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Quase 8% dos processos de adoção de criança são desfeitos, mostra CNJ

“A gente já mudou o nome”, diz, orgulhosa, a jornalista Leonor Costa, ao informar o nome completo da filha Safyra, de 6 anos, adotada em 2023. A adoção, além de simplesmente ter dado um lar e uma família para a Safyra, evitou que a menina vivenciasse uma situação traumática: o retorno a um abrigo após ter sido devolvida por outra mãe adotiva.

Moradora de Brasília, a jornalista conta que Safyra já tinha passado por dois abrigos e estava vivendo com uma “família acolhedora” – um programa que insere a criança de forma provisória em um lar até ela ser adotada definitivamente. “É muito melhor que estar em um abrigo”, diz.

No começo de 2023, uma pretendente iniciou, com aval da Justiça, um período de aproximação com a menina. O processo começa com visitas e vai avançando a convivência gradativamente. Cerca de um mês depois do primeiro contato e, após ter levado a Safyra para passar um fim de semana em casa pela primeira vez, a potencial mãe comunicou à Vara da Infância e da Juventude que tinha desistido do processo.

“A Safyra já a estava chamando de mãe”, conta Leonor à Agência Brasil.

A menina voltou para a família acolhedora, no entanto com um novo problema. Estava se esgotando o tempo em que ela poderia ficar no lar provisório. Se não fosse adotada em alguns meses, voltaria para um abrigo. “Voltar ao abrigo seria o pior sofrimento que essa criança poderia passar”, afirma Leonor.

Foi nesse ínterim que a jornalista recebeu a ligação da Vara da Infância indicando que havia uma criança dentro do perfil que ela tinha indicado ainda em 2017, quando se dispôs a entrar na fila de adoção.  

Em 2018, Leonor descobriu que o diagnóstico de infertilidade que tinha recebido de um médico era errado e acabou engravidando. Mesmo assim, não retirou o nome da fila de espera para adoção.

“A gente disse que sim, que seguiria com o processo”, relembra ela da resposta que deu à Vara da Infância.

A jornalista Leonor Costa e sua filha Safyra, adotada há um ano – Bruno Peres/Agência Brasil

Casos desfeitos

Casos de interrupção de processos de adoção, como o que envolveu Safyra antes de se unir a Leonor, fazem parte de uma estatística revelada pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), órgão de transparência e controle do Poder Judiciário. De cada 100 crianças em guarda provisória de processo de adoção no Brasil, aproximadamente oito tiveram o processo desfeito. Isso representa 1.666 crianças. Foram analisados dados partir de 2019.

O estudo inédito foi feito com base em entrevistas com equipes de unidades de acolhimento, representantes do Poder Judiciário envolvidos em processos adotivos e dados do Sistema Nacional de Adoção e Acolhimento (SNA), que contabilizou 21.080 crianças e jovens em processo de guarda provisória desde 2019. Ou seja, o percentual de interrupções foi de 7,9%.

No caso de Safyra, o desejo de Leonor impediu que a menina fosse para um abrigo.

“Deu certo. Estamos com ela já tem um ano. Agora saiu a sentença, ela já é nossa filha perante o Estado. Ela já tem a nossa certidão, já é nossa filha definitivamente”, comemora. “A gente já a conquistou, ela está bem ambientada, entendeu que essa é a família dela, chama minha outra filha de irmã o tempo todo, mamãe e papai”, conta a mãe.

Leonor explica que Safyra é neurodivergente. Ela acompanhava a menina na terapia, quando conversou com a Agência Brasil. “A gente está vendo se é um grau de autismo, de deficiência intelectual ou de TDAH [Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade]”, descreve.

“Agora ela está supertranquila, mas ela era uma criança muito agitada”, diz. “A moça não conseguiu, disse que não ia dar conta, ela é sozinha. Eu não condeno”, conta ao se referir ao processo anterior de adoção de Safyra.

A pesquisa do CNJ está disponível neste endereço e foi apresentada em um seminário online no último dia 21. Clique aqui para assistir à íntegra do seminário.

O Sistema Nacional de Adoção foi criado pelo CNJ, órgão de transparência e controle do Poder Judiciário, e traz dados como os perfis de crianças aptas à adoção e dos pretendentes.

No universo avaliado, de 21.080 crianças, não estão incluídas as que passam pela chamada “adoção pronta”, casos que costumam ocorrer dentro da própria família, em que o adotante não precisa ter cadastro prévio no SNA. Em alguns casos, por exemplo, os pais biológicos decidem passar a guarda da criança para terceiros sem notificarem a Justiça.
 

Adoção legal

No processo de adoção legal, os pretendentes precisam passar por etapas para se tornarem habilitados. Eles são submetidos a análise de documentação, avaliação psicossocial e precisam participar de um programa de preparação para adoção.

Uma vez habilitados, entram na fila do SNA. Após esse cadastramento, ocorre a vinculação, quando o perfil de criança indicado pelo pretendente corresponde ao perfil de uma criança em unidade de acolhimento, respeitando a fila no cadastro. Até esse momento, crianças e adultos ainda não se conhecem.

A partir de então, o pretendente passa a conviver com a criança de forma monitorada pela Justiça e pela equipe técnica, em um processo de aproximação. O convívio é gradual e se realiza por meio de visitas ao lugar em que a criança vive ou por meio de pequenos passeios.

Se a aproximação se mostrar bem-sucedida, começa o estágio de convivência, em que a criança ou o adolescente passa a morar com o postulante. Ainda há o acompanhamento da equipe técnica do Poder Judiciário. O estágio de convivência tem prazo máximo de 90 dias, prorrogável por igual período.

O levantamento do CNJ também contabilizou casos de reversões que aconteceram depois de a adoção ter se tornado definitiva. Foram 139 registros em um universo de 17.946 (0,8%).

A legislação brasileira diz que adoção é um ato irrevogável. No entanto, o estudo do CNJ ressalta que pais adotivos que optam por voltar atrás na decisão de adotar uma criança conseguem desfazer o compromisso.

“O Juízo da Infância acaba atendendo a esse pedido e reacolhendo a criança”, frisa o estudo, ressaltando que a decisão é baseada no bem-estar dos adotados.

Desistência durante guarda

O levantamento do CNJ não aponta objetivamente o motivo que levou os pais adotivos a desistirem da adoção, mas mapeou o perfil das crianças que tiveram que voltar ao sistema de adoções. Para buscar possíveis indícios de motivações, os pesquisadores compararam o perfil das pessoas adotadas com as que tiveram o processo revertido.

