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Crise climática: adolescentes levam ao papa demandas da juventude

Maria Helena Garrido, 17 anos, viveu de perto a seca histórica que atingiu o estado do Amazonas em 2023. Sem as águas do Rio Negro para navegar, ela ficou um mês sem conseguir voltar para a comunidade indígena Tumbira, onde vive. Catarina Lorenzo, 17 anos, viu grande parte do terreno onde a família tem uma casa, na Península de Maraú, na Bahia, ser coberto pelo avanço do oceano, sentiu na pele o aquecimento da água do mar e observou a mudança das cores dos corais na região.

Ambas fazem parte de uma comitiva de crianças e adolescentes que irá se reunir com o papa Francisco, no Vaticano, nesta quinta-feira (16). O grupo, integrado por representantes do Brasil, da Colômbia, dos Estados Unidos, da Guatemala e do México, entregará ao pontífice, desenhos e mensagens de crianças que responderam à pergunta: Como os líderes mundiais podem ajudar a proteger as crianças e a natureza? Eles também farão o pedido para que seja elaborada uma nova Encíclica, documento papal que serve de orientação para toda a Igreja Católica, em todo o mundo, com alvo na proteção das crianças.

“A gente está aqui para falar sobre e para mostrar o que gente passou. Eu estive presente em cada situação no período da estiagem de 2023. Eu vi e vivi tudo o que aconteceu na Amazônia, a escassez de água imensa que teve, que prejudicou muitas famílias, que praticamente matou o Amazonas”, diz Maria Helena.

Adolescentes brasileiras levam ao papa demandas da juventude – Maria Helena. Na frente do Vaticano. Foto: Clara Garcias

A seca foi a maior em 121 anos e afetou todas as 62 cidades do Amazonas. A comunidade indígena Tumbira fica localizada na Reserva de Desenvolvimento Sustentável do Rio Negro. Segundo Maria Helena, não é possível acessar a comunidade de carro pois ela está em uma região de igarapés. Os moradores, dependem do rio tanto para as atividades econômicas, atividades cotidianas e para o transporte.

“Eu cheguei a pisar em um lugar que era totalmente cheio de água. O que eu vi foi uma seca que eu nunca pensei que aconteceria, mas que acontece sim, por conta das mudanças climáticas no mundo. A água praticamente sumiu. Além do calor imenso. Parecia que a gente estava assando. Dentro de casa, praticamente não tinha ar. Além de ficar sem fôlego, não podia trabalhar, não podia sustentar a casa. Foi o período que mais tive que viver sobrevivendo. Não foi nem vivendo, foi sobrevivendo em um lugar onde é meu mundo. E eu não pude fazer quase nada”, lembra a adolescente.

Ela conta que precisou fazer uma prova em Manaus e, depois, por conta da seca, não conseguiu voltar para casa. Precisou passar um mês na cidade.

Depois de passar por tudo isso, ela conclama as pessoas e, principalmente os líderes regionais, nacionais e globais a prestarem atenção nos alertas climáticos e a de fato ajudarem aqueles que estão passando por tragédias. Ela diz que muitos falavam que iriam ajudar, mas na prática isso não acontecia.

“Se a gente não tiver um mundo mais saudável e digno, a gente não vai ter nada. Porque sem chão para pisar, sem terra para plantar, sem oxigênio para respirar e sem água para beber, a gente não sobrevive mais, de qualquer forma”, diz.

Tanto para Maria Helena, quanto para Catarina, é importante que os líderes e o mundo ouçam as crianças e os adolescentes.

“Eu sei que o que está acontecendo, a catástrofe do Rio Grande do Sul e todas essas catástrofes climáticas que a gente vem vivendo há muito tempo, têm sido avisadas. Não é só a ciência avisando, são os ativistas, são os jovens que veem o problema e realmente vêm dizendo que a gente precisa começar a se conscientizar, a gente tem que parar de desmatar, a gente tem que começar realmente a ter um equilíbrio com a natureza, porque se a gente não cuidar da natureza, a natureza infelizmente vai devolver de alguma maneira, né? Eu sinto uma dor muito grande, mas eu também sinto um pouco, não sei se raiva é a palavra correta, mas eu sinto que é algo que a gente avisou que ia acontecer e que as pessoas, infelizmente, parecem que só acordam quando o problema acontece”, diz Catarina.

Catarina é ativista climática desde criança. Ela apresentou a petição Crianças versus Crise Climática, em inglês, Children vs Climate Crisis, na Organização das Nações Unidas (ONU) aos 12 anos. Atua nacionalmente e internacionalmente pela causa.

“Eu acredito que minha geração vem sendo um pouco mais conscientizada. Porém, como a gente precisa das ações agora, a gente precisa que minha geração esteja envolvida agora para eles realmente ouvirem que o futuro que a gente quer pro nosso futuro”, enfatiza. Ela tem grandes expectativas para o encontro com o líder global e acredita que uma liderança como a do chefe da Igreja Católica tem grande poder para promover mudanças significativas.

Catarina é uma das adolescentes brasileiras no grupo de jovens que entrega ao papa demandas da juventude, por Arquivo pessoal

Catarina mora em Salvador, mas cresceu na Península de Maraú. Ela tem vivido as ondas de calor que ocorrem não apenas na região, mas em diversas partes do mundo: “não conseguia estudar, não conseguia fazer minhas atividades que eu tinha que fazer no dia porque eu não tava conseguindo me concentrar e eu tive que ir pra praia, ficar no oceano pra eu não ficar morrendo de calor. Nenhum ventilador ajudava”.

Além disso, lembra que desde pequena, observou as mudanças no oceano e nos corais, que perderam a cor. “Eu lembro que quando eu era pequena, eu, naquela época, quando eu sentia essas consequências, eu ainda não entendia direito o que eram as mudanças climáticas, mas eu sabia que tinha algo errado acontecendo, porque eu sempre nadei naquele local e dessa vez, quando eu tinha ido, a água estava muito quente, mas muito quente ao ponto de eu mergulhar no fundo do oceano, tocar na areia e a água continuar muito quente e eu ter que sair da água”.

Ela recorda também como era o terreno da família, muito mais amplo, antes da água do mar avançar. “Vi vizinhos meus perdendo casas ou até mesmo restaurantes”, disse. “A gente sabe que isso é só o início e que, da maneira que a gente está indo, infelizmente, o oceano só tem tendência a aumentar e aumentar. A chegar ao ponto que talvez realmente a minha casa e a casa dos meus amigos e todas as memórias que a gente tem construído nesse local sumam”, explica.

