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Estado palestino faria Israel repartir meio trilhão em petróleo e gás

Caso o Estado palestino independente fosse criado, Israel teria que repartir receitas de petróleo e gás estimadas em mais de meio trilhão de dólares. Atualmente, a exploração de ricos campos de gás natural no Mar Mediterrâneo, em frente à Faixa de Gaza, tem sido feito exclusivamente por Israel.

A Agência das Nações Unidas para Comércio e Desenvolvimento (Unctad) estimou que as reservas de gás natural na Bacia do Levante, em frente à Faixa de Gaza, possuem 122 trilhões de pés cúbicos de gás natural a um valor líquido de US$ 453 bilhões (a preços de 2017) e 1,7 bilhão de barris de petróleo recuperável a um valor líquido de cerca de US$ 71 bilhões. Ao todo, são US$ 524 bilhões em combustíveis que deveriam ser compartilhados com os palestinos

Bacia do Levante no Mar Mediterrâneo  – Arte/EBC

“Isso significa que esta bacia é um dos recursos de gás natural mais importantes do mundo. Elas são recursos comuns compartilhados, cuja exploração por qualquer parte diminui a participação das partes vizinhas. A ocupação continua a impedir os palestinos de desenvolver seus campos de energia para explorar e se beneficiar de tais ativos”, afirmou a Unctad.

Para especialistas consultados pela Agência Brasil, a disputa entre Israel e um possível futuro Estado palestino por essas riquezas influência a guerra no Oriente Médio. Afinal, o partido do primeiro-ministro Benjamin Netanyahu – o Likud, que governou Tel-Aviv em 19 dos últimos 23 anos – tem apostado na expansão econômica do país pela via da produção de energia.

“Israel silenciosamente se tornou um produtor e exportador significativo de gás nos últimos 3 a 4 anos, dobrando o tamanho de sua cadeia de valor de gás com o combustível produzido offshore fluindo para o mercado interno israelense e exportações para a Jordânia e o Egito”, informou pesquisa do Instituto da Oxford para Estudos sobre Energia (OIES, em sigla em inglês), publicada em novembro de 2023.

De acordo com o estudo da OIES, Israel passou de uma condição completamente dependente de combustíveis importados para produzir quase 50% da energia que necessita, chegando a 21,9 bilhões de metros cúbicos (bmc) em 2022. “Isso é substancialmente maior do que qualquer produtor da União Europeia (EU)”, afirma a pesquisa.

Pax Israelense

03/10/2023, Professor de Relações Internacionais Bernardo Kocher comenta ataque em Nice. Foto: Frame/ TV Brasil – Frame/ TV Brasil

O professor de história contemporânea da Universidade Federal Fluminense (UFF) Bernardo Kocher avalia que as ações militares na Faixa de Gaza buscam viabilizar uma economia à base do gás. “A exploração de gás tem correlação com o ocorre em Gaza”, comentou.

Para o especialista, o projeto político de Israel, e seus aliados, é o de criar uma Pax Israelense para liderar todo o Oriente Médio, do Egito até o Irã, assim como a Pax Romana deu a Roma o controle de boa parte do mundo na Antiguidade.

“Porque aí tem energia e é o caminho que leva a Europa até o extremo oriente. É uma zona de turbulência e os países que têm petróleo, tem poder”, comenta Kocher, que avalia que apenas Líbano, Síria e Irã estão fora da influência ocidental e israelense na região, além de serem nações contestadoras.

“Israel aproveitou o 7 de outubro e está atuando para resolver todos esses impasses, várias frentes de batalha com apoio ocidental, não é uma coisa só interna de Israel. O mais difícil é alcançar o Irã pela distância e pelo poderio militar que o Irã tem”, explica..

Novo Oriente Médio

O primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, tem defendido a criação de um “Novo Oriente Médio” livre da influência do Irã e de organizações como o Hezbollah, do Líbano, e o Hamas, da Palestina.

Benjamin Netanyahu na Assembléia Geral da ONU apresentando o mapa do “Novo Oriente Médio” sem incluir Gaza e a Cisjordânia.- Loey Felipe/ONU

A pesquisadora do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de São Paulo (USP), Karina Stange Caladrin, que também é assessora do Instituto Brasil-Israel, ressalta que o projeto do Novo Oriente Médio busca fortalecer as lideranças sunitas em oposição às xiitas.

Karina Stange Caladrin explica que o projeto do Novo Oriente Médio busca fortalecer as lideranças sunitas em oposição às xiitas.- Arquivo pessoal

Em especial, a Arábia Saudita, que é uma grande aliada dos Estados Unidos e rival histórica do Irã, que é uma nação de maioria xiita. O projeto criaria uma plataforma para exportação de petróleo e gás passando por Israel. “Ainda mais a partir dos portos de Israel e do relacionamento que Israel tem com as potências ocidentais”, avaliou Karina.

Israel assume gás

De acordo com o relatório da Agência da ONU para o Comércio e Desenvolvimento, o período em que as descobertas de gás natural foram feitas no mar da Faixa de Gaza coincidiu com crises políticas, indo da 2ª intifada – revolta palestina contra a ocupação israelense iniciada em 2000 – até o isolamento e o bloqueio de Gaza a partir de 2007.

Em 1999, a companhia BG Group (BBG) assinou um contrato de 25 anos de exploração de gás com a Autoridade Nacional Palestina (ANP), que atualmente controla apenas 18% da Cisjordânia, mas na época controlava também Gaza. No entanto, em 2003, Israel proibiu que os recursos fossem para a ANP afirmando que eles poderiam ser usados ​​para apoiar o terrorismo.

“A BGG tem lidado com o governo de Israel efetivamente ignorando a autoridade governante em Gaza com relação aos direitos de exploração e desenvolvimento sobre os campos de gás natural”, afirma o relatório da Unctad, acrescentando que “os campos de gás natural de Gaza foram, em violação ao direito internacional, de fato integrados às instalações offshore de Israel, que são contíguas às da Faixa de Gaza”.

A agência da ONU destaca também o controle que Israel assumiu sobre o campo de petróleo e gás natural de Meged, localizado dentro da Cisjordânia na área administrada por Israel. “Meged foi descoberto na década de 1980 e começou a produção em 2010. Suas reservas são estimadas em cerca de 1,5 bilhão de barris de petróleo, bem como algum gás natural”, afirmou.  

7 de outubro e Europa

O ataque do Hamas a Israel em 7 de outubro de 2023 teve efeitos imediatos na exploração de gás offshore na região, com Tel-Aviv fechando o campo de Tamar, que produziu, em 2022, 47% do gás de Israel. Com isso, a exportação para o Egito foi suspensa, embora parte dela tenha sido redirecionada para a Jordânia.

De acordo com a pesquisa do centro de estudos da Oxford, essa mudança põe dúvidas sobre a proposta de a União Europeia substituir o gás russo cortado após Moscou invadir a Ucrânia por produção do Mediterrâneo Oriental. De acordo com os pesquisadores, o “clima geral de investimentos” na exploração de gás em Israel pode ser comprometido.  

Os pesquisadores da Oxford citam acordo firmado em junho de 2022 entre Egito, Israel e União Europeia afirmando que as “partes se esforçarão para trabalhar coletivamente para possibilitar uma entrega estável de gás natural para a União Europeia”. 

Apesar das incertezas após o 7 de outubro, o fornecimento de gás para o mercado interno de Israel não foi prejudicado com o fechamento do campo de Tamar. “principalmente por causa do aumento do campo de Karish, mas os volumes de exportação serão afetados”, concluíram.

Grande Israel

Para a pesquisadora da USP Karina Stange Caladrin, a questão econômica do petróleo e gás é importante para entender o conflito atual no Oriente Médio, mas a especialista avalia que posições religiosas dos partidos de extrema-direita israelenses, que querem tomar terras árabes, têm um peso ainda mais importante no conflito.

“Há interesse em expandir essa exploração de gás porque isso ajudaria economicamente o país, mas acho que há outras questões mais importantes. Hoje, dentro da coalizão que governa Israel, tem os partidos religiosos e de extrema direita que veem a ocupação de Gaza, ou até mesmo do sul do Líbano, como uma justificativa religiosa, da Grande Israel e da terra bíblica de Israel”, afirma.

