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Taxa de juros elevada segura consumidores em inadimplência, diz CNC

A Pesquisa Nacional de Endividamento e Inadimplência do Consumidor (Peic), apurada mensalmente pela Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), mostrou que a taxa de juros elevada no país está encarecendo as dívidas e segurando as famílias em situação de inadimplência.

O levantamento mostra que, em outubro, 29,3% dos consumidores estavam com dívidas em atraso de 30 dias ou mais, ante 29,0% em setembro. Em outubro de 2023 eram 29,7% os consumidores com dívidas em atraso de mais de um mês.

Já o percentual de famílias com dívidas em atraso por mais de 90 dias atingiu 50,4% do total de endividados em outubro deste ano, o maior desde fevereiro de 2018, mostrando que os atrasos estão permanecendo por mais tempo. “Isso porque o aumento das taxas de juros leva a um encarecimento das dívidas”, diz a pesquisa.

Segundo o levantamento, a alta de juros está fazendo com que as famílias precisem de prazos mais longos para quitá-las. “O percentual de comprometimento da renda mais desafiador ajuda a explicar o aumento do percentual de famílias que não terão condições de pagar as contas atrasadas, mostrando que os prazos mais longos das dívidas e o menor endividamento não estão sendo suficientes para compensar a alta do nível de juros”, diz a pesquisa.

Baixa renda

Conforme o levantamento, a inadimplência entre as famílias de menor renda (até três salários mínimos) alcançou 37,7% em outubro, “refletindo o impacto dos juros elevados e das condições de crédito mais restritivas sobre o orçamento dos mais vulneráveis”. Esse aumento ocorreu apesar da redução geral do endividamento, que recuou para 76,9%, nível semelhante ao registrado em outubro do ano passado, indicando mais cautela das famílias com o uso de crédito.

“A dependência de crédito em um cenário de juros elevados torna a quitação de dívidas um desafio ainda maior para as famílias mais pobres”, disse o presidente do Sistema CNC-Sesc-Senac, José Roberto Tadros. “Acreditamos que, com medidas voltadas para a redução de gastos públicos, é possível abrir espaço para uma possível queda dos juros, o que traria um alívio significativo para os consumidores e para a economia como um todo”, afirmou.

A Pesquisa Nacional de Endividamento e Inadimplência do Consumidor (Peic) é apurada mensalmente pela CNC desde janeiro de 2010. Os dados são coletados em todas as capitais dos estados e no Distrito Federal, com aproximadamente 18 mil consumidores.

Vítimas da lama da Samarco vão ao STF contra cláusulas de novo acordo

Entidades que mobilizam as vítimas do rompimento da barragem da mineradora Samarco levaram ao Supremo Tribunal Federal (STF) uma ação onde contestam diversos tópicos do novo acordo de reparação dos danos da tragédia. Entre outras coisas, eles pedem a suspensão de algumas cláusulas do Programa de Indenização Definitiva (PID), por considerá-las abusivas e discriminatórias. Há também questionamentos envolvendo a ausência dos atingidos nas tratativas que levaram ao novo acordo.

“Embora tenham insistentemente reivindicado assento na mesa de negociação da repactuação, o direito de participação não lhes foi concedido. O documento que tem mais de 1.300 páginas chegou ao conhecimento dos atingidos apenas no dia da assinatura”, sustentam o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) e a Associação Nacional dos Atingidos por Barragens (Anab), signatários da ação. As entidades anunciaram a movimentação jurídica nesta terça-feira (5), exatamente quando a tragédia completa nove anos.

Conforme a ação, teria ocorrido uma violação da Lei Federal 14.755/2023, que instituiu a Política Nacional de Atingidos por Barragens (PNAB), aprovada no ano passado. Seu artigo 3º garante às vítimas dos empreendimentos minerários o direito à “opção livre e informada a respeito das alternativas de reparação”. Dispositivo similar existe também na Política Estadual de Atingidos por Barragens do Estado de Minas Gerais (PEAB).

A barragem, que integrava um complexo minerário da Samarco na zona rural de Mariana (MG), se rompeu em 5 de novembro de 2015. Na ocasião, cerca de 39 milhões de metros cúbicos de rejeitos escoaram pela Bacia do Rio Doce. Dezenove pessoas morreram e houve impactos às populações de dezenas de municípios até a foz no Espírito Santo.

O novo acordo foi assinado no dia 25 de outubro pela Samarco, por suas acionistas Vale e BHP Billiton, pelo governo federal, pelos governos de Minas Gerais e do Espírito Santo e por diferentes instituições de Justiça, como o Ministério Público Federal (MPF) e a Defensoria Pública da União (DPU). Ele é fruto de três anos de negociações, em busca de uma repactuação do processo reparatório que fosse capaz de solucionar um passivo de 80 mil ações judiciais.

O acordo anterior, firmado em 2016 e denominado Termo de Transação e Ajustamento de Conduta (TTAC), vinha sendo considerado insatisfatório. A Fundação Renova, criada para administrar todas as medidas reparatórias, se tornou ao longo do tempo alvo de milhares de processos judiciais questionando sua atuação em temas variados como indenizações individuais, reconstrução de comunidades destruídas, recuperação ambiental, etc. Sua autonomia diante das mineradoras também era questionada.

O novo acordo extinguiu a Fundação Renova, criou um novo modelo de governança do processo reparatório e determinou que a Samarco desembolse R$ 100 bilhões em dinheiro novo, a ser desembolsado de forma parcelada ao longo de 20 anos. Esse recurso deverá bancar um conjunto de iniciativas que serão geridas de forma descentralizada, com responsabilidades distribuídas entre a União, os estados envolvidos e as instituições de Justiça. Além disso, a mineradora assumiu uma série de medidas estimadas em R$ 32 bilhões.

Caberá ao STF homologar o novo acordo. Ainda não há uma data prevista para a corte analisar o tema. A ação do MAB e da Anab pede que os atingidos sejam ouvidos antes da homologação e que seja instituído um comitê para acompanhar a implementação do acordo. As entidades cobram a aplicação do artigo 5º do PNAB, que determina a criação de um Programa de Direitos das Populações Atingidas por Barragens. Ele deve ser custeado pelas mineradoras responsáveis pela estrutura e deve ser aprovado e fiscalizado por um comitê temporário tripartite, com representantes do poder público, dos empreendedores e da sociedade civil.

Outro ponto questionado é a forma de reconhecimento dos indígenas e das populações tradicionais. Segundo as entidades, nem todas as comunidades atingidas foram incluídas, o que violaria a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT). Por ser um tratado internacional chancelados pelo Congresso Nacional, ela possui no Brasil força de lei federal. A convenção estabelece o direito de autorreconhecimento dos povos tradicionais, bem como o direito à consulta prévia, livre e informada todas as vezes que qualquer medida legislativa ou administrativa for suscetível de afetá-los diretamente.

As entidades querem também o reconhecimento de que a lama que chegou à foz do Rio Doce e ao oceano gerou danos também a quatro cidades litorâneas do sul da Bahia: Nova Viçosa, Caravelas, Alcobaça e Prado. Dessa forma, defendem na ação que o acordo inclua medidas em atendimento a atingidos e comunidades pesqueiras desses municípios.

Programa indenizatório

A principal novidade do acordo envolvendo as indenizações individuais é a instituição do PID, voltado principalmente para as vítimas ainda não reconhecidas. Apresentando a documentação básica, elas passariam a ter direito ao pagamento de R$ 35 mil referente a reparação pelos danos morais e materiais. No caso de pescadores e agricultores, o valor sobe para R$ 95 mil. A estimativa é que, ao todo, mais de 300 mil pessoas terão direito a receber valores através do PID, o que superaria os R$ 10 bilhões.

