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Governo cria força-tarefa para destravar demarcações de terras

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva recebeu, na tarde desta quinta-feira (25), no Palácio do Planalto, um grupo de 40 lideranças indígenas de todas as regiões do país que participam da 20ª edição do Acampamento Terra Livre (ATL), a maior mobilização indígena do Brasil.  

A reunião ocorreu após a realização de mais uma marcha, que reuniu milhares de indígenas. Eles percorreram, em caminhada, toda a área central da cidade até a Praça dos Três Poderes.

Em resposta à principal reivindicação do grupo, foi anunciada a criação de uma força-tarefa governamental para tentar destravar processos de demarcação de terras pendentes de homologação presidencial. A prioridade são quatro áreas. Havia expectativa que essas homologações tivessem sido assinadas na semana passada pelo presidente, mas o governo suspendeu a decisão por problemas de ocupação não-indígena em algumas dessas terras.  

As terras pendentes têm longo histórico de disputa pela demarcação. São elas: Morro dos Cavalos e Toldo Imbu, em Santa Catarina, Potiguara de Monte-Mor, na Paraíba, e Xukuru Kariri, em Alagoas.

“São problemas políticos que também precisam ser enfrentados. Não se pode assinar as homologações desconsiderando toda a ocupação não-indígena que há hoje dentro desse território”, afirmou a ministra dos Povos Indígenas, Sônia Guajajara. A força-tarefa será coordenada pela ministra, juntamente com a Secretaria-Geral da Presidência da República, o Ministério da Justiça e Segurança Pública, o Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar, a Advocacia Geral da União (AGU), além da própria Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai).

Segundo o governo, os processos das duas áreas em Santa Catarina foram travados em decorrência de uma decisão desta semana, do ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), que determinou conciliação em ações que tentam aplicar a tese do marco temporal. 

Já as áreas na Paraíba e Alagoas registram a presença de pequenos agricultores e o governo espera obter uma solução para o reassentamento dessas famílias antes de prosseguir com a demarcação.

“A nosso ver, não há nenhum impedimento legal. O que há é um impedimento político, que esperamos que seja sanado, com essa força-tarefa, que é uma cobrança do movimento indígena, inclusive, para que se consiga, de fato, destravar as demarcações de terras. Não só das quatro terras, não só das 25 terras com portarias declaratórias [já assinadas], mas, sim, para que, de uma vez por todas, consigamos superar a política de demarcação de terras indígenas no país”, afirmou Dinamam Tuxá, um dos coordenadores-executivos da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib).

Em postagem nas redes sociais após se reunir com as lideranças indígenas, o presidente Lula destacou o papel da ministra Sônia Guajajara e da presidente da Funai, Joênia Wapichana, duas mulheres indígenas nos principais postos da política indigenista do país. 

“Sabíamos que não seria fácil reconstruir a política indigenista, sobretudo uma política feita por e para povos indígenas. Estou satisfeito com o trabalho feito até aqui e com a certeza de que vamos trabalhar ainda mais. Eu tenho o dever moral e o compromisso de vida de fazer aquilo que for possível, e até o que for impossível, para minimizar o sofrimento dos povos indígenas e garantir seus direitos”, escreveu o presidente.

O 20º ATL prossegue até esta sexta-feira (26), com uma série de programações culturais e políticas. Ao todo, cerca de 10 mil indígenas estão na capital do país para o evento anual, considerado o maior já realizado desde então.

Senado ouve jornalistas citados por Musk para atacar Moraes e o STF

A Comissão de Comunicação e Direito Digital (CCDD) do Senado ouviu, nesta quinta-feira (11), dois dos jornalistas responsáveis pela reportagem Twitter Files Brazil (Arquivos do Twitter do Brasil, em tradução livre). O texto foi usado pelo empresário Elon Musk, dono da plataforma X, antigo Twitter, para acusar o Judiciário brasileiro de censura na rede social que ele controla.

Foram ouvidos os jornalistas David Ágape, que é brasileiro, e o estadunidense Michael Shellenberg. A reportagem é baseada em e-mails da equipe jurídica do antigo Twitter, nos quais advogados da empresa reclamam de uma suposta interferência do Judiciário, em especial do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), nos conteúdos da rede social.  

Shellenberg disse que é um ativista pela liberdade de expressão e que luta contra a desinformação. “Para mim, é um prazer combater a desinformação”, afirmou o jornalista, que ficou conhecido também por escrever um livro que nega as mudanças climáticas.

A reportagem, apelidada de Twitter Files, associa as supostas interferências do TSE à ação do ministro Alexandre de Moraes. Porém, os e-mails divulgados são de 2020 a março de 2022, e Moraes assumiu a presidência do TSE apenas em 16 de agosto de 2022.

O jornalista publicou, no dia 9 de abril, que Moraes e “outros funcionários do governo” ameaçaram processar um funcionário do Twitter caso ele não entregasse informações privadas e pessoais. Porém, nesta quinta-feira (11), Shellenberg corrigiu a informação e pediu desculpas. “Não tenho provas de que Moraes tenha ameaçado processar criminalmente o advogado brasileiro do Twitter”, afirmou.

A reportagem publicada no perfil de Shellenberg foi compartilhada por Musk e teve ampla repercussão na plataforma X, chegando a 29 milhões de usuários na rede. Oposicionistas compartilharam as informações, que estão dominando o ambiente digital, sobretudo entre apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro. O ex-presidente é investigado em diversos inquéritos no Supremo Tribunal Federal (STF).

Shellenberg negou que a reportagem tenha sido feita em coordenação com Musk. “Nem minha esposa, nem o Elon Musk sabiam que íamos publicar o Twitter Files”, afirmou. O jornalista publicou a história no dia 3 de abril, três dias antes dos ataques de Musk a Moraes e ao STF.

O  jornalista  brasileiro  David  Ágape  é  ouvido  em  reunião  da  Comissão  de  Comunicação  e  Direito  Digital  do  Senado  –  Lula  Marques/Agência  Brasil

Na comissão, o jornalista David Ágape ressaltou que as denúncias de Musk sobre pressões extrajudiciais para liberar dados da plataforma ainda precisam ser confirmadas. “Muito do que o Musk tem falado agora ainda precisa ser investigado”, disse ele. “Por enquanto, isso é apenas uma denúncia do Elon Musk.” 

O líder da oposição, senador Rogério Marinho (PL-RN), informou que tem colhido assinaturas de senadores para encaminhar as acusações à Procuradoria-Geral da República, para que a entidade investigue o caso. “Como as denúncias são graves e, sem prejulgar, até porque precisamos saber se realmente essas provas existem e se vão ser apresentadas. Se forem apresentadas, é muito grave”, comentou Marinho.

Nenhum parlamentar governista ou crítico à posição do bilionário Elon Musk se manifestou na reunião de hoje da comissão. 

Twitter Files

A advogada Estela Aranha, especialista em direito digital e consultora das Nações Unidas (ONU) para Inteligência Artificial, analisou a reportagem Twitter Files e apontou falhas na tese apresentada pelos jornalistas. Estela demonstrou que os e-mails citados apontam casos diversos, mas fazem parecer que todos se referem a decisões do ministro Alexandre de Moraes.

“Ele [jornalista] mistura um monte de coisas. Na verdade, ele não tem cuidado. Ele mistura as pessoas fazendo críticas às decisões judiciais e tenta dizer que são todas em relação à liberdade de expressão envolvendo o ministro Alexandre. E não é nada disso”, afirmou.

Segundo Estela, não há documentos judiciais, apenas comunicações internas da plataforma. “Não tem documentos, tem trechos de e-mails tratando da opinião de funcionários do Twitter sobre processos judiciais. E esses processos judiciais não são todos do Alexandre.”

Sobre a afirmação do jornalista Shellenberg, posteriormente desfeita, de que Moraes teria ameaçado um funcionário da companhia, a especialista comentou que esta é uma estratégia comum de desinformação das redes. “Existe um famoso método usado na propaganda política, de causar um enorme buzz, disseminando acusações sem base fática, e, portanto, sem provas, para depois se desculpar pelo equívoco”, disse a advogada. O buzz é uma estratégia de marketing focada em gerar comentários e engajamento nas redes sobre algum fato, opinião ou marca.