A análise apontou que os perfis de crianças que voltaram aos pontos de acolhimento se diferenciam em questões como idade, diagnóstico de deficiência mental, problema de saúde tratável e uso contínuo de medicamentos.

Por exemplo, a proporção de crianças com mais de 5 anos no grupo das que tiveram o processo interrompido é muito maior que entre as adotas. Pessoas com mais de 5 anos são 22,7% dos casos de adoção e 54,1% dos casos de processos desfeitos.

Leonor faz parte de uma comunidade de pais adotivos e relata o caso de adoção de uma criança de 9 anos que terminou em retorno para unidade de acolhimento. “A criança começou a querer muito a presença da genitora”. Segundo ela, os pais adotivos insistiram no processo, mas não foi possível demover a criança da ideia de voltar para o abrigo. “É um trauma para todo mundo”, constata.

Em relação a deficiência mental, o CNJ mostra que 2,5% dos adotados apresentavam diagnóstico, enquanto entre os que tiveram o processo desfeito, eram 4,4%. Em relação ao uso de medicamentos, os percentuais são 7,5% entre as crianças adotadas e 17,3% entre as que voltaram para abrigos.

“Se tiver transtorno mental, alguma deficiência intelectual ou algum nível de autismo, isso é um fator que pesa e que as famílias não conseguem sustentar esse desejo da adoção de crianças com esse perfil”, respondeu aos pesquisadores uma equipe técnica de psicologia.

Em relação a cor, crianças negras (conjunto de pretas e pardas) foram 59% das adotadas e 68% das com processo desfeito. Por outro lado, as brancas representam 39,6% das adotadas e 31,3% das que voltaram para o acolhimento.

Desistência após conclusão

No grupo das crianças que tiveram que retornar a abrigos após a conclusão do processo de adoção, ou seja, já depois da guarda provisória, pessoas com mais de 15 anos são 9,4% dos casos de adoção e 46,2% dos casos revertidos.

Em relação a deficiência mental, 2% dos adotados apresentavam diagnóstico, enquanto entre os que voltaram para abrigos eram 10,1%.

Em relação ao uso de medicamentos, os percentuais são 7,9% entre as crianças adotadas e 22,3% entre as que tiveram o processo revertido.

Em relação a cor, crianças negras (conjunto de pretas e pardas) foram 57% das adotadas e 63% das que retornaram para o acolhimento. Por outro lado, as brancas representam 39% das adotadas e 34% das que voltaram.

Consequências

Além de apresentar perfis, a pesquisa indica encaminhamentos para que ocorram menos revogações de processos por parte dos adotantes, uma vez que esses episódios afetam a saúde psicológica e emocional das crianças e adolescentes.

Os entrevistados identificaram sentimentos de culpa, tristeza, baixa autoestima e transtornos como a depressão e questões comportamentais como quadros de agressividade.

A secretária aposentada Débora Teixeira Alli vivenciou essa consequência. Ela tem duas filhas adotadas. Uma delas é Alessandra Alli Marques, hoje com 22 anos e uma trajetória com marcas de uma devolução durante processo de adoção.

Aos 3 anos de idade, foi retirada pela Justiça da tutela da genitora, que vivia em situação de rua. Alessandra morou um ano e meio em um abrigo, até entrar em um processo para ser adotada por uma família.

Segundo Débora, por ter vivido nas ruas, Alessandra tinha um comportamento complicado, o que tornou difícil a convivência com a primeira família adotiva. Em menos de um ano, a pretendente, que já era chamada de mãe, pediu para encaminhar a menina de volta para o abrigo.

“Isso causou um trauma enorme na Alessandra”, constata Débora, que se tornou mãe da menina quando ela tinha 6 anos e meio.

Débora Teixeira e a filha Alessandra Marques – Débora Teixeira/Arquivo Pessoal

Débora explica que a filha tem leve deficiência intelectual, o que não a impede de trabalhar, a não ser que seja, por exemplo, mexendo com dinheiro. “Ela se dá muito bem, principalmente pelo convívio. É uma pessoa que, por onde passa, é amável, carinhosa, gentil. Todo mundo fica encantado com ela”.

Mesmo oferecendo lar, carinho e educação à filha, Débora percebe que a menina ainda continuou insegura em relação à plena aceitação pela nova família.

“Ela achava que se eu ficasse brava, eu iria devolvê-la”, conta. “Na porta da escola, por exemplo, ela vinha correndo, com medo de eu não estar lá”, acrescenta.

“É um trauma que tentei de todas as formas apagar na Alessandra. Não consegui. Ela teve psicólogo, psiquiatra, psicopedagoga, teve tudo e mais um pouco. Se eu ficava brava com ela, ela entrava em pânico com medo de que eu não fosse a querer mais”.

Débora acredita que um dos caminhos para passar segurança e acolhimento para a Alessandra e a outra filha, Ana Carolina Alli Marques, é enfatizar que elas não são um plano B.

“Elas eram tão desejadas quanto uma gravidez. Elas foram escolhidas”, afirma.

Ao lado da mãe, Alessandra conversou com a Agência Brasil. “Eu sou bastante feliz. É um sonho meu que eu queria muito”, disse sobre a vivência em família.

Recomendações

Entre as recomendações sugeridas pelos autores do estudo do CNJ estão padronização da avaliação dos pretendentes, de forma que seja mais fácil identificar motivações inadequadas para a adoção, expectativas irreais em relação à criança e despreparo para lidar com os desafios da adoção.

A jornalista Leonor Costa, a mãe da Safyra, faz questão de afirmar que não se pode haver romantização do ato de adotar uma criança. “As pessoas precisam ter compreensão do que está por vir. É importante saber que tem dificuldade, seus desafios”, sinaliza.

Outra iniciativa sugerida pelos pesquisadores é a promoção de programas de troca de experiências continuadas para os profissionais que atuam na avaliação e no acompanhamento dos pretendentes, com foco na identificação de fatores de risco comuns para pedidos de reversão dos processos de adoção.

De acordo com o coordenador acadêmico da pesquisa, Julio Adolfo Zucon Trecenti, é interessante que haja um protocolo mínimo, que tenha alguns quesitos a serem observados.

“A decisão sobre se a pessoa está preparada ou não também precisa ser baseada em critérios.”

Pode ser baseada na subjetividade e no conhecimento técnico das equipes, mas deve seguir algum protocolo mínimo que leve em conta um check list”, afirmou Trecenti durante o seminário de apresentação.

O estudo do CNJ aponta que “a rede de proteção ainda não oferece suporte psicológico e emocional que é essencial para crianças e adolescentes que são devolvidos em processo de adoção”.

