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MPRJ cria núcleo para auxiliar promotores nas eleições municipais 2024

Com o objetivo de aprimorar a atuação do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro (MPRJ) na área eleitoral, a procuradoria-geral de Justiça criou o Núcleo de Apoio e Assessoramento às Promotorias Eleitorais (Naape) do Estado do Rio. Essa é mais uma ação do MPRJ para garantir eleições municipais transparentes em 2024.

De acordo com a Resolução 2.583, a estrutura funcionará vinculada à coordenação de cada Centro Regional de Apoio Administrativo e Institucional (Craai/MPRJ), para prestar apoio administrativo e técnico-jurídico aos promotores de Justiça investidos nas funções eleitorais.

Caberá ao novo núcleo reunir normas e decisões que possam embasar a atuação de seus membros. Além disso, a equipe do Naape produzirá relatórios com base em diligências designadas pelos promotores, e que são consideradas indispensáveis para garantir que o processo eleitoral transcorra com transparência e legalidade.

Para o secretário-geral do MPRJ, promotor Roberto Goes Vieira, a nova estrutura vai garantir mais eficiência ao trabalho de promotores. “O incremento na estrutura administrativa, através da criação do Naape, trará o adequado suporte ao promotor de Justiça investido na função eleitoral e, por consequência, maior eficiência em sua atuação na defesa do regime democrático”.

Desde 2014, a instituição já contava com o Núcleo de Assessoramento às Promotorias Eleitorais (Nape), com atuação apenas de bacharéis em Direito, enquanto o Naape inclui a participação também de servidores de apoio administrativo.

Pente fino

Na última terça-feira (26), após reunião com o presidente do Tribunal Regional Eleitoral (TRE-RJ), desembargador Henrique Carlos de Andrade Figueira, o procurador-geral de Justiça Luciano Mattos anunciou que será realizado um “pente fino” nos pedidos de candidatura para as eleições municipais. O objetivo é combater a influência de organizações criminosas nas câmaras e prefeituras do estado.

Durante a reunião, foram definidas ações articuladas e integradas de inteligência que resultarão em um protocolo efetivo de atuação repressiva às candidaturas ligadas ao crime organizado.

“As instituições estão trabalhando em conjunto e com toda a dedicação nas eleições deste ano, para que tenhamos um pleito limpo, justo e eficaz, sem que condutas criminosas e intervenções ilícitas representem risco à normalidade do processo eleitoral”, disse o procurador-geral de Justiça.

Dólar sobe para R$ 5,05 e atinge maior valor em quase seis meses

Em um dia de nervosismo no mercado internacional, o dólar teve mais uma sessão de alta e atingiu o maior valor em quase seis meses. A bolsa de valores recuou após duas altas seguidas, também influenciada pelo mercado externo.

O dólar comercial encerrou esta segunda-feira (1º) vendido a R$ 5,059, com valorização de R$ 0,044 (+0,87%). A cotação operou em alta durante toda a sessão. Na máxima do dia, por volta das 16h, chegou a R$ 5,07.

A moeda norte-americana está no maior nível desde 13 de outubro do ano passado. No primeiro trimestre, a divisa tinha ganhado 3,34%, ultrapassando a barreira de R$ 5 na última quinta-feira (28).

No mercado de ações, o dia também foi tenso. O índice Ibovespa, da B3, fechou o dia aos 126.990 pontos, com queda de 0,87%. As ações de bancos puxaram o recuo.

O dólar subiu em todo o planeta após a divulgação de que a atividade industrial nos Estados Unidos ficou acima de 50 pontos pela primeira vez desde setembro de 2022. A barreira de 50 pontos separa expansão e encolhimento.

O aquecimento da economia norte-americana pressiona o dólar porque diminui as chances de o Federal Reserve (Fed, Banco Central norte-americano) cortar os juros da maior economia do planeta três vezes neste ano. Aumentaram as possibilidades de o Fed reduzir os juros apenas duas vezes em 2024, o que indica taxas altas por mais tempo.

Juros altos em economias avançadas estimulam a fuga de recursos de países emergentes, como o Brasil. No caso dos Estados Unidos, as taxas maiores aumentam a rentabilidade dos títulos do Tesouro norte-americano, considerados os investimentos mais seguros do planeta. O aumento do interesse por esses papéis atrai recursos financeiros de todo o planeta, pressionando o dólar e as bolsas de valores.

*Com informações da Reuters

Pequenas empresas terão consultoria grátis para reduzir conta de luz

O Serviço de Apoio às Micro e Pequenas Empresas no Estado do Rio de Janeiro (Sebrae Rio) está com edital aberto oferecendo consultoria gratuita para redução da conta de luz para micro e pequenas empresas fluminenses com faturamento entre R$ 81 mil e R$ 4,8 milhões ao ano. O edital beneficiará 800 empresas.

“É um edital de eficiência energética, onde o principal impacto é as empresas conseguirem reduzir a conta de luz”, disse nesta segunda-feira (1º) à Agência Brasil a analista do Sebrae Rio, Michelle Vaz de Mello. De acordo com a Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro (Firjan), 70% do custo das indústrias correspondem à conta de energia. No caso do comércio e serviços, esse percentual reduz, porque o consumo é menor, mas ainda é significativo, destacou Michelle.

A analista do Sebrae Rio chamou a atenção que além da conta de energia, a pauta abrange a redução das emissões de carbono na atmosfera. “Não só a empresa precisa fazer o seu dever de casa, mas também há a cobrança da sociedade no sentido da imagem corporativa, atendimento aos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS), das Nações Unidas, e até mesmo gerar uma oportunidade de competitividade para essas empresas.A partir do momento em que elas conseguem ter menor custo de produção, elas automaticamente vão ter maior lucro, explica Michelle. 

Perfil energético

As inscrições para o edital podem ser feitas pelo site do Sebrae até o dia 30 de novembro ou enquanto houver vagas. As empresas responderão a um questionário para definir o perfil energético. “As empresas que têm menor gasto com conta de luz possivelmente não vão passar para as outras fases. Mas se o consultor entender a realidade dessa empresa, ele vai dar toda orientação, desde ações simples como sair, apagar a luz”.

Caso a empresa tenha imóvel próprio, com teto para colocação de um painel solar e a conta seja condizente com essa realidade, existem linhas de financiamento na qual ela poderá pagar com a redução de custo que a empresa tiver. Caso a empresa não tenha imóvel próprio nem teto para energia solar, ela poderá fazer assinatura de energia solar.

As empresas que têm consumo de energia acima de R$ 8 mil podem migrar para o mercado livre de energia, cuja legislação, a partir deste ano favorece as pequenas empresas. “Para empresas com faturamento de até R$ 4,8 milhões por ano, a redução do custo de energia pode chegar a até 35%, que é um custo muito significativo para essas empresas. Se pensar que uma empresa tem conta de luz de R$ 8 mil por mês, colocar 20% ou 30% a menos é redução expressiva”.

Questão climática

A analista do Sebrae Rio salientou ainda a importância das reuniões do G20, grupo de países com as maiores economias do mundo, que estão ocorrendo no Brasil e que destacam a questão climática e a redução de emissões de gás carbônico na atmosfera. O que cabe às empresas fazerem é reduzir as emissões de gás carbônico (CO2).

Michelle destacou também que o estado do Rio de Janeiro é base de muitas micro e pequenas empresas que são fornecedoras de grandes companhias, como a Petrobras, por exemplo, do setor de óleo e gás, que atualmente seguem um protocolo GHG para redução de emissões de gases poluentes. “Não necessariamente a empresa de grande porte vai reduzir essas emissões na operação dela. Mas consegue reduzir na cadeia de relacionamento. Para as grandes empresas, já virou requisito de contratação que os fornecedores que já estejam reduzindo suas emissões de carbono vão ter mais favorecimento para serem contratados do que outros que não estão preocupados com isso”.

O Protocolo GHG foi lançado em 1998 como uma parceria entre organizações não governamentais (ONGs) e empresas para estabelecer métodos padronizados de contabilização, capazes de atender à necessidade de uma metodologia global comum. Hoje, a estrutura de “três escopos” do GHG Protocol é a base para a contabilização de emissões corporativas. GHG é a abreviação para “greenhouse gas”, ou gases de efeito estufa.

Radiografia

A ideia do Sebrae é fazer também um mapeamento das 800 micro e pequenas empresas do estado do Rio de Janeiro este ano, de modo a ter uma radiografia mais acurada dos setores de comércio, bares, hotéis, para os quais já estão sendo produzidos materiais para orientação dos segmentos. O edital lista 17 segmentos prioritários para entender os que apresentam maiores custos com energia.

Além de ter acesso à primeira fase do edital de perfil energético, elas terão acesso também à segunda etapa de análise da conta de luz. “Dá oportunidade ainda maior de redução dos gastos e de uma orientação maior do que o empresário pode fazer, qual é o horário de ponta. O horário de consumo de energia de 18h às 21h é muito mais caro, mas muitas empresas desconhecem isso”. Segundo Michelle, são informações simples que o empresário não tem conhecimento.