Algumas correntes dentro do governo israelense têm defendido a proposta da Grande Israel, que prevê a expansão do território controlado por Tel-Aviv do Rio Nilo ao Rio Eufrates, tomando partes do Egito, Iraque, Jordânia, Líbano e até Arábia Saudita. A proposta da Grande Israel existe desde o início do movimento sionista, que deu origem ao Estado de Israel. 

Grande Israel- Mapa Middle east political

O pesquisador Roberto Kocher cita que já está sendo anunciada a venda de terras no Lìbano e em Gaza exclusivamente para judeus. “O processo de incorporação de terras está em marcha. Agora mais intensamente em Gaza, em segundo lugar, na Cisjordânia e, em terceiro lugar, no Líbano”, afirma.

Atualmente, existem cerca de 700 mil colonos ocupando terras na Cisjordânia. Esses assentamentos são considerados ilegais pelo direito internacional, segundo declarou em julho deste ano a Corte Internacional de Justiça (CIJ), ligada à ONU. Em resposta, o governo de Israel voltou a afirmar que as terras são do Estado judeu. 

Água

A autonomia do povo palestino também exigiria uma nova divisão das águas da região, já que os israelenses consomem, por ano, quase oito vezes mais recursos hídricos que os palestinos.  

Enquanto o consumo médio per capita de água de um israelense é de 1,9 mil metros cúbicos (m³) por ano, o do palestino é de 238 m³ por ano. Em 2004, mais de 85% da água palestina da Cisjordânia havia sido tomada por Israel, servindo para cobrir 25% da necessidade de água dos israelenses, segundo dados da Agência da ONU para Comércio e Desenvolvimento.

Segundo a agência da ONU, a ocupação da Palestina por Israel limita o acesso à água dos palestinos. “Os palestinos também têm negado seu direito de utilizar recursos hídricos do Rio Jordão e do Rio Yarmouk. Os fazendeiros da Cisjordânia historicamente usaram as águas do Rio Jordão para irrigar seus campos, mas essa fonte foi poluída, com Israel desviando os fluxos de água ao redor do Lago Tiberíades para o baixo Jordão”, destacou a organização.

Governo federal decretará GLO durante o G20, diz secretário estadual

O governo federal irá decretar uma missão de Garantia da Lei e da Ordem (GLO) que deverá abranger o período de realização da Cúpula de Líderes do G20, na capital fluminense. A informação é do secretário de Segurança Pública do estado do Rio de Janeiro, Victor dos Santos (à direita na foto). O evento será realizado nos dias 18 e 19 de novembro, com a presença de diversos chefes de Estado. 

“A GLO é uma regra nesses grandes eventos. É importante destacar que o país que é anfitrião tem a responsabilidade de garantir a segurança de todos aqueles que vêm. Já havia previsão de decretação da GLO. Esse é um ato do governo federal, afinal é um evento internacional. Então a força do estado é uma força secundária. Mas claro que tudo que é de atribuição do estado, nós vamos garantir”, disse Santos.

O secretário nacional de Segurança Pública do Ministério Justiça e da Segurança Pública (MJSP), Mário Luiz Sarrubbo, afirmou que a GLO é um decisão privativa do presidente da República. Segundo ele, o Rio de Janeiro já se mostrou preparado para a realização de grandes eventos, citando como um dos exemplos os Jogos Olímpicos de 2016. “Nós temos convicção de que tudo correrá da melhor maneira durante o G20”, acrescentou.

As declarações foram concedidas após reunião realizada entre as forças de segurança do Rio de Janeiro e a Secretaria Nacional de Segurança Pública do MJSP (Senasp) para tratar dos episódios de violência registrados na semana passada, quando três inocentes foram mortos durante confronto entre policiais e organizações criminosas na Avenida Brasil, na zona norte da capital. No encontro, foi instituído um grupo de trabalho que terá como foco central investigar a estrutura financeira das organizações criminosas para estruturar medidas voltadas para a retomada dos territórios em que elas atuam.

 

O secretário nacional de Segurança Pública, Mário Luiz Sarrubbo (centro), e o secretário de Segurança Pública do Rio de Janeiro, Victor dos Santos (à direita), se reuniram após episódios de violência na capital fluminense – Tânia Rêgo/Agência Brasil

Previstas na Constituição Federal, as missões de GLO conferem às Forças Armadas a autonomia necessária para que atuem com poder de polícia, por tempo determinado, em área previamente definida. Cabe ao presidente da República decretá-las. Desde 1992, já foram realizadas mais de 140 missões de GLO no país, boa parte delas voltada para preservação da segurança pública em três situações específicas: greves de policiais militares, grandes eventos e processos eleitorais.

A data de duração da nova GLO não foi esclarecida. De acordo com Victor dos Santos, a missão abrangeria todo o município do Rio de Janeiro e tem como objetivo permitir que o governo federal assuma a governança da segurança pública ao longo do evento. Ele destaca a parceria com o estado. “Não é de hoje que a gente realiza grandes eventos. Na verdade, toda essa integração das forças de segurança que a gente vê em grandes eventos é o que a gente quer para o dia a dia, de forma perene.”

Como exemplo de uma medida que será tomada, ele citou as restrições no Aeroporto Santos Dumont, localizado próximo ao local onde ocorrerão atividades da Cúpula de Líderes do G20. “Os voos que vão chegar e sair serão operados tão somente por companhias regulares e todas elas com autorização da Aeronáutica. Isso é uma excepcionalidade”, explicou.

Segurança pública é desafio comum às capitas do Nordeste com 2° turno

No próximo domingo (27), eleitores de quatro capitais nordestinas retornam às urnas para decidir quem governará suas cidades nos próximos quatro anos.

Aracaju, Fortaleza, João Pessoa e Natal apresentam desafios comuns no que diz respeito à promoção e garantia de uma vida digna, afinal, essas cidades concentram parte significativa do fluxo de bens e serviços em suas regiões e são espaços vitais de tomada de decisão.

Entre os pontos colocados como fundamentais estão melhorias nas áreas da saúde, educação, saneamento e segurança pública. É o que aponta o Índice de Desenvolvimento Sustentável das Cidades, elaborado com base nos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) realizado pelo Instituto Cidades Sustentáveis. A mobilidade urbana também é um fator que interfere na qualidade do dia a dia dos cidadãos.

Natal

Na capital potiguar, a educação é um dos principais desafios. Natal tem a nota mais baixa, dentre todas as capitais do país, no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) nos anos iniciais do ensino fundamental: 4,5 pontos em 2023. O índice varia de 0 a 10 pontos, e a média nacional é 6 pontos. A meta do Brasil é atingir 6,7 pontos em 2030.

Para o doutor em Sociologia do Trabalho e professor da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) César Sanson, o fraco desempenho do município é preocupante. Ele destaca como necessário que o município reduza o déficit de vagas nessa etapa da educação, especialmente na oferta de vagas em creches.

“É urgente suprir o déficit de oferta de vagas para crianças do ensino básico: a pré-escola e a creche. Há mais de mil crianças que estão fora das creches, impossibilitando as mães de terem autonomia para eventualmente irem ao trabalho, realizarem outras atividades’, disse o professor à Agência Brasil.
 

Disputa para prefeitura de Natal será entre Paulinho Freire (União Brasil) e Natália Bonavides (PT) – Ney Douglas/MTur

Outro problema relacionado à educação que o professor listou se refere ao ensino integral em Natal: “ainda em relação ao ensino básico, o município de Natal não tem a oferta de escolas integrais. É preciso também que o município avance na oferta do ensino integral.”

A disputa no segundo turno na capital potiguar será entre os candidatos Paulinho Freire (União Brasil) e Natália Bonavides (PT). Com mais de 750 mil habitantes, o município precisa avançar também na promoção de serviços para a população que vive na periferia. Sanson destacou a necessidade de políticas voltadas para a redução da extrema pobreza:

“Particularmente as condições de vida na periferia da cidade são dramáticas, com ausência ou serviços muito precários na área da saúde, do saneamento e da educação.”

