contra a concessão de medida protetiva à adolescente.

“Se Vossa Excelência sair na rua hoje, quem está assediando, quem está correndo atrás de homens são as mulheres, porque não tem homem. Hoje em dia, o que existe é que as mulheres estão loucas atrás dos homens, porque são muito poucos. A mulherada está louca atrás de homem”. afirmou.

O afastamento foi motivado por uma ação da seccional da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) no Paraná. No entendimento do corregedor, o desembargador não pode continuar no cargo, exercendo a presidência da 12ª Câmara Cível, destinada ao julgamento de causas de família.

“Diante da gravidade do caso e a premente necessidade de prevenir situações futuras em caso de permanência do desembargador à frente da Câmara que atua nesta mesma matéria, com atitudes reiteradas de contrariedade às políticas e normativos encampados por este conselho”, afirmou o ministro.

Em nota divulgada após o episódio, o desembargador disse que não teve a intenção de “menosprezar o comportamento feminino”.

“Esclareço que nunca houve a intenção de menosprezar o comportamento feminino nas declarações proferidas por mim durante a sessão da 12ª Câmara Cível do tribunal. Afinal, sempre defendi a igualdade entre homens e mulheres, tanto em minha vida pessoal quanto em minhas decisões. Lamento profundamente o ocorrido e me solidarizo com todas e todos que se sentiram ofendidos com a divulgação parcial do vídeo da sessão”, declarou.

CCJ do Senado adia votação da PEC da autonomia financeira do BC

Para tentar chegar a um acordo com o governo federal, ficou para agosto a votação da Proposta de Emenda à Constituição 65/2023 (PEC) que concede autonomia financeira e administrativa ao Banco Central (BC). A PEC está em tramitação na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado. Em sessão desta quarta-feira (17), os senadores da comissão anunciaram um acordo para adiar a votação. 

O líder do governo no Senado, senador Jaques Wagner (PT-BA), concordou com o adiamento da votação, argumentando que não haveria maioria na CCJ para aprovar a PEC. “A expectativa era de um placar empatado. A expectativa de placar mostrou que os próprios colegas ainda não têm uma maioria consolidada. Bom, então se abriu esse período [para mais negociações]”, acrescentou.

O senador lembrou que o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, não é contra a autonomia administrativa e financeira do BC, mas a forma com que essa autonomia seria concedida.

“Às vezes dizem que o problema, o diabo, mora no detalhe. É esse detalhe que aprisionou [a tramitação da matéria]”, disse o senador. O governo é contrário à transformação do Banco Central em empresa pública. 

A PEC em análise transforma o BC de uma autarquia federal vinculada, mas não subordinada ao Ministério da Fazenda, em uma empresa pública, com natureza especial, devido ao exercício de atividade estatal, passando a ter personalidade jurídica de direito privado.

Os senadores favoráveis à PEC concordaram com o adiamento da matéria, como a senadora Tereza Cristina (PP-MS). “Eu acho que merece mais discussão. Se nós conseguirmos chegar a um acordo que não desfigure o relatório, eu acho muito bom”, disse. 

A exceção foi o relator do texto, senador Plínio Valério (PSDB-MA), que reclamou da demora do governo para entrar no debate. “Por mim haveria votação. Em havendo o adiamento, claro, a gente terá muito espaço, muito tempo para dialogar. Mas eu espero que haja esse diálogo de verdade”, afirmou.

“As ponderações e reivindicações são muitas do governo, algumas pertinentes, outras nem tanto. Não posso pegar as sugestões agora, horas antes da reunião, e acatar ou não acatar”, completou Plínio Valério que, mesmo sem tempo para analisar as propostas do governo, defendeu a votação do relatório da forma como já estava.

Segundo o líder Jaques Wagner, a demora para o governo tratar do tema foi por causa de outras prioridades, como as negociações sobre a compensação da desoneração da folha de pagamento de setores econômicos e dos municípios. “Não há uma ideia de procrastinação”, afirmou.

Com a autonomia proposta pelo relator, o orçamento do BC não dependeria mais dos repasses do Tesouro Nacional, e usaria as receitas próprias geradas pelos seus ativos, para custear suas despesas com pessoal, custeio em geral e investimentos. 

Se aprovada a PEC, os servidores do BC deixam de ser regidos pelo regime único da União e se tornam empregados públicos, regidos pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).

Voto em separado

Na semana passada, o senador Rogério Carvalho (PT-SE) apresentou um voto em separado propondo a rejeição da PEC. Ele argumenta que existe incompatibilidade entre a natureza de empresa pública e as atribuições típicas de Estado exercidas pelo BC.

“Em nosso ordenamento jurídico, as atividades típicas de Estado são desempenhadas sob regime de direito público”, disse o senador, acrescentando que “empresa pública é entidade com personalidade jurídica de direito privado”.

Especialistas consultados pela Agência Brasil alertaram que a PEC promove uma espécie de privatização da gestão do BC e traz riscos fiscais ao país, uma vez que os lucros obtidos pelo banco podem deixar de ser repassados ao Tesouro Nacional. 

Mas os defensores da PEC alegam que a medida é necessária para que a instituição possa desenvolver suas atividades e fazer os investimentos necessários sem risco de ter recursos bloqueados ou limitados pelo orçamento da União.