Na terceira fase, as empresas passam por um critério de seleção maior. Os consultores vão nas empresas e fazem um diagnóstico energético, mensurando todos os equipamentos e componentes elétricos para mostrar de modo efetivo onde estão os maiores gastos na conta de luz, identificando os gargalos que provocam o maior custo de energia.

Após as fases de perfil energético, análise da conta de luz e inventário energético, é feita a devolutiva final e mais completa dessa estratégia para que o empresário consiga reduzir seus gastos de energia. Futuramente, será aberta uma rodada de oficinas e palestras para micro e pequenas empresas sobre o tema. O edital não aceita microempreendedores individuais (MEIs). 

Escolas foram usadas para difundir ideologias durante ditadura militar

 

Edson Luís, Ismael Silva de Jesus, Nilda Carvalho Cunha, Helenira Resende, Honestino Guimarães, Ana Kucinski, Vladimir Herzog. Esses são apenas alguns dos estudantes e professores que foram perseguidos e assassinados pela ditadura militar no Brasil, que teve, na educação, um dos principais braços da repressão. Nesse período, entre 1964 e 1985, disciplinas obrigatórias foram criadas com o objetivo de difundir a ideologia do regime e houve uma precarização do ensino e das escolas, com desvalorização salarial dos professores e falta de infraestrutura, além de censura e perseguições a professores e estudantes. O cenário é descrito por especialistas e pesquisadores entrevistados pela Agência Brasil.

Segundo o professor de história da educação básica da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) João Victor Oliveira, durante a ditadura, as escolas foram alvo de mudanças substanciais. 

Professor de história da educação básica da UFMG João Victor Oliveira, – Arquivo pessoal

“Isso porque os ditadores vão entender que esse espaço é um lugar não só de uma formação de mão de obra para o mercado de trabalho – uma mão de obra barata. A gente costuma analisar esses currículos como currículos muito tecnicistas, excludentes, voltados a um capitalismo em ascensão, que os militares vão ser responsáveis por colocar em marcha -, mas também como lugar para difusão de ideologias, sobre o bastião da ideia de ordem e de obediência”, diz o professor que leciona, em Belo Horizonte, na escola estadual Juscelino Kubitschek de Oliveira.

Entre as mudanças que ocorreram na educação no período da ditadura estão a inclusão nos currículos das disciplinas Educação Moral e Cívica, no primeiro grau, atual ensino fundamental, Organização Social e Política do Brasil, a chamada OSPB, no segundo grau, atual ensino médio, e Estudos de Problemas Brasileiros, no ensino superior. 

“Eram três disciplinas nas quais se queria sintetizar a educação autoritária, a educação moral, a educação cívica, nesse viés autoritário da escola primária à universidade”, diz o professor da Faculdade de Educação da UFMG Luciano Mendes.

Nessas disciplinas, o conteúdo tinha por objetivo exaltar os portugueses e a escravidão, desconsiderando um processo de colonização que massacrou indígenas e o caráter criminoso da escravidão no Brasil, cujas consequências seguem até os dias atuais. “Por exemplo, para o currículo de história nessas disciplinas, a perspectiva que se tem é de apresentar o protagonismo dos portugueses, de apresentar o processo colonial como um projeto de sucesso, de entender a escravidão sob a ótica econômica e não sob a ótica da desumanização de determinados grupos sociais que foram compulsoriamente escravizados”, explica.

Também havia, de acordo com Mendes, a exclusão de disciplinas consideradas subversivas, como sociologia e filosofia. “Outras tiveram os conteúdos mudados. Foi reforçada a ideia da educação cívica, uma disciplina que foi muito reforçada pelos militares, porque eles compreendiam que as formações cívica e física eram intrínsecas”, diz. 

A educação física, com o objetivo de educar e organizar os corpos, além de organizar celebrações e desfiles referentes à ditadura, foi, segundo Mendes, incentivada.

Os dois especialistas ressaltam que, nesse período, havia também resistência e que muitos docentes utilizaram as disciplinas obrigatórias para sanar as lacunas deixadas pela exclusão de história, filosofia e promover uma educação crítica dentro das salas de aula.

Educação era melhor?

Ainda nos dias de hoje existe uma crença de que as escolas, durante a ditadura, eram melhores, e que de lá para cá o ensino apenas piorou. Dados mostram que isso não é verdade. 

Professora de História da América da Universidade Federal Fluminense (UFF) Samantha Quadrat – Arquivo pessoal

“É uma lenda urbana, não era melhor, porque você não tinha o caráter da educação que é levar aquele estudante a uma reflexão, a uma construção do conhecimento. Você tinha uma universidade excludente, você tinha uma educação também excludente e com conceitos muito tradicionais”, diz a professora de História da América da Universidade Federal Fluminense (UFF) Samantha Quadrat, que é pesquisadora do Laboratório de História Oral e Imagem (Labhoi) e que administra o projeto Lugares de Memória. “Viver uma ditadura não é algo bom, não tem nada de positivo numa ditadura, seja ela qual for”, ressalta a professora.

Samantha destaca que é importante considerar os movimentos educacionais que precederam a ditadura. Antes do golpe militar de 1964, o Brasil era presidido por João Goulart e a educação passava por um momento de reformulação, com mais espaço para a educação popular. “É uma ditadura que interrompe projetos importantes para a educação do Brasil”, diz Samantha, lembrando que a educação, à época, era voltada para as elites. As camadas populares não concluíam os estudos ou sequer tinham acesso à escola.

O professor de história da educação básica da UFMG João Victor Oliveira complementa afirmando que a escola era vista como melhor no passado porque era profundamente elitizada. “Estamos falando de quadros que frequentavam a sala de aula, muito mais restritivos e muito menos populares. Então, nesse ponto de vista, uma escola para poucos, evidentemente, é muito mais fácil de organizar. E quanto mais essa classe trabalhadora vai adentrando o espaço da escola, embora a política da ditadura tenha ampliado as vagas, ela não garantiu nenhum tipo de estrutura que desse conta dessa ampliação. Essa piora dos quadros da escola pública, como é lido, está muito associada a essa ideia preconceituosa, excludente, antirrepublicana e antidemocrática de que foram as classes populares que estragaram a escola pública.”

Até 1971, a escola era dividida em educação primária (composta de quatro anos), seguida de um exame de admissão e uma etapa secundária (composta de sete anos: quatro de ginásio e três de colégio). Esse sistema foi reformado pelos militares que criaram o primeiro grau, de oito anos, e o segundo grau, de três, com a Lei 5692/1971. Eles acabaram também com o exame de admissão, para não limitar o acesso às fases seguintes. Para atender a interesses capitalistas de formação de mão de obra, era importante, segundo os pesquisadores, incluir as camadas populares na educação formal. 

Pesquisas mostram, no entanto, que essa inclusão não alterou as repetências nem as taxas de conclusão do ensino. Dados citados no livro O ponto a que chegamos, do jornalista Antônio Gois, mostram que os brasileiros estudavam em média 2,6 anos em 1965 e, em 1985, essa taxa sobre para 3,5 anos de estudo entre a população de 25 anos ou mais. Números inferiores a outros países como Coreia, com 7,8 anos de estudo em 1985; Chile, com 6 anos e México, com 4,1.

A expansão da educação proposta pelos militares não veio acompanhada de mais recursos, o que levou a uma precarização do ensino. Segundo o portal Memórias da Ditadura, criado pelo Instituto Vladimir Herzog, em 1982, quase no final da ditadura, o Brasil aparecia como o país da América Latina com menor percentual de gasto público na educação, com um investimento de apenas 6,5% do Produto Interno Bruto (PIB), de acordo com o Banco Mundial. O Haiti aparecia como penúltimo colocado da lista, logo acima do Brasil, com um investimento de 11,3%.  

Mais tarde,  em 1996, com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), vigente até hoje, o primeiro e segundo grau se transformam nos atuais ensinos fundamental e médio.

Heranças da ditadura na educação

Professor da Faculdade de Educação da UFMG Luciano Mendes – Arquivo pessoal

Para Mendes, a ditadura ajudou a consolidar uma escola desinteressante aos estudantes e que não incentiva a participação. “Ela não é escola gostosa, não é uma escola alegre, porque a gente baniu dessa escola muito aquilo que faria a escola também diferente, as artes, a brincadeira, tudo isso, porque é uma escola cada vez mais militarizada. Ter uma escola em que impera o silêncio, em que a discussão, em que o debate não subsiste, não pode estar presente, essas também são heranças fortes da ditadura. Uma escola que tem dificuldade de pulsar no mesmo ritmo dos movimentos sociais, uma escola que, digamos, muitas vezes, se esconde atrás dos muros”, diz.