O professor destacou ainda a necessidade de ações voltadas para aumentar a oferta de serviços na saúde primária. “Fundamentalmente a saúde primária; o aumento na oferta dos equipamentos que são também deficitários, alguns inclusive foram fechados, como atendimentos à saúde mental, postos de saúde com falta de equipamentos, profissionais desvalorizados. É urgente também que o município reequipe os postos de saúde, amplie a oferta dessa rede básica de atendimento primário. O não atendimento primário sobrecarrega as UPAs [Unidades de Pronto Atendimento], o atendimento de saúde intermediário e os hospitais. Essa é uma outra urgência que o município precisa enfrentar”, frisou.

No que se refere à mobilidade urbana, César Sanson destacou medidas para a população que mora nas áreas periféricas. Segundo ele, ao longo dos últimos anos, principalmente no período pós pandemia de covid-19, várias linhas de ônibus foram retiradas.

“É uma situação perversa e dramática porque atinge os mais pobres e, sobretudo, a juventude, dificultando o deslocamento das pessoas para a escola, para o trabalho ou mesmo para atividades de lazer. Esse, creio, é um dos problemas centrais que a próxima administração precisa enfrentar: recolocar em serviço um transporte minimamente digno para a população”, avaliou.

“Em relação à juventude, particularmente à juventude periférica, é preciso investimentos em áreas de lazer, como praças públicas, quadras poliesportivas, piscinas públicas, investimentos relativamente baratos, que possibilitem à juventude ter espaços para sua sociabilidade, assim como também a oferta de atividades culturais, que praticamente na periferia inexistem”, finalizou o professor.

Aracaju

A qualidade da educação nas séries iniciais do ensino fundamental também se coloca como um desafio para as outras três capitais nordestinas que terão segundo turno. Aracaju e João Pessoa apresentam o mesmo Ideb: 5,20. Em Fortaleza, o Ideb é 5,90, índice mais próximo do esperado para 2030.

Ao debate da educação se soma o da violência sofrida pela população, especialmente pobre, negra e jovem. Nas quatro capitais, as chances de jovens negros serem mortos é muito superior à de jovens brancos na mesma faixa etária. Esse cenário chama a atenção para a necessidade de políticas voltadas para essa parcela da população e de combate ao racismo.

Em Aracaju, onde o segundo turno é disputado pelos candidatos Emília Corrêa (PL) e Luiz Roberto (PDT), a chance de um jovem pardo, preto ou indígena sofrer um homicídio é 26,2 maior que a de um jovem branco.

No município, que possui pouco mais de 602 mil habitantes, a taxa de homicídio juvenil masculino é de 1,81 a cada mil habitantes para jovens brancos e amarelos, e de 47,36 a cada mil, entre jovens pretos, pardos e indígenas.

A diferença na qualidade de vida das pessoas brancas e amarelas, e das pessoas pardas, pretas e indígenas também se reflete na saúde e na expectativa de vida. Em Aracaju, as pessoas pretas, pardas e indígenas vivem quase 12 anos a menos que as pessoas brancas.

Para o professor do departamento de Direito da Universidade Federal de Sergipe (UFS), Ilzver Matos, os dados refletem a ausência de políticas públicas com recorte para este segmento da população, com destaque para mecanismos de participação social.

“Aracaju tem 75% de população negra. Desse modo, fazer política pública sem recorte racial em Sergipe e em Aracaju é negar direitos da maioria da população. E é isso que vivemos por aqui” afirmou Matos à Agência Brasil.

O professor destacou que somente em 2020 Aracaju aderiu ao Sistema Nacional de Promoção da Igualdade Racial (Sinapir), voltado para a implementação do conjunto de políticas e de serviços direcionados para superação do racismo em todo território nacional.

“Estamos no estado mais letal para a juventude e na quinta cidade que mais mata jovens, ou seja, cidadãos entre 15 e 29 anos. Entretanto, o Sistema Nacional de Juventude ainda não conseguiu sensibilizar suficientemente os gestores para adesão e promoção das políticas necessárias a essa parcela da população”, criticou.

“Quando adentramos em outras áreas, tais como cultura, saúde, justiça, o quadro de ausências se amplifica. Há, apesar de regulamentação nacional em vários desses temas, um vácuo local na compreensão da importância de criação das estruturas de execução das políticas de saúde para a juventude e de saúde integral da população negra, políticas de cultura e políticas de valorização da história e cultura da África e dos afrodescendentes, dentre outras”, finalizou.

João Pessoa

Cícero Lucena e Marcelo Queiroga disputam a prefeitura de João Pessoa (PB) – Arquivo Pessoal/divulgação

Em João Pessoa, onde a disputa no segundo turno está entre Cícero Lucena (PP) e Marcelo Queiroga (PL), a taxa de homicídio juvenil masculino é de 22,11 a cada mil habitantes para jovens pretos, pardos e indígenas, caindo para 1,8 quando são jovens brancos e amarelos. Isso significa que possibilidade de homicídio da juventude negra entre 15 e 29 anos é 12,3 vezes maior que de um jovem branco e amarelo na mesma faixa etária.

O cenário também aponta para a necessidade de o município, de 833 mil habitantes avançar na implementação de promoção da igualdade étnico-racial. A cidade não conta com um plano municipal voltado para essa parcela da população, nem com um fundo voltado para captar, gerenciar e destinar recursos para a promoção da igualdade racial, com foco em ações afirmativas.

Fortaleza

Fortaleza também enfrenta desafios relacionados à violência, especialmente a sofrida pela população negra, pobre e periférica. Dados do Instituto Cidades Sustentáveis mostram que, na capital cearense, a chance de um jovem negro morrer é 32,4 vezes maior que a de um jovem branco.

Com pouco mais de 2,42 milhões de habitantes, Fortaleza é o município com a maior população entre as quatro capitais nordestinas que vão definir seus prefeitos no próximo domingo. Na capital do Ceará, onde a disputa está entre os candidatos Evandro Leitão (PT) e André Fernandes (PL), a taxa de homicídio juvenil masculino é de 1,24 a cada mil habitantes para jovens brancos e amarelos, passando para 40,29 quando são jovens pretos, pardos e indígenas.

Capital cearense tem 2,4 milhões de habitantes e elegerá seu prefeito no domingo – Jade Queiroz/ MTUR

Na avaliação da professora do programa de pós-graduação em Comunicação da Universidade Federal do Ceará (UFC) Helena Martins, o cenário de desigualdade e a ausência do poder público municipal levou a um quadro de aumento da violência na cidade.

“Você tem uma piora dos serviços públicos no geral e um afastamento mesmo da prefeitura do cotidiano, de uma certa visão de que a política vai resolver, ou está atuando para resolver esses problemas mais estruturais e conjunturais”, disse.

Helena destacou que a dinâmica da violência da cidade tem se intensificado, resultando inclusive na expulsão de pessoas dos seus lares por parte de integrantes de facções criminosas que atuam no estado.

“Fortaleza é uma cidade brutalmente desigual e que tem sofrido muito pelo processo de precarização mesmo do trabalho. É uma cidade muito de [empregos de] serviços e, por outro lado, também tem sofrido com a expansão dos grupos, das facções criminosas para o estado do Ceará e para Fortaleza especialmente. Tanto é que hoje é uma das capitais mais violentas do Brasil”, disse.

“Em muitos lugares da cidade, você sabe que tem pessoas que foram expulsas das suas casas pelas facções, lugares onde você não pode andar se você for de um outro bairro. E aí você é associada a outra facção apenas por estar em outro bairro. É uma dinâmica que vai reorganizando a própria sensibilidade na cidade”, finalizou.

A diferença na qualidade de vida das pessoas brancas e amarelas, e das pessoas pardas, pretas e indígenas também se reflete na saúde e na expectativa de vida. Em Fortaleza, pessoas pretas, pardas e indígenas vivem 10,7 anos a menos que as pessoas brancas. Enquanto a expectativa de vida das pessoas brancas e amarelas é de 74,9 anos, a das pessoas pretas, pardas e indígenas é de 64,2 anos.

Cineastas, ex-alunos e amigos lembram legado de Vladimir Carvalho

O cineasta Vladimir Carvalho será velado nesta sexta-feira (25) no Cine Brasília, das 9h30 às 13h30. O enterro será no Cemitério Campo da Esperança, às 14h30, na área destinada ao sepultamento dos pioneiros da capital federal.