O PID está entre os pontos mais críticos na avaliação do MAB. Quando o acordo se tornou público, a entidade chegou a divulgar uma nota considerando que havia avanços como a instituição de fundos sob gestão do Estado, mas que os valores indenizatórios estavam aquém do necessário. Na ação apresentada ao STF, são apresentadas outras críticas. O MAB e a Anab sustentam que houve um tratamento desigual a pessoas que desempenham as mesmas atividades. Contesta-se, por exemplo, a exigência do Registro Geral de Pesca (RPG) e do Cadastro Nacional da Agricultura Familiar (CAF), sob o argumento de que essa medida acabaria por excluir do programa os pescadores artesanais e agricultores familiares informais.

As entidades cobram também a criação de mecanismos de fiscalização e de controle das decisões sobre os pedidos de indenização individuais que forem negados. Outra discussão que consideram fundamental envolve a assinatura de um termo de quitação final. Ele pleiteiam que a cláusula que fixa essa exigência não seja homologada. “É absolutamente inaceitável que um programa de indenização desenhado sem participação dos atingidos tenha quitação ampla e irrestrita. Artigos da PNAB e PEAB foram ignorados, além de obrigar o atingido a abrir mão de buscar justiça por outros meios”, avalia o integrante da coordenação do MAB, Thiago Alves, em nota divulgada pela entidade.

A exigência da assinatura de um termo de quitação final para ter acesso à indenização do PID pode afetar as discussões na Justiça inglesa, onde mais de 600 mil atingidos e dezenas de municípios buscam reparação em uma ação contra a BHP Billiton. A mineradora anglo-australiana acionista da Samarco é o alvo do processo porque tem sede em Londres. O escritório Pogust Goodhead, que representa as vítimas, estima que uma condenação possa chegar à R$ 260 bilhões, resultando em indenizações mais elevadas do que as previstas no acordo firmado no Brasil. Mas com a exigência do termo de quitação final, cada atingido poderá ter que fazer uma opção entre receber agora ou aguardar o resultado do processo inglês.

Jorge Messias, advogado-geral da União e representante do governo federal nas negociações do acordo, avalia se tratar de uma decisão individual e não de uma questão coletiva. Ele abordou o assunto em entrevista na semana passada ao programa Bom Dia, Ministro, veiculado pelo Canal Gov.

“Quem aderir [ao PID], evidentemente, está optando pela Justiça brasileira. As pessoas não podem ser indenizadas duas vezes pelo mesmo fato. Então, se a pessoa requerer a indenização aqui, nas condições que foram negociadas, ela vai estar abrindo mão da ação de Londres. Mas não é uma questão coletiva. É uma questão individual. As pessoas que preferirem esperar Londres e o resultado de Londres e o tempo de Londres é uma questão que vai de acordo com avaliação individual”, disse.

Segundo ele, o governo brasileiro buscará atuar para que os atingidos estejam em condições de escolher o caminho que considerarem mais adequado. “Nós estamos, neste momento, construindo um acordo de cooperação com a Defensoria Pública da União para que nós possamos levar as informações, para que a população, bem informada, possa tomar sua decisão de forma livre e voluntária”.

Investimentos na cultura têm recorde; Lei Rouanet soma R$ 3 bilhões

A cultura recebeu do governo federal o maior investimento de sua história. A afirmação da ministra da Cultura, Margareth Menezes (foto), teve como mote a data de hoje: 5 de novembro, Dia Nacional da Cultura.

Segundo ela, o setor tem reservados – apenas por meio da Política Nacional Aldir Blanc de Incentivo à Cultura – investimento “direto e contínuo” de R$ 15 bilhões até 2027 para estados e municípios.

Em pronunciamento oficial em rede nacional, ela disse, nessa segunda-feira (4), que, entre as prioridades da pasta, está o fortalecimento da diversidade cultural e o apoio aos profissionais da área.

Para a ministra, a Lei Paulo Gustavo resultou em repasses de R$ 3,8 bilhões “para todos os estados e 98% dos municípios”. Essa lei tem como meta ajudar trabalhadores do setor que tenham sido afetados pela pandemia da covid-19.

Margareth Menezes citou também a criação de linhas especiais de patrocínio nas periferias, na região Norte e nos territórios criativos. O ministério informou que tem priorizado “políticas públicas culturais que garantam que a cultura alcance cada canto do Brasil, por meio de programas, lançamentos, retomadas, editais e outras ações”.

Geração de ações

“A reativação de políticas de fomento já estabelecidas, como o incentivo fiscal da Lei Rouanet, também trouxe uma nova geração de ações. Desde sua criação em 1992, a lei tem sido uma ferramenta fundamental para o fomento da cultura. Com mais de R$ 28,5 bilhões investidos em cerca de 75 mil projetos culturais, a Rouanet tem contribuído de forma significativa para a economia e a diversidade cultural do país”, informou o Ministério da Cultura.

Cerca de 4,5 mil projetos são patrocinados a cada ano por aproximadamente 4,6 mil empresas e 11 mil pessoas físicas que recebem incentivo fiscal do governo.

“Apenas em 2024, o orçamento destinado aos projetos da [Lei] Rouanet é de R$ 3 bilhões. O impacto econômico total dela, desde sua implementação, foi estimado em R$ 49,8 bilhões, incluindo tanto os efeitos diretos quanto os indiretos sobre a economia brasileira, comprovando que o investimento em cultura é também um investimento em crescimento econômico sustentável”, detalhou a pasta.

A inclusão da cultura no Novo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) pretende viabilizar ainda mais o crescimento econômico e a inclusão social do país.

Equipamentos culturais

“Estamos construindo 250 equipamentos culturais – os CEUs da cultura – no interior e nas capitais, nas comunidades que mais precisam. E para as comunidades menores e mais afastadas, criamos equipamentos culturais itinerantes que estão rodando o Brasil”, disse a ministra.

A ministra acrescentou que a economia criativa representa mais de 3% do Produto Interno Bruto (soma de todas riquezas produzidas no país) e emprega mais de 7,5 milhões de pessoas.

“É na cultura que mora a alma do povo, o encantamento da vida, a liberdade de pensamento e a prática da cidadania. É também na cultura que o Brasil encontra espaço para crescer com geração de emprego e renda, justiça social e sustentabilidade ambiental”, finalizou a ministra Margareth Menezes.

Exposição no Museu do Ipiranga reflete sobre emergência climática

Nova exposição no Museu do Ipiranga, localizado na capital paulista, aborda emergência climática e dá visibilidade ao processo de degradação ambiental e social ao longo do desenvolvimento do Brasil. A mostra Onde há fumaça: arte e emergência climática, que será aberta nesta terça-feira (5), propõe diálogo entre peças do acervo e obras contemporâneas, questionando o modelo de progresso do país.

Segundo o curador Vítor Lagoeiro, a exposição se propõe a olhar para o acervo do museu e entender como aquelas imagens já dão alguns indícios de como o país chegou ao cenário atual. “Muito do que a gente tem ali no museu são imagens que celebram uma forma de ocupação do território que foi muito pautada pelo latifúndio, trabalho escravo e pela monocultura. Estes são três pilares que contribuem para inaugurar a degradação ambiental que acontece no Brasil há tantos séculos”, disse à Agência Brasil.

Obras do acervo do Museu do Ipiranga revelam caminho que levou à devastação no país – Paulo Pinto/Agência Brasil

Lagoeiro ressalta que o nome da exposição foi uma coincidência em relação às queimadas que atingiram o país neste ano. Na verdade, a origem do título remonta às situações retratadas nas antigas obras que já apontavam para um desfecho negativo. “O carro de boi puxando os troncos derrubados da floresta [na obra de Pedro Américo] já é um indício de uma devastação. Este é um exemplo muito bom do que foi o nosso exercício curatorial”, afirmou.