“É fundamental investir na criação de programas e projetos específicos para oferecer suporte psicológico e emocional a esses indivíduos”, diz o texto, acrescentando que “esse acompanhamento pode ajudar a criança ou o adolescente a lidar com o trauma, a reconstruir sua autoestima e a desenvolver mecanismos de enfrentamento para os desafios futuros”.

 

Pesquisa mostra que brasileiros vinculam biocombustíveis a crescimento

Pesquisa mostra que os brasileiros vinculam a produção de biocombustíveis ao crescimento econômico do país. De acordo com levantamento da Nexus Pesquisa e Inteligência de Dados, divulgado nesta sexta-feira (22), 69% da população acreditam que o aumento da produção de biocombustível está diretamente ligado ao crescimento econômico do Brasil. A pesquisa foi encomendada pela Secretaria de Comunicação da Presidência da República.

O levantamento, que ouviu 2.004 pessoas no início de outubro, mostra ainda que 71% concordam que o investimento em biocombustíveis vai gerar mais empregos nas áreas rurais do país.

De acordo com a pesquisa, 66% dos entrevistados abastecem os carros, na maior parte das vezes, com gasolina ou diesel. Só 29% usam etanol como combustível principal. Entre as opções disponíveis, 77% disseram que os carros elétricos são a melhor alternativa para o país, seguido por etanol (40%) e Gás Natural Veicular (33%).

O levantamento mostra também que 62% dos entrevistados acreditam que as medidas para promoção de combustíveis do futuro trarão benefícios para o país.

No último dia 14, o Programa Nacional do Álcool (Proálcool) completou 49 anos. Segundo o Ministério de Minas e Energia, desde a implementação do programa, o etanol permitiu ao Brasil uma economia energética equivalente a mais de 2,5 bilhões de barris de petróleo, resultando em uma economia de cerca de US$ 205 bilhões em importações de gasolina ao longo das últimas cinco décadas.

O milho se consolidou como um importante aliado na produção de etanol, antes produzido exclusivamente a partir da cana-de-açúcar, representando atualmente quase 20% do total produzido no Brasil.

Atualmente, o governo federal busca consolidar iniciativas como a Lei do Combustível do Futuro, que entrou em vigor no último mês de outubro, com o objetivo de modernizar e expandir as fontes renováveis, mantendo o Brasil na vanguarda do desenvolvimento sustentável. A lei cria os programas nacionais do diesel verde, do combustível sustentável para aviação e de biometano. A nova legislação também aumenta a mistura de etanol e de biodiesel à gasolina e ao diesel.

O objetivo principal da lei é substituir os combustíveis fósseis no transporte terrestre, marítimo e aéreo por combustíveis sustentáveis. De acordo com o governo federal, esse é o maior programa de descarbonização da matriz de transportes e mobilidade do planeta.

Brasília recebe a 14ª Mostra de Cinema e Direitos Humanos

“Viver com dignidade é direito humano”, esse é o tema da 14ª Mostra Cinema e Direitos Humanos, que acontece em 27 cidades, até 30 de novembro. A ideia é promover o diálogo sobre temas como igualdade, justiça social e respeito à diversidade. E é de graça. Cada uma das produções locais vai ser conduzida por professores-produtores de instituições federais de ensino.

A mostra traz em sua programação mais de 20 filmes, entre curtas e longas-metragens, além de sessões infantis e debates mediados com convidados. A promoção é do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania.

Entre os filmes selecionados, o destaque é para produções que abordam temas como identidade, justiça social, inclusão e direitos humanos. 

Em Brasília, o festival vai ser aberto nesta quarta-feira (20), no Cine Brasília, às sete horas da noite, com apresentação cultural e a presença de representantes do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania, e da homenageada desta edição, a montadora Cristina Amaral. A mostra vai ser exibida até próximo sábado, dia 23,na capital federal. 

ExpoCannabis mostra potencial de empregabilidade no mercado da planta

Capaz de gerar pelo menos 328 mil empregos no Brasil, o mercado da cannabis ainda aguarda regulamentação, estima a Kaya Mind, braço da companhia Kaya responsável pela produção de dados sólidos sobre a planta.

Apesar da dificuldade  para quantificar a contribuição do mercado de cannabis para o setor de trabalho no país, a importância da planta pode ser mais uma vez confirmada em visita à segunda edição da ExpoCannabis, que ocupa até este domingo (17) um dos pavilhões do São Paulo Expo, no distrito de Jabaquara, capital paulista.

Na entrada, após vencer uma longa fila, o visitante já percebe como é difícil escolher um ponto do salão para fixar o olhar. Em um arranjo um tanto simbólico, já que talvez esta seja a forma de convencer os mais resistentes a enxergar a planta além da atmosfera do divertimento, os primeiros stands são da cannabis medicinal.

Em Florianópolis, Pedro Sabaciauskis, que via a avó Edna piorar gradualmente com a doença de Parkinson, constatou a eficácia do óleo de cannabis na atenuação dos sintomas da doença neurodegenerativa, a segunda mais comum desse tipo em todo o mundo. Na época, foi somente a primeira vitória, pois era necessário importar o medicamento, que levava cerca de três meses para chegar, o que o levou a encomendar dez frascos de uma vez. Cada um custava R$ 1,8 mil e durava um mês. 

E bastou uma dose para que o corpo de Edna deixasse de apresentar a rigidez própria do quadro que desenvolveu. Em 20 minutos, seu semblante mudou, assumindo a aparência de relaxamento perdida havia muito tempo por causa da doença. “A gente descobriu uma associação em Fortaleza, chamada Abracam [Associação Brasileira de Cannabis Medicinal], que vi pelas redes sociais. Entrei em contato e me mandaram um óleo. Fui a um médico aqui de São Paulo, ele me orientou, e a gente deu para a minha avó. Aí foi uma surpresa, porque a melhora veio no mesmo dia.”

“A gente já levou um susto aí, mas, depois de 15 dias, ela recuperou os movimentos de sentar, levantar sozinha, de ir até a cozinha, pegar um copo d’água, coisa que era inimaginável. E, em um mês, ela queria fazer a unha, voltou a viver”, lembrou Sabaciauskis, acrescentando que a avó voltou a ter condições de conviver com a família, em almoços e outras ocasiões.

A experiência deu origem à Associação Santa Cannabis, acolhe pessoas que procuram informações sobre os tratamentos com o óleo da cannabis ou que precisam do medicamento, incluindo os que têm baixa renda ou estiverem em contextos de vulnerabilidade social. “A preferência desse mercado tem que ser da classe social mais baixa, que foi sempre quem foi preso pela mesma matéria.” Para Sabaciauskis, as associações têm um papel muito maior do que somente fornecer remédio, que é o de defender o interesse nacional. “São as associações que têm aberto caminho para tornar possível a compra de estufas e outros elementos imprescindíveis.”