Outra herança, de acordo com o especialista, é a precarização do ensino e, sobretudo, a precarização do trabalho dos professores.

“Essa é uma característica acentuada pela ditadura, expandida pela ditadura e da qual a gente não se recuperou. O Brasil paga os piores salários dos professores da educação básica, [está entre os] os piores salários do mundo. A carga horária de trabalho dos professores é muito alta. O número de alunos e alunas que as professoras brasileiras têm que lidar cotidianamente é acima da média mundial. Tudo isso torna a vida de professores e professoras muito estafante, e não é por acaso que é uma das profissões onde mais se adoece.”

Já de acordo com Samantha, da UFF, uma das heranças é a tecnicidade do ensino, a busca pela formação de mão de obra barata sem preocupação de estimular a capacidade crítica dos estudantes, para que possam ter autonomia na sociedade. Agora, na avaliação dela, a história se repete com a reforma do ensino médio que  oferece, sobretudo nas escolas públicas, um currículo e um ensino técnico de baixa qualidade. A reforma está sendo discutida no Brasil. Professores e estudantes relataram que, enquanto em escolas particulares estudantes tinham acesso a laboratórios e a um ensino com mais estrutura, em algumas escolas públicas ensinava-se a fazer brigadeiro, como cuidar de pets e como fazer sabonete.

“Através dos cursos técnicos a ideia é de que a universidade não era para todos. Para o estudante da escola pública nem era dado o direito de sonhar com a universidade”, diz a professora. 

Na avaliação de Samantha, o chamado Novo Ensino Médio mantém o ensino para poucos. “É uma reforma excludente, é uma reforma autoritária, é uma reforma que pouco se preocupa com aquele estudante da escola pública, ao contrário, a ideia de que vai ser um estudante trabalhador, ou seja, você ceifa sonhos, você ceifa perspectivas de futuro, você não oferece coisas que você deveria oferecer a todo jovem brasileiro, independentemente da idade, se ele é periférico ou não, se ele é negro, se ele é branco, então você pensa uma outra educação”. 

Outra herança apontada pela especialista é a ascensão de grupos particulares na educação brasileira. Até então, a educação pública era considerada de excelência. Com a falta de investimento na ditadura e a deterioração da escola pública, a escola particular passa a ser enaltecida. Grupos particulares e fundações passam também a atuar  e influenciar a educação, chegando até mesmo a disputar o orçamento público, de acordo com a pesquisadora.  “O que a gente vê hoje é uma disputa por essa educação, o seu orçamento gigante e eu acho que o grande entrave dessa ditadura foi a ascensão dos grupos privados, tanto nas universidades como nas escolas”, diz.

Ditadura na sala de aula

Para que a história não se repita e para que as novas gerações tenham acesso ao que foi de fato a ditadura, o professor de história da UFMG defende que o tema seja trabalhado nas salas de aula. Apesar de já estar previsto no currículo, na prática, esse ensino encontra algumas barreiras. “O que eu tenho observado, seja na minha atuação como professor, seja no meu trabalho como pesquisador, é que, ainda mais num contexto pós-pandêmico, há uma urgência muito grande no espaço escolar, que é a formação para sensibilidades”, diz o professor.

“A cena de tortura parece não comover tanto os estudantes como comovia anos atrás. Os episódios de perseguição, morte, assassinato, parecem não produzir uma consternação desses estudantes, como isso acontecia há alguns anos. De certa forma, o que nós precisamos, tanto quanto ensinar sobre o aparelho repressivo da ditadura, é formar igualmente as sensibilidades dessas juventudes, dessas crianças, que nem sempre têm a oportunidade de estudar esse tema na escola. Em geral, esse é um assunto vinculado ao terceiro ano do ensino médio ou ao nono ano do ensino fundamental. E esse currículo que nós chamamos de história do tempo presente quase não tem tempo de ser trabalhado pelo excesso e pelas prescrições curriculares, especialmente a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) colocada em vigor recentemente”.

Segundo o professor, a internet facilitou o acesso a documentos, mas é importante que o tema seja trabalhado para que os jovens saibam quais documentos são ou não confiáveis. “Nós dizemos que as fontes históricas estão à palma da mão, dos telefones celulares, enfim. Mas é preciso continuar esse letramento, de modo que essas mesmas pessoas consigam ler isso tudo de maneira crítica e ir além para que nunca mais aconteça”, defende o professor.

Jovens e a democracia

Os professores não são os únicos preocupados em levar uma formação crítica às escolas, os estudantes têm se mobilizado em defesa da democracia. Um exemplo é o Movimento Democratizou, criado por estudantes de Aracaju para ampliar a educação política e o protagonismo dos jovens em uma sociedade democrática. O projeto conta com embaixadores nas escolas e em vários estados.

Estudante de ciências sociais Rebeca Sousa é uma das embaixadoras do Democratizou – Rebeca Figueiredo

A estudante de ciências sociais Rebeca Sousa é uma das embaixadoras do Democratizou. Ela conheceu o projeto quando estava no final do ensino médio e logo se identificou. “Para mim, a democracia é a principal forma de a gente conseguir a pluralidade de debates. A democracia é importante porque ela consegue, através da sua pluralidade, da população, que é a base dela, o contato com as pessoas, e a escuta dessas mesmas pessoas. A gente consegue trazer maior representatividade, maior escuta da diversidade”, diz.

Na avaliação da estudante, os jovens, que foram fundamentais na resistência durante a ditadura, também são essenciais nos dias de hoje para manutenção da democracia. 

“Para mim, a juventude ela é a flor da resistência. Muitas vezes eu vejo os adultos nesse lugar de conformismo. De ‘Ah, é isso mesmo, não tem o que fazer’. Eu acho que a juventude traz esse gás, de dizer: ‘não, peraí, isso está muito errado, a gente precisa correndo fazer uma mudança’. Eu acho que o espírito da juventude é essa chama de mudança, de inquietação”, defende.

Escolas foram usadas para difundir ideologias durante ditadura militar

 

Edson Luís, Ismael Silva de Jesus, Nilda Carvalho Cunha, Helenira Resende, Honestino Guimarães, Ana Kucinski, Vladimir Herzog. Esses são apenas alguns dos estudantes e professores que foram perseguidos e assassinados pela ditadura militar no Brasil, que teve, na educação, um dos principais braços da repressão. Nesse período, entre 1964 e 1985, disciplinas obrigatórias foram criadas com o objetivo de difundir a ideologia do regime e houve uma precarização do ensino e das escolas, com desvalorização salarial dos professores e falta de infraestrutura, além de censura e perseguições a professores e estudantes. O cenário é descrito por especialistas e pesquisadores entrevistados pela Agência Brasil.

Segundo o professor de história da educação básica da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) João Victor Oliveira, durante a ditadura, as escolas foram alvo de mudanças substanciais. 

Professor de história da educação básica da UFMG João Victor Oliveira, – Arquivo pessoal

“Isso porque os ditadores vão entender que esse espaço é um lugar não só de uma formação de mão de obra para o mercado de trabalho – uma mão de obra barata. A gente costuma analisar esses currículos como currículos muito tecnicistas, excludentes, voltados a um capitalismo em ascensão, que os militares vão ser responsáveis por colocar em marcha -, mas também como lugar para difusão de ideologias, sobre o bastião da ideia de ordem e de obediência”, diz o professor que leciona, em Belo Horizonte, na escola estadual Juscelino Kubitschek de Oliveira.

Entre as mudanças que ocorreram na educação no período da ditadura estão a inclusão nos currículos das disciplinas Educação Moral e Cívica, no primeiro grau, atual ensino fundamental, Organização Social e Política do Brasil, a chamada OSPB, no segundo grau, atual ensino médio, e Estudos de Problemas Brasileiros, no ensino superior. 

“Eram três disciplinas nas quais se queria sintetizar a educação autoritária, a educação moral, a educação cívica, nesse viés autoritário da escola primária à universidade”, diz o professor da Faculdade de Educação da UFMG Luciano Mendes.

Nessas disciplinas, o conteúdo tinha por objetivo exaltar os portugueses e a escravidão, desconsiderando um processo de colonização que massacrou indígenas e o caráter criminoso da escravidão no Brasil, cujas consequências seguem até os dias atuais. “Por exemplo, para o currículo de história nessas disciplinas, a perspectiva que se tem é de apresentar o protagonismo dos portugueses, de apresentar o processo colonial como um projeto de sucesso, de entender a escravidão sob a ótica econômica e não sob a ótica da desumanização de determinados grupos sociais que foram compulsoriamente escravizados”, explica.

Também havia, de acordo com Mendes, a exclusão de disciplinas consideradas subversivas, como sociologia e filosofia. “Outras tiveram os conteúdos mudados. Foi reforçada a ideia da educação cívica, uma disciplina que foi muito reforçada pelos militares, porque eles compreendiam que as formações cívica e física eram intrínsecas”, diz. 