“São imagens muito romantizadas e, a princípio, inofensivas, mas, quando a gente começa a adentrar as imagens deste acervo, identifica troncos derrubados, fumaça, latifúndios. A gente começa a entender um pouco as estruturas e os gestos de destruição que estão ali representados”, afirmou.

No início do século 20, quando as imagens do museu foram produzidas, havia entusiasmo com aquele modelo de progresso, destacou a chefe da Divisão de Acervo e Curadoria do Museu do Ipiranga, Aline Montenegro Magalhães. “As imagens romantizam muito tal tipo de produção como uma etapa inescapável desse progresso. E as obras contemporâneas vêm dar uma resposta: olha onde a gente chegou com essas escolhas de desenvolvimento.”

Pinturas e fotografias de artistas que estão no acervo, como Benedito Calixto e Henrique Manzo, dialogam com trabalhos de Alice Lara, André Vargas, Bruno Novelli, Davi de Jesus do Nascimento, Anderson Kary Bayá, Jaime Lauriano, Luana Vitra, Mabe Bethônico, Roberta Carvalho, (Se)cura Humana, Uýra Sodoma e Xadalu Tupã Jekupé. A curadoria é do Micrópolis, grupo formado pelos arquitetos e pesquisadores Felipe Carnevalli e Marcela Rosenburg, além de Vítor Lagoeiro, junto à equipe do museu.

Independência e Morte

Uma releitura de Independência ou Morte (1888), de Pedro Américo, obra mais popular do Museu do Ipiranga e presente em livros didáticos, abre a exposição, já apresentando os temas que guiaram a curadoria. Intitulada Independência e Morte (2022), a obra de Jaime Lauriano substitui os símbolos e gestos de heroísmo patriótico por efeitos das tragédias ambientais decorrentes do rompimento recente de barragens de mineração no país, além de usar frases que remetem aos problemas ambientais.

“A lama intoxicada do rompimento das barragens que varre aquela paisagem tem algumas menções que foram muito difundidas no campo político recente na história do Brasil, como ‘passa boi, passa boiada’. E também traz alguns elementos que mostram tensionamentos de luta, de movimentos sociais. É como se fosse aquela paisagem alguns anos depois, no que aquele projeto de país resultou”, detalhou Vítor Lagoeiro.

De acordo com o curador, a exposição é bastante diversa em termos de linguagem, com pinturas, fotografias, obras em vídeo, instalações, esculturas, além de arquivos e documentos. “Há também alguns grupos de pesquisadores, ativistas e coletivos [na exposição] que atuam de outra forma, não através da arte. Tem alguns objetos que representam um pouco dessas práticas, como os meliponários dos Guarani aqui em São Paulo, que são estratégias de recuperar a presença das abelhas no território”, acrescentou.

Ampliação do debate

Para Lagoeiro, essa característica propicia a ampliação do debate sobre os assuntos tratados na mostra. O público terá acesso a trabalhos dos pesquisadores Ed Hawkins, cientista britânico do clima, criador das espirais climáticas e riscas de aquecimento, e Eduardo Góes Neves, arqueólogo brasileiro atuante na Amazônia; e dos ativistas, projetos e movimentos sociais Assentamento Terra Vista, Márcio Verá Mirim, Redes da Maré e Hãmhi Terra Viva.

Aline Magalhães ressalta que a narrativa do museu é celebrativa e remete aos primeiros anos de funcionamento da unidade, com uma versão hegemônica dos acontecimentos. “Os contrapontos colocados nessa exposição trazem outras vozes e outras histórias, de comunidades quilombolas e indígenas, outras formas de entender e de ocupar o território. Quando se gente coloca o acervo histórico do museu com obras contemporâneas, a gente fortalece a linguagem do contraponto, ampliando as formas de contar a história e também o olhar crítico sobre essa história.”

Ela lembra que Independência e Morte, de Lauriano, é um quadro produzido no âmbito das comemorações do Bicentenário da Independência, justamente quando o quadro de Pedro Américo estava em mais evidência. “A releitura nos traz um olhar bastante preocupante e preocupado com este país que completa 200 anos de independência em uma situação de morte. Ele troca ‘ou’ por ‘e’ para criticar as escolhas que, em 200 anos, estão mais contribuindo para uma situação de morte e devastação do que para uma independência.”

Estrutura da mostra

Na mostra, peças do acervo do museu fazem contraponto a obras contemporâneas – Paulo Pinto/Agência Brasil

A exposição está dividida em cinco núcleos: Monocultura, que mostra como a prática moldou o território brasileiro e a relação direta com a escravidão; Pavimentação, que aborda a urbanização do território paulista até a persistência das vidas que resistem nesse contexto; Transbordamentos faz referência a tentativas históricas de controle dos cursos d’água e suas consequências; Domesticação evidencia a extinção de espécies como um sintoma da emergência climática e Força geológica trata do impacto humano na transformação geológica da terra, em que as obras registram atividades como mineração e desmatamento e os desastres ambientais gerados por elas.

O núcleo Força geológica apresenta também práticas de incentivo à biodiversidade e ao manejo sustentável do solo.

Com entrada gratuita, a exposição temporária Onde há fumaça: arte e emergência climática fica em cartaz até 28 de fevereiro do próximo ano. O Museu do Ipiranga está localizado na Rua dos Patriotas, 100.

Acordo fixa que Samarco indenizará atraso na reconstrução de distritos

Os atrasos na reconstrução dos distritos desvastados pelo rompimento da barragem da Samarco deverão ser indenizados pela mineradora. É o que determina novo acordo de reparação firmado há duas semanas. Passados nove anos da tragédia, ainda há moradores que aguardam a entrega de suas casas.

O rompimento da barragem liberou cerca de 39 milhões de metros cúbicos de rejeitos que destruíram os distritos de Bento Rodrigues e Paracatu de Baixo, na zona rural de Mariana, em Minas Gerais. Dezenove pessoas morreram. A lama ainda escoou pela bacia do Rio Doce, gerando impactos às populações de dezenas de municípios até a foz no estado do Espírito Santo.

O novo acordo fixa uma indenização de R$ 1,08 bilhão dinheiro a ser dividido igualmente por todos os núcleos familiares. Esse montante diz respeito não apenas aos atrasos, mas também à declividade do terreno onde novas casas foram construídas e à impossibilidade de desenvolvimentos de atividades agrossilvopastoris.

Os novos distritos foram projetados com imóveis maiores e de padrão construtivo mais elevado, cercados por muros, alguns com churrasqueiras e piscinas. Com ares de um condomínio urbano, eles se distanciam da paisagem das comunidades rurais originais, compostas por casinhas de um pavimento, horta no quintal, galinheiro no fundo da casa, poucos muros e muito verde. A falta de acesso à água bruta tornou-se uma barreira para que os moradores pudessem voltar a cultivar hortas e criar animais.

Indenização

Há ainda uma indenização de R$ 100 mil para os núcleos familiares que perderam parentes ao longo dos últimos nove anos. Até o final do ano passado, apenas em Bento Rodrigues, 58 atingidos morreram antes que a comunidade fosse completamente reconstruída, segundo apontou levantamento da Cáritas, entidade que presta assessoria técnica às vítimas.

“São pessoas que morreram sem reparação. Não estou falando que todo mundo morreu porque não teve reparação. Tem gente que morreu porque já estava em idade avançada, tem gente que adoeceu. Mas muita gente morreu entristecida”, disse, na época, o coordenador de projetos da Cáritas, Rodrigo Vieira.