O grupo participará também de um painel dedicado às crianças e jovens, com o líder religioso, durante o evento From Climate Crisis to Climate Resilience, em português, Da Crise Climática à Resiliência Climática, promovido pelo Vaticano. As duas brasileiras e o colombiano Francisco Vera, 14 anos, viajam a convite do Alana, grupo de impacto socioambiental, visando a promoção de um mundo melhor para as crianças. O encontro com o Papa tem também a participação da Universidade da Califórnia em Los Angeles (UCLA), da UCLA Lab School e da University of Massachusetts Boston (UMass Boston).

BNDES lucra R$ 2,7 bi e amplia carteira de crédito no 1º trimestre

O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) registrou lucro recorrente de R$ 2,7 bilhões no primeiro trimestre deste ano. É um aumento de 58,82% na comparação com R$ 1,7 bilhão contabilizado no mesmo período de 2023. A instituição também ampliou sua carteira de crédito e seu patrimônio líquido chegou a R$ 155 bilhões. É uma alta de 17,39% frente ao anotado no primeiro trimestre do ano passado.

Os dados foram apresentados nesta quinta-feira (9), no Rio de Janeiro. O diretor financeiro e de crédito digital para micro, pequenas e médias empresas do BNDES, Alexandre Abreu, destacou ainda a inadimplência de 0,00001%. “Nunca pensei que fosse anunciar isso”, disse, em referência ao índice. Segundo ele, estão em atraso apenas R$ 395 mil de uma carteira de crédito de R$ 520 bilhões.

“É muito difícil ter uma combinação que une aumento de resultado recorrente, diminuição de uma inadimplência que já era baixa e aumento de desembolso e carteira”, acrescentou Abreu, avaliando o resultado como excelente.

O lucro recorrente desconsidera fatores extraordinários e foca nas movimentações mais constantes. “O desempenho aumentou na intermediação financeira, que é a principal atividade do banco. Ou seja, o resultado foi decorrente da atuação principalmente no crédito”, observou Abreu.

Os dados também mostram uma pequena influência dos resultados relacionados com participações societárias, que geraram uma adicional de R$ 200 milhões. O BNDES possui atualmente R$ 73,9 bilhões em ações, dos quais destacam-se 52% da Petrobras, 14% da JBS, 11% da Eletrobras e 8% da Copel. De outro lado, a despesa com tributos cresceu, mas também teve impacto pequeno no resultado.

Quando se considera o lucro contábil, que inclui movimentações extraordinárias, o saldo positivo foi de R$ 5,2 bilhões. É um aumento de 33,33% frente aos R$ 3,9 bilhões dos primeiros três meses de 2023.

Segundo dados divulgados pelo BNDES, para se chegar ao resultado contábil, incorporou-se ao lucro recorrente as somas de R$ 1,2 bilhão em dividendos da Petrobras, de R$ 800 milhões em recuperação de crédito e em R$ 500 milhões de arranjos tributários.

Carteira de crédito

A carteira de crédito expandida somou R$ 520,4 bilhões. Trata-se de um aumento de 8,64% na comparação com o primeiro trimestre de 2023. O balanço mostra também que houve um aumento de 68% nas consultas, 91% nas aprovações e 22% no desembolso. Segundo o BNDES, é o melhor desempenho da carteira de crédito dos últimos 10 anos.

Houve aprovações de R$ 6,9 bilhões para a indústria, o que representa aumento de 189%. Outros R$ 6,8 bilhões foram aprovados para a agropecuária (crescimento de 50%), R$ 6,6 bilhões para infraestrutura (expansão de 97%) e R$ 4,4 bilhões para comércio e serviços (aumento de 65%).

“A distribuição foi pulverizada, sem concentração em um setor. Todos os segmentos da economia foram contemplados”, observou Abreu. Os dados também revelam que 52,2% das aprovações envolveram micro, pequenas e médias empresas.

De acordo com Alexandre Abreu, a carteira de crédito do BNDES chegou a ser próxima de R$ 1 trilhão por volta de 2013 e 2014, mas sofreu um período de queda em anos mais recentes. Foi apresentado um recorte desde o fim de 2018, quando ela estava próxima ao patamar atual: R$ 514,2 bilhões.

Entre o segundo trimestre de 2019 e o terceiro trimestre de 2023, a carteira de crédito da instituição se manteve abaixo dos R$ 500 bilhões. O mínimo da série histórica apresentada foi de R$ 438,4 bilhões no segundo trimestre de 2021.

Mudanças

Abreu destacou, também, as mudanças sob o comando do atual presidente do BNDES, Aloizio Mercadante, que ocupa a função desde o início do governo do presidente Lula. “A gente nota uma tendência de queda da carteira até a nossa chegada em 2023, quando começamos a recuperar o caixa da empresa. Também desembolsamos mais e o crédito voltou a crescer”.

Os resultados também foram considerados muito positivos por Mercadante. “Quando nós chegamos, havia um certo descrédito em relação à indústria. E a indústria nesse trimestre foi o setor que teve o maior crescimento de crédito aprovado no BNDES. Esse é o papel histórico do BNDES. Esse país precisa se reindustrializar”, disse.

Mercadante também destacou algumas iniciativas nesse sentido. “Estamos com uma projeção de investimento de R$ 130 bilhões na indústria automotiva. Temos 95 municípios que vão adquirir ônibus elétricos e o BNDES, junto com a Caixa Econômica Federal, está financiando. São cinco empresas produzindo. E teremos o carro híbrido, que terá uma autonomia mais de duas vezes maior que o carro elétrico”, afirmou ele, acrescentando que outros setores deverão fazer anúncios de grandes volumes de investimento até o fim do mês.

Desemprego de jovens negras é 3 vezes superior ao dos homens brancos

Em 2023, as jovens mulheres negras de 18 a 29 anos tiveram uma taxa de desemprego três vezes maior que a dos homens brancos no Brasil. Quando empregada, a juventude feminina negra tem uma renda 47% menor que a da média nacional e quase três vezes menor que a dos homens brancos. Além disso, as mulheres negras de 14 a 29 anos dedicam quase o dobro de horas aos afazeres domésticos quando comparado à media dos homens negros e brancos.

A comparação foi realizada pela organização Ação Educativa, a partir dos dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad) de 2023, e publicada no relatório Mude com Elas, divulgado nesta quarta-feira (8).

A jovem negra Pamela Gama, de 26 anos, contou que vive na pele o que os números divulgados pela pesquisa evidenciam. Moradora da zona leste de São Paulo, Pamela decidiu retirar do currículo o link de uma rede social de empregos onde havia uma foto dela, na tentativa de ser chamada para mais entrevistas.