A educação física, com o objetivo de educar e organizar os corpos, além de organizar celebrações e desfiles referentes à ditadura, foi, segundo Mendes, incentivada.

Os dois especialistas ressaltam que, nesse período, havia também resistência e que muitos docentes utilizaram as disciplinas obrigatórias para sanar as lacunas deixadas pela exclusão de história, filosofia e promover uma educação crítica dentro das salas de aula.

Educação era melhor?

Ainda nos dias de hoje existe uma crença de que as escolas, durante a ditadura, eram melhores, e que de lá para cá o ensino apenas piorou. Dados mostram que isso não é verdade. 

Professora de História da América da Universidade Federal Fluminense (UFF) Samantha Quadrat – Arquivo pessoal

“É uma lenda urbana, não era melhor, porque você não tinha o caráter da educação que é levar aquele estudante a uma reflexão, a uma construção do conhecimento. Você tinha uma universidade excludente, você tinha uma educação também excludente e com conceitos muito tradicionais”, diz a professora de História da América da Universidade Federal Fluminense (UFF) Samantha Quadrat, que é pesquisadora do Laboratório de História Oral e Imagem (Labhoi) e que administra o projeto Lugares de Memória. “Viver uma ditadura não é algo bom, não tem nada de positivo numa ditadura, seja ela qual for”, ressalta a professora.

Samantha destaca que é importante considerar os movimentos educacionais que precederam a ditadura. Antes do golpe militar de 1964, o Brasil era presidido por João Goulart e a educação passava por um momento de reformulação, com mais espaço para a educação popular. “É uma ditadura que interrompe projetos importantes para a educação do Brasil”, diz Samantha, lembrando que a educação, à época, era voltada para as elites. As camadas populares não concluíam os estudos ou sequer tinham acesso à escola.

O professor de história da educação básica da UFMG João Victor Oliveira complementa afirmando que a escola era vista como melhor no passado porque era profundamente elitizada. “Estamos falando de quadros que frequentavam a sala de aula, muito mais restritivos e muito menos populares. Então, nesse ponto de vista, uma escola para poucos, evidentemente, é muito mais fácil de organizar. E quanto mais essa classe trabalhadora vai adentrando o espaço da escola, embora a política da ditadura tenha ampliado as vagas, ela não garantiu nenhum tipo de estrutura que desse conta dessa ampliação. Essa piora dos quadros da escola pública, como é lido, está muito associada a essa ideia preconceituosa, excludente, antirrepublicana e antidemocrática de que foram as classes populares que estragaram a escola pública.”

Até 1971, a escola era dividida em educação primária (composta de quatro anos), seguida de um exame de admissão e uma etapa secundária (composta de sete anos: quatro de ginásio e três de colégio). Esse sistema foi reformado pelos militares que criaram o primeiro grau, de oito anos, e o segundo grau, de três, com a Lei 5692/1971. Eles acabaram também com o exame de admissão, para não limitar o acesso às fases seguintes. Para atender a interesses capitalistas de formação de mão de obra, era importante, segundo os pesquisadores, incluir as camadas populares na educação formal. 

Pesquisas mostram, no entanto, que essa inclusão não alterou as repetências nem as taxas de conclusão do ensino. Dados citados no livro O ponto a que chegamos, do jornalista Antônio Gois, mostram que os brasileiros estudavam em média 2,6 anos em 1965 e, em 1985, essa taxa sobre para 3,5 anos de estudo entre a população de 25 anos ou mais. Números inferiores a outros países como Coreia, com 7,8 anos de estudo em 1985; Chile, com 6 anos e México, com 4,1.

A expansão da educação proposta pelos militares não veio acompanhada de mais recursos, o que levou a uma precarização do ensino. Segundo o portal Memórias da Ditadura, criado pelo Instituto Vladimir Herzog, em 1982, quase no final da ditadura, o Brasil aparecia como o país da América Latina com menor percentual de gasto público na educação, com um investimento de apenas 6,5% do Produto Interno Bruto (PIB), de acordo com o Banco Mundial. O Haiti aparecia como penúltimo colocado da lista, logo acima do Brasil, com um investimento de 11,3%.  

Mais tarde,  em 1996, com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), vigente até hoje, o primeiro e segundo grau se transformam nos atuais ensinos fundamental e médio.

Heranças da ditadura na educação

Professor da Faculdade de Educação da UFMG Luciano Mendes – Arquivo pessoal

Para Mendes, a ditadura ajudou a consolidar uma escola desinteressante aos estudantes e que não incentiva a participação. “Ela não é escola gostosa, não é uma escola alegre, porque a gente baniu dessa escola muito aquilo que faria a escola também diferente, as artes, a brincadeira, tudo isso, porque é uma escola cada vez mais militarizada. Ter uma escola em que impera o silêncio, em que a discussão, em que o debate não subsiste, não pode estar presente, essas também são heranças fortes da ditadura. Uma escola que tem dificuldade de pulsar no mesmo ritmo dos movimentos sociais, uma escola que, digamos, muitas vezes, se esconde atrás dos muros”, diz.

Outra herança, de acordo com o especialista, é a precarização do ensino e, sobretudo, a precarização do trabalho dos professores.

“Essa é uma característica acentuada pela ditadura, expandida pela ditadura e da qual a gente não se recuperou. O Brasil paga os piores salários dos professores da educação básica, [está entre os] os piores salários do mundo. A carga horária de trabalho dos professores é muito alta. O número de alunos e alunas que as professoras brasileiras têm que lidar cotidianamente é acima da média mundial. Tudo isso torna a vida de professores e professoras muito estafante, e não é por acaso que é uma das profissões onde mais se adoece.”

Já de acordo com Samantha, da UFF, uma das heranças é a tecnicidade do ensino, a busca pela formação de mão de obra barata sem preocupação de estimular a capacidade crítica dos estudantes, para que possam ter autonomia na sociedade. Agora, na avaliação dela, a história se repete com a reforma do ensino médio que  oferece, sobretudo nas escolas públicas, um currículo e um ensino técnico de baixa qualidade. A reforma está sendo discutida no Brasil. Professores e estudantes relataram que, enquanto em escolas particulares estudantes tinham acesso a laboratórios e a um ensino com mais estrutura, em algumas escolas públicas ensinava-se a fazer brigadeiro, como cuidar de pets e como fazer sabonete.

“Através dos cursos técnicos a ideia é de que a universidade não era para todos. Para o estudante da escola pública nem era dado o direito de sonhar com a universidade”, diz a professora. 

Na avaliação de Samantha, o chamado Novo Ensino Médio mantém o ensino para poucos. “É uma reforma excludente, é uma reforma autoritária, é uma reforma que pouco se preocupa com aquele estudante da escola pública, ao contrário, a ideia de que vai ser um estudante trabalhador, ou seja, você ceifa sonhos, você ceifa perspectivas de futuro, você não oferece coisas que você deveria oferecer a todo jovem brasileiro, independentemente da idade, se ele é periférico ou não, se ele é negro, se ele é branco, então você pensa uma outra educação”. 

Outra herança apontada pela especialista é a ascensão de grupos particulares na educação brasileira. Até então, a educação pública era considerada de excelência. Com a falta de investimento na ditadura e a deterioração da escola pública, a escola particular passa a ser enaltecida. Grupos particulares e fundações passam também a atuar  e influenciar a educação, chegando até mesmo a disputar o orçamento público, de acordo com a pesquisadora.  “O que a gente vê hoje é uma disputa por essa educação, o seu orçamento gigante e eu acho que o grande entrave dessa ditadura foi a ascensão dos grupos privados, tanto nas universidades como nas escolas”, diz.

Ditadura na sala de aula

Para que a história não se repita e para que as novas gerações tenham acesso ao que foi de fato a ditadura, o professor de história da UFMG defende que o tema seja trabalhado nas salas de aula. Apesar de já estar previsto no currículo, na prática, esse ensino encontra algumas barreiras. “O que eu tenho observado, seja na minha atuação como professor, seja no meu trabalho como pesquisador, é que, ainda mais num contexto pós-pandêmico, há uma urgência muito grande no espaço escolar, que é a formação para sensibilidades”, diz o professor.

“A cena de tortura parece não comover tanto os estudantes como comovia anos atrás. Os episódios de perseguição, morte, assassinato, parecem não produzir uma consternação desses estudantes, como isso acontecia há alguns anos. De certa forma, o que nós precisamos, tanto quanto ensinar sobre o aparelho repressivo da ditadura, é formar igualmente as sensibilidades dessas juventudes, dessas crianças, que nem sempre têm a oportunidade de estudar esse tema na escola. Em geral, esse é um assunto vinculado ao terceiro ano do ensino médio ou ao nono ano do ensino fundamental. E esse currículo que nós chamamos de história do tempo presente quase não tem tempo de ser trabalhado pelo excesso e pelas prescrições curriculares, especialmente a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) colocada em vigor recentemente”.