O professor de Comunicação da Universidade de Brasília Paulino de Oliveira comentou o caso com a Agência Brasil, dizendo que é preciso entender qual o interesse da fonte da informação que passou os supostos e-mails dos advogados do Twitter para os jornalistas ouvidos no Senado.

“Existem situações nas quais a própria empresa, ou seu proprietário, tem interesse em ceder dados para atender os seus interesses. Nessas situações,  o jornalista deve ficar atento para não servir apenas como um instrumento de poder político ou econômico de quem aparenta inicialmente ser uma fonte desinteressada de conteúdos”, destacou o professor.

Para Paulino, nesses casos, o jornalista pode acabar contribuindo “com a propagação de desinformação ou de conteúdos estratégicos para organizações poderosas que tentam colocar em xeque a democracia”.

Entenda

No último sábado (6), o empresário Elon Musk afirmou que não respeitaria mais as decisões da justiça brasileira referentes à suspensão de contas investigadas no chamado Inquérito das Milícias Digitais (Inq. 4.874). Tais perfis são acusados de incentivar, nas redes, a ruptura violenta do Estado Democrático de Direito, crime previsto na Lei 14.197 de 2021. Em resposta, Moraes incluiu Musk nas investigações.

Juristas ouvidas pela Agência Brasil consideraram que a decisão de Moraes tem fundamento, uma vez que as investigações conduzidas no STF apuram a ação de grupos organizado para promover uma suposta tentativa de golpe de Estado, o que teria culminado no quebra-quebra do dia 8 de janeiro de 2023.

Ditadura invadiu terreiros e destruiu peças sagradas do candomblé

Desde criança, a iyalorixá Mãe Meninazinha d’Oxum ouvia a avó Iyá Davina, a iyalorixá Davina de Omolu, dizendo “nossas coisas estão nas mãos da polícia”. Aquelas palavras eram ditas com muita dor. As coisas às quais a avó se referia eram objetos religiosos, que foram apreendidos pela polícia fluminense, entre 1890 e 1946, em batidas realizadas em terreiros de candomblé e também de umbanda.

“Um dia a gente procura ver quais são essas coisas que estão nas mãos da polícia, que não só ela falava com tanta dor. Acho que na época elas [mães de santo] se sentiam impotentes e não sabiam o que fazer. Mas, graças a Deus e aos deuses, de tanto eu ouvir, nós tiramos esse Nosso Sagrado que estava nas mãos da polícia”, contou Mãe Meninazinha d’Oxum à Agência Brasil, em entrevista no terreiro Ilê Omolu Oxum, em São João de Meriti, na Baixada Fluminense.

Mãe Meninazinha d’Oxum em seu terreiro na Baixada Fluminense – Tomaz Silva/Agência Brasil

“Entravam nos terreiros, quebravam o Sagrado. A polícia quebrava. Muitas peças estavam na polícia como prova de crime, como se a gente professar uma religião fosse crime. Nós éramos criminosos por ser de candomblé e por ser de umbanda e outros segmentos da África”, afirmou.

A dor de ter os objetos apreendidos era ainda mais intensificada por saberem que todo o acervo, que na verdade pertencia às pessoas de religiões de matriz africana, estava no prédio do Museu da Polícia, região central do Rio, onde funcionou o Departamento de Ordem Pública e Social (Dops), que foi local de repressão no período do regime militar.

“A gente faz tudo com muito carinho e ver tudo ser destruído de uma hora para outra. É a dor no corpo da gente. As pancadas no Sagrado refletem no nosso corpo. Com certeza é um desrespeito à ancestralidade. A gente não estava fazendo mal a ninguém. Só queria professar a nossa religião e cultuar os nossos orixás. Coisa que não podia. Consideravam que era magia negra”, apontou.

A transferência de local se transformou em uma demanda forte, especialmente de lideranças religiosas, o que resultou na campanha Liberte o Nosso Sagrado. Mãe Meninazinha d’Oxum foi uma das principais lideranças para que “as nossas coisas” saíssem das mãos da polícia.

“Por conta disso, eu comecei a me comunicar com as pessoas. Quase toda pessoa que vinha aqui [no terreiro] e eu tinha oportunidade, a pessoa não tinha nem nada a ver com isso, podia ser até de São Paulo, mas eu falava: ‘gente, está acontecendo isso’.”

Volta da perseguição

Ainda sem terem o Nosso Sagrado de volta, no período do regime militar, as pessoas de terreiros de candomblé e de umbanda ainda tiveram, de novo, que enfrentar outras invasões e perder seus objetos.

“Nos anos 70, muita coisa. Fui a uma reunião uma vez por conta de uma senhora que passou por isso. Que coisa triste. Entraram na casa dela. Entregaram um pedaço de madeira na mão dela para ela mesma quebrar [os objetos sagrados]. Muita humilhação. Ela não tinha alternativa e quebrando e chorando todo o Sagrado que era meu também”, revelou Mãe Meninazinha.

Toda a tristeza que passaram no período anterior estava mais uma vez presente. Para fugir da repressão, algumas lideranças transferiram as sessões dos terreiros para locais de florestas onde podiam professar a fé sem serem perseguidos por agentes do regime.

“Alguns babalorixás e iyalorixás iam para o mato para bater o candomblé porque dentro de casa não podia. Eram perseguidos e invadiam. Foi muito sacrifício para chegarmos até aqui. Levavam os instrumentos e faziam o candomblé lá”, relatou.

O primeiro terreiro Ilê Omolu Oxum aberto por Mãe Meninazinha para continuar o caminho da avó foi na localidade de Marambaia, em Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense, em 1968. Mãe Meninazinha contou que, apesar de ser em pleno período do regime militar, não teve dificuldade em se instalar no lugar. “Era um lugar muito distante e no mato. Não chegaram lá para perseguir.”

Apesar disso, um tempo depois, a situação mudou. “Tivemos uns policiais que foram lá e disseram que iam fechar a casa. Que eu tinha que ir à delegacia. Botei a mão na cabeça e fui na delegacia. Quando cheguei lá, conversei com o delegado e ele disse que eu podia tocar lá [a casa]”, lembrou, acrescentando que o delegado quis saber quais eram os policiais que foram ao terreiro “perturbar esta senhora”.

“Essa mulher vai continuar batendo o candomblé dela, a macumba dela. Não tem que exigir documento. Ela vai continuar”, relatou o que disse o delegado naquele momento, acreditando que a reação dele foi resultado de uma ajuda dos orixás. “Orixá existe e, quando eles querem, querem mesmo.”

Umbanda

O historiador, escritor Luiz Antônio Simas cresceu dentro de um terreiro de umbanda, onde a avó era mãe de santo e fazia parte de uma rede de casas de santo em Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense. A presença da religião no município era forte. Mesmo sendo um período violento, segundo Simas, os momentos mais difíceis para a rede de terreiros da região não foram os do regime militar.

“Do ponto de vista do testemunho da minha família e dessa linha de terreiros, uma família inclusive com tendência à esquerda, os piores momentos não foram os da ditadura militar. A rigor, minha avó, por exemplo, não tinha nenhuma referência de um aumento da perseguição em Nova Iguaçu, durante o período da ditadura militar na Baixada Fluminense que concentrava grande número de terreiros de umbanda e candomblé no Rio de Janeiro”, comentou em entrevista à Agência Brasil.

De acordo com o historiador, o “período brabo” para as religiões de matriz africana e indígena foi outro. “O negócio foi muito pesado na primeira República, inclusive quando a polícia começa a apreender uma série de objetos que farão parte da infame coleção Magia Negra, que era o nome dado à coleção de objetos sacros apreendidos pela polícia”, apontou.

A década de 1930, na Era Vargas, conforme indicou Simas, foi muito pesada por causa da Delegacia de Costumes e da legislação de proibição do culto. Segundo ele, já na década de 1990, com o avanço de religiões pentecostais, surgiu “uma disputa pelo mercado religioso extremamente agressiva e o auge de ataques a terreiros com depredações”. “Basta dizer que a cidade em que cresci, Nova Iguaçu, que era muito marcada por uma rede de terreiros, sofreu um avanço muito impactante de religiões pentecostais com relatos absolutamente terríveis e constantes de casos de invasões de terreiros, típicos desse período do início do século 20.”