“Eu coloquei o link do meu perfil e depois tirei porque eu não estava recebendo tantos convites para fazer entrevistas. Então eu pensei se não era melhor eu tirar, sabe?”, revelou a jovem formada em relações públicas, acrescentando que melhorou “um pouco” a convocação para entrevistas depois da mudança. Pamela trabalha desde os 19 anos e hoje atua em uma empresa na área de comunicação.

De acordo com o projeto Mude com Elas, enquanto as jovens mulheres negras registraram, em 2023, uma taxa de desemprego de 18,3%, os homens brancos tiveram uma taxa de 5,1%. O desemprego geral do país terminou 2023 em 7,4%.

Já o salário médio da população no ano passado foi R$ 2.982, enquanto o das jovens negras foi de apenas R$ 1.582. Se comparado com homens brancos, a diferença salarial é ainda maior. Como a renda média desse grupo foi R$ 4.270 em 2023, ela é 2,7 vezes maior que a das jovens mulheres negras.

Pamela contou que conhece pessoas que recebem mais, apesar de mesma idade e formação semelhante. “Tem rapazes, até mesmo alguns conhecidos, que estão na mesma idade que eu e que ganham muito mais. Então, assim, eu sinto essa dificuldade até mesmo de me recolocar no mercado para procurar novas oportunidades”, afirmou.

Moradora da zona leste de São Paulo, Pamela Gama decidiu retirar do currículo o link de uma rede social de empregos onde havia uma foto dela, na tentativa de ser chamada para mais entrevistas. Foto: Arquivo pessoal

A informalidade também atinge mais as jovens negras, que registraram 44% com carteira assinada, porcentagem similar a dos jovens negros (43,3%). Já os jovens brancos, tanto mulheres quanto homens, ficaram em torno de 50% com carteira assinada (50,3% para jovens brancos e 49,8% para jovens brancas).

Além da menor renda e do maior desemprego, o trabalho doméstico sobrecarrega as jovens negras de 14 a 29 anos que dedicam 22 horas, por semana, aos afazeres domésticos. Enquanto isso, a média dos homens negros e brancos é de 11,7 horas na semana.

A jovem Pamela Gama conta que ajuda nos afazeres domésticos desde adolescente e que hoje se sente sobrecarregada porque o marido trabalha fora de casas e ela em teletrabalho. “Eu faço o trabalho e tenho que conciliar organizando a minha casa. Eu falo que eu tenho dois serviços”, completou.

“O estudo mostra que, desde a pandemia, as condições de trabalho melhoraram, mas ainda assim, o Brasil não tem políticas públicas específicas para as jovens negras nem tampouco as empresas possuem um olhar direcionado a essas mulheres, que são frequentemente preteridas em processos seletivos”, afirmou a pesquisa.

O grupo das jovens negras também chega menos ao ensino superior no Brasil. Enquanto as jovens brancas frequentando ou concluindo o ensino superior, em 2023, chegavam a 39,8% do total, as jovens negras na mesma situação eram apenas 23,4% do total.

Herança escravocrata

A pesquisadora Andreia Alves, advocacy do projeto Mude com Elas, destacou que existe uma cultura que coloca a juventude nos espaços mais precários do mercado de trabalho. Porém, há um agravamento desse quadro quando se considera raça e gênero.

“É muito comum mulheres jovens negras que conseguem chegar a ocupar esse mercado de trabalho formal estarem em áreas que, na verdade, não vão aproveitar toda a sua capacidade. Então, normalmente, ela vai ocupar as piores áreas, os piores cargos, diferentes de pessoas não negras”, destacou.

Andreia Alves acrescentou que há uma herança, que vem do período escravocrata, que costuma colocar as jovens mulheres negras fora do mercado de trabalho, ocupando-as com o trabalho doméstico.

Pesquisadora Andréia Alves afirma que existe uma cultura que coloca a juventude nos espaços mais precários do mercado de trabalho. Foto: Arquivo pessoal

“Normalmente, os lugares onde essas mulheres moram são lugares muito distantes dos locais de trabalho. Então, essas jovens mulheres negras acabam sendo obrigadas a submeter aos cuidados, a fazer da casa, cuidar da alimentação e cuidar dos irmãos menores, porque os adultos da casa são também desses lugares de trabalho distantes”, completou.

Para Alves, o fundamental é ouvir esse público antes de construir políticas que minimizem essa desigualdade no mercado de trabalho. A especialista acrescenta que o aumento da educação formal superior de mulheres negras nos últimos anos não tem se refletido em mais espaço no mercado de trabalho. 

“Nos últimos 10 anos as mulheres negras ocuparam as universidades e têm se formado, têm se demonstrado, têm se estruturado, mas isso não tem sido suficiente para fazer modificações significativas no mercado de trabalho. Principalmente quando a gente fala sobre ocupação de cargos de liderança”, completou.

Aposentados seguem no mercado de trabalho para complementar renda

O trabalho de Júlio Hagio é, como ele mesmo diz, “de domingo a domingo”. O produtor rural acorda às 4h, trabalha na lavoura, ajuda nos negócios dos filhos, faz entregas. A jornada termina por volta das 18h. A rotina é quase a mesma desde de quando era criança. Ele começou a ajudar o pai com 8 anos de idade. Hoje, aos 70 e aposentado, Hagio ainda não pode lagar o batente.

“Estou recebendo benefício, aposentadoria, mas com um salário mínimo só não tem como a gente sobreviver, né? Tem que pagar o remédio, isso, aquilo. Aí não sobra nada. Então, eu ajudo meus filhos, para complementar a renda”, diz o trabalhador, que vive em Mogi das Cruzes (SP).

Mesmo aposentado, Júlio Hagio trabalha de “de domingo a domingo” para aumentar a renda – Júlio Hagio/Arquivo Pessoal

Assim como Hagio, muitos aposentados precisam seguir trabalhando para conseguir se sustentar e sustentar a própria família. “A gente tem que lutar na vida para ganhar o pão de cada dia. Então a gente continua desse jeito. Desde criança eu vivi disso. Então, na minha idade, eu vou procurar outro serviço? Ninguém vai dar o serviço para uma pessoa idosa de certa idade. Então, fica difícil. Aí a gente vai lutando como pode.”

Hagio é um dos 23 milhões de aposentados no Brasil, de acordo com o Sistema Único de Informações de Benefício. Segundo o governo federal, o sistema previdenciário é o maior de todos os programas sociais, concedendo cerca de 40 milhões de benefícios todo mês e injetando mais de R$ 70 bilhões na economia do país. Quase 70% dos municípios brasileiros dependem dos benefícios pagos pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS).