Moradores de Mariana lutaram por indenização – Aedas/divulgação

Conforme o novo acordo, a Samarco deverá assegurar R$ 100 bilhões em dinheiro, além de levar adiante algumas ações com custo estimado em R$ 32 bilhões. Outras obrigações envolvendo benefícios aos moradores dos dois distritos estão previstas. Foram reservados, por exemplo, R$ 50 milhões para projetos das comunidades atingidas, os quais, obrigatoriamente, incluirão programas sobre educação financeira.

Os dois distritos estão sendo reconstruídos em terrenos escolhidos por meio de votação. O novo acordo fixa que as áreas onde se encontravam as antigas comunidades deverão ser tombadas pelo município de Mariana e os imóveis devem ser desapropriados, devendo a Samarco arcar com os custos da respectiva indenização aos proprietários.

A mineradora também assumiu o compromisso de restaurar as capelas localizadas nos distritos devastados. Além disso, ela deverá repassar para Mariana R$ 27 milhões para a construção e manutenção do Memorial de Bento Rodrigues e Paracatu de Baixo. O município deverá finalizar a obra em 36 meses.

A reconstrução dos distritos vinha sendo conduzida pela Fundação Renova, entidade criada para administrar todo o processo de reparação conforme ficou estabelecido em um acordo firmado em março de 2016.

Conhecido como Termo de Transação e Ajustamento de Conduta (TTAC), ele estabeleceu uma série de programas, entre os quais o de reassentamento. O novo acordo, no entanto, determinou a extinção da Fundação Renova e descentralizou a execução de medidas, distribuindo responsabilidades entre o poder público e instituições de Justiça – Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) e o Ministério Público Federal (MPF) e a Samarco. A conclusão das obras nos dois distritos está entre as medidas a cargo da mineradora.

Em nota, a Samarco afirma que o novo acordo traz uma solução para as questões pendentes. “Permitirá a conclusão e entrega definitiva dos reassentamentos de Novo Bento Rodrigues e de Paracatu, que já estão em fase avançada, com 85% das residências e equipamentos públicos finalizados, sob o acompanhamento do Ministério Público de Minas Gerais e de assessorias técnicas”, registra o texto.

O novo acordo é resultado de negociações que se arrastavam há três anos. As tratativas buscavam uma repactuação do processo reparatório diante da insuficiência do Termo de Transação e Ajustamento de Conduta.

A Fundação Renova passou a ser criticada por sua falta de autonomia diante das mineradoras e se tornou, ao longo do tempo, alvo de milhares de processos judiciais questionando sua atuação em temas variados como indenizações individuais, reconstrução de comunidades destruídas e recuperação ambiental, por exemplo.

De muitas casas das cidades afetadas pela tragédia restou apenas a lembrança – Léo Rodrigues/Agência Brasil

Cobrança

Uma das ações – movida pelo MPMG – cobrava inclusive a aplicação de uma multa pelo descumprimento do prazo de entrega das casas de Bento Rodrigues e de Paracatu. O cronograma original das obras dos dois distritos previa a conclusão para 2018 e 2019.

As estimativas mudaram algumas vezes até que a Fundação Renova parou de divulgar datas. Em 2020, uma decisão judicial chegou a definir o dia 27 de fevereiro de 2021 como nova data limite para a conclusão das obras, sob pena de R$ 1 milhão por dia de atraso – valor a ser pago pela Samarco e por suas acionistas Vale e BHP Billiton. Apesar dos pedidos do MPMG, a multa não chegou a ser executada. Com o novo acordo, esse processo será arquivado.

Ao todo, os projetos dos dois distritos previam o reassentamento de mais de 300 famílias, além das estruturas dos edifícios da escola, dos postos de saúde e de outros serviços públicos. Em Bento Rodrigues, as chaves das primeiras casas foram entregues pela Fundação Renova em abril do ano passado. Dois meses depois, algumas famílias de Paracatu também tiveram finalmente acesso às residências. O novo acordo também fixa prazos para que a Samarco desenvolva e conclua os projetos conceituais e executivos das casas pendentes. Também determina a finalização das obras desses imóveis em até 360 dias.

Caso Samarco: novo acordo pode afetar ação inglesa; agenda não muda

Mesmo com o novo acordo firmado no Brasil para reparar os danos causados na tragédia ocorrida em Mariana (MG), a ação movida pelos atingidos nos tribunais da Inglaterra segue seu cronograma. O processo, que tramita desde 2018, entrou na terceira semana da etapa de julgamento do mérito. Entidades representativas dos atingidos afirmam que as cifras fixadas pelo novo acordo para as indenizações individuais são baixas. A expectativa é de se obter valores maiores na Justiça inglesa.

Nesta terça-feira (5), o Movimento dos Atingidos por Barragem (MAB) realiza uma plenária e uma marcha na cidade de Mariana para lembrar os nove anos da tragédia, ocorrida em 5 de novembro de 2015. Há duas semanas, quando o acordo foi firmado, a entidade divulgou nota considerando que ele trouxe avanços ao processo reparatório. Ao mesmo tempo, apontou insuficiências: a principal delas seria justamente relacionada às indenizações individuais. “São insuficientes diante dos danos causados. Nesse sentido, a luta segue por indenizações justas, seja na Justiça brasileira, junto aos governos ou nas cortes internacionais, como no caso da ação inglesa que está sendo julgada em Londres, neste momento”, diz o texto.

A barragem, que integrava um complexo minerário da Samarco, se rompeu em 5 de novembro de 2015. Na ocasião, cerca de 39 milhões de metros cúbicos de rejeitos escoaram pela Bacia do Rio Doce. Dezenove pessoas morreram e houve impactos às populações de dezenas de municípios até a foz no Espírito Santo. O alvo dos atingidos na Inglaterra é a anglo-australiana BHP Billiton, que tem sede em Londres. Ela é, junto com a brasileira Vale, acionista da Samarco

Com base no novo acordo, todas as ações que haviam sido movidas pela União, pelos governos estaduais e pelas instituições de Justiça como o Ministério Público Federal (MPF) e o Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) deverão ser arquivadas. O mesmo, porém, não ocorre com as ações ajuizadas pelas vítimas. Como os atingidos não são signatários, o novo acordo não pode privá-los do direito de buscar reparação judicial.

A cláusula 1, inclusive, reitera “a possibilidade de prosseguimento ou ajuizamento de medidas judiciais individuais”. Mesmo assim, é possível que o novo acordo afete a tramitação do processo no Reino Unido. A extensão dos seus impactos, no entanto, ainda é incerta.

Uma das medidas estabelecidas pelo novo acordo é a criação do Programa Indenizatório Definitivo (PID). Trata-se de uma iniciativa voltada para tentar resolver os impasses envolvendo as indenizações aos atingidos. Entre as cláusulas referentes ao PID, há uma que fixa que o recebimento de valores no âmbito do programa acarretará a quitação de danos individuais morais e materiais decorrentes da tragédia. Ou seja, o atingido deverá concordar que foi integralmente indenizado. Dessa forma, caso ele esteja incluído no processo que tramita no Reino Unido, o juízo inglês poderia ser eventualmente provocado por um pedido da BHP Billiton pela exclusão do respectivo atingido.

Embora a quitação não inclua “danos futuros, supervenientes ou desconhecidos”, o MAB e outras entidades representativas dos atingidos criticam a exigência e sustentam que ainda não é possível dizer com exatidão a extensão e a duração dos prejuízos. Lembram, por exemplo, que o novo acordo estendeu a proibição da pesca na região da foz do Rio Doce por mais dois anos, mantendo a permissão apenas quando o intuito for a pesquisa científica. Dessa forma, não seria possível dizer até onde vão os danos aos pescadores.