Peças do Acervo Nosso Sagrado – Oscar Liberal/Museu da República

Transferência

Depois de muita luta para recuperar os objetos religiosos, enfim, em março de 2023, o acervo Nosso Sagrado, composto por 519 peças, deixou o antigo prédio do Dops para ser guardado no Museu da República, no Catete, zona sul do Rio.

“Tudo que está no Museu da República foi, não digo tirado não, digo roubado. A pessoa entra na casa do outro, pega o que não é seu. Não é roubo? É roubado sim. Foi tudo para o Museu da Polícia porque era crime ser de candomblé, crime ser da umbanda. Crime”, afirmou a iyalorixá.

Para a Mãe Meninazinha d’Oxum, ver a coleção no Museu da República é uma conquista para o seu povo. “É uma vitória das religiões afro-brasileiras. Uma vitória depois de tanto que nós passamos. Muita humilhação, muto abuso, muita agressão física. Agora está em lugar de respeito, onde nós somos respeitados”, disse lembrando que Pai Procópio de Ogunjá, da Bahia, pai de santo da avó Iyá Davina “sofreu muito, foi preso, agredido, apanhou da polícia”.

O diretor do Museu da República e professor da Escola de Museologia e Departamento de Estudos e Processos Museológicos da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO), Mário Chagas, destacou que outra vitória foi a mudança do nome do acervo feita pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan).

“O Iphan aceitou e alterou o nome da coleção que era uma demanda das lideranças que queriam que a coleção deixasse de ser denominada coleção Museu da Magia Negra e passasse a ser denominada acervo Nosso Sagrado. O Iphan aceitou essa reivindicação e no dia 21 de março de 2023 alterou o nome da coleção e publicou em Diário Oficial. Mantemos também o nome anterior até para ter um registro de racismo religioso e não apagar essa memória nefasta, destrutiva, reacionária e persecutória ao Nosso Sagrado”, informou à Agência Brasil.

Peças do Acervo Nosso Sagrado – Oscar Liberal/Museu da República

O diretor destacou que a transferência teve o protagonismo de lideranças religiosas. “Essa conquista, se pensarmos em termos de museologia, significa uma repatriação dentro da própria pátria e é uma conquista extraordinária. Talvez seja um dos eventos mais importantes dentro da museologia do Brasil nos últimos 30 anos”, disse.

O historiador e escritor Luiz Antônio Simas também considerou muito importante a transferência do Nosso Sagrado para o Museu da República. “Inclusive do ponto de vista simbólico, porque a República no Brasil, desde a proclamação, teve uma perspectiva vigorosamente higienista e eugenista. O projeto republicano desde a década de 1890 era ancorado numa perspectiva de branqueamento racial no Brasil e era um branqueamento que se estabelecia de duas maneiras: a tentativa de branquear a cor da pele do brasileiro, estimulando a imigração europeia, e uma tentativa de promover um branqueamento cultural, apagando, portanto, das referências da formação brasileira, os elementos não brancos desse processo. Nesse contexto, as religiões afro-indígenas foram vigorosamente atacadas”, observou.

Indígenas

Simas destacou que é preciso incluir os indígenas na questão dos acervos, porque, segundo ele, parte dessas religiões também tem influência dos cultos dos povos originários. “Toda a apreensão de objetos sagrados, importante dizer que não só de matriz africana, sempre faço questão de dizer isso, mas afro-indígena porque tem muita coisa das umbandas, apreendida ligada a culto de caboclo com raiz indígena muito forte. Esse processo todo na verdade é sintoma de um branqueamento racial que opera na dimensão material e simbólica do racismo. Então, estar no Museu da República é importantíssimo, até porque não tem que ser um museu de apologia à República, mas um museu tem que ter uma perspectiva reflexiva sobre o que foi e o que é a República brasileira. O Brasil não pode varrer para debaixo do tapete as violências materiais e simbólicas que formaram no fim das contas o país”, pontuou.

Mudanças

Apesar de verificar que ainda existe muita intolerância, Mãe Meninazinha acha que a situação melhorou um pouco, o que na visão dela, também é consequência de muita luta. “Depois dos nossos movimentos, graças a Deus e aos nossos deuses, nós hoje já temos uma liberdade para professar nossa religião e tocar nosso candomblé. A umbanda tocar a sua umbanda. Vamos à praia no dia 31 de dezembro para salvar Iemanjá e no dia 2 de fevereiro”, comemorou.

“A religião que era aceita era o catolicismo. Candomblé e umbanda eram religião dos negros, até não eram consideradas religião e, sim, seita, mas graças a Deus hoje se reconhece o candomblé como religião. É de negros como eles dizem porque veio da África e a África é negra”, completou a iyalorixá.

Legado da avó

Nascida e criada dentro do candomblé, que começou com a avó, a Iyá Davina, e seguiu com Mariazinha de Nanã, a sua mãe, as duas vindas de Salvador para o Rio. Mãe Meninazinha, caçula de 15 irmãos fez santo quando tinha 23 anos e já com a função de dar continuidade ao que foi feito pela avó.

“Minha avó fez santo na Bahia, na casa do Pai Procópio de Ogunjá em 1910”, contou se referindo à origem da sua linhagem no candomblé.

Terreiro Ilê Omolu Oxum, de Mãe Meninazinha d’Oxum, em São João de Meriti, na Baixada Fluminense – Tomaz Silva/Agência Brasil

A iyalorixá vê como missão levar a sua cultura para frente e desmistificar algumas mentiras propagadas sobre o candomblé e os orixás. “Estou fazendo o meu papel. Faço o meu papel de iyalorixá, de cuidar daqui, dos meus filhos e da religião fora daqui, deste espaço. Tenho que mostrar para o povo, que não deveria ter que mostrar, mas as pessoas têm que conhecer a religião e saber que a religião não tem nada a ver com demônio. Que Exu não é demônio.”

Nem todos da família seguiam esta religião. Embora não criasse barreiras para a mulher, o pai da iyalorixá não era do candomblé. “O meu pai não gostava. Ele dizia ‘eu não gosto desse negócio de macumba’, mas ele não impedia de minha mãe frequentar. Nós, ainda crianças. Ela era iyalorixá na casa [terreiro] em Mesquita [Baixada Fluminense]. Ele não se incomodava. Ele não queria para ele. Acho que ele até acreditava, mas não gostava. Ele era de Oxossi”, lembra Mãe Meninazinha.

Após cinco anos do terreiro na Marambaia, em Nova Iguaçu, Mãe Meninazinha d’Oxum transferiu a casa para São João de Meriti, também na Baixada Fluminense, onde está até hoje. “Procuramos um terreno e encontramos esse aqui. Construímos aos pouquinhos e estamos aqui”, disse.

Aos 86 anos, Mãe Meninazinha d’Oxum disse que hoje não tem o que se queixar. Vive com tranquilidade e se relaciona bem com integrantes de outras religiões que vivem próximos ao terreiro, como um vizinho evangélico e de uma casa de umbanda.

“Eu sou feliz”, contou. “Tudo, minha religião, meus amigos, meus filhos, os orixás, principalmente os orixás. Essa religião para mim é maravilhosa. Nasci e me criei dentro do candomblé. Para mim é tudo. Digo que é o ar que respiro. É água que bebo, a dor que sinto. Tudo isso é a minha religião. Tem que ser respeitada e eu luto por isso. Nós de candomblé e umbandistas somos atacados com intolerância e desrespeito, mas nunca atacamos o outro lado”, concluiu, destacando que tem parentes ligados à Igreja Evangélica.

Escolas de samba foram espaço de resistência à repressão da ditadura

 

Consideradas território de alegria, diversão e preservação cultural, as quadras das escolas de samba já foram locais de dor e sofrimento. Durante os anos do regime militar, algumas agremiações acabaram se transformando em espaços de resistência da cultura e das liberdades sociais para se contrapor às ações de agentes do governo federal.

