A Petrobras espera concluir no primeiro trimestre de 2025 o segundo Centro de Reabilitação e Despetrolização de Fauna (CRD) relacionado à margem equatorial. A unidade ficará no Oiapoque, no Amapá, extremo norte do país.
Hoje já existe um no Pará. A construção das duas bases de acolhimento é uma das condições para a empresa obter a licença de exploração na região, considerada o novo pré-sal.
O primeiro CRD fica em Belém e está pronto para receber a fauna marinha em caso de vazamentos durante a fase de perfuração de poços na nova fronteira exploratória, tida como grande potencial petrolífero.
“A gente está falando do plano de proteção à fauna que faz parte do plano de emergência dessa atividade, que é a perfuração de poços”, explica a gerente geral de Segurança, Meio Ambiente e Saúde da Petrobras, Daniele Lomba.
Ela acrescenta que o CRD é uma última ação para o caso de barreiras preventivas e de monitoração não serem suficientes para evitar acidentes e impactos ao meio ambiente.
“Se tudo falhou, aí a gente tem esse plano de emergência”, completa ela, afirmando que a Petrobras não tem histórico de vazamento durante perfuração de poços.
Margem equatorial
A margem equatorial ganhou notoriedade nos últimos anos. Descobertas recentes de petróleo e gás no litoral da Colômbia, Guiana, Guiana Francesa e do Suriname mostraram o potencial petrolífero da região, localizada próxima à linha do Equador.
No Brasil, se estende a partir do Rio Grande do Norte e segue até o Amapá. A Petrobras tem 16 poços na nova fronteira exploratória, no entanto, só tem autorização do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) – órgão ligado ao Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima – para perfurar dois deles, na costa do Rio Grande do Norte.
A exploração é criticada por ambientalistas, preocupados com possíveis danos ambientais. O Ibama negou a licença para áreas como a da Bacia da Foz do Amazonas, identificada como FZA-M-59. O bloco se encontra a 175 quilômetros (km) da costa, em uma profundidade de 2.880 km. Apesar do nome Foz do Amazonas, o local fica a 540 km da foz do rio propriamente dita.
A Petrobras insiste que a produção de óleo a partir da margem equatorial é uma decisão estratégica para que o país não tenha que importar petróleo no horizonte de dez anos.
Um estudo da Empresa de Pesquisa Energética (EPE) estima que o volume potencial total recuperável da Bacia da Foz do Amazonas pode chegar a 10 bilhões de barris de óleo equivalente. Para efeito de comparação, dados da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) mostram que o Brasil tem 66 bilhões de barris entre reservas provadas, prováveis e possíveis.
Fauna marinha
A Agência Brasil visitou a instalação de Belém, que ficou pronta em fevereiro de 2023 e conta com seis profissionais entre veterinários, biólogos e tratadores, de prontidão para o caso da chegada de algum animal atingido por vazamento de óleo. O imóvel fica em uma área de 3 mil metros quadrados em Icoaraci, distrito de Belém.
Belém (PA) 13/12/2024 – A bióloga Elisa Vieira, da área de Segurança, Meio Ambiente e Saúde da Petrobras, no Centro de Reabilitação e Despetrolização de Fauna na Margem Equatorial. Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil
A bióloga Elisa Vieira aponta o CRD como um dos mais modernos centros de atendimento a animais do país.
“A estrutura prevê já todas as etapas de atendimento ao animal, recepção, triagem, estabilização, etapa de lavagem, de secagem. Tem todos os recintos para aves, tartarugas e mamíferos marinhos [peixe-boi e cetáceo, por exemplo]”, descreve a analista ambiental da Petrobras.
“Inclui também uma estrutura de corredor de voo que auxilia as aves antes de elas poderem ser soltas na natureza”, complementa.
Dentro da unidade estão armazenados alguns dos equipamentos que serão instalados na base do Oiapoque, que será semelhante à paraense.
Em áreas como o ambulatório, quarentena e estabilização, os animais podem receber atendimento individualizado, como regulação de luminosidade e temperatura. Além de procedimentos simples como pesagem, a base tem estrutura para procedimentos como exame de sangue, anestesias e medição de parâmetros cardíacos e respiratórios.
A veterinária Stephane Franco comenta que, diferentemente do que possa imaginar o senso comum, na chegada de animais vítimas de derramamento de óleo, a prioridade não é a retirada do óleo, e sim a estabilização do animal.
“Quando o animal chega no centro de reabilitação oleado, vai precisar primeiro passar por uma avaliação clínica. Ele pode estar muito magro porque não conseguiu se alimentar direito por conta do óleo, com uma temperatura muito baixa”, diz.
“Se a gente levar para ser lavado, a chance desse animal vir a óbito é muito grande, porque ele não está estável, não vai ter energia para sobreviver ao processo de lavagem, que é muito exaustivo, estressante para os animais. Quando estiver com todos os parâmetros regulares, aí sim vai para o processo de lavagem, secagem e enxágue”, orienta.
Belém (PA) 13/12/2024 – A veterinária Stephane Franco mostra equipamentos para regulagem de temperatura corporal de animais. Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil
A lavagem é feita em tanques com detergente neutro. O enxágue é com água corrente, que pode ter a temperatura regulada. Lâmpadas aquecidas ajudam na secagem. Quando prontos para o processo de recuperação, os animais ocupam áreas externas, como viveiros e piscinas.