O novo acordo foi assinado no dia 25 de outubro pelas mineradoras, pelo governo federal, pelos governos de Minas Gerais e do Espírito Santo e por diferentes instituições de Justiça, como o MPF e a Defensoria Pública da União (DPU). Para o escritório de advocacia Pogust Goodhead, que representa os atingidos no processo que tramita no Reino Unido, as negociações no Brasil evoluíram diante da pressão da opinião pública e do avanço do julgamento no tribunal estrangeiro. Seria uma demonstração da relevância da movimentação dos atingidos fora do país.

Rio de Janeiro – Julgamento de Mariana em Londres. Foto Francisco Proner/Divulgação

“Ainda assim, os valores definidos estão longe de cobrir os profundos prejuízos sofridos pelas vítimas, que continuam lutando por justiça e reparações integrais. Infelizmente, as negociações no Brasil ocorreram a portas fechadas, sem transparência, e foram encerradas sem participação dos atingidos”, registra nota divulgada pelo escritório. Os advogados do Pogust Goodhead não acreditam que haverá qualquer tipo de duplicidade de indenizações.

“Os tribunais ingleses foram claros ao determinar que o julgamento na Inglaterra pode prosseguir independentemente dos eventos no Brasil, apesar das repetidas tentativas da BHP de negar aos nossos reclamantes essa via para a Justiça. Nossos clientes não foram incluídos nas negociações e buscam reparações integrais por uma série de danos morais e materiais que não estão contemplados no acordo no Brasil”, acrescenta a nota.

Entre os reclamantes na ação que tramita no Reino Unido, no entanto, estão alguns municípios atingidos expressamente citados no novo acordo. Foram definidos valores que eles receberão para iniciativas envolvendo temas variados, como fomento à agropecuária, melhoria de sistema viário, gestão de cultura e turismo, educação, saneamento e saúde.

A forma como os recursos devem ser divididos foi definida com base em proposta formulada pelo Consórcio Público de Defesa e Revitalização do Rio Doce (Coridoce), composto exatamente por municípios atingidos. Mas há uma cláusula do acordo que coloca expressamente a desistência de ações ajuizadas no exterior como pré-requisito para obter os repasses. Até o momento, os municípios não se manifestaram sobre o caminho que irão tomar.

Ao todo, cerca de 700 mil atingidos representados pelo escritório Pogust Goodhead cobram indenização na Justiça inglesa por danos morais e materiais. São listadas perdas de propriedades e de renda, aumento de despesas, impactos psicológicos, impactos decorrentes de deslocamento e falta de acesso à água e energia elétrica, entre outros prejuízos. No caso de indígenas e quilombolas que também figuram na ação, são mencionados os efeitos para as práticas culturais e os impactos decorrentes da relação com o meio ambiente. Há ainda reivindicações dos municípios, além de empresas e instituições religiosas.

Na atual etapa do processo inglês, que deve durar até março do próximo ano, os juízes vão determinar se há ou não responsabilidade da anglo-australiana BHP Billiton. Nesta semana, o tribunal dará sequência a interrogatórios de executivos da mineradora.

A defesa dos atingidos estima que eles podem obter, ao todo, cerca de R$ 230 bilhões em indenizações na Justiça inglesa. Há um acordo entre as duas acionistas da Samarco – BHP Billiton e Vale – para que, em caso de condenação, cada uma arque com 50% dos valores fixados. O processo ainda deve se arrastar. Mesmo que a responsabilidade da minerador anglo-australiana seja reconhecida, o cronograma do tribunal inglês indica que a análise dos pedidos de indenização individual poderá ocorrer apenas no fim de 2026.

Desde o início, a BHP Billiton alegou haver duplicação de julgamentos e defendeu que a reparação dos danos deveria se dar unicamente sob a supervisão dos tribunais brasileiros. Com o acordo firmado há duas semanas, a mineradora voltou a defender publicamente essa posição. “A ação duplica questões que já são cobertas pelo trabalho de reparação conduzido no Brasil, além de prejudicar os esforços de reparação que acontecem no país”, afirma em nota. Ela alega também que, desde a tragédia, as mineradoras já gastaram R$ 38 bilhões em medidas reparatórias no Brasil. Para a BHP Billiton, “o acordo dá continuidade e amplia os trabalhos de reparação realizados até agora”.

Indenizações

O novo acordo é fruto de três anos de negociações, em busca de soluções para problemas que se arrastavam há quase nove anos. O acordo anterior, firmado em 2016 e denominado Termo de Transação e Ajustamento de Conduta (TTAC), vinha sendo considerado insatisfatório. A Fundação Renova, criada para administrar todas as medidas reparatórias, se tornou ao longo do tempo alvo de milhares de processos judiciais questionando sua atuação em temas variados como indenizações individuais, reconstrução de comunidades destruídas e recuperação ambiental.

A governança do processo reparatório foi alterada pelo novo acordo. Ele estabeleceu a extinção da Fundação Renova e definiu que a Samarco deverá assegurar R$ 100 bilhões em dinheiro novo, além de levar adiante algumas ações com custo estimado em R$ 32 bilhões. Sem a Fundação Renova, a gestão das medidas se dará de forma descentralizada. O novo acordo especifica quais ações ficam sob responsabilidade de cada um dos envolvidos na reparação: União, estados, municípios, instituições de Justiça e mineradoras.

Conforme o acordo, caberá às mineradoras garantir a indenização individual dos atingidos. Os recursos necessários estão inclusos na estimativa dos R$ 32 bilhões referente às medidas sob responsabilidade da Samarco. Caberá a ela concluir as tramitações pendentes no Sistema Indenizatório Simplificado, conhecido como Novel, que era alvo de questionamentos do MPF e encerrou o período de adesões em setembro de 2023.

Além disso, será dado prazo de 60 dias para que os atingidos revisem e atualizem seus cadastros no Programa de Indenização Mediada (PIM), que foi criado em 2016. As informações serão usadas para a conclusão do processo indenizatório à luz dos critérios previamente vigentes, estabelecidos pela Fundação Renova.

Na temática das indenizações, a principal novidade do acordo é a implantação do PID, que é voltado principalmente para as vítimas ainda não reconhecidas. Apresentando a documentação básica, elas passariam a ter direito ao pagamento de R$ 35 mil referente à reparação pelos danos morais e materiais. No caso de pescadores e agricultores, o valor sobe para R$ 95 mil. A adesão deve ser solicitada em até 90 dias, após a oficialização da implementação do PID. Aqueles que ainda não concluíram seus processos no PIM e no Novel, poderão migrar para o PID.

A estimativa é de que, ao todo, mais de 300 mil pessoas terão direito a receber valores por meio do PID, o que superaria os R$ 10 bilhões. Até R$ 1,5 bilhão poderão vir dos R$ 100 bilhões que o acordo fixou como dinheiro novo. O pagamento do restante entra como parte das iniciativas de responsabilidade da Samarco, estimadas em R$ 32 bilhões.

Em nota, a Samarco destaca as medidas pactuadas. “Incluem a conclusão do processo indenizatório, oferecendo uma última oportunidade para aqueles que tiveram pedidos negados, desde que estejam cadastrados ou possuam protocolo de manifestação junto à Fundação Renova até dezembro de 2021 e não tenham recebido indenização por danos gerais, entre outros critérios”, diz o texto.

Foi mantido ainda o pagamento do auxílio financeiro emergencial para todos os atingidos. É um benefício mensal que não se confunde com a indenização. Ela seguirá em vigor até março de 2026. O repasse é de um salário mínimo, acrescido de 20% por dependente, mais uma cesta básica conforme valor estipulado pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese). O acordo reserva ainda recursos para indenizar os povos tradicionais. São listadas quatro etnias indígenas – puri, krenak, tupiniquim e guarani – e diversas comunidades quilombolas, além de faiscadores e garimpeiros.