Outro eixo da associação catarinense é a pesquisa. A Santa Cannabis aproveita as autorizações que obteve para liberar estudos e, com essa estratégia, atualmente viabiliza 15 pesquisas, muitas das quais, sem tal respaldo, teriam que recorrer à Justiça para existir. Segundo Sabaciauskis, a associação da qual está à frente já tratou 6 mil pessoas, com 200 CIDs (Classificação Internacional de Doenças) diferentes.

Pedro Sabaciauskis enfatizou que abraçar essa causa requer coragem e, ao mesmo tempo, firmeza. “É um ato de coragem, mas também de disposição. Porque defender cannabis no Brasil, seja medicinal ou outra, é ato de coragem, pois tem muito preconceito, estigma. Se você depende de seu emprego, de sua família, não pode fazer, senão sofre pressão desses lugares. A associação, não, porque conseguiu juntar um time de pessoas dispostas a enfrentar isso e o fez baseada na Constituição Federal, pelo direito à saúde, que é universal, o direito de se reunir em associações para mudar leis com as quais não se concorda e o direito de fazer desobediência civil pacífica e controlada.”

A fórmula de Sabaciauskis ainda teve mais um componente essencial para a rede da associação crescer. “A gente percebeu que tinha muito mais medo do que deveria ter. Quando se começa a cuidar das pessoas, as pessoas vêm para a luta junto e encorajam a continuar. Como tinha muita gente a ser cuidada, doente, a gente começou a fazer o papel que era do governo.” Ele ressaltou que a Santa Cannabis gera empregos por causa da distribuição dos medicamentos, do atendimento aos pacientes, que abrange serviço social, do cultivo da planta e dos processos farmacêuticos envolvidos, que garantem qualidade.

Tecnologia

Outro segmento do mundo canábico que absorve profissionais é o da tecnologia da informação (TI). A Complysoft é uma startup (empresa emergente com modelo de negócio em desenvolvimento ou aprimoramento) especializada em ferramentas úteis para o mercado da cannabis medicinal. 

Com sede em João Pessoa, a companhia oferece sistemas como o Comply Legacy, de gerenciamento de documentos e prescrições, unificando os registros de todas as fases do processo de produção e obtenção da cannabis. Por meio dele, é possível, por exemplo, armazenar e consultar testes laboratoriais para controle de qualidade. Outra opção são os sistemas que unificam os instrumentos ligados aos pacientes, como WhatsApp e e-mail. 

Entre os clientes, estão associações canábicas, clínicas especializadas, importadoras e farmácias de manipulação. O profissional Mizael Mendonça Cabral conta que ele e seu parceiro de trabalho André Vasconcelos integravam o setor de TI da Associação Brasileira de Apoio Cannabis Esperança (Abrace Esperança). Lá, Cabral entendeu que poderia usar seu conhecimento para ajudar outras associações a aprimorar os atendimentos. 

Um dos expositores do evento, ele disse que o ramo não é incipiente, já é um mercado de trabalho em expansão em países como o Uruguai, o primeiro a legalizar a maconha, e o Paraguai. “Receber o convite para participar da associação foi um chamado para mim. Sempre digo que é uma missão espiritual. A gente está devolvendo a planta à nossa nação, porque é uma planta de cura. Entrei em 2014, para ajudar essa associação, e entendo que é uma missão de vida”, confidencia o paraibano. 

A história de Vasconcelos foi diferente. Ele morava na Califórnia quando recebeu a senha para ingressar no universo canábico. Antes de se tornar gerente de projetos na Complysoft, prestava assistência na área de TI. Quanto ao grau de dificuldade para recrutar profissionais da área, Vasconcelos disse que ainda há percalços, geralmente relacionados ao tabu e ao preconceito em relação à planta, gerados por desconhecimento fe suas propriedades e múltiplos usos. “Mas vejo isso como um obstáculo que não está longe de a gente vencer”, resumiu.

Central de empregos

Na sexta-feira, um dos stands mais badalados da ExpoCannabis foi o da Cannabis Empregos, pioneira no Brasil. O portal anuncia vagas de estágio, de trabalho temporário, para freelancers (autônomos), remotos, voluntariado e em regime presencial, de home office (trabalho a distância, em casa) e híbrido. 

A empresa também oferece capacitação e mentoria para candidatos e empregadores, qualificando pessoas que desejam aprender sobre liderança no mercado canábico e a fazer networking (rede de contatos profissionais). Um dos aspectos importantes em qualquer segmento e que também é cobrado dos profissionais que atuam com a cannabis é o domínio de tendências e políticas públicas. A companhia, por isso, auxilia no desenho de planos de carreira.

Vídeo mostra autor de ataque ao STF perto da equipe da TV Brasil

Um vídeo da TV Brasil, da Empresa Brasil de Comunicação (EBC), mostra Francisco Wanderley Luiz caminhando na Praça dos Três de Poderes momentos antes de jogar bombas perto da Estátua da Justiça, em frente ao prédio do Supremo Tribunal Federal (STF). Francisco morreu em seguida ao explodir artefatos em seu corpo. 

O autor do atentado dessa quarta-feira (13) chegou a interagir com a equipe da TV Brasil, que estava na praça para um entrada ao vivo no jornal.  

A repórter Manuela Castro contou que a equipe estava se preparando para entrar ao vivo no telejornal Repórter Brasil, quando um homem se aproximou e ficou próximo deles. Ela relatou que é comum pedestres ou turistas ficarem observando ou tirarem fotos pela curiosidade de ver uma equipe de reportagem. Segundo ela, o homem percebeu que a equipe notou a proximidade da presença dele. 

“Ele percebeu e disse: Não vou atrapalhar vocês, não. Fiquem tranquilos. Vou passar por trás da câmera. Depois, ele falou: Não vou passar pela frente da câmera, porque sou muito feio”, relatou a repórter. 

Durante a entrada ao vivo da repórter no telejornal, é possível ver Francisco caminhando ao fundo e mais próximo à sede do Supremo. 

>> Veja imagens da TV Brasil em que Francisco aparece antes das explosões:

Manuela Castro disse que percebeu que o autor das explosões era o mesmo homem que conversou com ela por causa da roupa dele. 