A repressão e a censura se impuseram às atividades dos sambistas. Até aquele momento as batidas policiais que sofriam eram por discriminação porque os sambistas eram considerados uma categoria marginalizada da sociedade. Com a ditadura, a situação se agravou. Escolas como Vai-Vai, Camisa Verde e Branco e Unidos do Peruche, em São Paulo, e Império Serrano, no Rio de Janeiro, além de verem suas quadras invadidas, tiveram que buscar meios para manter seus enredos e as atividades em comunidade.

Aos 77 anos, o jornalista Fernando Penteado, atual diretor cultural da Vai-Vai, considerado um griô ou griot do samba, que na cultura africana é a pessoa que mantém viva a memória do grupo, contando as histórias e mitos daquele povo, lembrou que na década de 1960 o samba era meio marginalizado e não tinha a aceitação pública que tem atualmente. Mas, durante o regime militar a perseguição ficou maior, especialmente, contra compositores que eram mais de esquerda política. Segundo Penteado, o Bixiga, onde a escola foi fundada, era um bairro contestador, o que a tornou mais visada pela repressão.

Diretor cultural da Vai-Vai, Fernando Penteado lembra a perseguição a sambistas no regime militar – Rovena Rosa/Agência Brasil

“O samba na época era marginalizado, então, o ensaio, independentemente se era na época da ditadura ou não, quando a gente via uma viatura de polícia chegar no domingo à tarde ou em uma quinta-feira, sabíamos que eles iam reprimir”, contou à Agência Brasil, relatando ainda que, no fim da década de 1960, quando componentes da escola faziam um ensaio, em um domingo, em uma praça da região da Bela Vista, a polícia chegou com violência.

“Entraram para dentro, furaram os instrumentos. Isso era em um domingo. Na quinta-feira, nós estávamos lá de novo ensaiando com os instrumentos que eles furaram, e a gente encourou [botar peça de couro no instrumento] outra vez. Assim foi. Alguns compositores, que eram presos por causa de samba-enredo, eram presos de noite e soltos de dia e iam fazer samba outra vez. A contestação sempre houve”, disse.

De acordo com Penteado, outra forma de resistência foram os encontros de samba que algumas escolas começaram a realizar. O primeiro foi da Camisa Verde e Branco, que recebia estudantes de uma universidade próxima. “Eles não iam mais para os bares porque eram fechados e começaram a vir para o sambão. Aí foi criado o samba universitário.”

“A nossa resistência [na escola Vai-Vai] era fazer o que não podia. Diziam ‘não pode ensaiar na Rua 13 de Maio’, era lá que a gente ia ensaiar. Sabe aquele moleque malcriado, que na minha época, já estou com 77 anos, era buliçoso. Sempre tinha alguém para nos defender, principalmente jornalistas. A gente escrevia letras de enredos com outras palavras e aí passava [na censura]”, disse o diretor cultural.

Ainda conforme Penteado, quando a Vai-Vai se transformou de cordão carnavalesco para escola de samba, teve a integração do compositor Geraldo Filme, que era do Peruche. Ele, o jornalista Dalmo Pessoa e a escritora e artista plástica Raquel Trindade formaram o departamento cultural. “Pessoas da ultraesquerda formaram, aqui na Bela Vista, no Vai-Vai, o primeiro departamento cultural de uma escola de samba. Isso foi em 72, 73, dentro do regime militar. Eles começaram a fazer enredo no Vai-Vai com essa perspicácia de maquiar o enredo”, descreveu.

O compositor Cláudio André de Souza, do Peruche, contou que teve de passar por momentos de apreensão na infância. “Evitavam levar crianças nos ensaios justamente com receio desses enfrentamentos entre componentes e polícia. A gente ia a ensaios à tarde, mas tinha um distanciamento com as crianças. Quando a gente dizia que queria ir à escola diziam ‘sozinho você não vai’. “Mas porquê?’ ‘Porque tem muita briga e polícia’. Foi dessa forma que a gente acompanhou quando criança”, recordou.

Cláudio André, diretor do Peruche, diz que compositores foram reprimidos pelo regime militar – Rovena Rosa/Agência Brasil

Em 1972, a escola escolheu o enredo Chamada aos Heróis da Independência, de autoria de Geraldo Filme, e teve que passar pelo crivo da censura. “O seu Carlão era presidente na época, fizemos o enredo que foi um sucesso na avenida no carnaval, e os dois foram convidados entre aspas a comparecerem ao Dops [Departamento de Ordem Política e Social] para explicarem o enredo que eles achavam subversivo e que o Peruche estava incitando o povo a se rebelar contra o regime. Ficaram uns dias lá respondendo perguntas. Não falaram que estavam presos, mas para averiguações”, relatou o compositor.

“Os compositores foram reprimidos e tiveram que ficar um tempo afastados do Unidos do Peruche porque não podiam mais fazer samba, não podiam escrever”, apontou.

Simone Tobias, neta de Inocêncio Tobias, um dos fundadores da Camisa Verde e Branco, e filha de Carlos Alberto Tobias, que foi presidente da escola, lembrou o que passou. “Eu era criança, mas lembro de pararem ensaio, furarem instrumentos e nem tinha um volume grande de gente como hoje tem. Para eles, independia se tinha criança, mulher, idoso, eles chegavam com truculência e desciam pauladas. Era uma época muito tensa. Tenho na memória as cenas”, relatou à reportagem.

“A gente tinha que fazer o desenvolvimento do tema, do enredo, das alegorias, e aí era submetido a um auditor fiscal. Se eles achassem que tinham alguma coisa que não estava a contento, que não fosse a favor do governo e fosse algum protesto, não podia e tinha que mudar”, acrescentou.

Simone contou que,  embora em 1982 a perseguição aos temas da escola tenha começado a ficar menos intensa, os compositores ainda precisaram fazer mudanças na letra do enredo daquele ano, Negros Maravilhosos, Mutuo Mundo Kitoko. As alterações, no entanto, não foram seguidas na avenida, e os componentes cantaram o samba original.

“Óbvio que nós não ganhamos o carnaval. Meu pai acabou tomando uns petelecos. Acho que foi a primeira grande guinada para que a gente pudesse expressar realmente. Não era só o Camisa, eram todas as escolas. A gente não podia falar de temas que eles achassem polêmicos”, relatou Simone.

“Foi um período bem difícil. Para quem viveu aquilo à flor da pele e quando se fala ‘temos que voltar com a ditadura’, chega a arrepiar a alma. As pessoas realmente não têm noção do que uma ditadura é capaz de fazer”, apontou Simone, lembrando que a Nenê da Vila Matilde também foi uma escola de samba de resistência durante o regime militar.

Carnaval carioca

No Rio de Janeiro, em plena vigência do Ato Institucional nº 5 (AI-5), o Império Serrano escolheu um tema que se contrapunha à ditadura. Em 1969, desfilou com o enredo Heróis da Liberdade, composto por Silas de Oliveira, Mano Décio e Manoel Ferreira, que defendia a liberdade por meio de manifestações populares. Por isso, teve que se explicar aos agentes da censura, e os compositores tiveram que alterar a letra do samba.

Escola de Samba Império Serrano desfilou com o enredo Heróis da Liberdade em 1969, em meio à vigência do AI-5 – Império Serrano/YouTube

“Houve, sim, repressão aos compositores do Império Serrano. Eles sofreram perseguição e proibições do regime muito mais por uma atitude focada nesta resistência individualizada do que um processo mais organizado de repressão à escola como um todo”, contou à Agência Brasil o jornalista e professor da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio) Chico Otávio.

O professor de história Leandro Silveira, mestre pela Universidade Federal Fluminense (UFF) e doutorando pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), lembrou que, antes de ser enredo do campeonato da Mangueira em 1998, o cantor e compositor Chico Buarque tinha sido escolhido para tema da escola Canarinhos da Engenhoca, de Niterói, na região metropolitana do Rio. A presença do homenageado causou confusão com a presença da polícia. Hoje a escola não existe mais.

“Ele [Chico Buarque] veio, e a polícia foi atrás. Foi uma coisa bem tensa”, revelou Silveira, um dos autores do livro Antigamente É que Era Bom: a Folia Niteroiense entre 1900-1986.