Caso Samarco: criação de fundos busca destravar reparação após 9 anos

Exatamente nove anos após o rompimento da barragem da Samarco, um novo modelo de processo reparatório, que envolve a criação de diferentes fundos, gera nos atingidos a expectativa de que medidas necessárias comecem a sair do papel. A mudança decorre do novo acordo, anunciado há duas semanas. Sua assinatura encerra uma longa negociação que durou cerca de três anos entre a União, os estados de Minas Gerais e do Espírito Santo, a Samarco e suas acionistas Vale e BHP Billiton, além de instituições de Justiça como o Ministério Público e a Defensoria Pública.

O rompimento da barragem, que integrava um complexo de mineração na zona rural de Mariana (MG), liberou cerca de 39 milhões de metros cúbicos de rejeitos, que escoou pela bacia do Rio Doce, gerando impactos às populações de dezenas de municípios até a foz no Espírito Santo. Dezenove pessoas morreram e uma sobrevivente que estava grávida sofreu um aborto.

Nesta terça-feira (5), uma marcha na cidade de Mariana, convocada pelos atingidos e por diferentes entidades, vai lembrar os nove anos da tragédia e cobrar por justiça. A concentração, às 14h30, será no Centro de Convenções Alphonsus de Guimarães. Mais cedo, o Movimento dos Atingidos por Barragem (MAB) realizará uma plenária para debater o novo acordo. A Cáritas, entidade escolhida pelos atingidos da cidade de Mariana como assessoria técnica, também divulgou atividades adicionais para marcar a data: uma exposição fotográfica e um ato em memória dos mortos na tragédia, além da marcha pelas ruas da cidade.

A avaliação do MAB é de que o acordo traz avanços, mas ainda é insuficiente para garantir a reparação integral, pois os valores estariam aquém do necessário, sobretudo aqueles destinados às indenizações individuais. O principal ponto positivo destacado pela entidade é justamente a criação de fundos de ação coletiva sob gestão do Estado. Há a expectativa de que a nova governança do processo possa gerar resultados positivos.

“É um marco para o movimento que, desde o início, defende a reparação pública, livre do controle privado”, classificou o MAB em nota divulgada após o anúncio do acordo. A entidade afirma que irá pressionar para que os fundos sejam aplicados integralmente em benefício dos atingidos e mantém a critica à ausência de participação popular ao longo da construção do acordo. As mesas de negociação não contaram com a participação de representantes dos atingidos.

As tratativas buscavam repactuar o processo reparatório e encontrar soluções para problemas que não foram resolvidos com o acordo anterior, firmado em 2016 e denominado Termo de Transação e Ajustamento de Conduta (TTAC). A Fundação Renova, que havia sido criada para administrar todas as medidas reparatórias, se tornou ao longo do tempo alvo de milhares de processos judiciais questionando sua atuação em temas variados como indenizações individuais, reconstrução de comunidades destruídas e recuperação ambiental.

Mariana (MG) – Distrito de Bento Rodrigues, atingido pelo rompimento de duas barragens de rejeitos da mineradora Samarco – Foto Antonio Cruz/ Agência Brasil

“O termo de repactuação permite resolver as ações civis públicas e outros processos judiciais relacionados aos impactos socioambientais e socioeconômicos decorrentes do rompimento”, anunciou a Samarco, em nota, após a assinatura do acordo.

Toda a governança do processo reparatório foi alterada. Ficou estabelecida a extinção da Fundação Renova. O novo acordo definiu que a Samarco deverá assegurar R$ 100 bilhões em dinheiro novo, com desembolsos parcelados ao longo de 20 anos. Além disso, deverá levar adiante algumas ações com custo estimado em R$ 32 bilhões. Sem a Fundação Renova, a gestão das medidas se dará de forma descentralizada. O novo acordo especifica quais ações ficam sob responsabilidade de cada um dos envolvidos na reparação: União, estados, municípios, instituições de Justiça e mineradoras.

Do total de recursos, R$ 29,75 bilhões envolvem medidas e projetos sob gestão da União, incluindo por exemplo transferência de renda, fomento à educação, ciência e inovação, ações ambientais e reparação da atividade pesqueira. Esse montante deverá ser repassado pela Samarco ao Fundo Rio Doce, que será instituído e administrado pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), seguindo diretrizes de um comitê gestor disciplinado em decreto presidencial. Especificamente para as ações ambientais, o Fundo Rio Doce adotará a designação de Fundo Ambiental Rio Doce. 

O acordo prevê também a criação do Fundo Popular da Bacia do Rio Doce, que terá R$ 5 bilhões. Esses recursos serão destinados a projetos de interesse das comunidades atingidas. A gestão caberá ao Conselho Federal de Participação Social na Bacia do Rio Doce, presidido pela Secretaria-Geral da Presidência da República e composto de forma paritária: 50% de representantes da sociedade civil e 50% de representantes governamentais.

Também deverá haver paridade de gênero e serão definidos percentuais mínimos para assegurar a presença de pretos e pardos, bem como de indígenas e quilombolas. O conselho deverá aprovar projetos envolvendo temas como economia popular e solidária, segurança alimentar e nutricional, educação popular, tecnologias sociais e ambientais, promoção do esporte e lazer, cultura e mídias comunitárias, e defesa da terra e território.

Foi definida ainda a criação de um fundo patrimonial com capital de R$ 8,4 bilhões para fortalecimento e melhoria das condições de saúde dos municípios atingidos. Nesse caso, a gestão financeira ficará a cargo de uma instituição financeira oficial a ser selecionada pela União. Outros recursos serão destinados ao financiamento e capital de giro para micro, pequenas e médias empresas localizadas nas áreas atingidas, por meio da criação do Fundo Compete Rio Doce, do Fundo Desenvolve Rio Doce e do Fundo Diversifica Mariana, via Banco de Desenvolvimento de Minas Gerais (BDMG) e Banco de Desenvolvimento do Espirito Santo (Bandes).

Mariana (MG) – Distrito de Bento Rodrigues, atingido pelo rompimento de duas barragens de rejeitos da mineradora Samarco – Foto Antonio Cruz/ Agência Brasil

Além disso, R$ 1,5 bilhão integrará o Fundo de Reestruturação da Aquicultura e Pesca (Frap) e outros R$ 450 milhões o Fundo de Desenvolvimento da Pesca e Aquicultura do Espírito Santo (ES-Funpesca). Conforme define o acordo, a instituição de fundos públicos ou privados para a gestão de recursos deverá obedecer a alguns critérios envolvendo mecanismos de transparência, de prestação de contas e de auditoria, entre outros.

Há ainda previsão de repasses para fundos que já existem. Por exemplo, tanto em Minas Gerais quanto no Espírito Santo, o Fundo Estadual de Assistência Social (Feas) receberá incremento de R$ 32 milhões referente ao desenvolvimento de algumas medidas definidas.

Começa hoje Semana Nacional de Ciência e Tecnologia

O debate sobre a biodiversidade do país ocupará o centro das discussões da 21ª Semana Nacional de Ciência e Tecnologia, que começa hoje (5) e vai até o dia 10 de novembro, no Museu Nacional, da República, em Brasília (DF). Este ano, o evento tem como tema “Biomas do Brasil: Diversidade, Saberes e Tecnologia Sociais” e será um momento de reflexão sobre a biodiversidade dos biomas brasileiros, a riqueza dos conhecimentos tradicionais das comunidades que neles habitam.

Também será foco das discussões, o papel das tecnologias sociais na construção de projetos que possam responder aos desafios enfrentados nos biomas brasileiros – Amazônia, Caatinga, Cerrado, Mata Atlântica, Pampa e Pantanal, além do Sistema Costeiro-Marinho.