Em nota, a Faculdade de Comunicação da Universidade de Brasília, onde Vladimir foi docente por mais de duas décadas, afirmou que ele “é admirado por sua generosidade, conhecimento e dedicação ao ensino.” Essas virtudes são unanimidades entre cineastas, ex-alunos e amigos ouvidos pela Agência Brasil.

“Ele tinha um séquito de alunos. Até gente que não teve aula com ele o admirava. Era uma admiração por osmose, passada por outras pessoas”, lembra Bruno de Castro que trabalhou na UnB com intermédio de Vladimir.

“Um dia eu comentei com ele que queria tentar trabalhar um pouco em uma universidade. O Vladimir, na hora, foi atrás das pessoas para abrir caminho. ”Bruno de Castro trabalhou na UnB por cerca de oito anos por intermédio de Vladimir. “Foi fantástico, fizemos a UnB-TV.  Ele deu muita força”, recorda-se. “Vladimir não poupava esforço para ajudar a fazer coisas interessantes.”

Expert em documentários

Castro teve oportunidade de produzir um making off da produção do documentário “Barra 68” (2000) e ver Vladimir Carvalho atuando como diretor. “O Vladimir vinha de uma escola de documentaristas, que tinha o Eduardo Coutinho [1933-2014] como grande referência. Eles tinham um modelo de trabalho. Era um negócio assim: muito de sentar e conversar com o entrevistado até arrancar o que precisava. Sabiam exatamente o que queriam”, compara.

A admiração pelo trabalho de Vladimir Carvalho fez com que o cineasta Marcio de Andrade produzisse o documentário “Quando a coisa vira outra” (2022) sobre Vladimir e seu irmão, também cineasta, Walter Carvalho. “O meu desejo de trabalhar com ele se transformou num documentário a seu respeito e à sua trajetória”, conta Andrade.

O documentário foi bem acolhido por Vladimir. “A reação dele foi uma grande alegria. A gente fica tenso, né? Afinal, ele era um expert de documentários, né? Sabia fazer como ninguém. E foi ótima a proximidade com ele. Desde sempre o Vladimir foi uma referência pra gente.”

A gentileza de Vladimir Carvalho também é lembrada pela atriz e diretora Catarina Accioly que postou em suas redes sociais imagens de uma conversa com Vladimir logo após a exibição do seu documentário “Rodas Gigante” no Festival de Brasília de 2023.

“Ele fez uma baita declaração ao filme, sabe? Foi muito especial. Tinha acabado a sessão e eu estava super emocionada. Recebi estímulos de ‘ter acertado” de ‘que aquilo era documentário’. Quanto maior o artista, mais generoso é”, declara Catarina.

Aprendiz curioso

A servidora pública aposentada Mercês Parente foi aluna orientada por  Vladimir no início dos anos 1970 na UnB. Ao longo do tempo tornou-se amiga e compartilha profunda admiração pelo cineasta. “Ele tinha uma visão analítica de mundo. Fazia umas correlações incríveis. Mas sempre se portou como um aprendiz”, afirma.

“A faísca impressionante é a curiosidade. Quanto mais velho, mais ficava curioso e atento”, concorda o cineasta Marcus Ligocki que produziu o último documentário de Vladimir Carvalho “Rock Brasília – Era de Ouro” (2011).

“Conectar com a emoção de vida e brilho nos olhos foi fundamental para mim. Aprendi muito com ele sobre paixão, narrativa e método de filmar. Ele estava 100% imerso na produção dos filmes. Pesquisando e arquivando informação para os próximos filmes. Havia cinema correndo nas veias dele. Nunca foi um prestador de serviço do audiovisual, filmou seus pensamentos e suas emoções em relação ao mundo e em relação a Brasília.”

Pablo Gonçalo Martins, professor de audiovisual da UnB, também percebia em Vladimir Carvalho “paixão por tudo que cercava sua vida.” O acadêmico conheceu Vladimir em uma sessão de cinema de um filme do diretor Roberto Rossellini [1906-1977], do neorrealismo italiano, uma das influências do cineasta brasileiro.

Martins se recorda de um punhal de cangaceiro que Vladimir mostrou, guardado entre as suas coleções que também incluíam filmes, máquinas fotográficas, câmeras, equipamentos de produção cinematográfica – uma parte da memória do cinema brasileiro que o cineasta doou à Universidade de Brasília.

Mangue conservado transforma pescadores em guias de turismo

A Baía de Guanabara, na região metropolitana do Rio de Janeiro, representa um paradoxo no imaginário popular. De um lado, é associada à poluição. De outro, um cartão postal do Rio, banhando o Pão de Açúcar, a ilha de Paquetá e com vista para o Corcovado, onde fica a estátua do Cristo Redentor, e para o Dedo de Deus, no Parque Nacional da Serra dos Órgãos.

Na região conhecida como fundo da baía, longe dos olhos de quem atravessa os 13 quilômetros da Ponte Rio-Niterói, ficam extensões de manguezais – um ecossistema tido como lamacento que faz a transição entre os ambientes marinho e terrestre.

Magé (RJ) – O pescador Nilo Ferreira Filho exerceu a profissão por décadas. Hoje, além da pesca, ele guia turistas no mangue – Fernando Frazão/Agência Brasil

A conservação dessa vegetação, essencial para mitigar as mudanças climáticas, é uma atividade ambiental sustentável que mudou a rotina de pescadores e dos tradicionais catadores de caranguejos que se desenvolvem nesse ecossistema.

Nilo Ferreira Filho tem 72 anos. A vida toda foi pescador na região de Magé, cidade da região metropolitana do Rio que fica “no fundo” da Baia de Guanabara.

Depois de décadas acostumado a chegar em terra com centenas de quilos de peixe no barco, ele exercia outra atividade em uma manhã de outubro: conduzia turistas ecológicos para uma imersão em manguezais próximos à Praia de Piedade.

“Preservar o manguezal é bom para criar os peixes. Tem que preservar. É onde conseguimos o sustento. É muito bonito”, diz ele, que entende a associação entre o mangue conservado e a produção de peixes.

Cerca de 80% das espécies de peixes, crustáceos e moluscos dependem desse ambiente em alguma fase de vida, segundo a oceanógrafa Liziane Alberti, especialista em conservação da biodiversidade na Fundação Grupo Boticário – instituição sem fins lucrativos do Grupo Boticário dedicada à proteção da natureza.

Carlos Eduardo Antônio de Paula, de 46 anos, é outro pescador nascido e criado em Magé. Ele também participou da expedição aos manguezais, transportando turistas em um barco a remo. Para ele, levar visitantes à região, além de fonte de renda, é uma forma de mostrar a realidade pouco conhecida do manguezal:

“Manguezal é uma parte da minha vida. Quem fala mal do manguezal, não sabe o que está falando. A lama do mangue não é contaminada, não. Se não, a gente não comeria crustáceos, caranguejo, siri e peixe. Enquanto eu viver, quero viver aqui”, disse à Agência Brasil.

“Esse negócio de passeio turístico é uma novidade, mais uma forma de sustento”, completa.
 

Magé (RJ) – Grupo de colhereiros (Platalea ajaja) em manguezal na Piedade banhado pelo Rio Majé – Fernando Frazão/Agência Brasil

É comum entre os barqueiros pescadores se referir ao solo dos mangues como substrato, em vez de lama, para diminuir o estigma existente.

A pescadora artesanal Lucimar Machado, fundadora dos Projetos Luthando pela Vida e Remando o Manguezal compartilha da visão de que o turismo ambiental é uma forma de mostrar a real beleza dos manguezais.

“A gente preserva e quer que as pessoas venham aqui e nos ajudem a divulgar e a preservar esse ambiente, porque a gente vive desse ambiente”, explica à Agência Brasil.

Turismo de base comunitária

Guapimirim (RJ) – Biólogo Pedro Belga na Estação Ecológica da Guanabara – Fernando Frazão/Agência Brasil

De acordo com Pedro Belga, fundador e presidente da organização não governamental (ONG) Guardiões do Mar, 650 famílias são cadastradas na Baia de Guanabara como catadoras de caranguejo, animal que vive nos mangues. As que vivem da pesca são 5 mil, com rendimento médio pouco superior a R$ 2 mil mensais.

Lucimar descreve a atividade dos pescadores como “turismo de base comunitária”. “A gente faz passeios de caiaque, levando as pessoas para ver a retirada de peixes dos currais (armadilha feita com bambu), para ver botos”.