O professor destacou que, durante o regime militar, as escolas de Niterói precisavam negociar com os agentes até os locais de ensaio. “Escola de samba ensaiar nos grandes clubes aqui em Niterói, só se tivesse alguém que fizesse uma ponte com o censor. Elas conseguiam driblar um pouco a censura nos bairros, porque a censura não costumava entrar na favela para reprimir”, relatou.

Outra repressão lembrada por Leandro Silveira nas escolas das duas cidades tinha como alvo o material de desfiles. “Muitos croquis e desenhos de fantasias eram literalmente proibidos, censurados e tinham que fazer de novo. O que eu vejo tanto para Niterói, quanto para o Rio, é que as escolas quando foram reprimidas tiveram que desfocar as temáticas. Tem um período em que a repressão foi maior de 69 a 76 e os enredos não versam muito sobre nada progressista”, apontou o historiador, acrescentando que “o Império Serrano nunca perdeu a marca da resistência”.

Escola Em Cima da Hora levou para a avenida no carnaval de 1976 o samba-enredo Os Sertões – Cola na História

Além do Império Serrano, Silveira lembrou que a escola de samba Em Cima da Hora montou em 1976 o enredo Os Sertões, composto por Edeor de Paula. Inspirado no clássico do escritor Euclides da Cunha, o samba destacou as dificuldades enfrentadas pelo povo no Nordeste: “O Homem revoltado com a sorte/ do mundo em que vivia/ Ocultou-se no sertão espalhando a rebeldia/ Se revoltando contra a lei/ Que a sociedade oferecia.”

“São dois momentos em que a temática é mais progressista, as escolhas conseguem furar um pouco essa bolha, porque no Rio e em Niterói tem muito enredo falando de ufanismo, de Brasil, do futuro ou de folclore”, disse Silveira, destacando que as agremiações só retomaram os enredos mais progressistas depois da abertura do regime no governo do general João Figueiredo.

“Gradativamente vai aparecer a crítica social e aí vai ter a Caprichosos de Pilares e Cabuçu, no Rio, e, em Niterói, a Souza Soares, do bairro de Santa Rosa. A escola União da Ilha da Conceição, já extinta hoje, na virada da abertura ganhou um carnaval com um enredo sobre favela e critica tudo, inclusive a censura. Aí já em 85”, comentou o historiador.

“As escolas eram vigiadas. Quem tinha mais garrafas para vender [em Niterói] eram Cubango e Viradouro porque de certa forma tinham um trânsito maior com essa estrutura de poder”, disse ele.

Ufanismo

Ao mesmo tempo em que algumas escolas enfrentavam a repressão e a censura, outras no Rio faziam enredos ufanistas e de apoio ao governo militar. Uma delas foi a Beija-Flor de Nilópolis que levou para a avenida enredos como O Grande Decênio, de 1975, no qual reverenciava programas sociais do governo militar como o Programa de Integração Social (PIS), o Programa de Formação do Patrimônio do Servidor Público (Pasep), o Fundo de Assistência ao Trabalhador Rural (Funrural) e o Movimento Brasileiro de Alfabetização (Mobral).

“Ela comemorou o Grande Decênio na avenida, os dez anos do golpe”, pontuou Silveira, indicando que a Azul e Branco de Nilópolis ainda fez os enredos ufanistas Educação para o Desenvolvimento e Brasil Ano 2000, como a nação do futuro. “O samba dizia o ‘Funrural que ampara o homem do campo com segurança total’, quer dizer a ideia de que o homem do campo está bem com o governo. O interessante é que, no ano seguinte, a Em Cima da Hora consegue burlar e faz uma denúncia, via Os Sertões”, observou Silveira.

Trocas de interesses

A aproximação das escolas com o regime militar, segundo o professor Chico Otávio, era de interesse das duas partes. O governo buscava mais apoio popular, e as agremiações que tinham como patronos contraventores do jogo do bicho queriam evitar a identificação com o crime e possíveis prisões.

“O regime, no momento em que já começava a entrar em declínio, precisava da popularidade das escolas de samba para se reafirmar junto à população. Então, foi uma espécie de troca de interesses. Eu não te incomodo e você me deixa pegar carona no prestígio e popularidade das escolas de samba na avenida”, disse Chico Otávio, autor do livro Os Porões da Contravenção Jogo do Bicho e Ditadura Militar: a História da Aliança que Profissionalizou o Crime Organizado.

A ramificação do jogo do bicho na cidade favorecia o “trabalho” extenso que colaborava com a repressão. “Eles ajudavam, contribuíam com informações para que a ditadura pudesse prender subversivos. Os bicheiros de certa forma contribuíram para isso. Tinham muita presença nas ruas e formaram uma rede de espiões para abastecer a ditadura de informações a respeito dos inimigos do sistema”, completou Chico Otávio.

Para o professor, mais uma ligação de militares e contravenção ocorreu quando o governo Ernesto Geisel começou a abertura política para encerrar o regime militar. Naquele momento, agentes da repressão que não concordaram com esse processo se aliaram aos bicheiros do jogo do bicho. “À contravenção interessava ter gente que tinha essa expertise de torturar, matar, espionar, então foi um bom negócio para ambas as partes. Os agentes militares que encontraram essa acolhida e continuaram a ter poder, via bicheiros, eram seguranças de bicheiros ou muito mais que isso, viraram capos também”, afirmou o professor da PUC-Rio.

Em 1971, bem diferente da linha de enredos que vinha apresentando, a Mangueira levou para a avenida Modernos Bandeirantes, uma homenagem à Aeronáutica Brasileira.

“As escolas fizeram isso espontaneamente. Eles foram colaboradores do regime sem precisar sofrer qualquer pressão para isso. Fizeram de bom grado. Tinham interesses estratégicos de agradar o regime. Os bicheiros estavam no processo de legitimação da sua atividade criminosa junto à população através do carnaval”, concluiu Chico Otávio.

PF aponta irmãos Brazão como mandantes da morte de Marielle

A Polícia Federal (PF) concluiu que os irmãos Domingos e Chiquinho Brazão contrataram o ex-policial militar Ronnie Lessa para executar a vereadora Marielle Franco, em 2018. Na ocasião, o motorista dela, Anderson Gomes, também foi morto. 

A conclusão está no relatório final da investigação, divulgado após o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), retirar o sigilo do inquérito. 

Domingos Brazão, conselheiro do Tribunal de Contas do Rio de Janeiro, e Chiquinho Brazão, deputado federal, foram presos na manhã de hoje por determinação de Moraes

Para a PF, o assassinato de Marielle está relacionado ao posicionamento contrário da parlamentar aos interesses do grupo político liderado pelos irmãos Brazão, que tem ligação com questões fundiárias em áreas controladas por milícias no Rio, 

“Os indícios de autoria mediata que recaem sobre os irmãos Domingos Inácio Brazão e José Francisco Brazão são eloquentes. Com base na dinâmica narrada pelo executor Ronnie Lessa e pelos elementos de convicção angariados durante a fase de corroboração de suas declarações, extrai-se que os irmãos contrataram dois serviços para a consecução do homicídio da então vereadora Marielle Franco”, disse a PF no relatório. 

No documento, os investigadores mostram que o plano para executar Marielle contou com a participação de Rivaldo Barbosa, ex-chefe da Policia Civil do Rio. Segundo a PF, Rivaldo “planejou meticulosamente” o crime. Barbosa também foi preso na operação desta manhã. 

“Se mostra indubitável a conclusão de que Rivaldo Barbosa instalou na diretoria de divisão de homicídios um verdadeiro balcão de negócios destinado a negociatas que envolviam a omissão deliberada ou o direcionamento de investigações para pessoas que se sabiam inocentes. Para tanto, Rivaldo fez negócio com contraventores, milicianos e, como se vê no caso em tela, políticos, no afã de se locupletar financeira e politicamente”, afirmam os investigadores. 

Planejamento

Durante as investigações, a PF avaliou provas e os depoimentos de delação dos ex-policiais Ronnie Lessa e Elcio Queiroz para finalizar o detalhamento dos primeiros passos do planejamento do assassinato. 