A entrada é gratuita e não será necessário fazer inscrição prévia. Organizada pelo Ministério da Ciência Tecnologia e Inovação (MCTI), a SNCT, oferecerá visitas guiadas gratuitas, integrando suas ações à programação da SNCT, que também contará com atividades nos auditórios e no anexo do Museu Nacional.

Entre os estandes que poderão ser visitados estão os Institutos Nacionais de Pesquisas da Amazônia (INPA), da Mata Atlântica (INMA), de Pesquisas Espaciais (INPE), Nacional de Tecnologia (INT), Laboratório Nacional de Computação Científica (LNCC), Centros Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF), Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (CEMADEN), de Tecnologia Mineral (CETEM), de Tecnologias Estratégicas do Nordeste-CETENE, entre outros.

O evento é propício para a participação de escolas públicas e privadas; institutos de ensino tecnológico, entre outros, que poderão participar das oficinas, exposições, debates e demais atividades, que são os biomas, constituídos por uma combinação de fatores climáticos, geográficos e hídricos.

Essa combinação influencia na sua formação paisagística e também resulta em uma biodiversidade única de flora e fauna dentro de cada bioma, formada por uma vasta gama de espécies, muitas delas endêmicas.

Os biomas também desempenham papéis cruciais na regulação do clima, na conservação dos recursos hídricos e na sustentação da viabilidade de atividades agrícolas e extrativas, com destaque para discussão sobre como os conhecimentos ancestrais das comunidades tradicionais contribuem para a conservação ambiental e o desenvolvimento sustentável e de como tecnologias sociais, surgidas a partir desses saberes tradicionais contribuem para a solução de problemas sociais, ambientais e econômicos.

A semana será um momento para entender mais sobre os efeitos das mudanças climáticas nos diversos biomas do Brasil e as ações necessárias para diminuir esses impactos. A programação das atividades pode ser acessada aqui.

Em outubro, as atividades da SNCT ocorreram em todo o país, entre os dias 14 e 20, com a participação ativa de governos estaduais e municipais, de instituições de ensino e pesquisa, bem como de entidades ligadas à ciência, tecnologia e inovação em todo o Brasil.

Rio de Janeiro terá calor normal e chuvas acima da média no fim do ano

A prefeitura do Rio de Janeiro anunciou, nesta segunda-feira (4), seu Plano Verão 2024/2025. O “verão”, para a prefeitura, é considerado o período de seis meses em que ocorrem mais chuvas e as temperaturas estão mais altas, ou seja, de novembro de um ano até abril do ano seguinte, englobando, portanto, partes da primavera e do outono, além do verão propriamente dito.

Em novembro do ano passado, por exemplo, a cidade atingiu a temperatura recorde de 43,8ºC. Apesar do novo protocolo, o Rio de Janeiro não espera calores tão intensos para o município nos três primeiros meses deste verão de 2024/2025.

A meteorologista Raquel Franco, chefe do Sistema Alerta Rio, destaca que o fim desta temporada do El Niño (fenômeno climático que provoca aquecimento das águas do Pacífico e afeta o clima no país) deve significar um verão com temperaturas mais amenas, mesmo que não ocorra a La Niña (fenômeno climático que esfria as águas do Pacífico).

“Ano passado, a gente estava com um forte El Niño. E esse fenômeno afeta principalmente as temperaturas aqui da região Sudeste. Como este ano temos previsão de La Niña ou de neutralidade [ou seja, nenhum dos dois fenômenos], é provável que não tenhamos um verão tão quente quanto no ano passado”, explica Raquel.

Apesar de não esperar temperaturas tão altas, uma das novidades para este verão é o protocolo para diferentes níveis de calor, criado em junho deste ano. São cinco níveis em que o primeiro (NC1) é considerado normal, enquanto o último (NC5) significa calor extremo com impactos críticos para a saúde humana, no qual a prefeitura poderá determinar suspensão de atividades não prioritária, inclusive eventos ao ar livre com grande aglomeração de pessoas.  

Os níveis NC2 e NC3 demonstram aumento do risco para a população, nos quais a prefeitura ampliará sua comunicação com a população e emissão de alertas. O nível NC4 já demonstra calor extremo que, apesar de menos intenso do que o NC5, pode representar a ocorrência de casos graves de saúde. Nesse penúltimo nível, a prefeitura mobilizará a rede de saúde e avaliará a suspensão de atividades externas.

Segundo o secretário municipal de Saúde, Daniel Soranz, o Rio de Janeiro é a primeira capital a adotar um protocolo de preparação para o calor extremo. “A gente tem o primeiro verão onde há definição clara de como se portar em cada momento de temperatura, de pressão e de umidade da cidade”, afirma.

Segundo ele, com base na previsão meteorológica, a prefeitura poderá avisar com antecipação a chegada de níveis de calor 4 ou 5.

“A gente vai saber com antecedência se tiver probabilidade muito alta de acontecer um nível de calor 5. E, antecipadamente, vamos orientar que, nessa data, será preciso tomar determinadas medidas de suspensão. Claro que ninguém quer interferir na normalidade da cidade, mas a saúde humana e a proteção da vida das pessoas têm que ser sempre prioridade”.

Chuvas

Se o calor para este trimestre não deve ser tão forte, por outro lado as chuvas no Rio de Janeiro devem ser acima da média no período de novembro deste ano a janeiro de 2025, assim como ocorreu em janeiro passado, que apresentou pluviosidade recorde para o mês.

Os maiores riscos oferecidos pelas chuvas no Rio são deslizamentos de encostas e enchentes. Para os deslizamentos, a prefeitura continua contando com as sirenes de alerta, além da realização de quase 200 obras de contenção nos últimos quatro anos.
Para as enchentes, a prefeitura informou que fez limpeza e desobstrução de quase 3,5 mil quilômetros de galerias de águas pluviais e limpou mais de 500 mil caixas de ralos na cidade no mesmo período.

O prefeito carioca, Eduardo Paes, destacou, no entanto, que ainda há locais críticos para enchentes, que devem continuar sofrendo com cheias de rios pelos próximos anos, como as margens dos rios Acari, na zona norte, e Cabuçu-Piraquê, na Jardim Maravilha, na zona oeste, apesar de obras para resolver os problemas já estarem em andamento.

Paes pediu que a população fique atenta aos alertas emitidos pela prefeitura. “A gente reza, torce para que nossos alertas, com sirene tocando, sejam alertas falsos, mas o risco de acontecer [a tempestade] é grande. Portanto, acreditem e preservem sua vida, porque essa é a única coisa que não se recupera”.

A cidade também conta, desde março, com novo radar meteorológico em Mendanha, além do que já estava em operação desde 2010 no Sumaré. O novo sistema oferece melhores condições para a realização de previsões de tempestades.

Matéria alterada às 11h19 de hoje (4/11) para atualização.

Representantes de favelas indicam desafios para o G20

Combate à fome, acesso à água, saúde e educação de qualidade, investimentos em infraestrutura, créditos financeiros e desenvolvimento sustentável são demandas das comunidades, de favelas e de periferias do Brasil e de outros países do G20, fórum internacional que reúne representantes dos 19 países mais ricos do mundo, mais a União Europeia e a União Africana.

Essas necessidades estão no documento Comuniquê, que será apresentado nesta segunda-feira (4), Dia Nacional da Favela, pelo Favela 20 (F20), projeto criado pelo Voz das Comunidades, instituição não governamental com viés jornalístico, de responsabilidade social e promoção de eventos culturais feita por moradores de favelas com a intenção de levar os desafios desses territórios aos líderes mundiais.

“Um dos nossos grandes objetivos era incluir as demandas das favelas e periferias não só do Brasil, mas dos países que fazem parte do G20. Foi uma das nossas grandes metas e a partir disso, participamos de diferentes conferências e sessões técnicas do próprio G20 trazendo as demandas urgentes que são vividas nas favelas brasileiras, como também nas que fazem parte do G20”, disse Erley Bispo, cofundador do F20 em entrevista à Agência Brasil.