“Às vezes eu vou em alguns eventos, e as pessoas falam ‘o fundo da baía é podre, tudo sujo’. Então eu falo ‘você acabou de ganhar um passeio de caiaque para conhecer’. As pessoas vêm querendo provar que está tudo sujo e quando chega aqui, se apaixonam pela beleza do local”, conta ela, que também vende artesanato, como brincos feitos de escamas de peixe.

Um dado que mostra o potencial de crescimento desse turismo ecológico é que 83% dos brasileiros sabem o que são manguezais. No entanto, 58% nunca os visitaram.
 

Magé (RJ) – Ecoturismo no manguezal da Piedade – Fernando Frazão/Agência Brasil

A informação faz parte da publicação Oceano sem Mistérios: carbono azul dos manguezais, divulgada nesta quinta-feira (24) pelo projeto Cazul, ligado à Guardiões do Mar.

O levantamento foi lançado durante a 16ª Conferência de Biodiversidade da Organização das Nações Unidas (COP 16), que acontece até o dia 1º de novembro em Cali, na Colômbia. O trabalho científico e ambiental é apoiado pela Fundação Grupo Boticário.

Restauração

Guapimirim (RJ) – O pescador Alaildo Malafaia, presidente da Cooperativa Manguezal Fluminense, na Área de Proteção Ambiental de Guapi-Mirim – Fernando Frazão/Agência Brasil

Alaildo Malafaia tem 62 anos. Há mais de 40 anos trabalha com a pesca na Baía de Guanabara. Há 16 anos, passou a atuar na Cooperativa Manguezal Fluminense, que ele preside. A instituição é parceira da Guardiões do Mar e atua na conservação e recuperação dos manguezais.

“Quando eu era pescador, eu vivia do recurso natural. Hoje eu trabalho para perpetuar a existência do recurso natural.”

“Quando a gente planta mangue, a gente está gerando bioeconomia. Quando a gente faz o turismo de base comunitária, está gerando bioeconomia. O artesanato, nós estamos gerando bionomia”, comenta.

A oceanógrafa Liziane Alberti também enaltece a iniciativa de desenvolvimento sustentável. “Os manguezais também são valiosos para a economia, por exemplo: a pesca artesanal e o turismo são apenas algumas das atividades que se beneficiam da saúde desses ecossistemas”.

“O turismo sustentável tem esse potencial de fazer com que a gente preze cada vez mais pela conservação desses ambientes. A comunidade também percebe valor nesse turismo e, com isso, vira um aliado para conservação”, completa Liziane.

Conhecimento tradicional

Magé (RJ) – A ocenógrafa Liziane Alberti é especialista em conservação da biodiversidade – Fernando Frazão/Agência Brasil

Além de pescadores como os da cooperativa serem um braço no trabalho de restauração, a oceanógrafa acrescenta a importância dos saberes tradicionais dessas comunidades.

“As comunidades tradicionais têm um potencial de conhecimento. Carregam um conhecimento tradicional muito rico que é muito importante. Afinal, elas que sabem certinho como funciona a maré e os períodos em que os animais se reproduzem. Elas estão no dia a dia nesse ambiente, conhecem melhor que a gente. Então, é muito importante associar todo o conhecimento científico com o conhecimento tradicional”, disse à Agência Brasil durante expedição em manguezais próximos à Praia de Piedade.

Lucimar, com experiência de anos em pesca artesanal, conta como o conhecimento tradicional pode contribuir para a restauração dos mangues:

“Às vezes, quando a gente consegue investimento para poder cuidar de manguezal, fazer um replantio, uma limpeza, a maioria das empresas já traz essas pessoas de fora, e elas não conhecem aqui. Ficam perdidas ou fazem coisas que não é para fazer. Tem que chamar as pessoas locais, porque somos nós que vivemos dentro do mangue. A gente sabe como é que cuida disso”.

Como prova, Malafaia, da cooperativa, cita uma técnica criada pelos restauradores locais que se mostrou eficaz no esforço de conservação.

“A outra ONG com quem tínhamos parceria produzia mudas no viveiro. Quando levávamos para o campo, perdia-se mais de 50% dessas mudas. Na nossa expertise como pescadores, começamos a pegar os plânctons debaixo da planta mãe, tirar da sombra e levar para a luz, eles não morriam”, descreve.

“O conhecimento empírico é fundamental na regeneração natural do manguezal”, diz ele, que é convidado para dar palestras sobre restauração de manguezais.

“Não sabia que o meu conhecimento da pesca tinha valor monetário.”

Valor da comunidade

Magé – Pesca artesanal da tainha na praia do Sossego, na Baía de Guanabara – Fernando Frazão/Agência Brasil

O estudo inédito do projeto Cazul aponta que os manguezais brasileiros têm potencial de ao menos R$ 49 bilhões no mercado de crédito de carbono.

Pedro Belga, da Guardiões do Mar, defende que o saber tradicional sobre conservação e restauração seja levado em conta quando houver divisão de recursos arrecadados pelos mecanismos de compensação ambiental, como o mercado de carbono.

“O saber desses povos orienta. Você junta conhecimento científico e conhecimento popular”, justifica. “Eles têm direito a uma fatia desse mercado também. Daí a conseguir, é uma caminhada”, avalia.

“Quando esse mercado chegar nessa ponta, quando essas pessoas conseguirem se beneficiar desse valor que é pago por hectare de mangue preservado ou conservado ou de floresta conservada, esse mercado poderá aplicar dinheiro em projetos socioambientais dentro dessas comunidades. Essa é a forma desse dinheiro chegar”, completa.

“Ainda é um sonho, mas se virar a realidade, vai ser tudo de bom para todos, todo mundo sai ganhando”, acredita Malafaia.

Pedro Belga conversou com a reportagem da Agência Brasil logo após uma visita à Área de Preservação Ambiental de Guapimirim, outro município banhado pelo fundo da baía.
 

A área de proteção existe há 40 anos e é considera uma interrupção de um cinturão de desenvolvimento que “sufocava” a Baía de Guanabara.

“O fato de existir a APA [Área de Proteção Ambiental] impede esse abraço mortal, porque se não, toda essa área onde é a APA de Guapimirim também seria urbanizada, impermeabilizada com asfalto, com ladrilho, com lajota e tudo mais”, diz.

Guapimirim (RJ) – A analista ambiental do ICMBio Natália Ribeiro fala sobre o manguezal da Estação Ecológica da Guanabara – Fernando Frazão/Agência Brasil

A área recebe projetos de recuperação de manguezais. Apesar de todos os esforços de conservação, os gestores da unidade reforçam um apelo para todos os moradores dos 17 municípios que formam a região hidrográfica da Baía de Guanabara:

“O lixo é um grande problema aqui porque nós temos muitas cidades próximas, estamos em uma região metropolitana. Então, o problema do lixo é enorme. Jogar lixo nos rios, no chão, isso vai tudo sendo carregado pela água da chuva e sendo levado para os rios para, no final, chegar aqui na Baía de Guanabara”, relata a analista ambiental do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), Natália Ribeiro, uma das gestoras.

“A gente precisa dessa conscientização da sociedade para não jogar lixo nas ruas”, finaliza.

*Repórter e fotógrafo da Agência Brasil viajaram a convite da Fundação Grupo Boticário
 

SP: após apagão, bares e restaurantes pedem mais prazo para impostos

Após o apagão desta semana, a Federação de Hotéis, Restaurantes e Bares do Estado de São Paulo (Fhoresp) encaminhou ao governo de São Paulo um pedido de mais prazo para o pagamento de impostos pelos estabelecimentos do setor. Segundo a federação, o pedido é para que seja prorrogado o vencimento de impostos para cerca de 250 mil estabelecimentos que foram afetados pela falta de energia em São Paulo.

Para o diretor executivo da Fhoresp, Edson Pinto, a prorrogação é imprescindível. “É crucial para a continuidade das atividades de milhares de estabelecimentos de hospedagem e alimentação. Estamos solicitando ao governo do estado que pondere ampliar o prazo do recolhimento de tributos, para que as empresas prejudicadas pelo apagão tenham prazo maior para a quitação. Isso já ajudaria, num primeiro momento, àquelas que foram atingidas. Auxiliaria inclusive na manutenção de empregos. Poderes executivos têm essa prorrogativa”, disse, em nota, Edson Pinto.