Conforme o relatório, as tratativas ocorreram de forma clandestina e em breves encontros em locais desertos. 

A primeira reunião ocorreu em 2017, quando, segundo a PF, os irmãos Brazão contrataram Edmilson Macalé, pessoa identificada como miliciano que atua na Zona Oeste do Rio e próximo aos mandantes.

Em seguida, Macalé convidou Ronnie Lessa para participar da empreitada criminosa, e as armas e os veículos usados no crime foram providenciados. 

“Diante do teor da proposta, Macalé convidou Ronnie Lessa, notório sicário carioca, para a empreitada criminosa que, seduzido pela possibilidade de se tornar um miliciano detentor de uma extensa margem territorial, aceitou o convite e ambos foram à primeira reunião com os irmãos”, detalhou a investigação. 

Governo condena tentativa de censurar livro O Avesso da Pele

O ministro-chefe da Secretaria de Comunicação Social (Secom) da Presidência da República, Paulo Pimenta, e a ministra da Cultura (MinC), Margareth Menezes, criticaram nesta segunda-feira (4) a tentativa de censura e os ataques ao livro O Avesso da Pele, do autor brasileiro Jeferson Tenório.

“Em minha opinião, trata-se de uma demonstração de ignorância, de preconceito, mas também de covardia por parte dessas pessoas”, diz em vídeo o ministro-chefe da Secom, Paulo Pimenta.

O caso ganhou repercussão depois que a diretora de uma escola gaúcha chamou de “lamentável” o envio de 200 exemplares da obra para a Escola Estadual de Ensino Médio Ernesto Alves de Oliveira. Em vídeo postado nas redes sociais, Janaína Venzon criticou o envio dos livros “com vocabulários de tão baixo nível para serem trabalhados com estudantes do ensino médio”

Contactada, a 6ª Coordenadoria Regional de Educação do Rio Grande do Sul solicitou que os exemplares da obra não sejam disponibilizados nas bibliotecas nem aos estudantes de escolas da sua abrangência, “até segunda ordem”.

O ministro da Secom rebateu a acusação da diretora ao esclarecer que o governo federal só envia obras literárias mediante solicitação da escola. Ele disse ainda que o livro entrou no Programa Nacional do Livro e do Material Didático no governo anterior.

“O que eles não sabiam era que o livro foi aprovado para compor a lista de materiais disponíveis para escolas após edital feito pelo governo anterior, bem como sua compra pelo MEC. A distribuição, exclusiva para o ensino médio, feita ainda no ano passado, ocorreu após o pedido da escola para que o livro fizesse parte de seu plano pedagógico.”

O autor

Na rede social Instagram, o autor Jeferson Tenório considerou o episódio como “absurdo”. À emissora de TV por assinatura Globo News, ele declarou: “me causa sempre espanto, porque já temos tão poucos leitores no Brasil e deveríamos estar preocupados em formar leitores. E não censurar livros”.

Jeferson Tenório disse que o título também foi alvo de tentativa de censura por parte de uma escola de Salvador (BA), em 2022 e conectou as iniciativas de censurar a obra à polarização política e ao conservadorismo.

MinC

A ministra da Cultura (MinC), Margareth Menezes, também repudiou os ataques à obra. “Meu total repúdio a qualquer tipo de censura em relação à nossa literatura. O que estiver no escopo do Ministério da Cultura, o que for possível fazer para apoiar, dentro da legalidade, para combater esse tipo de ação, nós faremos.”

A ministra acrescentou que as escolhas dos livros pelo programa federal do MEC seguem diretrizes claras. “Não são feitas de maneira deliberada. Existem conselhos. O que é colocado ali não é de graça, ainda mais em relação às escolas. Nós estamos procurando ter todo o cuidado. E o ministro Camilo [Santana, do MEC], o Ministério da Educação também têm essa sensibilidade.”

O secretário-executivo do MinC, Márcio Tavares, manifestou solidariedade ao autor ao considerar o livro um dos melhores dos últimos anos. “Nesse momento, quero manifestar a nossa solidariedade com esse autor, que é uma referência da nossa literatura e que tem todo o nosso apreço.”

MEC

Em nota, o Ministério da Educação (MEC) explicou o processo de inclusão de obras no Programa Nacional do Livro e do Material Didático (PNLD). O MEC esclareceu que os professores escolhem livros a serem adotados em sala de aula, e não o MEC e que a pasta envia obras para escolas apenas mediante solicitação dos próprios educadores.

“A escolha das obras literárias a serem adotadas em sala de aula é feita pelos educadores de cada escola a partir do Guia Digital, onde as obras integrantes do programa estão listadas para conhecimento de professores e gestores.”

De acordo com o comunicado, a obra O Avesso da Pele entrou no PNLD em 2022, juntamente com outros 530 títulos.

A editora

A Companhia das Letras publicou um texto em sua página na internet, no qual condena a censura. “A retirada de exemplares de um livro, baseada em uma interpretação distorcida e descontextualizada de trechos isolados, é um ato que viola os princípios fundamentais da educação e da democracia, empobrece o debate cultural e mina a capacidade dos estudantes de desenvolverem pensamento crítico e reflexivo”, diz o texto.

Clique aqui e leia a íntegra da nota.

Livro premiado

A obra O Avesso da Pele já foi traduzida para 16 idiomas e ganhou o Prêmio Jabuti, principal prêmio literário brasileiro, na categoria Romance Literário, em 2021. O livro trata das relações raciais, sobre violência e negritude e identidade na história fictícia de Pedro, que, após a morte do pai, assassinado em uma desastrosa abordagem policial, sai em busca de resgatar o passado da família e refazer os caminhos paternos.

PRF apreende fuzis e carregadores durante ação na BR-280 em SC

Dez fuzis e 20 carregadores foram apreendidos durante uma ação da Polícia Rodoviária Federal (PRF) na BR-280, no trecho próximo ao município de Mafra, em Santa Catarina, no fim da noite dessa segunda-feira (26).

Os policiais desconfiaram de um automóvel de placa do Paraná, que fez uma ultrapassagem em local proibido. Ao parar o veículo, eles sentiram um forte cheiro de combustível vindo do interior do carro. Os policiais notaram ainda sinais de nervosismo no motorista e na mulher que estava com ele. Os dois não sabiam responder perguntas simples sobre a viagem.

Os agentes observaram também que o automóvel tinha um acentuado desnível no teto e decidiram fazer uma revista no automóvel. Durante a busca, os policiais encontraram dentro do tanque de combustíveis e também em um compartimento no teto os fuzis calibre 556 desmontados e sem numeração, além de 20 carregadores do mesmo calibre.

De acordo com a PRF, o motorista, um paranaense de 37 anos, disse que receberia pagamento para transportar as armas de Foz do Iguaçu, no Paraná, até a cidade de Blumenau, em Santa Catarina.

Os policiais também constaram que ele tinha várias passagens pela polícia por receptação. O homem e a mulher foram encaminhados à Delegacia de Polícia de Mafra, onde vão responder por porte ilegal de arma de uso restrito.

Vila Socó: há 40 anos, incêndio matou pelo menos 93 pessoas

Naquele dia 24 de fevereiro de 1984, Neigila Aparecida Soares da Silva e sua irmã, Márcia, foram deixadas por seus pais na casa da avó para passar o fim de semana. Ela tinha apenas quatro anos de idade na época. Foi a última vez que  viu a mãe e o pai.

Algumas horas depois, seus pais e um tio morreram carbonizados em um dos maiores incêndios já ocorridos na história do Brasil: o da Vila Socó, em Cubatão, município encravado entre a capital paulista e o porto de Santos, no litoral sul do estado. Oficialmente, 93 pessoas morreram naquele incêndio, mas levantamentos independentes e que incluíram as crianças que deixaram de frequentar escolas e famílias inteiras que desapareceram sem deixar notícia poderia elevar o número a 508.