A aposentadoria foi um direito conquistado a partir das greves dos trabalhadores ferroviários, que culminaram na Lei Eloy Chaves, de 1923, que, por sua vez, obrigou cada companhia ferroviária do Brasil a criar uma caixa de aposentadorias e pensões. Desde então, o direito foi se expandindo e abarcando mais trabalhadores. Esse direito, no entanto, não tem sido suficiente, muitas vezes, para manter os aposentados. Em vez de descansar ou de exercer atividades que lhes tragam prazer, precisam se manter no mercado.

“As pessoas não conseguem permanecer aposentadas e acabam retornando ao mercado de trabalho porque a remuneração acaba não sendo suficiente para a sua sobrevivência”, diz o secretário nacional de Administração da Central Única dos Trabalhadores (CUT) Brasil, Ariovaldo de Camargo.

Ele é o representante da entidade no Conselho Nacional de Previdência Social. Segundo o último Boletim Estatístico da Previdência Social, de fevereiro de 2024, o valor médio das aposentadorias urbanas é R$ 1.863,38, e o das rurais, R$ 1.415,06. A garantia de uma aposentadoria digna é uma das pautas do ato deste 1º de Maio, Dia do Trabalhador. Diante da implementação da reforma da Previdência, aprovada em 2019, os trabalhadores deverão sentir cada vez mais as alterações e há risco de precarização das condições das pessoas idosas no país.   

“Quando se trata de aposentadoria digna, nós estamos apontando o seguinte, nós precisamos primeiro garantir o direito da aposentadoria, porque hoje ela se vê ameaçada, de certa forma, quando você coloca que para a integralidade de vencimento na aposentadoria, as pessoas têm que trabalhar com 40 anos de carteira assinada ou no serviço público estatutário. Ou seja, uma corrida de obstáculos para que as pessoas tenham 40 anos seguidos , ou mesmo que intercalados, contribuídos com a Previdência, o que é muito difícil de ser alcançada”, diz Camargo.

Professores e aposentadoria

Também no estado de São Paulo, assim como Hagio, Dora Cudignola, que é professora aposentada pelo estado, segue trabalhando na capital paulista para complementar a renda. “São muitos gastos, né?”, diz. “É uma maneira de a gente ganhar um pouco a mais, porque você sabe que a gente que se aposenta e diminui [a renda], né? Já faz anos que nós não temos aumento. A nossa luta, eu luto por isso também, é por um aumento. O professor, daqui a pouco, está ganhando um salário mínimo. Ele vai chegar a esse ponto. Porque nós não temos aumento há muito tempo”, ressalta.

O presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE), Heleno Araújo, explica que o salário dos professores e trabalhadores em educação nas escolas é composto por benefícios que acabam sendo perdidos na aposentadoria. “Como eles não são contemplados pelo plano de casa e carreira, não são contemplados pelo reajuste do piso do magistério, eles também sobrevivem de complementos, né? Então você tem auxílio-alimentação e outros, que somando, vai juntando e ajudando no seu salário. Se ele se aposenta, ele perde isso. Ele vai para o salário básico. E aí ele não consegue, com o salário básico, manter esse padrão de vida dele. Aí, o que é que faz? Ele fica trabalhando. Às vezes, adoece muito, mas fica trabalhando se ele tiver aposentadoria. Essa tendência que hoje já acontece com os funcionários da educação, a perspectiva é ela acontecer também com todo o magistério”, diz.

Os impactos da reforma, que ainda está em período de implementação, para a categoria são também preocupação entre os professores, de acordo com Araújo. Ele ressalta o aumento do tempo de contribuição considerando “uma estrutura de escola que traz um adoecimento a um terço da nossa categoria”. “Isso traz impacto no trabalho da pessoa, na sua autoestima, no processo de planejamento da sua vida. Sem garantir as boas condições de trabalho, você está aumentando também o processo de adoecimento e de afastamento das atividades de sala de aula. Aumentando também o índice de atestados médicos, de afastamento, a necessidade de contratações para substituir esse profissional. Então, traz um conjunto de prejuízos e um  impacto financeiro alto para os municípios”, avalia.

Aos 71 anos, a aposentada Dora Cudignola continua trabalhando para ter uma renda um pouco maior – Dora Cudignola/Arquivo pessoal

Dora Cudignola está com 71 anos. Ela se aposentou em 2018, ainda antes da vigência da reforma da Previdência, que estabeleceu a idade mínima de 57 anos para mulheres e 60 para homens, além de 25 anos de contribuição previdenciária para poder se aposentar, ao final do período de implementação. Hoje ela é vice-presidente do EternamenteSOU, associação sem fins lucrativos que atua em prol das pessoas idosas LGBT (Lésbicas, Gays, Bissexuais e Transgênero). Segundo ela, para essa parcela da população, o envelhecimento sem condições dignas gera inda mais vulnerabilidade.

“A nossa sociedade já não aceita quase os jovens, você imagina idoso, nós vamos ser chacotas. Olha, é idoso e ainda é gay, é idosa e é lésbica, trans. Se a gente [como idosa] já fica vulnerável, [como LGBT] fica muito mais”, diz.

“A gente vê como que a sociedade já não aceita muito algumas coisas. Para a sociedade, ser idoso é já não ter serventia. Nós servimos sim, nós vivemos, nós respiramos, nós amamos, odiamos, e tudo que temos direito. Nós somos pessoas vivas que temos muito pra dar e a gente também ouve e troca experiências, isso é muito importante”, ressalta Dora Cudignola.

Planejamento

Eduardo Aguiar, 65 anos, é também um dos funcionários do EternamenteSOU. Aguiar está em vias de se aposentar, o processo deverá ser concluído este ano. Como Dora Cudignola, ele não irá parar de trabalhar. “Provavelmente eu vou receber um salário [mínimo]. Hoje recebo um pouco mais, aí, se juntar as duas coisas, dá para viver um pouquinho, mas está difícil”, diz.

Aguiar trabalha com gestão de projetos culturais. Os trabalhos são projetos temporários, que não lhe conferem uma estabilidade salarial todos os meses. Ele conta que acabou não planejando a aposentadoria.

“Você paga 30 e tantos anos [a Previdência Social] e não consegue, ao se aposentar, ter o salário que você tinha na ativa, sendo que você tem gastos muito semelhantes, tanto na ativa quanto na aposentadoria. Você não deixa de pagar aluguel, condomínio, não deixa de comer, de ter roupa, um monte de outras coisas que estão necessárias para a sobrevivência. Inclusive, aumentam alguns gastos.”