As chuvas fortes e os ventos que atingiram diversas cidades paulistas na última sexta-feira (11) provocaram sete mortes, queda de árvores e também deixaram pelo menos 2 milhões de consumidores sem energia elétrica. Ainda hoje, segundo a empresa de energia Enel, 36 mil consumidores continuam enfrentando problemas com a falta de luz na Grande São Paulo.

De acordo com a Fhoresp, a interrupção de energia já provocou prejuízos de cerca de R$ 150 milhões para o setor nos quatro primeiros dias de apagão. Segundo a entidade, os maiores prejudicados são os micro e pequenos empresários.

“Essas empresas não têm lucro relevante que possa remediar os danos causados em seis dias de blecaute. A maioria delas tem apenas um pró-labore retirado dia a dia para a própria subsistência e de sua família. O que está acontecendo beira o absurdo. Afinal, quem é que vai pagar a conta do prejuízo?”, questionou o diretor executivo da Fhoresp.

No início desta semana, a federação já havia notificado oficialmente a Enel solicitando o restabelecimento urgente da energia em bares e restaurantes.

Semana de Ciência e Tecnologia da UFRJ debate mudanças climáticas

A Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) iniciou nesta quarta-feira (16) as atividades da Semana Nacional de Ciência e Tecnologia (SNCT) 2024. Idealizada pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI), a semana debate este ano os desafios e riscos diante das mudanças climáticas, conversando com o tema nacional Biomas do Brasil — Diversidade, saberes e tecnologias sociais — estabelecido pela pasta. A programação é gratuita e conta com oficinas, visitas guiadas e apresentações culturais.

Com duração até a terça-feira (29), o evento está distribuído entre os campi Cidade Universitária, na Ilha do Fundão, Professor Geraldo Cidade, em Duque de Caxias, e Centro Multidisciplinar UFRJ-Macaé, em Macaé. Por meio de uma parceria com a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), a universidade também realiza a SNCT nos Territórios no Colégio Estadual Clóvis Monteiro, em Manguinhos, e na Escola Genival Pereira de Albuquerque, na Maré. Para a assessora da Superintendência de Integração e Articulação da Extensão na Pró-Reitoria de Extensão da UFRJ, Renata Soares, a SNCT é uma forma de acesso à universidade e aos conhecimentos populares para os estudantes que participam da programação.

“O evento é idealizado pelo Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovações, e temos participado exatamente com o objetivo de fazer essa difusão científica do que é produzido na universidade, em diálogo com a educação básica”, diz Renata. “Fazemos uma chamada interna na universidade para os grupos de pesquisa, extensão e laboratórios apresentarem suas produções, além de uma divulgação para as escolas públicas e privadas do ensino infantil à educação para jovens e adultos se inscreverem para vir participar das atividades”. 

Cidade Universitária

No campus da Cidade Universitária, o evento vai até sexta-feira (18). São esperados mais de 3 mil estudantes no Centro de Tecnologia, que sedia as atividades. Ao longo do evento, nos diferentes campi, são aguardados cerca de 8 mil alunos dos ensinos infantil, fundamental, médio e da educação para jovens e adultos (EJA) e mais de 160 escolas públicas e privadas de todo o estado. 

Em entrevista à Agência Brasil, Renata destacou a relevância da programação ao trazer alunos da educação básica para conhecer a universidade e reforçou o papel da divulgação científica e do diálogo com os alunos. “A importância é exatamente o papel da extensão universitária, que proporciona o diálogo que permite aos estudantes da educação básica conhecer a universidade e dá estudantes universitários oportunidade de ter essa experiência em sua formação.” Renata enfatizou a divulgação científica e a possibilidade de diálogo com essas pessoas, que também podem contribuir. A partir do momento em que as oficinas conversam com esse público da educação básica, ele reflete sobre o que a universidade está produzindo e se reinventam, disse.  

Clara Tavares sempre quis estar na universidade – Tomaz Silva/Agência Brasil

“O evento faz toda a diferença. Sempre tive o desejo de estar na universidade, mas sei, e agora como estagiária em uma escola pública, que muitas vezes os jovens não se vêm dentro desse espaço. Acho que eles estarem ocupando esse ambiente de alguma forma também incentiva o desejo de estar na universidade, que é muito importante”, diz a estudante de pedagogia Clara Tavares Pereira. 

Nesta edição da Semana de Ciência e Tecnologia, Clara participa da programação como extensionista do Projeto Integrado da UFRJ para a Educação de Jovens e Adultos. “É a primeira vez que participo, então não conhecia ainda o evento, mas está sendo incrível poder compartilhar um pouco do nosso trabalho e também criar coisas novas para apresentar aos visitantes. Criamos jogos para fazer com os alunos, que são de várias faixas etárias. Estamos atendendo desde crianças pequenas até adultos e está sendo uma experiência riquíssima aprender com eles também.”

Pensar o futuro

Um grupo de alunos vestindo uniformes da rede pública municipal da cidade do Rio de Janeiro se concentra em torno de alguns animais empalhados trazidos ao Centro de Tecnologia da Ilha do Fundão. As 20 diferentes espécies fazem parte do projeto O Clube de Jovens Cientistas do Museu Nacional: Ciência na Quinta, que procura mostrar como as ações antrópicas e as mudanças climáticas afetam diretamente os biomas do litoral fluminense. 

“Todas as espécies que temos aqui são do Rio de Janeiro. Mostramos um pouco como essas mudanças afetam a área terrestre e marítima”, diz a aluna de Ciências Biológicas Melissa Marte. Para Melissa, estabelecer esse diálogo sobre mudanças climáticas com os alunos da educação básica é importante para a popularização da ciência. “É importante trabalhar com a conscientização da população, e creio que, quanto mais cedo fizermos isso, melhor. Afinal, estamos preservando para as próximas gerações, mas elas também precisam ter ciência do que está acontecendo e de como podemos melhorar o meio ambiente e conservar aquilo que ainda temos”.

Animais empalhados atraem estudantes – Tomaz Silva/Agência Brasil

O impacto no meio ambiente também é assunto da pesquisa do professor do Departamento de Construção Civil da UFRJ Luís Otávio Cocita Araújo. Cercado por alunos curiosos com as peças de madeira à vista, ele afirma que este é um material que revolucionará a construção civil. “Toda construção civil até hoje usa uma base mineral, seja para o cimento ou para o aço, mas a madeira você planta, colhe e pode usar para fazer edificações. Então, busco levar os alunos de engenharia a ter essa consciência. Para despertar essa consciência neles, trazemos os estudantes para as bancadas, para que possam preparar esses elementos eles próprios”, explica à Agência Brasil.

Segundo o professor, pensar em uma engenharia tendo como base materiais sustentáveis, como a madeira, é uma forma de promover um futuro sustentável. “Se a gente pensar que tem muita coisa para construir ainda e pensar na demanda que temos para fazer prédios, casas, hospitais, creches, escolas, aeroportos, os recursos usados até aqui não são renováveis. Então, uma hora vão acabar, por isso, é importante garantir que as gerações futuras tenham acesso a esses espaços também.”

Outro ponto importante, de acordo com Araújo, é que a árvore sequestra gás carbônico (CO2) da atmosfera enquanto cresce, o que permite reduzir as emissões de carbono. “Quando cortamos a madeira e usamos na construção civil, dentro dela existe CO2 armazenado. Esse é um tremendo benefício: é um sistema construtivo que usa material renovável e que consegue diminuir as emissões de gás carbônico, dando uma boa resposta para a sociedade e para o meio ambiente.”

*Estagiária sob supervisão de Vinícius Lisboa

Múcio defende soluções diplomáticas para reduzir escalada de conflitos

O ministro da Defesa, José Múcio Monteiro, disse nesta sexta-feira (27) que é necessário ter o compromisso de desestimular a escalada dos conflitos atuais, buscar soluções diplomáticas e investir em dissuasão para reduzir a possibilidade ou a necessidade do uso da força. Para ele, é preciso considerar os aspectos históricos, políticos, econômicos, científicos e tecnológicos, e não apenas a expressão militar.  