Brasília (DF) 14/11/2024 – Policiais fazem perícia no corpo de Francisco em frente do STF. Foto: Fabio Rodrigues-Pozzebom/Agência Brasil

“O que me chamou a atenção era que Francisco estava com uma calça estampada, muito colorida. Essa calça ficou registrada na minha memória. Quando eu vi as imagens do STF [das câmeras de segurança], eu tive certeza que ele era aquele observador, que ficou tão próximo da gente. E tive, então, a noção do perigo, risco que eu e a equipe tivemos”, afirmou. 

Conhecido como Tiü França, Francisco Wanderley Luiz, 59 anos, morreu na noite desta quarta-feira (13) ao detonar explosivos em frente ao prédio do Supremo Tribunal Federal (STF). Ele também foi autor da explosão de uma carro estacionado no anexo 4 da Câmara dos Deputados. O chaveiro oi candidato a vereador pelo PL em Rio do Sul, Santa Catarina, nas eleições de 2020.

Ex-companheira

A Polícia Federal investiga o caso. Agentes foram até a casa de Daiane Dias, ex-companheira de Francisco. No local funcionava o estabelecimento do chaveiro. Em depoimento informal aos agentes, ela disse acreditar que as explosões foram planejadas por Francisco, já que ele falava em fazer esse tipo de ação.

Ao ser questionada por um policial se Francisco teria dito que iria “matar gente” e tinha um plano, Daiane respondeu que o alvo seria o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Alexandre de Moraes.  

“Gente não. O Alexandre de Moraes e quem estivesse perto naquela hora”, respondeu a mulher. “Ele falou que mataria ou se mataria”, acrescentou.

Daiane afirmou ainda que ela e o ex-companheiro não participaram dos atos de 8 de janeiro em Brasília. Eles estavam em Rio do Sul na data.

Segundo ela, Francisco estava obcecado com questões políticas. “Ele quase me deixou louca. Todo mundo na rua falava: Você vai ficar louca. Só falava de política, política, política”. 

“Ele não se mataria. Jamais tiraria a vida dele, a não ser que ele tivesse cumprido o objetivo dele. Se ele morreu em vão e não matou ninguém, é porque descobriram o que ele iria fazer”, disse. 

Daiane foi conduzida para a delegacia da Polícia Federal em Lages, onde prestou depoimento nesta quinta-feira (14) e foi liberada. O celular dela ficou retido.

Irmão

Um dos cinco irmãos de Francisco disse ele estava obcecado por política nos últimos anos, participou de acampamentos em rodovias contra a eleição de Lula e estava com comportamento irreconhecível. 

“A pessoa com a cabeça fraca, se não está bem centrada, acaba se deixando levar pelo ódio“, disse em entrevista à equipe da TV Brasil, por telefone. 

Emocionado, o irmão contou que não mantinha contato com Francisco nos últimos meses. Segundo ele, o chaveiro, era uma pessoa tranquila, porém, após as últimas eleições presidenciais em 2022, só falava de política, o que dificultava o convívio. Essa situação se agravou no ano passado. 

Ele discorda que Francisco teria intenção de matar o ministro Moraes. 

* Com informações da TV Brasil e da Rede Bela Aliança, de Rio do Sul (SC), da rede nacional de comunicação pública e parceira da EBC

Trabalho doméstico afeta mais meninas em 9 países, mostra pesquisa

Pesquisa em nove países da América Latina, África e do sudeste asiático mostra que as meninas, nas três regiões, sofrem maior impacto que os meninos na realização de trabalhos domésticos e tarefas de cuidado. Elas ficam mais de cinco horas dedicadas às atividades da casa e de suporte à família, como cuidar de irmãos mais novos e assistir os avós.

De acordo com o levantamento, as meninas se sentem sobrecarregadas na divisão de trabalho dentro dos lares. Conforme relatos colhidos, o excesso de tarefas mal divididas afeta o desempenho escolar, ocupa o tempo de lazer e reduz o convívio comunitário; além de causar estresse, diminuir as horas de sono, provocar isolamento social e solidão.

“Se elas não tiverem tempo suficiente para estudar e se dedicar a atividades fundamentais para a construção de seu futuro, permanecerão em ciclos de pobreza e desigualdade”, afirma, em nota, Cynthia Betti, CEO da Plan International Brasil, organização humanitária não governamental responsável pelo estudo.

O levantamento foi feito entre fevereiro e abril deste ano pela ONG, que colheu depoimentos de 92 meninas no Brasil, Benin, Camboja, em El Salvador, nas Filipinas, na República Dominicana, no Togo, em Uganda e no Vietnã.

Conforme a cientista social Ana Nery Lima, especialista em gênero e inclusão da ONG, o quadro constatado nesses nove países se reproduz em outras partes do mundo. “Não é só nesses nove países, mas nos mais de 80 países onde a Plan International está, a desigualdade de gênero é uma constante, infelizmente.”

Fora da sala de aula 

As entrevistas com as meninas registram que a dedicação à família e aos afazeres domésticos afeta o desempenho escolar e até pode levar ao abandono dos estudos. Vinte das 92 meninas entrevistadas disseram que saíram do colégio.

“A educação é essencial para romper o ciclo de pobreza e desigualdade de gênero, mas a pesada responsabilidade do trabalho de cuidado não remunerado está impedindo muitas meninas de frequentar e ter sucesso na escola”, alerta Kit Catterson, gerente de pesquisa da Plan International.

A evasão escolar compromete a aquisição de conhecimento, o desenvolvimento de habilidades, a produtividade e a empregabilidade futura das meninas quando adultas, agravando os riscos de viverem na pobreza, o que traz consequências econômicas para os países.

“Futuramente, essas meninas não estarão em uma posição economicamente ativa. Isso prejudica o PIB [Produto Interno Bruto]”, salienta Ana Nery Lima. Segundo ela, além da baixa participação econômica, há baixa participação política e são reduzidas as possibilidades de emergirem lideranças femininas.

Dentro de casa  

A reversão do quadro envolve políticas públicas que assegurem o direito à escolaridade das meninas, mas há também o componente familiar para tornar mais justa a divisão sexual das atividades domésticas.

“Não adianta nada a gente falar com a criança e as pessoas adultas reproduzirem a velha lógica. Não tem essa história de dizer que ‘a menina é mais jeitosa’ para o trabalho doméstico”, pondera Ana Nery Lima contra as “normas prejudiciais de gênero”.

Desde as brincadeiras de infância, há divisão sexual do trabalho baseada “em perspectiva equivocada de gênero”, lembra a especialista, comentando que os meninos ganham de presente carrinhos para imaginar passeios e corridas enquanto as meninas são presenteadas com bonecas para cuidar.