O CRD conta com um processo de tratamento da água utilizada, fazendo com que óleo e produtos químicos sejam separados e não poluam o ambiente.
Tempo de resposta
A construção do centro de acolhimento animal de Belém custou cerca de R$ 4,5 milhões, segundo a bióloga Elisa Vieira, sendo R$ 900 mil em equipamentos. Além das instalações, o plano de proteção à fauna da Petrobras conta com duas embarcações, um helicóptero e um carro, que ficam de prontidão para transportar animais do local de um possível vazamento ao centro de despetrolização.
A Petrobras calcula que, no caso de uma ocorrência no local de perfuração dos poços, um animal impactado poderia chegar à base de Belém em um período de 22 horas a 31 horas, a depender do tipo de embarcação e condições de mar. Esse tempo de resposta foi um dos pontos sinalizados pelo Ibama. Em resposta, a Petrobras decidiu para construção do CRD do Oiapoque, que fica a 12 horas do local de perfuração do bloco FZA-M-59.
O CRD de Belém possui licença ambiental estadual expedida pela Secretaria de Meio Ambiente e Sustentabilidade do Pará. Durante o processo de avaliação de autorização para exploração na margem equatorial, o Ibama realizou vistorias na instalação.
“A estrutura atendeu as necessidades e especificações estabelecidas no Manual de Boas Práticas para o atendimento do Projeto de Monitoramento de Impactos de Embarcações sobre a Avifauna (PMAVE) e do Plano de Proteção à Fauna (PPAF) da Petrobras para a atividade de perfuração de FZA-M59”, registra o parecer técnico.
Capacidade
O Centro de Reabilitação e Despetrolização de Fauna de Belém é preparado para atender 25 animais, mas com capacidade de expansão. Como ele foi projetado para acolher animais vítimas de vazamento de petróleo, a Petrobras espera que não haja acidentes, e o centro fique sem animais atingidos por óleo.
Mas para que a base não fique vazia, a estatal pretende utilizar a base como acolhimento para a fauna marinha com outros tipos de necessidade que não sejam referentes à exploração e produção nos poços na margem equatorial.
Belém (PA) 13/12/2024 – Sala do Centro de Reabilitação e Despetrolização de Fauna mantido pela Petrobras. Foto:Fernando Frazão/Agência Brasil
“Na fase de produção, a gente tem um projeto chamado de monitoramento de praia. A gente dá atendimento para qualquer fauna machucada encontrada nas praias”, explica a gerente Daniele Lomba.
A bióloga Elisa Vieira acrescenta que, mesmo sem estar recebendo animais, o CRD qualifica profissionais para atendimento à “fauna oleada”, formando um banco de profissionais que já conta com 50 pessoas e deve formar mais 100. “Já é um legado”, considera.
Perfuração
A busca pela licença de exploração de petróleo no bloco FZA-M-59 da margem equatorial se iniciou em 2013, quando a petrolífera multinacional britânica BP arrematou a licitação da área. Por decisão estratégica, a companhia repassou a concessão para a Petrobras em 2021.
Em maio de 2023, o Ibama negou a autorização. Os principais argumentos listados pelo órgão ambiental para a rejeição do pedido foram a necessidade de realização de estudos de caráter estratégico (Avaliação Ambiental de Área Sedimentar) na Bacia da Foz do Amazonas; eventuais impactos sobre comunidades indígenas devido ao sobrevoo de aeronaves no Oiapoque; e o tempo de resposta e atendimento a fauna atingida por óleo, em caso de vazamento.
A Advocacia-Geral da União contestou os dois primeiros pontos. “A gente colocou mais uma unidade no Oiapoque, reduzindo bastante o tempo de deslocamento”, diz a gerente Daniele Lomba sobre a terceira sinalização.
Ainda em maio de 2023, a Petrobras pediu reconsideração. Em outubro de 2024, o presidente do Ibama pediu uma série de esclarecimentos adicionais à estatal, que os respondeu em novembro. Não há prazo para a resposta do instituto, mas a Petrobras acredita que haverá uma decisão no primeiro trimestre de 2025.
Questionado pela Agência Brasil se a construção da base no Amapá é suficiente para a Petrobras obter o licenciamento ambiental, o Ibama informou que “tal posicionamento só é possível após a conclusão das análises em curso”.
Prejuízos
Daniele Lomba avalia que a demora em obter licença para explorar a Bacia da Foz do Amazonas causa prejuízos para o país e para a Petrobras.
“Tem um custo para o país de não conhecer o potencial de reservas. É objetivo do país preservar o meio ambiente, mas é o objetivo também, e está na Constituição, conhecer seu potencial energético, explorar seus recursos em prol do desenvolvimento da sociedade”.
Ela acrescenta que sem a descoberta de poços, o país ficará suscetível a ter que importar petróleo.
Em relação à empresa, a gerente calcula que está em torno de R$ 1 bilhão de prejuízo. “Tem todos os contratos, todo investimento que a gente fez”.
*A equipe da Agência Brasil viajou a convite da Petrobras