Ao contrário de Aguiar, Sandra Nascimento conseguiu se planejar. Ela vem de uma realidade diferente, era funcionária pública e se aposentou após trabalhar 30 anos com recursos humanos, em 2020. Hoje com 55 anos, ela conta que começou a se planejar cerca de de anos antes de se aposentar. Ela queria mudar de carreira. Hoje é empreendedora e tem a própria marca, Sandra com Elas, trabalha como consultora, desenvolvimento humano, saúde e bem-estar. O que ganha, apesar de ter estabilidade, também complementa a renda.

“Eu observava que, principalmente para as mulheres, tem essa coisa de ‘eu me aposentei, o que eu vou fazer depois?’ Não, você tem uma gama de coisas que você pode fazer após a aposentadoria, né? A aposentadoria, ela não te limita”, diz. “Quando você busca o conhecimento, ele te abre portas que você jamais imaginou, é justamente isso que eu estou passando. Porque até então, eu só pensei que eu estaria palestrando. De repente, eu estou organizando palestra, eu estou com um grupo de mulheres, empreendedoras, com alguns coletivos, com podcast. Então, assim, pensando na minha trajetória, eu tive um ganho. O conhecimento me trouxe um ganho”, acrescenta.

Discussão urgente

Segundo a coordenadora de Extensão do Núcleo de Envelhecimento Humano da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), Sandra Rabello, que é presidente do Departamento de Gerontologia da Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia, não é de hoje que as aposentadorias não são capazes de sustentar os trabalhadores e garantir um descaso e qualidade de vida. “No contexto da maioria da população, aquela população mesmo que tem, depois da aposentadoria, que depender do INSS , isso já é um fato que já vem ocorrendo há mais ou menos 20 anos. É aquela questão do déficit nos salários e há uma dificuldade de complementação”, diz.

A coordenadora explica que a população está envelhecendo e está vivendo mais, e que isso que traz um desafio para a Previdência Social, que precisa manter as pessoas por mais tempo, mas isso precisa ser feito de forma digna, para que elas não precisem se submeter a condições precárias de trabalho.

“Como as pessoas estão vivendo mais, a Previdência tem que entender e tem que discutir, tem que trabalhar num outro viés para que atenda essa aposentadoria de uma forma digna. Isso hoje não existe, então recai nessa precariedade das pessoas ainda continuarem trabalhando, mas já envelhecidas, sem condição de se manter no trabalho e se mantém por uma subsistência para poder continuar vivendo com o mínimo possível”, destaca Sandra Rabello.

Por outro lado, o mercado deve ser capaz de absorver de forma também digna aquelas pessoas que desejarem seguir trabalhando após a aposentadoria, segundo Rabello. O Estatuto do Idoso garante à pessoa idosa o direito ao exercício de atividade profissional, respeitadas suas condições físicas, intelectuais e psíquicas. Também estabelece que, na admissão da pessoa idosa em qualquer trabalho ou emprego, são vedadas a discriminação e a fixação de limite máximo de idade.“No Estatuto da Pessoa Idosa há, vamos dizer assim, uma motivação para que essas pessoas, caso desejem continuar trabalhando, o mercado abrirá oportunidades para elas. Só que o mercado não abriu oportunidades. Há uma precarização dessas pessoas de 60 anos ou mais no mercado de trabalho”, diz.

O cenário deverá se acentuar com a implementação da reforma da Previdência, que torna mais urgente a discussão, de acordo com Rabello, da presença de pessoas idosas no mercado de trabalho. “Há uma dificuldade, no futuro, de manter uma aposentadoria e uma necessidade de voltar ou de continuar no mercado de trabalho, fazendo o seu trabalho, sem oportunidade de ter a certo a sua aposentadoria para fazer alguma coisa que gosta. Então, isso é uma realidade. Isso é uma realidade que ainda não está sendo discutida em nível nacional para a gente poder ampliar as possibilidades na Previdência.”

Mulheres sambistas lançam livro-disco infantil com protagonista negra

Uma menina de 4 anos, chamada de Flor de Maria, que vive aventuras mágicas embaixo da mesa da roda de samba, e descobre um mundo cheio de cores, sons e sensações diferentes. Uma experiência que a conecta com uma expressão cultural e comunitária ancestral. Esse é o enredo do disco-livro É Pretinha, lançado nesta semana pela editora Rubra.

As autoras são Marina Iris e Manu da Cuíca, com ilustrações de Tétiiz e produção musical de Ana Costa. O objetivo das autoras era celebrar o samba e a infância. E, ao misturar livro e músicas, permitir que os leitores mergulhassem em um cenário mais vibrante e sensorial.

As músicas podem ser ouvidas no Spotify e YouTube gratuitamente.

Uma das autoras, Marina Iris, explica que se inspirou em ambientes comuns do subúrbio para criar a história de É Pretinha.

“Quando idealizei o É Pretinha, pensei em trazer para a literatura infantil o contexto de samba, subúrbio, quintal, família e ancestralidade. Queria que tudo estivesse presente de forma natural e poética, inspirada na infância cheia de abstração e poesia”, disse Marina Iris.

Outra autora, Manu da Cuíca, revela que a história traz elementos pessoais do passado e do presente.

“Contar uma história após me tornar mãe se tornou um rito de intimidade e carinho, onde entrelaço minha infância na da minha filha. Eu, Ana e Marina conversamos muito sobre essa dimensão das histórias antes de começarmos a criar”, disse Manu da Cuíca.

Trabalho invisível das mulheres é tema do Caminhos da Reportagem 

Um estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) realizado em 2014 estimou que o trabalho exercido gratuitamente de cuidados com idosos dependentes, caso fosse remunerado, geraria cerca de R$ 1 bilhão ao ano. Nessa mesma linha, uma pesquisa da Fundação Getúlio Vargas (FGV), no ano passado, mostrou que o trabalho de cuidado, exercido majoritariamente por mulheres, caso remunerado, somaria 13% ao Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro.

O Caminhos da Reportagem desta semana traz à tona questões históricas, raciais e sociais, que perpetuam essa lógica de que o trabalho do cuidado deve ser exercido de forma gratuita por mulheres, majoritariamente negras. Ana Amélia Camarano, pesquisadora do Ipea, afirma que essa situação é resquício dos tempos de escravidão.

O programa com o tema “O Trabalho Invisível de Cuidar” vai ao ar neste domingo (21), às 22h, na TV Brasil. 