As irmãs Neigila e Márcia perderam os pais no incêndio que matou pelo menos 93 pessoas na Vila Socó, em 24 de fevereiro de 1984 – Neigila e Márcia/Arquivo Pessoal

“Fui criada por meus avós porque, no dia do incêndio, a minha mãe foi levar minha irmã para passar o final de semana na casa dos meus avós. E eu acabei ficando por lá também”, contou Neigila, em entrevista à Agência Brasil. “Só sei que eles estavam na casa dos meus pais quando o incêndio começou e que eles não conseguiram se salvar. Perdi meu pai, minha mãe e meu tio, que tinha 19 anos na época”.

Neigila e a irmã foram criadas pelos avós e pelas tias. “Isso não me afetou porque eu tinha quatro anos de idade, e minha irmã, cinco anos. Éramos crianças e não entendíamos muito. Mas sabíamos que a vila tinha pegado fogo e que a mamãe e o papai não iriam mais voltar para pegar a gente. Crescemos sabendo disso. Tenho memórias ativas daquele dia. Lembro de tudo. Mas não tenho uma lembrança de rosto de pai e mãe, a não ser por fotos. Não cresci revoltada porque fui muito amada por meus avós e tias. Mas não tive a presença física de pai e mãe”, relata Neigila.

O fogo foi provocado pelo vazamento de combustível de uma tubulação que ligava a Refinaria Presidente Bernardes, da Petrobras, ao terminal portuário da Alemoa, em Santos. Essa tubulação passava pela Vila Socó, uma região alagada e de mangue onde havia um aglomerado de palafitas. O vazamento ocorreu durante a transferência de combustíveis por essa tubulação, que não aguentou a pressão e espalhou gasolina pelo mangue. Com a movimentação das marés, o produto se espalhou por toda a área alagadiça e provocou o incêndio, destruindo as moradias, feitas madeira.

Apesar do forte cheiro que foi sentido por famílias que viviam no local horas antes da explosão, nenhuma providência de evacuação foi tomada pela empresa ou por autoridades da época. “Passados 40 anos, o que ficou desse incêndio foi a ausência de pai e de mãe”, ressaltou Neigila.

Segurança nacional

Cubatão era, em 1984, um dos cinco municípios do estado paulista considerados pela ditadura militar como área de segurança nacional Isso ocorria porque a cidade é um grande parque industrial. Além dela, as cidades paulistas de Santos e São Sebastião (por causa do porto), Paulínia (polo petroquímico) e Castilho (que abriga a hidrelétrica Engenheiro Souza Dias, mais conhecida como Usina Jupiá) também eram consideradas áreas de interesse da segurança nacional e, por isso, seus prefeitos não eram eleitos democraticamente, mas nomeados pelo governador de São Paulo mediante aprovação do presidente da República.

Advogado Dojival Vieira dos Santos era vereador de Cubatão na época do incêndio na Vila Socó – Dojival Vieira /Arquivo Pessoal

“A despeito do regime enquadrar Cubatão como área de segurança nacional por ser um polo petroquímico e de fertilizantes dos maiores do país, o povo era privado do direito de votar para prefeito. A preocupação com a segurança nacional não se estendia à população e não se estendia aos moradores que, desde o primeiro momento, nunca tiveram acesso a direitos básicos como moradia, saúde e saneamento básico”, disse Dojival Vieira dos Santos, jornalista, advogado e criador do Coletivo Cidadania Antirracismo e Direitos Humanos. Dojival era também vereador de Cubatão quando ocorreu o incêndio.

No meio dessa área de segurança estava a Vila Socó, também chamada de Vila São José, que em 1984 era um aglomerado de palafitas, habitada principalmente por migrantes nordestinos.

“A Vila Socó era um bairro, uma favela em que moravam cerca de 6 mil pessoas na época. Em sua imensa maioria, pretos, pobres e migrantes nordestinos que chegaram dentro daquele período em que os empregos na área industrial [da cidade] eram abundantes”, contou.

“Havia emprego mas, embora a cidade fosse considerada área de segurança nacional pelo regime militar desde 1968, não havia local para moradia. Então, os trabalhadores iam morar em palafitas nos mangues. Aliás, o nome Socó é porque era muito comum naquele mangue uma ave chamada Socó”, relata Dojival. “Toda vez que as marés enchiam, as palafitas ficavam praticamente dentro da água”, acrescentou.

“O vazamento aconteceu coincidindo com a subida das marés. Havia a péssima manutenção das tubulações, a gasolina sendo bombeada e a trágica coincidência das marés estarem subindo. Há relatos de que o cheiro forte da gasolina começou a ser sentido por volta das 11h30 do dia 24 [de fevereiro], que era uma sexta-feira. A explosão ocorreu por volta das 23h30 daquele dia”, explicou o advogado e ativista.

Nesse intervalo, a prefeitura de Cubatão e a Petrobras foram informadas sobre o cheiro forte, mas não fizeram nada para evitar a tragédia. “Havia tempo hábil para que toda a população fosse evacuada e, portanto, se salvasse, porque o vazamento ocorreu entre 11h30 da manhã e 23h30 da noite”, acrescentou. “Passaram-se pelo menos 12 horas entre o início do vazamento, em que a população se queixava do forte cheiro de gasolina, e a explosão do incêndio. Então, há aí omissões em série, responsabilidades em série”, reforçou.

Operação Abafa

Para Dojival, o que ocorreu na Vila Socó foi crime, e além disso, houve tentativa de abafamento pelos ditadores para que o impacto fosse diminuído.

Foi por isso que, em 2014, a Comissão da Verdade da Assembleia Legislativa de São Paulo reabriu o caso para apurar as responsabilidades. “Reduzir o impacto da tragédia tinha três objetivos básicos: evitar a repercussão nacional e internacional para a empresa [Petrobras], reduzir o custo das indenizações e garantir a impunidade. E isso tudo foi feito”, avaliou Dojival Vieira em depoimento à Comissão Estadual da Verdade de São Paulo, em 2014.

Na mesma audiência da Comissão da Verdade, Shigeaki Ueki, presidente da Petrobras na época, negou a existência de uma operação para abafar o episódio. “Não houve, dentro da Petrobras, um envolvimento em acobertamento ou desvio ou sumiço de documentos ou [tentativa de] evitar o andamento do processo. Não houve nenhum movimento para abafar [o caso]”, disse o ex-presidente da Petrobras. “O número de 500 pessoas [mortas], a empresa nunca admitiu e nem vai admitir porque não há como comprovar isso. Não há provas”, disse Ueki, na ocasião.

Dojival, no entanto, insiste que houve abafamento do caso para diminuir as consequências do que lá ocorreu. Segundo ele, houve inclusive uma tentativa de incinerar os processos físicos sobre o incêndio para que jamais se soubesse o que de fato ocorreu. “Depois de 30 anos, os processos físicos são incinerados. Pois bem, os 22 volumes do caso da Vila Socó estavam na fila da incineração. Foi a partir da intervenção feita em conjunto com a Comissão da Verdade Rubens Paiva, da Assembleia Legislativa, que nós conseguimos fazer carga desses 22 volumes e digitalizá-los, porque senão toda essa história e documentos simplesmente teriam virado cinzas, que era o que se pretendia para garantir de vez o silêncio e a impunidade”.

O advogado ressalta que, enquanto o Ministério Público contabilizava de 500 a 700 mortes na tragédia, a Petrobrás e o governo apontavam 93. “Esta redução do número de mortes foi para reduzir os impactos sobre a empresa. Estamos falando de uma estatal gigante como é a Petrobras e obviamente isso tem reflexos no mercado. E, depois, houve a garantia da impunidade dos responsáveis. Ninguém jamais foi punido [pelo incêndio]”, disse Dojival.

Para Dojival, o incêndio não foi um acidente, o incêndio é um crime que precisa ser apurado e punido.

“Seus responsáveis ainda precisam responder à justiça porque é sabido – desde sempre se soube – que a Petrobras não fazia manutenção das tubulações que passavam ao lado da Vila Socó. Então era muito previsível que, sem fazer manutenção, essas tubulações estivessem corroídas”, afirmou. 