“Com essa noção mais ampla, podemos perceber que há mais em jogo nesse embate de forças do que as armas, as fronteiras ou as divisões de infantaria. Existe a cooperação, a economia, a ciência, o progresso, o respeito e a tolerância, mas o jogo político é por vezes levado a termo por lideranças que não veem essa solução pacífica como viável. Refiro-me à solução negociada dos conflitos. Quem ganha com a guerra? Afinal, quem decide por ela nunca se expõe”, disse Mucio ao participar da XXI Conferência de Segurança Internacional do Forte, no Museu do Amanhã, no Rio de Janeiro. 

Segundo ele, o mundo passa por um momento de marcantes mudanças políticas com reflexos sensíveis, estabilidades regionais e profundas preocupações sobre o novo desenho geopolítico que se apresenta diante de nós.

“Poderíamos citar alguns exemplos preocupantes na atualidade como no Oriente Médio, o conflito entre Israel e o Hezbollah. Na Europa, a questão entre a Rússia e a Ucrânia ou mesmo a situação de tensões que poderiam chamar de não paz, não guerra, como na Caxemira, no mar do sul da China, na Península Coreana ou mesmo aqui na América do Sul. São regiões que convivem com a dúvida, com a incerteza sobre o futuro, zonas de controvérsia, de interesse, preocupação e atenção. Também percebemos que o mundo hoje passa por uma nova corrida armamentista, o que pode ser facilmente percebido pela elevação de investimentos em defesa nos últimos anos, pela promoção de forças de defesa em países considerados pacifistas como o Japão”, afirmou o ministro.

Crime organizado

José Múcio lembrou que existe uma nova e perversa ameaça a corroer a estrutura dos países na América Latina, que é o crime organizado. Segundo ele, os crimes transnacionais como tráfico de droga, a migração ilegal e os crimes cibernéticos ameaçam diretamente a democracia e o estado democrático de direito. 

“Há uma necessidade de ação combinada onde prevaleça a cooperação global para a solução dessa ameaça, que tantos danos nos traz às nossas fronteiras e aos centros urbanos. Portanto, a participação episódica em local e por tempo determinado das Forças Armadas, seja nas operações da garantia da lei e da ordem, seja no apoio logístico de inteligência ou de comunicação, têm ocorrido no Brasil a fim de dar resposta imediata e decisiva às ações hostis de grupos criminosos em território nacional”, conclui o ministro.

Rio está entre 5 capitais com maior desigualdade salarial por gênero

A cidade do Rio de Janeiro está entre as cinco capitais brasileiras com as maiores desigualdades salariais entre homens e mulheres. No Rio, as mulheres ganham em média 28,75% a menos que os homens. Ou seja, para cada R$ 100 recebidos pelos homens, as mulheres ganham R$ 71,25.

Este é um dos principais desafios para a próxima gestão municipal carioca, de acordo com o relatório Eleições 2024: Grandes desafios das capitais brasileiras. produzido pelo Instituto Cidades Sustentáveis. Os dados referentes aos salários usados no relatório são da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua do segundo trimestre desse ano.

As gestões municipais podem e devem contribuir para reduzir essa desigualdade, de acordo com especialistas ouvidas pela Agência Brasil. As ações possíveis vão desde a garantia de creches e escolas em tempo integral para que as mulheres que são mães deixem os filhos em locais seguros e possam trabalhar, até a concessão de crédito voltados para empreendimentos de mulheres. 

“Quando você coloca a mulher nesse espaço de renda, de renda qualificada, de salário com alto valor agregado, você está girando a economia. Você está gerando mais renda, você está gerando mais emprego e você está movimentando a economia”, diz a presidente do Conselho de Mulheres da Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro (Firjan), a diretora Carla Pinheiro.

Carla Pinheiro sugere a inclusão das mulheres em espaços qualificados de renda- Paula Johas

Papel dos municípios

É papel dos municípios promover medidas que reduzam as desigualdades entre homens e mulheres no mercado de trabalho? A professora do Departamento de Ciência Sociais da Universidade Federal Fluminense em Campos (ESR/UFF), Mariele Troiano, explica que é sim. “O poder público municipal tem um papel fundamental na promoção de estratégias, ações e investimentos que transformam a realidade social. Para isso, espera-se que gestores públicos conheçam as realidades e as desigualdades que atravessam seus municípios, considerando suas diversidades e especificidades”, afirma.

Mariele Troiano defende que é também papel dos municípios promover medidas para a redução da desigualdade salarial- Arquivo pessoal

A professora acrescenta que as políticas públicas desenvolvidas pelos municípios “devem pensar na urgência do acesso às áreas como saúde, educação, habitação e transporte, mas também considerar que diferentes realidades são atravessadas por estruturas de desigualdades demarcadas por questões interseccionadas de classe, raça e gênero. É o que ocorre quando percebemos a diferença de empregabilidade e remuneração entre homens e mulheres”.

Os dados do relatório mostram que essa diferença salarial não é recente e que está maior do que nos últimos anos. Em 2026, essa diferença no Rio era de 26,2%. Chegou a 18,03% em 2022 e, em 2024, atingiu a marca de 28,75%.  

Segundo a professora, o índice revela que as mulheres não são consideradas na rentabilidade e no crescimento das empresas e que o esforço que vem sendo feito pelas empresas e pelo poder público é ainda insuficiente para uma grande transformação do quadro. “Afinal, mulheres parecem ainda mais distantes da remuneração de um homem que ocupa o mesmo cargo, e isso se agrava quando pensamos na mulher preta ou olhamos para cargos de direção e gerência”.

Situação no Rio de Janeiro

Os dados do estudo mostram que o Rio está à frente apenas de João Pessoa, onde as mulheres recebem 28,89% a menos que os homens; Belo Horizonte, com uma diferença de 29,02%; Recife, com 29,30%; e Teresina, com a maior porcentagem do país, 34,17%. A maior cidade do país, São Paulo tem uma diferença de 24,54%.

Na outra ponta, estão Manaus, com 13,3%; Aracaju, com 12,23%; Boa Vista, com 8,89%; Macapá, 6,34%; e Rio Branco, com a menor porcentagem, 3,25%.

A pesquisadora e economista do Instituto Brasileiro de Economia, da Fundação Getúlio Vargas (FGV IBRE) Janaína Feijó explica que não necessariamente as cidades que ocupam melhores posições do ranking têm mais igualdade entre homens e mulheres. Segundo ela, cidades menores tendem a ter uma menor desigualdade porque menos mulheres estão menos inseridas no mercado de trabalho. “Então e a disparidade de gênero tende a ser menor porque as oportunidades elas são mais equitativas, mas não necessariamente são melhores os rendimentos”.

Janaína Feijó explica que não necessariamente as cidades que ocupam melhores posições do ranking têm mais igualdade entre homens e mulheres- Marcella Salerno

É nas cidades maiores, com mercados mais diversificados, que a desigualdade aparece mais. “Quando você vai para as capitais mais populosas, onde existe uma diversificação da economia, esse diferencial pode ser maior porque as mulheres tendem a se concentrar em ocupações que remuneram menos, como no setor de serviços. Os homens tendem a se concentrar naquelas ocupações que pagam mais, por exemplo, TI [Tecnologia da Informação] e ocupar cargos de gerência, de chefia, de liderança”, diz Feijó. Esse é um dos fatores que impacta nessa desigualdade, de acordo com a pesquisadora.

Segundo Feijó, a desigualdade de gênero não deve ser vista apenas como uma questão de justiça social, mas também como questão de eficiência econômica. “Quando a gente trata de promover uma igualdade o foco, muitas vezes, vai para a questão de se fazer uma justiça social, de gerar uma sociedade mais igualitária, mas os ganhos da igualdade vão muito além dessa justiça, estamos falando de eficiência”.

O impacto na economia foi constatado em estudo do Instituto Global McKinsey, que mostrou que caso houvesse mais equidade salarial entre homens e mulheres o mundo poderia ter um acréscimo no Produto Interno Bruto (PIB), que é a soma de riquezas produzidas, de 12 trilhões de dólares até 2025. 

Segundo a economista, além de agregar para a economia com a própria força de trabalho, as mulheres, com seus salários, elevam o consumo e também as rendas familiares. “Em última instância, essa mulher é uma mão de obra capacitada e qualificada que tem a oportunidade de agregar na economia e também afetar a produção. Além disso, quando a mulher tem acesso ao mercado de trabalho, que ela consegue ser remunerada de forma igual, ela também consegue gerar bem estar para sua família ela consegue investir mais por membro da família”.