Segundo o professor, a internet facilitou o acesso a documentos, mas é importante que o tema seja trabalhado para que os jovens saibam quais documentos são ou não confiáveis. “Nós dizemos que as fontes históricas estão à palma da mão, dos telefones celulares, enfim. Mas é preciso continuar esse letramento, de modo que essas mesmas pessoas consigam ler isso tudo de maneira crítica e ir além para que nunca mais aconteça”, defende o professor.

Jovens e a democracia

Os professores não são os únicos preocupados em levar uma formação crítica às escolas, os estudantes têm se mobilizado em defesa da democracia. Um exemplo é o Movimento Democratizou, criado por estudantes de Aracaju para ampliar a educação política e o protagonismo dos jovens em uma sociedade democrática. O projeto conta com embaixadores nas escolas e em vários estados.

Estudante de ciências sociais Rebeca Sousa é uma das embaixadoras do Democratizou – Rebeca Figueiredo

A estudante de ciências sociais Rebeca Sousa é uma das embaixadoras do Democratizou. Ela conheceu o projeto quando estava no final do ensino médio e logo se identificou. “Para mim, a democracia é a principal forma de a gente conseguir a pluralidade de debates. A democracia é importante porque ela consegue, através da sua pluralidade, da população, que é a base dela, o contato com as pessoas, e a escuta dessas mesmas pessoas. A gente consegue trazer maior representatividade, maior escuta da diversidade”, diz.

Na avaliação da estudante, os jovens, que foram fundamentais na resistência durante a ditadura, também são essenciais nos dias de hoje para manutenção da democracia. 

“Para mim, a juventude ela é a flor da resistência. Muitas vezes eu vejo os adultos nesse lugar de conformismo. De ‘Ah, é isso mesmo, não tem o que fazer’. Eu acho que a juventude traz esse gás, de dizer: ‘não, peraí, isso está muito errado, a gente precisa correndo fazer uma mudança’. Eu acho que o espírito da juventude é essa chama de mudança, de inquietação”, defende.

Governo abre processo para investigar Enel sobre apagões em São Paulo

O ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, determinou a abertura de processo administrativo para investigar a Enel. O objetivo, segundo ele, é “averiguar as falhas e transgressões da concessionária em relação as suas obrigações contratuais e prestação de serviço”.

“O processo será feito com maior rigor, garantindo a ampla defesa, podendo acarretar, inclusive, a caducidade. Trabalhamos com afinco para garantir à população, a qualidade dos serviços de energia”, postou o ministro em seu perfil na rede social X, antigo Twitter.

No último dia 22, a Justiça de São Paulo condenou a Enel a indenizar clientes que ficaram longos períodos sem energia durante um apagão após as fortes chuvas na região metropolitana de São Paulo, em novembro de 2023.

Em três casos, a empresa alegou que a interrupção foi provocada pelas chuvas, mas os juízes decidiram que cabe danos morais de R$ 5 mil pela demora em restabelecer o serviço.

Além dessas ações, a Enel também foi multada pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) em R$ 165,8 milhões pelo mesmo apagão. Na ocasião, cerca de 2,1 milhões de pessoas ficaram sem luz, com o fornecimento de energia levando uma semana para ser normalizado.

Segundo o auto de infração, a Enel não prestou serviços de forma adequada. A companhia só acionou significativamente as equipes de manutenção – próprias e terceirizadas – em 6 de novembro, três dias após o temporal que derrubou árvores e comprometeu o abastecimento em diversas áreas da capital paulista e dos arredores.

Brasil: Marinha emite aviso para ventos fortes na costa sul do Rio Grande do Sul

1 de abril de 2024

 

O Serviço Meteorológico Marinho da Marinha do Brasil emitiu no sábado um Aviso de Mau Tempo para a costa sul do Rio Grande do Sul. Segundo o órgão, há “previsão de ventos de direção Sudeste a Leste e intensidade de até 74 km/h (40 nós)” que poderão “afetar a faixa litorânea do estado do Rio Grande do Sul, entre Chuí e Mostardas, entre as madrugadas dos dias 1° e 2 de abril”.

A ventania será causada por uma frente fria, associada a um centro de baixa pressão que se deslocará sentido noroeste-sudeste por sobre o estado e que deve se transformar num ciclone extratropical em alto-mar.

A ventania, porém de menor intensidade, também poderá afetar o restante da costa gaúcha e parte da costa de Santa Catarina.

Este é o primeiro aviso da Marinha, que monitora os ciclones na costa do Brasil, desde meados de fevereiro passado, quando um raro ciclone tropical, uma tempestade tropical chamada Akará, se formou a mais de 400 quilômetros da costa gaúcha.

A formação do Akará

Depressões (centros ou áreas de baixa pressão) e tempestades são categorias imediatamente anteriores a um ciclone propriamente dito e se diferenciam pela força dos ventos sustentados.

Ciclones podem ser extratropicais (bastante comuns em zonas de clima frio do planeta, como no Oeste da Europa durante o inverno e no Brasil), subtropicais (fenômenos raros) e tropicais (comuns na América do Norte e Ásia quando as águas do mar ficam mais quentes, mas muito raros no Atlântico Sul).

Akará como uma rara depressão subtropical no início da tarde de 18 de fevereiro

Akará como uma raríssima depressão tropical no Atlântico Sul no meio da tarde de 18 de fevereiro

Akará como uma raríssima tempestade tropical no Atlântico Sul no início da manhã de 19 de fevereiro

Referências
Tempestade tropical Akará, Wikipédia.Notícias Relacionadas
Marinha do Brasil nomeia Akará, a primeira tempestade tropical na costa brasileira desde 2019
 
 

Ministros usam redes sociais para lembrar 60 anos do golpe de 64

Arte/Agência Brasil

Ao menos sete ministros de Estado usaram as redes sociais neste domingo (31) para fazer referência aos 60 anos do golpe militar de 1964, que instaurou no país a ditadura que duraria 21 anos.

O ministro dos Direitos Humanos e da Cidadania, Silvio Almeida, fez uma publicação na rede X (antigo Twitter) com o título “Por que ditadura nunca mais?”. Como resposta para a pergunta, ele citou desejos de um país “social e economicamente desenvolvido”, “soberano, que não se curve a interesses opostos aos do povo brasileiro”, “institucional e culturalmente democrático”, “em que a verdade e a justiça prevaleçam sobre a mentira e a violência”, “livre da tortura e do autoritarismo” e “sem milícias e grupos de extermínio”.

Silvio Almeida terminou a publicação lembrando uma frase do deputado Ulysses Guimarães – que presidiu a Assembleia Nacional Constituinte que elaborou a Constituição de 1988: “É preciso ter ódio e nojo da ditadura”.

A frase de Ulysses também foi lembrada em postagem do ministro-chefe da Secretaria de Comunicação Social da Presidência, Paulo Pimenta. Ele publicou a imagem de uma blusa branca com a inscrição estilizada “ódio e nojo à ditadura”.

“Ditadura Nunca Mais!! A esperança e a coragem derrotaram o ódio, a intolerância e o autoritarismo. Defender a democracia é um desafio que se renova todos os dias”, escreveu.            

A ministra das Mulheres, Cida Gonçalves, também usou o portal X para prestar solidariedade às vítimas do regime de exceção.

“Neste 31 de março de 2024 faço minha homenagem a todas as pessoas presas, torturadas ou que tiveram seus filhos desaparecidos e mortos na ditadura militar. Que o golpe instalado há exatos 60 anos nunca mais volte a acontecer e não seja jamais esquecido”.

Desejar que uma ditadura nunca volte a acontecer foi teor também de mensagem postada pelo ministro da Educação, Camilo Santana.

“Lembramos e repudiamos a ditadura militar, para que ela nunca mais se repita. A mancha deixada por toda dor causada jamais se apagará. Viva a democracia, que tem para nós um valor inestimável”, escreveu.

Torturados

O ministro do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar, Paulo Teixeira, lembrou nominalmente algumas das vítimas do período que desrespeitou os direitos humanos por mais de duas décadas.

“Minha homenagem a todos que perderam a vida e a liberdade, em razão da ruptura da democracia no dia 31 de março de 1964, que levou o país a um período de trevas. Minha homenagem a Rubens Paiva, Vladimir Herzog e Manoel Fiel Filho, que lutaram pela democracia no Brasil”.

Herzog era jornalista; Rubens Paiva, engenheiro; e Manoel Fiel Filho, metalúrgico. Todos foram torturados e mortos pelo regime militar na década de 70.

A ministra dos Povos Indígenas, Sonia Guajajara, pediu reflexões sobre um processo de reparação do Estado em relação ao que aconteceu contra povos indígenas durante a ditadura.

“Sabemos que a luta sempre foi uma constante para os povos indígenas, mas há 60 anos o golpe dava início a um dos períodos mais duros do nosso país. A ditadura promoveu um genocídio dos nossos povos e também de nossa cultura. Milhares de indígenas foram assassinados e muitos mitos construídos entre militares para justificar um extermínio – muitos discursos perversos que até hoje são utilizados para tentar refutar nosso direito constitucional ao território”, escreveu.