“É essencial incentivar a participação de homens e meninos [nos afazeres de casa] e redistribuir as responsabilidades de cuidado para garantir não apenas uma vida e um futuro melhores para as meninas, mas também promover uma dinâmica familiar mais saudável, em que papéis e responsabilidades sejam mais igualmente divididos”, afirma Kit Catterson.

G20 e ODS 

Apesar de fundamentais para gerar conforto físico, material e emocional aos familiares, as atividades domésticas e as tarefas de cuidado não são valorizadas socialmente e não recebem qualquer remuneração.

A Plan Internacional e outras organizações têm expectativa de que resulte da reunião de cúpula dos 20 países mais ricos e emergentes, o G20, o reconhecimento da expectativa desigual imposta às meninas e a necessidade de ações urgentes para alcançar a igualdade de gênero.

A ONG ainda ressalta os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) das Nações Unidas, que preveem o reconhecimento e a valorização do trabalho de assistência e doméstico não remunerado,” por meio da disponibilização de serviços públicos, infraestrutura e políticas de proteção social, bem como a promoção da responsabilidade compartilhada dentro do lar e da família, conforme os contextos nacionais”, de acordo com o descrito no ODS 5, meta 5.4.

 

https://radios.ebc.com.br/nacional-jovem/2024/10/plan-internacional-brasil-lanca-edital-para-projetos-sociais-focados-na-igualdade-de-genero

https://agenciabrasil.ebc.com.br/direitos-humanos/noticia/2024-05/campanha-quer-mobilizar-populacao-contra-violencia-sexual-infantil

 

Exposição Foto de Quebrada mostra trabalhos de 30 artistas em Brasília

Começa neste sábado (9), à 14h, a terceira edição da exposição Foto de Quebrada, mostra que reúne trabalhos de 30 artistas de todo o país na Galeria Risofloras, localizada na Praça do Cidadão, em Ceilândia, região administrativa do Distrito Federal.

Haverá, durante a abertura da exposição, atrações como a apresentação do DJ Kayaman; um aulão de funk com a Cia Versão Brasileira; e, às 17h, o Leilão Espetáculo de Venda de Arte Periférica. A iniciativa conecta mais de 200 artistas brasileiros de várias regiões, promovendo um novo circuito de compra e venda de arte.

“As quebradas brasileiras são territórios vivos e dinâmicos. Nesta exposição, revelamos algumas de suas múltiplas vivências compartilhadas por todo o país. Cada imagem é, simultaneamente, um espelho e uma janela. Olhares únicos que captam detalhes que, muitas vezes, passam despercebidos, revelando as camadas afetivas, os sonhos, as celebrações e até as pequenas tragédias cotidianas”, diz a curadoria da exposição.

A exposição pode ser visitada até 24 de janeiro, das 14h às 18h, de terça a sábado. Mais informações podem ser obtidas neste site.

SP: mostra leva público a refletir sobre tensões políticas no Brasil

Às vésperas do segundo turno das eleições municipais, que será realizado em 51 cidades do país no próximo domingo (27), quatro documentários que estão sendo apresentados na Mostra Internacional de Cinema de São Paulo convidam o público a refletir sobre as tensões políticas no Brasil e sobre a importância do processo democrático.

Documentários políticos, os filmes são importantes registros de eventos históricos do país. Seus objetivos vão além de ser apenas um documento de época: eles também acabam revelando as complexas relações políticas e sociais brasileiras, refletindo sobre um país que foi construído em bases contraditórias e desiguais.

Esses documentários percorreram longo caminho para ampliar as discussões sobre eventos tão recentes de história do país. Um exemplo disso é Apocalipse nos Trópicos, de Petra Costa, mesma diretora do premiado Democracia em Vertigem, filme brasileiro que reflete sobre o processo de impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff e que foi indicado ao Oscar de melhor documentário em 2020.

Com Apocalipse nos Trópicos, a diretora volta a direcionar sua câmera sobre fatos recentes da história do Brasil, aproximando a lente, desta vez, para o tema do fundamentalismo religioso. “Apocalipse nos Trópicos é um filme que analisa o poder cada vez maior que os líderes evangélicos exercem sobre a política no Brasil”, disse a diretora, em entrevista à Agência Brasil. “Em forma de ensaio, o filme reflete sobre as diferentes compreensões que o cristianismo teve nos últimos milênios sobre o apocalipse e como isso nos afeta diretamente hoje com a ascensão do fundamentalismo cristão no Brasil”.

O título da obra, explicou a diretora, faz alusão ao filme Terra em Transe, de Glauber Rocha, e ao livro Tristes Trópicos, de Levi Strauss. “O filme nasce da descoberta de que a palavra apocalipse, em grego, não significa o fim do mundo, mas sim revelação. O filme revela muito para mim desse Brasil em que estamos vivendo e possíveis brechas para não enveredarmos em caminhos autoritários que atualmente parecem nos puxar feito ímã”.

Mais uma vez, o temor de um abalo democrático ressurge em seu trabalho. “Acho que vivemos tempos de profunda turbulência política, em que nossas vidas dependem da sobrevivência desse sistema frágil que criamos: a democracia, que anda tão ameaçada. Como não falar e não pensar nisso? O que pode ser mais relevante a se fazer em tempos assim?”, questionou a diretora.

Para ela, a democracia brasileira só será garantida com a verdadeira punição aos seus transgressores. “Acho que [a garantia da democracia] passa por não esquecer [desses acontecimentos] e punir os ataques contra a democracia. Desde os ataques que aconteceram durante a ditadura militar quanto os mais recentes do 8 de janeiro, não houve punição. Nenhum mandante das Forças Armadas nem o ex-presidente [Jair Bolsonaro] foram punidos até agora”.

O povo

A participação popular nesses acontecimentos históricos é um dos focos dos documentários que estão sendo apresentados na Mostra de São Paulo.

O cineasta Gustavo Ribeiro, por exemplo, discute a questão da moradia digna e o direito de ocupação das cidades, colocando os anônimos e marginalizados em perspectiva. Na mostra, ele estará em cartaz com dois documentários: o primeiro é Intervenção, no qual acompanha o cotidiano dos moradores de uma comunidade da zona oeste de São Paulo que luta para ser urbanizada. O segundo é Ocupa SP, que aborda histórias de resistência e de luta de grupos marginalizados, mostrando a força e a resiliência de diversas comunidades em São Paulo.