Quanto à variante histórica, Maíra Liguori, diretora das organizações Think Olga e Think Eva, lembra que as mulheres negras cuidam desde a fundação do Brasil colonial. “Elas estavam ali como pessoas que cuidavam da casa grande, dos filhos dos seus senhores, dos seus próprios filhos – quando isso não lhes era negado. Elas eram as parteiras, as benzedeiras, as curandeiras. Todas essas atividades foram colocadas como uma atribuição das mulheres negras e impossibilitou, inclusive, que essa parcela da população pudesse ser inserida na economia formal e ascender profissionalmente”.

Liguori afirma ainda que as mulheres negras têm pouco acesso a vagas de emprego, que normalmente exigem muitas horas de dedicação. Como elas precisam, muitas vezes, se dedicar aos trabalhos de cuidado, não conseguem quebrar o ciclo de pobreza. “Quando a gente fala sobre mulheres negras, tem um agravante do racismo porque, muitas vezes, as posições de melhor remuneração são negadas a essas pessoas”.

Cuidados

Cossette Castro é coordenadora do coletivo Filhas da Mãe Foto: Frame/TV Brasil

O trabalho do cuidado abrange múltiplas funções na nossa sociedade e, como explicam as especialistas, é um trabalho essencial para a perpetuação da vida no planeta. Não se trata apenas do cuidado com filhos pequenos ou idosos dependentes.

“Trabalho doméstico é limpeza, fazer comida, cuidar de doentes, cuidar de familiares idosos com demências ou qualquer outro tipo de deficiência, cuidar de criança, adolescente, levar para escola, tirar da escola, levar para o médico, pensar o lazer, planejar férias, acompanhar a criança em estudo, administrar o orçamento da casa para poder pagar os remédios, etc. Então as mulheres fazem um trabalho invisível gigantesco. E muitas vezes nem têm noção do conhecimento que possuem”, afirma Cosette Castro, psicanalista e pesquisadora.

Cosette é também uma das coordenadoras do Coletivo Filhas da Mãe, uma organização criada em dezembro de 2019 por cuidadoras familiares de pessoas com demências. Ela é filha única e cuidou de sua mãe, que teve Alzheimer, e defende a importância do reconhecimento e do pagamento do trabalho do cuidado.

Essencial

Ana Amélia Camarano explica que a sociedade precisa entender que, sem esse trabalho, a vida não acontece. “Se você não cuida de um idoso, de um doente, de um deficiente acamado, por exemplo, não dá comida, não faz a higiene, essa pessoa morre. Então é fundamental para a reprodução da vida. E esse cuidado envolve um valor econômico, um custo. Envolve afeto, envolve reciprocidade, envolve culpas, obrigações”.

O termo “Geração Sanduíche” vem sendo utilizado para descrever pessoas que estão entre duas gerações que precisam de cuidados. Maíra Liguori explica que é uma geração de mulheres que estão tendo filhos mais tarde, enquanto os pais já estão precisando de cuidados. “Então é um momento da vida dessas pessoas com uma dupla carga de cuidado, por estar estarem sustentando os cuidados de duas gerações, a anterior e a de seus descendentes”.

É o caso de Maíla Silene Ferreira de Menezes. Aos 35 anos, ela se divide entre os cuidados com a mãe, que tem 65 anos e está acamada após um acidente vascular cerebral (AVC), e com seus dois filhos. Sem recursos financeiros para pagar uma cuidadora, Maíla se viu obrigada a sair do mercado de trabalho e abandonar os estudos. “Eu estava fazendo um curso no IFB (Instituto Federal de Brasília) e desisti porque, realmente, pra mim não dava. Eu pensei que ela poderia melhorar logo, então eu voltaria. Mas até hoje eu não consegui. Quem sabe uma hora eu consiga voltar a estudar”, conta Maíla.

Maíla Silene Ferreira de Menezes se divide entre os cuidados com a mãe, que tem 65 anos e esta acamada. Foto: Frame/TV Brasil

Política Nacional de Cuidados

Laís Abramo, secretária nacional de Cuidados e Família, explica que o atual governo está desenvolvendo uma Política Nacional de Cuidados (PNC), tanto para quem precisa ser cuidado, quanto para quem cuida. O cuidado é visto como uma necessidade de todas as pessoas, como um direito e como um trabalho feito cotidianamente no país.

“O presidente (Luiz Inácio Lula da Silva) avaliou que falta uma política mais integrada e que, inclusive, os serviços hoje existentes não são capazes de responder a uma crescente demanda por cuidados que está associada, em parte, ao processo de envelhecimento da população”, afirma Abramo.

Maíra Liguori alerta que, apesar da elaboração dessa política, existe a preocupação com a urgência do assunto. “Eu não sei se a gente vai ter tempo (de implementar a PNC) porque essa evolução da pirâmide etária do Brasil está sendo muito rápida. Na próxima geração, vamos ter uma inversão da pirâmide. Muito mais pessoas idosas do que jovens e isso implica necessariamente uma crise de cuidado. A gente não tem um contingente para dar conta das necessidades de cuidado dessas pessoas mais velhas”. 

Artigo em destaque: mulheres cambojanas enfrentam julgamento social e depressão após o divórcio

Relógio

Esta notícia foi programada
para 20 de abril de 2024
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20 de abril de 2024

 

Agência VOA

“Ele usou violência brutal contra mim. Ele me acertou. Ele agarrou meu pescoço. Eu realmente passei por momentos difíceis quando estava com ele e minha saúde mental estava muito instável”. Quando Thach Chanty, uma mulher de 35 anos da província de Kampong Cham, no sudeste do Camboja, relembra a vida com seu ex-marido, “minhas lágrimas quase caem”. Chanty, que trabalha como confeccionista, agora luta para sustentar seus dois filhos após um casamento que ela descreve como marcado pela negligência e pela violência.

Escapar à brutalidade deixou-a sozinha numa sociedade que continua a julgar as mulheres divorciadas como tendo falhado no seu papel social primário de esposa e mãe. Chanty encontrou consolo no apoio de sua família. “Senti pena dos meus dois filhos depois que me divorciei do meu marido”, disse ela. “Muitas pessoas me julgam por ser divorciada, mas felizmente meus pais e minha irmã estiveram lá para me apoiar”.

Um relatório recente intitulado Separate Ways, lançado no final de 2023 pela pequena organização sem fins lucrativos Klahaan, lança luz sobre as lutas enfrentadas pelas mulheres divorciadas do Camboja. Além de suportarem vergonha e julgamento social significativo, o relatório diz que as mulheres divorciadas são mais propensas a enfrentar problemas financeiros e mentais em comparação com os seus ex-maridos.