“Precisamos refletir sobre um processo de reparação do Estado. Esse é um debate necessário para o conjunto da sociedade. Só avançaremos com o fortalecimento da democracia e da Justiça”, completou.

O ministro na Advocacia-Geral da União, Jorge Messias, publicou a notória fotografia da ex-presidente Dilma Rousseff, então presa política com 22 anos, durante um interrogatório numa auditoria militar na década de 70.

Com o título “Democracia sempre!!!”, Messias escreveu: “minha homenagem nesta data é na pessoa de uma mulher que consagrou sua vida à defesa da Democracia, @dilmabr. Que a Luz da Democracia prevaleça, sempre. Essa é a causa que nos move”.

Dilma Rousseff usou o perfil dela no X para defender que “manter a memória e a verdade histórica sobre o golpe militar que ocorreu no Brasil há 60 anos, em 31 de março de 1964, é crucial para assegurar que essa tragédia não se repita, como quase ocorreu recentemente, em 8 de janeiro de 2023”.

“No passado, como agora, a História não apaga os sinais de traição à democracia e nem limpa da consciência nacional os atos de perversidade daqueles que exilaram e mancharam de sangue, tortura e morte a vida brasileira durante 21 anos. Tampouco resgata aqueles que apoiaram o ataque às instituições, à democracia e aos ideais de uma sociedade mais justa e menos desigual. Ditadura nunca mais!”, complementou.

Democracia

O presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Luís Roberto Barroso, sem citar a ditadura, associou a Páscoa, comemorada neste domingo, à democracia.

“31 de março de 2024: um dia para celebrar a Páscoa, a ressurreição, os bons sentimentos de renovação e esperança, e também para lembrar do que nunca podemos esquecer: de como a democracia é valiosa e a nossa liberdade, nossos direitos e garantias fundamentais são a essência de uma vida verdadeiramente digna nesse país. Feliz Páscoa, democracia sempre!”.

O marco de 60 anos do golpe militar não foi lembrado com eventos oficiais por parte do governo federal. No fim de fevereiro, em entrevista à RedeTV, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva comentou que a ruptura institucional “já faz parte da história”. “Já causou o sofrimento que causou. O povo já conquistou o direito de democratizar esse país. Os generais que estão hoje no poder eram crianças naquele tempo. Alguns acho que não tinham nem nascido ainda naquele tempo”, disse.

“O que eu não posso é não saber tocar a história para frente, ficar remoendo sempre, remoendo sempre, ou seja, é uma parte da história do Brasil que a gente ainda não tem todas as informações, porque tem gente desaparecida ainda, porque tem gente que pode se apurar. Mas eu, sinceramente, eu não vou ficar remoendo e eu vou tentar tocar esse país pra frente”, acrescentou o presidente.

Comissão faz esforço concentrado no Senado para votar Código Civil

A comissão de juristas responsável pela revisão e atualização do Código Civil promove no Senado, na próxima semana, entre 1º e 5 de abril, esforço concentrado para votar o relatório final com propostas de alteração em mais de mil artigos e sobre temas de difícil consenso, como direito da família, dos animais e de propriedade. 

Um dos pontos que levanta polêmica no campo conservador, por exemplo, diz respeito ao direito do nascituro – o feto em gestação. O texto de um dos relatórios apresentados em fevereiro, com um anteprojeto de proposta final, diz que os direitos antes do nascimento são protegidos “para efeitos deste Código Civil”. 

A expressão, que aparenta limitar o alcance dos direitos do nascituro, foi usada para alimentar notícias falsas, sobretudo em círculos católicos e de direita, de que a comissão de juristas estaria tentando facilitar o aborto, aponta o professor e jurista Flávio Tartuce, um dos relatores da reforma do Código Civil. 

“Não tratamos de aborto no projeto”, enfatizou Tartuce à Agência Brasil. Ele nega motivações ideológicas na comissão de juristas e assegura que o trabalho é técnico. O professor destaca que ainda não há relatório final aprovado e que muitas emendas e destaques já foram feitos ao anteprojeto apresentado em fevereiro.  

Ele acrescenta que “o Código Civil sempre motiva debates, você lida ali com a vida do cidadão desde antes do nascimento até depois da morte, é normal haver discordâncias. Mas há também as polêmicas promocionais, de pessoas que querem se promover, e entre essas a grande maioria não leu nada”. 

Organizações como a União de Juristas Católicos chegaram a publicar manifestações contrárias a toda iniciativa de revisão do Código Civil. “A proposta não é uma mera ‘atualização’ – que pressuporia apenas ajustes pontuais em um código relativamente novo, com pouco mais de 20 anos de vigência – , mas a refundação da própria visão de sociedade, de pessoa e de família que normatiza a nossa nação”, disse a entidade, em nota. 

Em resposta, Tartuce nega que proponha um “Novo Código Civil”, tratando-se de uma “atualização”. Ele afirma que a comissão de juristas “está muito longe de querer criar polêmicas ou trazer uma revolução de costumes. Nossa prioridade é destravar a vida das pessoas, ajudar a resolver os problemas”. 

O primeiro Código Civil brasileiro, com essa denominação, data de 1916. Ele foi substituído pelo código atual, que entrou em vigor em 2002, após quatro décadas de discussões. Alguns críticos pontuam que o código atual tem somente 22 anos, motivo pelo qual seria cedo para promover uma revisão. 

A esse argumento, Tartuce lembra que a velocidade das mudanças na sociedade cresce de modo exponencial, com transformações especialmente intensas ao longo das últimas décadas. Quando o Código Civil atual foi aprovado, por exemplo, sequer havia smartphones no país. “O código atual é analógico, é preciso trazê-lo para o mundo digital”, acentua o professor.  

A criação de uma Comissão de Juristas para revisar o Código Civil partiu do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG). Após ser questionado por senadores conservadores, ele defendeu a iniciativa no plenário da Casa, afirmando que o objetivo não é elaborar um “novo Código Civil”, mas preencher lacunas no código atual. “É um trabalho totalmente independente. A decisão final é do Parlamento”, disse. 

A Comissão de Juristas é presidida pelo ministro Luis Felipe Salomão, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), e composta por 36 juristas especializados no assunto. Os relatores são o professor Flávio Tartuce, e a desembargadora Rosa Maria de Andrade Nery. O grupo recebeu 180 dias de prazo para apresentar a Pacheco um projeto de lei com as novas propostas para o Código Civil. Esse prazo vence em 12 de abril. 

Com mais de 2 mil artigos, o Código Civil regula todos os direitos relativos à personalidade do indivíduo e às relações em sociedade, incluindo temas como casamentos, contratos, heranças e direitos das empresas, entre muitos outros. Em artigo célebre, o jurista Miguel Reale descreveu a lei como “a Constituição do homem comum”.  

Mudanças

– Logo no artigo 1º, um dos relatórios parciais já apresentados propõe um novo parágrafo para inserir no Código Civil os direitos e deveres previstos em tratados internacionais aderidos pelo Brasil, a chamada “personalidade jurídica internacional”.

– No artigo 2º, o texto da relatoria-geral propõe inserir a previsão de que a personalidade civil “termina com a morte encefálica”, o que é visto como uma tentativa de facilitar a doação de órgãos, por exemplo. 

– Outra proposta prevê que os animais passem a ser considerados “objetos de direitos” de natureza especial, na condição de “seres vivos dotados de sensibilidade e passíveis de proteção jurídica”. O ponto traz para o Código Civil interpretações que já tem sido feitas no dia a dia do Judiciário, que precisa lidar, por exemplo, com a tutela de bichos de estimação no caso de separação de casais. 

– No livro de direito de família foi proposta a mudança de nome para “das famílias”, no plural. Foi proposta também a criação de uma nova figura jurídica, chamada de “convivente”, além do “cônjuge”, para descrever as uniões estáveis. 

– Relatório parcial prevê a exclusão do cônjuge ou convivente como herdeiro necessário. Isso significa que o companheiro ou companheira pode ser excluído da herança, sendo obrigatório somente descendentes e ascendentes entre os herdeiros. Segundo justificativas de membros da comissão, a intenção é atualizar o Código Civil em relação aos relacionamentos muito mais fluidos na atualidade. 

– Uma das propostas é a inserção de um livro novo no Código Civil, para tratar de direito digital. Alguns dos artigos, por exemplo, preveem a validade das locações por meio de aplicativo, como de carros, quartos ou casas. Outro ponto é a regulação das assinaturas eletrônicas. 

– O Código Civil atual prevê que todos que possuem alguma propriedade têm o direito de manter a posse sobre ela em caso de turbação ou esbulho, e de ter essa posse protegida. Uma das propostas apresentadas prevê que esses direitos poderão ser exercidos também coletivamente, “em caso de imóvel de extensa área que for possuído por considerável número de pessoas”. 