“Os filmes tratam de questões sociais e urbanísticas na cidade. Intervenção é sobre a luta da comunidade do Ceasa, formada pelas favelas da Linha, do Nove e o Conjunto Habitacional Cingapura Madeirite, pela luta por moradia digna. O Ocupa SP é sobre o direito que as pessoas têm de ocupar a cidade, seja por meio da cultura, do lazer e da moradia”, disse o cineasta à Agência Brasil. “É enorme a quantidade de pessoas que mora na rua ou em condições precárias, e isso não é só uma questão de ter onde morar, é de ter a vida organizada para poder trabalhar, estudar, viver. E a moradia digna também é uma maneira de se horizontalizar a cidade e a sociedade”, acrescentou.

Em momento de eleições municipais, seus dois filmes apontam a necessidade de discutir temas tão urgentes para a população. “A questão da moradia é um problema muito grave no país e não será em quatro anos que um prefeito vai solucioná-la. É necessário um pensamento político a longo prazo, um projeto que ultrapasse os mandatos dos prefeitos e uma ação coordenada nos níveis municipais, estaduais e federais. A comunidade do Ceasa existe há quase 60 anos e nunca houve uma ação efetiva para resolver a questão de moradia na região. De qualquer maneira, as propostas dos prefeitos de São Paulo relacionadas ao déficit habitacional na cidade e aos moradores de rua são bastante tímidas”, disse o diretor.

Democracia concreta

Já o filme No Céu da Pátria Nesse Instante, de Sandra Kogut, registra a corrida eleitoral de 2022 e também a invasão e os ataques violentos contra o Palácio do Planalto, o Congresso Nacional e o Supremo Tribunal Federal (STF) no dia 8 de janeiro de 2023, logo após a posse do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

“No Céu da Pátria Nesse Instante é um documentário que foi feito ao longo de 2022, ano das eleições presidenciais no Brasil. O filme acompanha alguns personagens ao longo desse período, pessoas que, de alguma maneira, estavam envolvidas nas eleições – ou porque trabalhavam  ou enfim, para quem as eleições seriam muito importantes. E esses personagens estão em ambos os lados do espectro político’, explicou a diretora. “Não é um filme de análise distante, mas um filme que mergulha. E acho que cada um, quando o assiste, revê um pouco o seu próprio filme daquele ano”, acrescentou

Em entrevista à Agência Brasil, Sandra Kogut contou que seu filme foi um desafio enorme, primeiro porque, ao ser um retrato do presente, não se tinha ideia do que iria acontecer em seguida. “Quando planejei o filme, eu pensava que iria filmar até a posse. Mas aí veio o 8 de janeiro, que era um pouco o que a gente vinha temendo: ‘será que vai ter um golpe?’. O 8 de Janeiro, de certa maneira, materializou muita coisa. E aí fui repensando o filme todo em função disso. Em um documentário como esse, você vai construindo e entendendo o que está fazendo à medida que vai avançando com o filme”.

Outra dificuldade que permeou as filmagens, disse a diretora, foi a grande polarização do país. “O filme nasceu quase de uma impossibilidade. Como é que você faz para falar com alguém que desconfia de você e que não pensa como você? Ao mesmo tempo, essa era a coisa mais importante, era quase o motivo de eu estar fazendo o filme”.

Ao enfrentar essas dificuldades, o documentário de Sandra Kogut acabou demonstrando como a democracia ocorre, em realidade. “O filme é uma visão, mas ele não é neutro, embora não seja uma peça de propaganda ou um filme militante. Ele é um olhar, um monte de perguntas. No filme, eu quis mostrar o processo eleitoral porque aquilo ali é a democracia sendo feita. Tentei traduzir a palavra democracia – essa coisa que parece assim abstrata – em algo muito concreto porque a democracia, na verdade, está no trabalho diário, na convivência, no dia a dia, na capacidade de conviver com as diferenças, de dialogar e de respeitar os limites e as instituições”.

A 48ª edição da Mostra Internacional de Cinema vai até o próximo dia 30. Mais informações e a programação dos filmes podem ser encontradas no site do evento.

Mostra de Cinema Negro Zózimo Bulbul comemora 17 anos

O Encontro de Cinema Negro Zózimo Bulbul está completando 17 anos de fundação, com programação variada em três espaços culturais ao mesmo tempo, a partir desta sexta-feira (18). A mostra será realizada no Cine Odeon, no Museu do Amanhã e Museu de Arte do Rio (MAR), três pontos da região central da cidade, até o dia 25 deste mês.

O tema deste ano é “Fortalecendo pontes” e tem a finalidade de unir cineastas, pensadores e público de diferentes partes do mundo, numa reunião para compartilhar, questionar e reinventar histórias. O ator baiano Antônio Pitanga, um dos grandes nomes do Cinema Novo, será o homenageado desta edição, com a exibição do filme  Malês.

Uma das grandes novidades da programação é a apresentação de filmes sobre povos indígenas, com destaque para o filósofo indígena, Ailton Krenak, compartilhando as perspectivas sobre a ancestralidade e as lutas em comum.

Além disso, o cineasta Joel Zito Araújo lançará a série Cadernos Negros com o minicurso Cinema Africano Contemporâneo. O objetivo da formação é auxiliar a criar bases artísticas, estéticas e narrativas para futuros projetos de cinema. Ele sintetiza duas décadas de pesquisas, viagens, encontros, afetos e memórias do cineasta Joel Zito Araújo sobre o cinema africano.

O processo de trabalho será baseado na exibição de cenas de filmes e entrevistas com grandes realizadores africanos da contemporaneidade. O projeto conta com o apoio da Fundação Ford e do Centro Afrocarioca de Cinema. Toda a programação é gratuita.

O Encontro de Cinema Negro Zozimo Bulbul, recebe, nesta edição, mais de 400 filmes inscritos e 128 obras de cineastas brasileiros, africanos, caribenhos e de outras diásporas selecionadas para exibição. Durante o encontro também serão oferecidas 15 atividades de formação. 

“Nossa curadoria coletiva reuniu profissionais de diversas áreas da cultura e foi movida por temas como memória, ancestralidade, família, amores diversos e questões LGBTQIAPN+, buscando expandir horizontes e aprofundar as narrativas que entrelaçam o passado, o presente e o futuro”, explica Biza Vianna, diretora-presidente do Centro AfroCarioca de Cinema.

O Encontro de Cinema Negro Zózimo Bulbul é realizado pelo Centro AfroCarioca de Cinema e este ano reforça  parcerias importantes com o continente africano, como a Federação Pan-Africana de Cineastas (FEPACI) e a Aliança Pan-Africana de Roteiristas e Diretores (APASER). Biza reforça o compromisso com a história e o trabalho de Zózimo em prol do cinema negro.

“Nosso compromisso com o legado de Zózimo Bulbul permanece firme em cada detalhe deste encontro. Suas contribuições para a valorização das produções negras e sua visão de aproximação com a África continuam a iluminar nossos caminhos. Com isso, fortalecemos parcerias fundamentais”, afirmou.