O relatório também conclui que pouco mudou desde que um estudo de Novembro de 2015 realizado pelo ministério de estatísticas do Camboja em conjunto com uma agência da ONU concluiu que aproximadamente 20% das mulheres cambojanas enfrentaram violência física e/ou sexual por parte de um parceiro íntimo durante relacionamentos, incluindo o casamento. O relatório também concluiu que o abuso emocional afectava um terço das mulheres, a violência ocorria frequentemente na presença de crianças e poucas vítimas procuravam assistência.

Disparidades de gênero após o divórcio

Realizado online, o estudo Klahaan envolveu 40 participantes do sexo feminino e masculino de Phnom Penh, a capital, e de áreas remotas, incluindo as províncias de Ratanakiri e Kep. Entre as participantes, 22 mulheres relataram ter se divorciaod.

O estudo revelou disparidades significativas de gênero após o divórcio. A maioria dos participantes — 87% — afirmou que as mulheres suportam um fardo mais pesado de vergonha ou estigma após o divórcio, enquanto apenas 1% considerou os homens mais afetados do que os seus parceiros. O relatório também destacou diferenças regionais: 48% dos entrevistados acreditam que as mulheres rurais sofrem efeitos mais pronunciados após o divórcio, em comparação com 8% que consideram que as mulheres urbanas enfrentam estigma e julgamento social.

O Diretor Executivo da Klahaan, Mao Map, disse à VOA Khmer que o novo estudo, que se baseia na metodologia FPAR, visa abordar a controversa escolha do divórcio tanto para mulheres como para homens.

De acordo com Mao Map, a crença predominante no Camboja é que as mulheres só podem casar uma vez na vida – uma noção que influencia a percepção do divórcio. Para apoiar as mulheres, Mao Map está a pressionar o governo a estabelecer políticas que agilizem o processo de divórcio, diminuindo a necessidade de mediação judicial e aumentando a prote ção da saúde das mulheres, eliminando a culpabilização das vítimas pelas autoridades.

Sar Sineth, porta-voz do Ministério dos Assuntos da Mulher do Camboja, enfatizou o compromisso do governo em ajudar mulheres e meninas que sofreram violência, especialmente aquelas que enfrentam o divórcio e lidam com transtorno de estresse pós-traumático. Ela disse que o ministério coordena estreitamente com o governo e o sistema jurídico para fornecer apoio rápido. “Estamos trabalhando duro para agilizar o processo… na prestação de assistência jurídica às vítimas de… divórcio devido à violência crônica”, disse ela. “E com esta disponibilização de advogados, o Conselho Nacional de Acção da Mulher assinou um memorando de entendimento com a Ordem dos Advogados para apoiar as vítimas e prestar serviços atempados.”

Sar Sineth não respondeu quando a VOA Khmer pediu detalhes sobre como as mulheres poderiam aceder a esses serviços.

Infidelidade leva ao divórcio

O estudo revelou que a infidelidade é um fator significativo que influencia as decisões das mulheres de se divorciarem, com 81% dos entrevistados identificando “traições e casos” como uma causa provável para as mulheres escolherem o divórcio. Em contraste, apenas 68% selecionaram a mesma resposta para os homens.

Uma participante disse que embora o marido tenha começado a traí-la logo após o casamento, depois que os filhos nasceram “ele foi longe demais – levou-a para dormir na casa que construímos juntos. No final, decidi vender aquela casa e me divorciar”.

Thach Chanty disse que não se importa mais com a forma como os outros a julgam por se divorciar para escapar da violência e se concentrar nos filhos. “Inicialmente, quando pensei em me divorciar, chorei e às vezes até pensei em acabar com minha vida, mas agora deixei de lado esses pensamentos e estou vivendo minha vida normal, movido pelo desejo de fazer tudo pelos meus filhos”, disse ela.

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Rio homenageia jovem que resgatou mãe e duas filhas durante temporal

A Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro entregou, na noite desta quarta-feira (10), a Medalha Tiradentes e uma moção de aplausos e louvor a Marcos Vinicius Vasconcelos, que ficou conhecido como o “Herói da Baixada”, por seu ato de coragem ao resgatar uma mãe e suas duas bebês de um carro arrastado pelo temporal em Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense, em fevereiro.

A cerimônia foi presidida pelo deputado Felipinho Ravis (SDD), que enalteceu também o motorista do ônibus que prestou apoio durante o resgate, o parlamentar ressaltou o ato heroico do jovem. “O Marcos teve uma atitude muito nobre, importante e heroica. Na Baixada, sofremos com as enchentes e há diversos heróis anônimos que ajudam as pessoas”, disse. Assim que a mãe e as duas crianças foram retiradas do veículo, o carro foi arrastado pela correnteza e engolido pelas águas.

O vídeo do resgate foi feito por uma colega de trabalho de Marcos, que estava no ônibus durante o episódio, e rapidamente viralizou nas redes sociais. “Na hora, a ficha não tinha caído. Eu fiquei só vendo a criança chorar e a mãe me agradecer. Eu não imaginava o que podia acontecer. Depois que cheguei à minha casa que vi que estava tudo alagado e pensei que poderia ter acontecido coisa pior comigo e com as crianças. Mas graças a Deus tudo deu certo'”, relatou.

Ao receber a homenagem, Marcos Vinicius compartilhou sua experiência após o evento, mencionando os danos causados pela inundação em sua própria casa, bem como nas residências de seus parentes. Ele expressou sua gratidão e humildade diante do título de “Herói da Baixada Fluminense”. “Só agradeço por esse acontecimento. Tenho planos de estudar para ser bombeiro militar”, afirmou.

A deputada Elika Takimoto (PT) destacou a importância da atenção para as mudanças climáticas, e contou que durante uma viagem ao Japão o prefeito de Hamamatsu exibiu a imagem desse resgate durante uma reunião. “O Japão é um local que tem muitas variações de condições climáticas, a população está muito preparada para esses acontecimentos, que não é o nosso caso. A imagem circulou não só o Brasil, mas sim o mundo, e é um exemplo de coragem e heroísmo”, comentou a parlamentar.

DF: maior favela do Brasil deve receber instituto federal em um ano

“No ano que vem, eu quero estar aqui no Sol Nascente (DF) para fazer a aula inaugural do novo Instituto Federal de Brasília”. Enquanto o  presidente Luiz Inácio Lula da Silva discursava, nesta quinta-feira (11), ao lançar a pedra fundamental da nova unidade educacional, Leticia Souza, de 14 anos, tinha no colo a filha, de seis meses. A adolescente estava na ponta dos pés para enxergar o que as autoridades falavam e avaliava se poderia sonhar. 