Rio de Janeiro – Erley Bispo, cofundador do F20 – Foto Erley Bispo/Arquivo Pessoal

Inicialmente criado com cinco grupos de trabalho (Gts), durante o processo o F20 acabou anexando mais um que foi o de finanças sustentáveis. Os outros foram combate às desigualdades, pobreza, fome e promoção da saúde mental; acesso à água potável, saneamento básico e higiene pessoal; combate à crise climática e promoção da transição energética justa; combate ao risco de desastres naturais e transformação e inclusão digital e cultural.

O Comuniquê é resultado de debates realizados pelos seis grupos de trabalho (GTs), que contaram com a participação de mais de 100 organizações do Brasil e de outros países. As discussões, realizadas desde julho, quando o F20 foi lançado, apontaram situações semelhantes dessas populações em países do bloco, como as desigualdades. A partir daí, cada GT produziu um policy brief, documento que reúne informações sobre as questões atuais com a intenção de propor a criação de políticas públicas relativas a esses temas a tomadores de decisão e gestores.

Gabriela Santos, cofundadora do Voz das Comunidades e do F20, destacou que, durante esse tempo, os integrantes do projeto tiveram oportunidade de levar as demandas dessas populações para fóruns internacionais, como a Conferência Internacional da Semana do Clima, em Nova York, nos Estados Unidos, e a Trilha de Finanças do G20, liderada pelos ministros da Fazenda e Economia e os presidentes de bancos centrais.

“Participar desses espaços onde a gente não tinha voz foi muito significativo, para mostrar também que o G20 está nos dando oportunidade de voz, neste momento em que conseguimos nos comunicar com outros países sobre o que acontece dentro das favelas”, afirmou.

“Foi um passo muito importante para garantir que as demandas das comunidades fossem realmente ouvidas e consideradas nas discussões globais”, completou.

Para Erley Bispo, um dos momentos marcantes de toda essa mobilização foi a participação na sessão técnica de finanças do G20, em que representantes puderam compartilhar recomendações ligadas à questão com integrantes dos bancos centrais dos países que compõem o bloco. O cofundador também destacou encontros bilaterais com a ONU Habitat, com a Secretaria Internacional de Juventude da ONU, eventos do G20, e a semana do clima em Nova York.

“Foram muitos momentos em que tivemos a possibilidade de dar visibilidade, compartilhar e, ao mesmo tempo, paralelamente, trabalhar com os grupos do F20”, acrescentou.

De acordo com Gabriela Santos, foi possível perceber também, nas discussões, que existe um cenário de grandes desafios enfrentados pelas favelas para implementar desenvolvimento econômico sustentável, essencial, segundo ela, para reconhecer minimamente o papel que pode ser inovador para a presidência do G20, que coloca a igualdade no centro desse debate.

“A exclusão financeira, que é o que dá para avaliar de todo o processo, é uma das maiores barreiras, já que muitos moradores têm dificuldades de acessar crédito em serviços bancários. Essa limitação restringe as oportunidades de investimento e crescimento econômico dentro das comunidades. Quando falo em crescimento econômico, não estou falando só de venda, de comerciantes. Também estou falando de investimentos em outras áreas como transformação por meio de projetos culturais, combate a risco de desastres naturais, muito pelo fato de não serem sustentáveis, o que a gente está falando o tempo todo. Isso nada mais é do que a desigualdade social e a violência dentro desse desafio baseado no ciclo de pobreza, excluindo as favelas do desenvolvimento econômico sustentável”, observou.

“São diversas necessidades, mas dentro das prioridades em todos os grupos de trabalho, a gente percebeu a importância do investimento e do financiamento tanto em projetos oriundos das favelas como também de infraestrutura. Muitos desses desafios que se tem atualmente surgem pela falta de investimentos, de políticas públicas. Só poderemos realmente resolver esses desafios por meio de investimentos nas favelas e periferias. Todos os policies briefs recomendam a priorização das favelas nesse investimento como ponto central para resolver de fato os desafios enfrentados atualmente nas favelas e periferias”, disse Erley Bispo.

Nesse aspecto, conforme a cofundadora do F20, o documento propõe o apoio tanto de bancos multilaterais de desenvolvimento, quanto bancos nacionais de desenvolvimento para que desempenhem papéis fundamentais. “Essas instituições, de maneira global, têm potencial de financiar projetos de infraestrutura. Elas podem fornecer os recursos necessários para melhorar as áreas de saneamento, energia sustentável, transportes, conectividade. Em finança sustentável, a economia é a base do nosso documento e da nossa conversa quando falamos sobre todas as recomendações levadas ao G20”, afirmou Gabriela.

Emergências básicas

O documento, segundo Gabriela, terá mais de 15 recomendações, mas uma das principais é criar um fundo de impacto social que deverá estabelecer meios para a realização de projetos sustentáveis nas favelas. “Que essa linha siga uma aliança global contra a fome e a pobreza, focando em habitação, educação e empreendedorismo de maneira geral. Esse é um dos pontos, mas tem outros que estão no documento”.

Conforme o cofundador do F20, quando são confrontadas as agendas de saúde e educação, percebe-se que cada país tem um modelo. Como exemplo citou o Brasil, que tem educação pública muito difundida na sociedade, enquanto os Estados Unidos também têm escolas públicas, mas o ensino nas universidades é pago. “Acaba limitando, fazendo com que as pessoas que não têm recurso lá estudem em um ensino de maior qualidade. A mesma coisa em nível de saúde. Tem esses recortes , mas, de fato, a gente percebe que nos países que compõem o G20, que são do sul global, esses desafios são muito mais acentuados”.

Erley Bispo lembrou que esta é a primeira vez que existe dentro das discussões do G20, um grupo de engajamento, o F20 Social, proposto pela presidência do Brasil nesta edição, que tornou possível o trabalho de representantes de favelas e periferias. “Em todos os momentos e espaços em que falamos sobre isso e os desafios das favelas, trouxemos esse caráter técnico da importância de se avançar urgentemente, seja em investimentos, seja em políticas públicas internacionais, para reduzir as desigualdades”.

“Um dado interessante é que atualmente no mundo 1 bilhão de pessoas vive em favelas e periferias. Se não tivermos um planejamento adequado até 2050, segundo dados da ONU, serão 3 bilhões – 1 bilhão já é um grande percentual da população mundial – sem planejamento. A gente sabe que isso acaba também trazendo outras tensões e conflitos sociais. Temos esse grande desafio de incluir, trazer essa relevância e a importância de termos que resolver o mais rápido possível esses desafios para que não se tenha novas guerras, outros pontos de tensão global. São pontos em que esperamos avançar dentro do próprio G20” disse Bispo.

Expectativa

Erley Bispo informou que depois da entrega do documento, o F20 pretende fazer um monitoramento para ver quais as recomendações que entraram na proposta final do bloco. “Estamos aproveitando o dia 4 de novembro, que também é o Dia Nacional da Favela, para que as autoridades que estarão conosco neste lançamento, representando o G20, o G20 Social, autoridades brasileiras e também de países que compõem o G20, também assinem o compromisso de integrar essas recomendações ao documento final”.

Cerimônia

Gabriela Santos informou que para a cerimônia de lançamento do Comuniquê, em versões física e digital, no Mirante do Morro do Adeus, no teleférico que fica no alto do conjunto de favelas do Alemão, na zona norte do Rio, foram convidados representantes de embaixadas de países do G20 e autoridades do governo federal. Haverá a apresentação de três painéis por pessoas que participaram da elaboração do documento. “Essa cerimônia é importante para a gente, não só para as comunidades, mas para todas as organizações que participaram dessa construção.