Uso de imóveis privados para tortura une civis e militares na ditadura

Uma casa discreta em um bairro residencial, um sítio usado para churrascos em fim de semana e até uma sala do complexo industrial de uma multinacional, lugares com pouco em comum, além de terem sido usados para tortura e execuções. Ao longo dos anos, pesquisadores e ativistas têm lembrado em diversos momentos que a ditadura que comandou o Brasil entre 1964 e 1985 não era apenas militar, mas foi conduzida também por tentáculos civis. Inclusive a violenta repressão contra os opositores teve participação de agentes sem vínculo direto com os quartéis.

Essas conexões ficam claras na existência de diversos pontos onde eram conduzidos interrogatórios e desaparecimentos forçados fora de qualquer estrutura militar ou governamental. Apesar de conhecidos, o caráter completamente não oficial desses imóveis em relação a estruturas públicas deixou poucas evidências para que seja possível saber exatamente quantos eram e o que se passou nesses locais.

“Esses espaços clandestinos possibilitaram uma articulação exatamente para fora das institucionalidades. E isso acho que dava mais margem para organizações paralelas atuarem nesses espaços. Ao mesmo tempo em que também criava laços de participação da sociedade civil nesses processos”, diz a historiadora e pesquisadora do Memorial da Resistência Julia Gumieri.

A existência desses locais surge em diversas investigações feitas sobre os crimes cometidos pela ditadura ao longo dos anos. A Comissão Nacional da Verdade mapeou a existência de centros de tortura em vários estados, como Rio de Janeiro, Pará e Minas Gerais.

Na comissão parlamentar de inquérito (CPI) aberta pela Câmara Municipal de São Paulo em 1990, as investigações passaram por um sítio apontado como local de tortura e execuções em Parelheiros, extremo sul paulistano.

Ossadas de presos políticos no Cemitério Dom Bosco, em Perus, São Paulo – Marcelo Vigneron/Memorial da Resistência

O alvo inicial dos trabalhos da CPI era a vala clandestina no Cemitério Dom Bosco, em Perus, zona norte paulistana, onde foram ocultados os restos mortais de opositores assassinados pela repressão. Porém, os trabalhos também investigaram a existência da Fazenda 31 de Março, na região de Marsilac, no extremo sul da capital paulista, próximo à divisa com Itanhaém e Embu-Guaçu.

Difícil identificação

Havia a suspeita de que esse teria sido o lugar para onde o dramaturgo e militante Maurício Segall, filho do pintor Lasar Segall, foi levado ao ser sequestrado pelo regime. Ao depor na Câmara Municipal, Segall não reconheceu o local pelas fotos apresentadas pelos vereadores.

“Estou olhando isto aqui e diria que não é a casa onde estive. Por duas razões: a primeira é que, mesmo vendado – isso me lembro perfeitamente – eu desci uma escadinha de onde o carro estava parado para chegar à entrada da casa. Isso me lembro na ida e na volta. Eu ia meio amparado, porque estava vendado. E aqui, me parece pelo menos, não há possibilidade de ter escada, não tem nada”, respondeu ao ver as fotos do local na investigação feita pelos vereadores em 1990, puxando da memória o que havia passado em 1970.

Escritor e ex-preso político Ivan Seixas foi coordenador da Comissão Estadual da Verdade de São Paulo  – Arquivo Pessoal/Memorial da Resistência

A fazenda era de propriedade do empresário Joaquim Rodrigues Fagundes, que morreu antes de ser ouvido pela CPI. O escritor e ex-preso político Ivan Seixas disse que o filho de um dos militares que frequentavam o sítio contou que o local também servia de ponto de confraternização para os agentes da repressão. “Tinha o filho de um milico, do capitão Enio Pimentel Silveira, que era funcionário da prefeitura. A gente pediu e ele concordou em ir [até a Fazenda 31 de Março], porque ele ia lá para churrascos. O pai dele e o [delegado Sérgio] Fleury faziam churrascos e levavam os filhos”, disse em entrevista à Agência Brasil. Seixas foi coordenador da Comissão Estadual da Verdade de São Paulo e assessor especial da Comissão Nacional da Verdade.

É provável que Segall não tenha reconhecido o local porque a equipe do delegado Sérgio Fleury o levou para outro sítio, em Arujá, na Grande São Paulo, a norte da capital. Diversos depoimentos relatam que o delegado, um dos mais conhecidos torturadores da ditadura, tinha a sua disposição uma chácara, que nunca teve localização exata identificada.

Durante o tempo que esteve preso nesse sítio, Segall presenciou a morte de Joaquim Ferreira Câmara, conhecido pelo codinome de Toledo, um dos líderes da Ação Libertadora Nacional (ALN). Segundo relato de outro conhecido agente da repressão, Carlos Alberto Augusto, chamado de Carlinhos Metralha, após ser capturado no Rio de Janeiro e ficar em cativeiro em diversos locais, Eduardo Collen Leite, o Bacuri, também teria passado pelo sítio usado por Fleury em Arujá.

“O sítio aparentemente tinha dois quartos, uma sala/cozinha e um banheiro. Os choques elétricos aplicados no pau-de-arara eram gerados num aparelho, acionado por manivela manual”, contou Segall em depoimento à Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos. Também estavam presos no local Viriato Xavier de Mello Filho e Maria de Lourdes Rego Melo.

Durante a tortura, o artista viu um homem, que depois identificou como sendo Joaquim Câmara, com sintomas de um ataque cardíaco. Apesar de ter recebido atendimento médico, o líder da ALN morreu no local, o que fez com que os demais presos fossem levados de volta para o Departamento de Ordem Política e Social (Dops), no centro da capital paulista.

Também pertencente ao empresário Joaquim Rodrigues Fagundes, dono da transportadora Rimet e da Fazenda 31 de Março, a chamada Casa da Mooca era utilizada para manter presos durante dias opositores da ditadura. O relatório final da Comissão da Verdade da Assembleia Legislativa de São Paulo denuncia que o imóvel localizado na Rua Fernando Falcão, no bairro da Mooca, zona leste paulistana, foi colocado a serviço da repressão na década de 1970. Segundo o documento, o local também pode ter sido usado como cativeiro para Bacuri.

Lugares ainda não revelados

Sair vivo de um lugar como esse não era a regra. “Foram poucos sobreviventes desses espaços de modo geral, exatamente porque, como eles não eram parte das estruturas oficiais, o objetivo não era prender. O objetivo era recolher informações, torturar e executar, porque você não pode ter sobreviventes, testemunhas desses espaços não oficiais”, explica Julia Gumieri.

Sem registros e sem testemunhas, é possível, segundo a pesquisadora, que alguns desses locais não tenham sequer sido mencionados nas investigações feitas até agora. “Imaginando o que se perdeu de documentação não localizada e mesmo de falta de sobrevivente que os próprios colegas de militância não souberam, é muito provável que tenha existido muito mais, que seja uma camada ainda pequena que a gente sabe sobre”, acrescenta a historiadora.

 Sítio 31 de Março, onde teriam sido mortos os militantes Sônia Angel Jones e Antônio Carlos Bicalho Lana – Wikipedia

Na Fazenda 31 de Março, teriam sido mortos em 1973 os militantes da ALN Sônia Angel Jones e Antônio Carlos Bicalho Lana. Na CPI de 1990, o ex-deputado Afonso Celso, único sobrevivente conhecido do sítio, contou sobre o que passou lá. Apesar de vendado, ele se lembrava que atravessou uma linha férrea para chegar ao local. “Fui conduzido para um subterrâneo, ou uma sala subterrânea ou coisa assim, porque existiam quatro degraus. Quatro degraus, não, quatro lances de escada, e lá imediatamente me despiram e passaram a me torturar”, relatou aos vereadores.

“Eu provavelmente desmaiei ou qualquer coisa assim, das sevícias de que fui vítima. Depois acordei e vejo que me botaram já num outro tipo de tortura, que não era mais pau-de-arara”, segue a história contada por Celso. “Me puseram no que eles chamavam ‘piscina’, que era uma espécie de poço, de fundo cimentado, mas cheio de lodo. Eu pisava no lodo, e ali eles brincavam de afogamento. Me sufocavam, me afogavam”, disse na ocasião.

Fazenda em Araçariguama, na Rodovia Castelo Branco, usada para tortura e execução de opositores ao regime – Andréia Lago/Memorial da Resistência

Outros lugares só foram conhecidos por revelações dos próprios agentes da repressão, como Marival Chaves Dias do Canto, ex-sargento que atuou no Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-Codi). Mesmo estando dentro de um dos maiores centros de tortura da ditadura, Chaves negou ter participado desse tipo de violência ou operações de repressão na rua. Fez revelações em diversos depoimentos, tanto a CPI da Vala de Perus, como também a Comissão Nacional da Verdade. Foi o ex-agente da repressão que identificou a Boate Querosene, em Itapevi, e o Sítio em Araçariguama como locais usados para tortura e execução de opositores ao regime.