Os pés, aliás, que estão, segundo ela, já cansados e calejados de andar de sandálias diariamente por quase uma hora para ir à escola. “Nunca morei perto de onde estudo. Só tenho vontade mesmo de ir além da sétima série. Mas, já pensei em desistir”.

Letícia  disse que concordou com o presidente quando ele disse que ter uma profissão pode ser a diferença para o futuro. “Se você chega em qualquer lugar para pedir emprego, nos perguntam se temos profissão. Quando a gente tem uma profissão, o empregador pega o currículo da gente e voltamos para casa com esperança”, disse o presidente. 

Letícia, que nasceu no lugar que é considerado a maior favela do Brasil, distante 30 quilômetros da Praça dos Três Poderes, em Brasília, e com mais de 32 mil domicílios,  afirma que o ônibus a R$ 3,50 para ir à escola pesa no orçamento. “Já pensei em ser policial ou estudar para ser alguém. Fiquei com esperança que esse instituto me ajude e um dia ajude a minha filhinha”.

“Eu tenho sonhos”

Quem ouvia atentamente as palavras do presidente era Joyce dos Santos, de 18 anos. A jovem sonha em fazer um curso técnico em audiovisual. Para chegar à escola, a concluinte do ensino médio acorda às 5h30 da manhã e sai de casa às 6h10. Precisa tomar dois ônibus diariamente.

“É cansativo, mas eu tenho sonhos. Tem gente que fala que eu estou sonhando muito alto. Mas, na escola, fiz um filme para a feira de ciências e descobri que estudar pode ser muito bom. Estou na expectativa de um dia estar aqui”.

O “aqui”, onde se deu o evento de inauguração, por enquanto, é apenas um terreno de 16,6 mil metros quadrados. O presidente Lula, durante o evento, cobrou que a licitação para a construção do novo instituto seja feito o mais rápido possível, a fim de garantir o direito de acesso a educação. 

Vagas

Segundo o governo federal, a futura nova unidade integra o plano de expansão dos institutos federais pelo Novo Programa de Aceleração do Crescimento (Novo PAC). O investimento previsto é de R$ 2,5 bilhões para construção de 100 novos campi pelo Brasil, com a meta de gerar 140 mil novas vagas de educação profissional. No Sol Nascente, a estimativa é abertura inicialmente de 1,4 mil vagas para ensino técnico integradas ao Ensino Médio.

O Sol Nascente foi transformado em região administrativa no ano de 2019. Antes, pertencia a Ceilândia, a maior região administrativa do DF. Cada nova escola, segundo o governo, tem custo estimado de R$ 25 milhões, sendo R$ 15 milhões para infraestrutura e R$ 10 milhões para aquisição de equipamentos e mobiliário. 

Mil institutos

Com os novos 100 campi, a rede federal passará a contar com 782 unidades, sendo 702 campi de instituto federais. Lula disse que, embora não tenha chegado a uma faculdade, o ensino técnico mudou a vida dele. “Quero chegar a mil institutos”, disse hoje.  Também no evento, o ministro da Educação, Camilo Santana, ressaltou que uma preocupação do governo é a de reduzir a evasão escolar.

A reitora do Instituto Federal de Brasília, Veruska Ribeiro Machado, defendeu a necessidade de interiorização dos institutos. “Eu sou professora há 32 anos e todos os dias eu acompanho transformação de vidas. As pessoas transformadas mudam suas vidas”.

Essa preocupação com evasão é compartilhada pela professora Joana Cruz, de 56 anos, e 27 de carreira em sala de aula, que foi conferir o evento na plateia. Ela, que é docente na Ceilândia, testemunha que os alunos do Sol Nascente “ralam” muito para ir para escola. 

“Eles vão a pé, de bicicleta, com dois ônibus. Tem muita gente que desiste. Fora que, quem estuda à noite, pede para sair mais cedo porque eles têm medo de assalto”. Curiosa, na plateia, a aposentada Maria Creuza de Souza, de 62 anos, analfabeta, foi ao evento para saber se conseguiria um dia matricular os netos.

“Nunca aprendi a escrever meu nome. Para mim, não foi possível mudar a vida. Quem sabe para eles…” 

JUBs: fã da seleção, haitiano ganha chance de jogar no Brasil

Kevin Lebon tem 24 anos e como muitos brasileiros se apaixonou pelo futebol vendo a seleção canarinho jogar. O estudante do sexto período do curso de Relações Internacionais da Universidade Federal de Sergipe (UFS), no entanto, não nasceu no Brasil. Ele é haitiano e fala com emoção de um jogo que ele nem tem idade para se lembrar. A partida amistosa que a seleção brasileira disputou em Porto Príncipe em agosto de 2004. Esse jogo, ele lamenta não ter assistido, mas não faltaram oportunidades para torcer para o Brasil.

“Desde criança eu cresci assistindo e torcendo pela seleção brasileira, a minha família toda é fã da seleção, na verdade é o Haiti todo que ama e torce pelo Brasil” afirma Kevin. 

Quando vivia no Hati, Kevin Lebon (na extremidade direita da imagem) jogava com amigos em uma equipe, cuja camisa homenageava o uniforme da seleção brasileira – Kevin Lebon/Arquivo pessoal

A paixão pela seleção brasileira e as dificuldades de continuar estudando no Haiti, além das oportunidades de bolsas no país, fizeram com que Kevin escolhesse o Brasil para começar a faculdade.

“Quando eu soube desse acordo que existe entre o Brasil e o Haiti para poder vir estudar aqui no Brasil através de um amigo que já morou aqui, então, não pensei duas vezes, eu me candidatei. Apesar de eu já ter começado a estudar numa das melhores universidades no meu país, pois eu tinha recebido uma bolsa da minha escola do ensino médio pelo fato de ter boas notas, por conta das crises políticas, inseguranças, a universidade ficou fechada” explica ele.

A vontade de ser jogador profissional, Kevin teve que deixar de lado.

“Pela falta de oportunidade no meu país, a gente acaba desistindo desse sonho, mas hoje, graças a essa oportunidade que a CBDU [Confederação Brasileira de Desporto Universitário] oferece para os estudantes universitários, é uma honra de estar representando a minha instituição aqui no Brasil”, diz o universitário, que defendeu a equipe masculina de de futebol da UFS no JUBS, em Recife. 

Em campo, a equipe acabou não conseguindo se classificar para as quartas de final e voltou mais cedo para casa. Para Kevin, a expectativa é ficar mais tempo no Brasil.

“Estou pensando em fazer mestrado, porém, ainda vai depender das oportunidades que vão surgir”, projetou Kevin, determinado a seguir unindo educação à paixão pelo esporte.