Incêndio foi causado por vazamento de combustíveis de oleodutos que ligavam a Refinaria Presidente Bernardes de Cubatão (RPBC) ao terminal portuário da Alemoa – SINDPETRO-LP/Divulgação

Memória

Para impedir que essas cinzas do passado sejam soterradas pela história, Dojival destaca que é preciso fazer o resgate dessa memória. “Se nós não preservarmos essa memória, essa história poderá se repetir, como tem se repetido em muitas coisas e em muitas situações neste país. Uma das vitórias e um dos objetivos dos opressores e dos que se beneficiam pela ganância de situações como a Vila Socó é sempre apagar a história. Porque apagando-se a memória, apagando-se a história, eles impõem o discurso e a narrativa que justificam esses crimes”. 

Para não permitir o esquecimento dos 40 anos deste incêndio, neste domingo (25) a Comissão da Verdade da Organização dos Advogados do Brasil (OAB) de Cubatão vai realizar um ato ecumênico, às 9h, no Centro Comunitário da Vila São José. Depois disso, uma coroa de flores será colocada em frente ao marco para relembrar as vítimas da tragédia. Já na segunda-feira, no final do dia, será feita sessão solene por memória, verdade e justiça, no auditório da OAB.

A comissão também pretende lutar para que se decrete um feriado municipal para marcar a data. “Queremos um feriado municipal e um monumento digno em memória das vítimas e que ele comporte uma biblioteca e uma sala de audiovisual para que as novas gerações não permitam que essa história morra”, defende o advogado.

A comissão também estuda levar o caso à Corte Interamericana de Direitos Humanos. “Queremos ainda ganhar força para levar esse caso à Corte Interamericana de Direitos Humanos, levantando elementos concretos para demonstrar que o Estado brasileiro é cúmplice  desse crime. Não julgou, não condenou e não pagou indenizações”.

Condenação e Indenização

Neigila conta que chegou a receber uma indenização na época pela morte dos pais. Ela não se recorda bem do valor que foi recebido, mas se lembra que não foi um valor justo. “Não foi justo porque eu e minha irmã perdemos nossos pais. Não tivemos nossos genitores para cuidar da gente”.

Hoje ela tenta reabrir esse inquérito. “Alguns receberam mais, outros receberam menos. Meu avô, que recebeu a indenização do meu tio, foi bem inferior ao que eu e minha irmã recebemos. Éramos menores [de idade] na época, mas sei que não foi um valor justo”, disse Neigila.

Na audiência na Comissão da Verdade, em 2014, Ueki não revelou valores, mas disse que as indenizações pagas pela empresa às famílias não foi contestado na época. “Todos ficaram satisfeitos”, disse ele, na ocasião.

Apesar do grande número de mortes, ninguém foi responsabilizado ou cumpriu pena. Oito funcionários da empresa chegaram a ser condenados em primeira instância, mas foram absolvidos depois de recursos. “No caso de Cubatão, ninguém sentou no banco dos réus. Houve até uma condenação em primeira instância que depois foi anulada pelo Tribunal de Justiça de São Paulo. Condenação de algumas figuras técnicas, sempre técnicas, sempre do baixo escalão”, conta Dojival.

Prefeitura

Procurada pela Agência Brasil, a Petrobras não se manifestou sobre o tema. Já a prefeitura de Cubatão disse, por meio de nota, que a tragédia marcou profundamente a cidade. “ Apesar do número oficial de vítimas apurado à época, 93 pessoas, há que se respeitar a Comissão da Verdade da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) de Cubatão (constituída em 2014) que desenvolve trabalho, além de social, em busca de elementos que possam comprovar a realidade do número de vitimados naquela ocasião”, diz a nota da administração municipal.

Aprendizado

De acordo com a nota, o incêndio, além de um enorme pesar, trouxe lições para o município. “Referem-se, especialmente, à proteção da vida humana e à preservação do meio ambiente, uma vez que as medidas tomadas após o incêndio entrelaçam-se com as ações assumidas em prol da recuperação ambiental do município que culminou, inclusive, no reconhecimento mundial de Cubatão como Cidade Símbolo de Recuperação Ambiental na ECO-92, conferência das Nações Unidas (ONU) pelo Meio Ambiente realizada no Rio de Janeiro, em 1992″..

A prefeitura acrescentou que, após o incêndio, a Petrobras promoveu o aterro de toda a área da Vila Socó, atualmente denominada Vila São José. Também foi aterrada a tubulação e feito “um controle rigoroso da tubulação por meio de sofisticados equipamentos que monitoram a pressão e resistência dos tubos de maneira diária, incluindo as condições climáticas, além da ampla sinalização da área. Vale destacar que, à época do incêndio, a tubulação passava sobre o mangue e se misturava às águas que passavam embaixo das palafitas da Vila Socó”.

A administração municipal também relatou que a empresa construiu, por meio de um convênio com a prefeitura, um núcleo residencial na Vila São José, com 400 casas. “Sobreviventes da tragédia da Vila Socó foram indenizados e passaram a habitar o local que foi totalmente urbanizado, recebendo escola, creche, posto de saúde, infraestrutura urbana e calçamento. A partir de 2017, o bairro passou por processo de regularização fundiária e em 2019, essas 400 famílias iniciaram o processo de recebimento das escrituras definitivas de seus imóveis”.

A Secretaria Municipal de Segurança Pública e Cidadania de Cubatão informou ainda que a tragédia definiu novas diretrizes na cidade para situações de emergência. “A partir desse incidente, foram intensificados sistemas de apoio para respostas mais rápidas e eficientes envolvendo não apenas a refinaria, mas todas as indústrias do Parque Industrial. O Plano de Auxílio Mútuo (PAM) – que, embora existisse desde 1978, só passou a funcionar efetivamente na década de 80, tornando-se referência regional – mantém um sistema de combate a acidentes de qualquer natureza que possam colocar em risco vidas, meio ambiente, patrimônio público ou privado no Polo e na Baixada Santista. Já o Plano de Contingência envolve todas as secretarias municipais da prefeitura de Cubatão, que estão preparadas para responder a eventuais emergências do tipo”.

* Colaborou Eliane Gonçalves, da Radioagência Nacional

Mundial de Beach Soccer: Brasil goleia Japão para alcançar semifinal

A seleção brasileira garantiu a classificação para a semifinal da Copa do Mundo de Beach Soccer após golear o Japão por 8 a 4, nesta quinta-feira (22) em Dubai (Emirados Árabes). Agora, a equipe do Brasil medirá forças com o Irã na próxima fase da competição, a partir das 11h (horário de Brasília) do próximo sábado (24).

Brazil and Belarus have booked their spots in the semi-finals! 🇧🇷🇧🇾 #BeachSoccerWC! 🏆

— FIFA World Cup (@FIFAWorldCup) February 22, 2024

O triunfo da seleção brasileira foi construído com gols de Alisson (dois), Bruno Xavier, Rodrigo, Filipe, Brendo, Edson Hulk e Catarino. Yamada, Takaaki Oba (duas vezes) e Yusuke Kawai descontaram para a seleção japonesa.

“Sabíamos que seria um jogo difícil, mas treinamos muito. Agora é descansar para a próxima partida, que também será difícil. Não tem partida fácil aqui. Só agradecer a Deus e à torcida do Brasil”, declarou Alisson, autor de dois gols na vitória brasileira desta quinta.

Brasil inicia Copa do Mundo de Beach Soccer com vitória sobre Omã

O Brasil derrotou a seleção de Omã por 5 a 3, nesta sexta-feira (16), em sua estreia na Copa do Mundo de Beach Soccer, que está sendo disputada em Dubai (Emirados Árabes Unidos). A partida foi válida pela Grupo D da competição, que também conta com México e Portugal.

O triunfo da equipe comandada pelo técnico Marco Octavio foi construído com gols de Edson Hulk (dois), Mauricinho, Catarino e Rodrigo, enquanto Abdullah e Abdul Rahman descontaram para a equipe adversária.

“Sabíamos da qualidade do adversário. Por também ser uma estreia, tínhamos a consciência de que seria um jogo complicado. Mas fico muito feliz pela vitória, pelo desempenho da equipe e pelos gols que marquei. Foi uma vitória para dar mais confiança para o seguimento da competição”, declarou Edson Hulk.

A seleção brasileira volta a entrar em ação pela competição no próximo domingo (18), a partir das 14h (horário de Brasília), quando medirá forças com Portugal, que estreou goleando o México por 8 a 2.