Em outros casos ainda existem dúvidas e lacunas. Até hoje não se sabe o local onde, em 1978, Robson Luz foi torturado e morto após ser preso acusado de roubar uma caixa de frutas. O processo relativo ao caso, que à época causou indignação e levou à formação do Movimento Negro Unificado, só foi desarquivado em 2022.

Ao analisar a documentação, a pesquisadora Renata Eleutério, do Centro de Pesquisa e Documentação Histórica Guaianás, diz que as informações são de que ele foi preso no 44º Distrito Policial, de Guaianases, zona leste paulistana. Porém, há indícios de que ele foi levado para outro local no período em que esteve sob poder dos policiais. “No processo, em um dos depoimentos, o rapaz indica que ele foi retirado daquela delegacia e levado para outro lugar. E aí depois foi jogado na delegacia, retirado de lá e jogado em qualquer outro canto”, revela a pesquisadora.

Não há clareza, no entanto, do local onde Luz teria recebido pancadas e choques elétricos. Mas existem diversos indícios de que alguns agentes da repressão à oposição política também atuavam na execução de presos por crimes comuns, como no caso da acusação feita contra Luz. “As estruturas e os executores estavam muito em diálogo, eventualmente eram até os mesmos, como o Esquadrão da Morte [grupo de extermínio], que era um grupo de policiais da Polícia Civil vinculados ao Dops [Departamento de Ordem Política e Social]”, exemplifica Julia Gumieri.

Boate Querosene, em Itapevi, foi identificada como local de tortura por um agente da repressão  – Cacalos Garrastazu/Memorial da Resistência

Não foi identificado, porém, até o momento que as casas e sítios usados pela repressão tenham abrigado outras atividades. “Eu não posso afirmar que o Esquadrão da Morte se utilizou de um desses espaços. Mas, se o Fleury é um delegado da polícia que é ativo nos processos de extermínio, tortura, e compõe o Esquadrão da Morte, assim, eventualmente, ele pode usar o mesmo espaço”, pondera a pesquisadora.

Essa rede de imóveis sem nenhuma ligação formal com o Estado é um aprofundamento dos procedimentos ilegais e clandestinos que já aconteciam no DOI-Codi e outras instalações militares. O que só era possível devido às diversas formas de apoio de empresários ao regime, com cessão de espaços, veículos, financiamento direto e até vigilância sobre os próprios empregados. A montadora Volkswagen reconheceu que ajudou a repressão a perseguir os próprios funcionários. O ferramenteiro Lúcio Bellentani contou que foi torturado dentro do complexo industrial em São Bernardo do Campo. A empresa fez um acordo de reparação com o Ministério Público Federal.

Doutrina de guerra

A tortura não era uma novidade para as instituições brasileiras. Na ditadura de Getúlio Vargas, os opositores também eram perseguidos e presos. “Durante os outros períodos, a repressão política era uma repressão feita por órgãos oficiais. Prendia, torturava e soltava”, diz Ivan Seixas. A ditadura instaurada a partir do golpe de 1964, no entanto, incorporou uma visão de guerra contra a própria população, baseada, em grande parte, nas guerras coloniais da França na Indochina (Vietnã) e na Argélia.

“A doutrina da guerra revolucionária, como os franceses chamavam, foi um elemento-chave para preparar a organização e a estruturação dos serviços de informação brasileiros, que foram calcados nos serviços de informações franceses durante a Guerra da Argélia [1954 a 1962]”, diz o pesquisador Rodrigo Nabuco de Araújo, autor do livro Diplomates en Uniforme [Diplomatas de Farda], que trata da atuação dos militares franceses a partir dos serviços de diplomacia no Brasil entre 1956 e 1974.

O nome mais conhecido por trazer as expertises francesas para o Brasil é o general Paul Aussaresses. Antes de morrer, em 2013, o oficial reconheceu ter utilizado a tortura para combater a insurgência argelina. “Ele disse que torturou, que matou, que formou torturadores, e por isso ele acabou perdendo tudo. Ele perdeu a patente de general, perdeu o salário de aposentadoria de general. Foi um golpe muito grande que ele levou depois de ter dito tudo o que disse”, contextualiza Araújo antes de afirmar que Aussaresses não foi o principal responsável por trazer as estratégias francesas para o Brasil.

“Tem um outro que é muito mais insidioso do que o que o Aussaresses que é o Yves Boulnois”, destaca o pesquisador. Chegando ao Brasil em 1969, o coronel francês ajudou, segundo Araújo, na estruturação do DOI-Codi e esteve presente nas operações contra a guerrilha comandada por Carlos Lamarca no Vale do Ribeira. “Ele participou da organização da operação e depois da supervisão, da análise dos dados que foram colhidos durante os interrogatórios, durante as torturas”, detalha Araújo a respeito do papel estratégico de Boulnois.

O coronel chegou ao Brasil em 1969 como adido militar. Em correspondência enviada ao então ministro dos Exércitos da França, Pierre Messmer, Boulnois informava sobre os avanços na estruturação das forças da repressão brasileiras. “Com vários meses de treinamento adequado, cada unidade é, agora, capaz, independente de qual seja a missão específica, de participar de uma operação de guerrilha”, escreveu ao superior em correspondência acessada por Araújo e disponibilizada em seu livro.

 

Hierarquias paralelas

A experiência francesa de enfrentar guerrilhas em um ambiente urbano, como aconteceu na Argélia, influenciou, segundo o pesquisador, na criação da Operação Bandeirante, que reprimiu os grupos armados que lutavam contra a ditadura em São Paulo. “Os militares do 2º Exército em São Paulo se inspiraram amplamente das sessões administrativas especiais, que eram organizações civis e militares na Guerra da Argélia, para estruturar a Operação Bandeirantes e transformar essa experiência da guerra colonial francesa, na Guerra da Argélia, em algo possivelmente utilizável no Brasil”, explica Araújo.

“Se inspirou nessa centralização da informação, que é o caso francês, dessa reunião de civis e militares em um só comando, e da organização das operações, o que eles chamavam de hierarquias paralelas. Quer dizer, que você tinha uma rede de comando, uma hierarquia de comando que vem de cima para baixo, mas você tinha uma hierarquia paralela, uma organização e uma estrutura clandestina”, detalha o pesquisador.

As teorias dos militares franceses surgem também da tentativa de entender a derrota para as forças de libertação das antigas colônias. “Tinha a ver com uma negligência dos militares da dimensão política e psicológica do conflito”, diz a respeito das conclusões dos oficiais o coordenador do Laboratório de Análise em Segurança Internacional e Tecnologias de Monitoramento da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), Acácio Augusto.

O papel da tortura

“Para essa teoria, a sociedade está dividida em três grupos”, explica o professor. Esse pensamento estratégico parte, segundo ele, do princípio de que há uma minoria ativa, que luta contra a dominação colonial, no caso das ex-colônias francesas, ou contra a ditadura, no caso do Brasil. Há os apoiadores dos processos de dominação e há  “uma grande maioria, que eles chamam de neutra e pacífica, e que está à mercê de ser conquistada pela causa revolucionária, que deve ser disputada pelas forças da ordem”.

Por isso, para além do enfrentamento militar, foi feito, de acordo com Augusto, um esforço para evitar que o conjunto da população simpatizasse ou apoiasse os grupos de resistência. Ao mesmo tempo, os grupos de oposição são tratados como inimigos e desumanizados. “A tortura não era um ato de barbárie, não era um excesso do regime, era a própria forma de atuação do regime, inclusive gerida cientificamente. A ideia da tortura era produzir informação”, enfatiza.

O desaparecimento dos torturados, principalmente os que nunca foram registrados em estruturas oficiais do Estado, serve, segundo Araújo, a alguns propósitos. Por um lado, evita a responsabilização e repercussão pública das mortes, enquanto, por outro desestabiliza os opositores do regime.

“É uma forma de você criar uma incerteza muito grande em torno do que aconteceu com essa pessoa e dessa forma de criar uma impunidade em torno das pessoas que cometeram esses crimes”, diz o pesquisador.

O general francês Aussaresses, que ficou conhecido pelos cursos relacionados a tortura que promovia em Manaus, é também, segundo Araújo, protagonista de um evento que ilustra como a violência era instrumentalizada pelos colonialistas. “Ele solicitou o estádio de futebol da cidade. Ele torturou os presos em frente uns dos outros, depois matou todo mundo. Abriu uma vala comum, jogou todos os corpos ali, jogou cal quente em cima, e em cima disso ele jogou concreto armado. Quer dizer que não tem como saber quem está enterrado ali. Todos desapareceram”, conta o historiador sobre os fatos ocorridos na antiga cidade de Philippeville, atual Skikda, na Argélia.