O que os municípios podem fazer 

Para as especialistas, uma das medidas essenciais para a inserção e equiparação salarial entre homens e mulheres é a oferta de creches e escolas em tempo integral. 

 “A primeira coisa que eu acho que é urgente nos nossos municípios é a questão da escola integral, em tempo integral, onde uma mãe possa deixar o seu filho com tranquilidade ir trabalhar, ter o seu emprego, se capacitar, tendo a tranquilidade que seu filho está num lugar seguro, alimentado e com uma educação de bom nível. Algo que a gente ainda encontra muita dificuldade no Rio de Janeiro”, diz a diretora da Firjan Carla Pinheiro. “Essa mulher que precisa trabalhar, que precisa de uma rede de apoio, que precisa ter um local seguro para deixar o seu filho para estudar, precisa ter uma flexibilidade até no seu horário de trabalho. Essa é uma política pública importante”.

Outra ação importante, segundo Pinheiro, é a compra do poder público, as compras públicas, em empresas administradas por mulheres. Além disso, ela aponta o acesso a crédito orientado para empreendedoras. “São mulheres que muitas vezes empreendem por necessidade, um empreendedorismo de sobrevivência. Elas não têm nem essa capacitação em gestão financeira, por exemplo”, ressalta.

Pinheiro resume: “Acho que educação, a creche, flexibilização de horário escolar, a compra pública direcionada para empresas ministradas por mulheres, acesso a crédito, acho que se fizer três desses, a gente já vai estar numa situação bem melhor”.

Ato por liberdade religiosa é 1ª agenda pública de Macaé como ministra

A Caminhada em Defesa da Liberdade Religiosa, realizada anualmente no Rio de Janeiro, foi a primeira agenda pública da ministra dos Direitos Humanos e da Cidadania, Macaé Evaristo. Nomeada na semana passada, ela compareceu à 17ª edição do ato, que aconteceu neste domingo (15).

Como tradicionalmente ocorre no terceiro fim de semana do mês de setembro, praticantes das mais variadas religiões caminharam juntos ao longo da orla da Praia de Copacabana, na zona sul da capital fluminense. A mobilização tem como objetivo pedir paz e denunciar casos de intolerância e de racismo.

“O grande desafio hoje no nosso país é a redução das desigualdades. Para mim, é muito importante estar presente nessa caminhada porque, além do direito à liberdade religiosa, toda essa gente também luta por muitas coisas: contra a fome, pelo trabalho decente e por uma política de cuidado, que talvez seja a principal pauta das nossas comunidades. Cuidar das crianças, que muitas vezes estão no trabalho infantil. Cuidar do direito da população idosa. Cuidar de quem cuida. E, na maioria das vezes, quem cuida são as mulheres”, disse Macaé Evaristo.

A nova ministra é deputada estadual da Assembleia Legislativa de Minas Gerais e foi nomeada para substituir Silvio Almeida. Até então titular do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania, ele foi exonerado no início do mês em meio a denúncias de assédio sexual. Investigações foram abertas para apurar os fatos e ele terá direito a ampla defesa.

Rio de Janeiro – A deputada federal Benedita da Silva, o babalawô Ivanir dos Santos e a ministra dos Direitos Humanos, Macaé Evaristo durante a 17ª Caminhada em Defesa da Liberdade Religiosa, na praia de Copacabana. Foto Tomaz Silva/Agência Brasil

Macaé falou sobre sua trajetória que a credenciou a assumir a pasta. “Eu sou professora de escola pública. Trabalhei 20 anos dentro de escolas nas comunidades mais vulneráveis de Belo Horizonte. Comecei no território de menor IDH [Índice de Desenvolvimento Humano] de Belo Horizonte. Depois fui para o Aglomerado da Serra, na década de 1990, em um momento onde a comunidade tinha sua maior taxa de homicídios. Creio que temos muito trabalho a fazer. Precisamos conectar agendas, construir objetivos e metas muito claros, pra que seja possível, nesse curto espaço de tempo de dois anos, fazer diferença para cada um e cada uma nas comunidades”, afirmou.

A Caminhada em Defesa da Liberdade Religiosa é convocada anualmente por duas entidades. Uma delas é o Centro de Articulação de Populações Marginalizadas (Ceap), que desde 1989 atua na promoção da cultura negra como forma de combate ao racismo e à intolerância religiosa. A outra é a Comissão de Combate à Intolerância Religiosa do Rio de Janeiro (CCIR), fundada em 2008 inicialmente por umbandistas e candomblecistas, mas que agrega atualmente representantes das mais variadas crenças.

Rio de Janeiro – 17ª Caminhada em Defesa da Liberdade Religiosa na praia de Copacabana.  Foto Tomaz Silva/Agência Brasil

“A intolerância cresce baseada no racismo, na homofobia, na misoginia, no antissemitismo. Temos que dar um basta nisso. E ter a ministra logo na sua primeira semana reafirma o caminho que queremos, o diálogo que queremos. No passado, ela já veio à caminhada como cidadã e militante. Veio de ônibus com o pessoal de Minas Gerais. E hoje ela está na condição de ministra. Ela recebeu o convite e confirmou antes de ser nomeada ministra”, disse o babalawô Ivanir dos Santos, interlocutor da CCIR.

Segundo ele, desde a primeira edição, a caminhada tem como mote a defesa da democracia, da liberdade religiosa com equidade, da diversidade, do Estado laico e dos direitos humanos. “A fé une. Aquilo que desune não é fé. É outra coisa. E a fé está baseada no respeito, na liberdade e na equidade. A liberdade não pode ser só para um grupo, a liberdade tem que ser para todos. Equidade quer dizer o quê? Quer dizer justamente que a minha liberdade deve ser garantida e a dos outros também. Equidade é proteger aqueles mais perseguidos, aqueles que não têm esses direitos respeitados pela sociedade”, acrescentou.

Homenagens

Os participantes começaram a se concentrar às 10h no posto 5 de Copacabana e, por volta das 13h, iniciaram a caminhada pela orla. Houve homenagens à professora Darci da Penha, integrante dos Agentes de Pastoral Negros (APNs), entidade com raízes na Igreja Católica. Ela morreu em maio deste ano. A homenagem póstuma a lideranças religiosas que se engajaram na luta pela paz é algo que ocorre em todas as edições. No ano passado, por exemplo, houve um tributo à líder quilombola Mãe Bernadete: tratou-se simultaneamente de resgatar o seu legado e de cobrar justiça, já que ela havia sido assassinada um mês antes, aos 72 anos.

Apesar da presença de praticantes de diferentes crenças, a maioria dos participantes era vinculada a religiões de matriz africana. No carro de som, a diversidade pautou a programação: houve apresentações de grupos culturais umbandistas, candomblecistas, católicos, evangélicos, entre outros.

Caravanas de outros estados também contribuíram para engrossar o número de manifestantes. O ato contou ainda com a presença de representantes de credos com menos expressão no país, ainda que diversos deles tenham longa tradição no mundo como o budismo, o judaísmo, o islamismo e a religião Wicca.

Rio de Janeiro – 17ª Caminhada em Defesa da Liberdade Religiosa na praia de Copacabana.  Foto Tomaz Silva/Agência Brasil

A evangélica Andressa Oliveira afirmou que a caminhada é uma aula de harmonia, de respeito e de convivência. Liderança do Movimento Negro Evangélico, ela explica as origens da entidade. “Por meio do conhecimento, ampliamos nossa visão e aprendemos a combater o racismo a partir do olhar de evangélicos. No Brasil, sabemos que a intolerância religiosa é muito forte contra praticantes das religiões de matriz africana. E nós temos uma conexão com eles, afinal de contas somos negros”.

Ela considera que a Bíblia foi “embranquecida” no período colonial. “A história bíblica é a história de um povo africano oprimido e de um Deus que se levanta para ajudá-los. Essa história sempre esteve ao nosso lado e nos foi negada pela colonização. Então, buscamos fortalecer a negritude do cristianismo e a atualidade dessa mensagem para quem luta contra o racismo”.

Veja galeria de fotos da Caminhada em Defesa da Liberdade Religiosa