A 17ª edição do Encontro de Cinema Negro Zózimo Bulbul também reservou um espaço para receber convidados de honra, como Cheick Oumar Sissoko, uma das figuras mais icônicas e respeitadas do cinema africano contemporâneo. Cineasta maliano, Sissoko é internacionalmente reconhecido por sua habilidade única de mesclar a narrativa visual com as questões políticas, sociais e culturais que marcam profundamente o continente africano.

A curadoria tem a direção de Laza e contará também com nomes expressivos do cinema negro, como Macario, responsável pela coordenação de curadoria. Além dele, Vania Lima fará a curadoria internacional e Dani Ornellas, Antonio Molina, Leila Xavier e Glenda Nicácio são os responsáveis pela curadoria nacional.

O diretor de comunicação, Vitor José, sobrinho de Zózimo Bulbul e um dos gestores dos projetos do Centro AfroCarioca de Cinema, celebra também a expressiva marca de mais de mil filmes exibidos nas 16 edições do encontro e lembra que Zózimo foi um visionário ao dar corpo para o evento, trazendo para o centro das discussões questões cruciais como o racismo e a importância das contribuições históricas da comunidade negra na construção do Brasil.

“Hoje, a sua memória e o seu legado continuam guiando os nossos passos, inspirando as gerações futuras a continuarem na luta pela justiça e pelo reconhecimento. Ao longo de 16 anos de sucesso, o Encontro de Cinema Negro iluminou nossas telas com mais de mil filmes do Brasil, da África, do Caribe e de outros cantos da Diáspora. Nada menos do que 700 sessões permitiram que mais de 200 diretores africanos, 40 dos Caribes, 50 de outras diásporas e 500 diretores brasileiros compartilhassem sua visão do mundo”, disse Vitor.

Lugar de resistência da cultura afro-brasileira, fundado em 2007 por Zózimo Bulbul, o Centro AfroCarioca de Cinema é pioneiro como espaço de pensamento e construção dos novos rumos do cinema e, mais especificamente, do cinema negro no país. Uma de suas grandes realizações é o Encontro de Cinema Negro Zózimo Bulbul: Brasil, África, Caribe e outras diásporas que, nas suas 17 edições, já apresentou mais de 1.500 obras de cineastas brasileiros, africanos e caribenhos.

Com exibição de 415 filmes, mostra de cinema começa nesta quinta em SP

O maior e mais tradicional festival de cinema do Brasil, a Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, começa nesta quinta-feira (17) na capital paulista. Em sua 48ª edição, a mostra apresentará 415 filmes de 82 países que poderão ser vistos em 29 salas de cinemas, espaços culturais e centros educacionais unificados (CEUs) espalhados pela cidade. A programação ainda contará com algumas exibições gratuitas e ao ar livre.

A grande novidade deste ano é a criação da Mostrinha, que dedica parte de sua programação a obras infantojuvenis. A Mostrinha apresentará 22 títulos, como os filmes Corações Jovens, premiado no Festival de Berlim, e Vivendo em Excesso e O Grande Natal dos Animais, que estiveram no Festival de Annecy, na França.

A 1ª edição da Mostrinha homenageará as três décadas do programa Castelo Rá-Tim-Bum, da TV Cultura, e os 25 anos do filme baseado na série de Cao Hamburger. Também haverá uma homenagem especial a Ziraldo, cartunista e escritor que morreu no início deste ano, com a exibição dos filmes O Menino Maluquinho, um dos personagens mais queridos do autor.

A abertura da Mostrinha será amanhã (17), às 14h45, na Sala São Paulo, com a exibição gratuita da animação Arca de Noé. Os demais ingressos para a Mostrinha custarão R$ 20 (inteira) e R$ 10 (meia-entrada).

A abertura da 48ª Mostra Internacional  de Cinema ocorre nesta quarta-feira (16), na Sala São Paulo, com o filme Maria Callas, de Pablo Larraín, protagonizado por Angelina Jolie.

Programação

Entre os filmes que estarão na Mostra de São Paulo neste ano está Anora, de Sean Baker, vencedor da Palma de Ouro no Festival de Cannes. Além dele também serão exibidos Dahomey, vencedor do Urso de Ouro do Festival de Berlim; Memórias de um Caracol, vencedor do prêmio de melhor filme de animação no Festival de Annecy; e Ainda Estou Aqui, vencedor do prêmio de melhor roteiro no Festival de Veneza e indicado pelo Brasil para concorrer à indicação ao Oscar do próximo ano.

Além dos premiados, o festival também trará um olhar para o conflito atual no Oriente Médio, apresentando filmes como Contos de Gaza, do palestino Mahmoud Nabil Ahmed; Israel Palestina na TV Sueca 1958-1989, do sueco Göran Olsson; A Lista, da iraniana Hana Makhmalbaf; e o libanês Linha Verde, de Sylvie Ballyot. O filme recente Por que a Guerra?, do diretor israelense Amos Gitai, e que retrata uma correspondência trocada entre Albert Einstein e Sigmund Freud sobre como evitar a guerra, terá duas exibições durante o evento.

Homenagens

Entre os homenageados do festival está o cineasta indiano Satyajit Ray (1921-1992), que terá uma retrospectiva com sete filmes que produziu entre os anos de 1955 e 1966. Aliás, os filmes produzidos na Índia são um dos focos da mostra neste ano, com a exibição de 30 longas-metragens que oferecem uma visão abrangente da cinematografia do país, líder mundial na produção de filmes.

Outro que ganhará uma homenagem especial é o ator Marcello Mastroianni (1924-1996). Para celebrar os 100 anos de nascimento do ator italiano serão exibidos seis filmes em que ele atua.

Em memória aos 50 anos da Revolução dos Cravos, o festival vai exibir uma cópia restaurada do filme Capitães de Abril (2000), de Maria de Medeiros. A exibição será seguida de uma conversa com a diretora.

Além dos filmes, a mostra também realizará, pelo quarto ano consecutivo, o Encontro de Ideias Audiovisuais. Gratuito, ele acontece entre os dias 24 e 26 de outubro na Cinemateca Brasileira apresentando debates, exibições e lançamentos de livros. Também serão promovidas três masterclasses gratuitas que abordarão a evolução do cinema indiano, os primórdios do audiovisual e as adaptações literárias para as telas.

Itinerância

Entre os dias 31 de outubro e 6 de novembro, a mostra terá ainda uma passagem por Belém (PA), onde será exibido o filme Retrato de um Certo Oriente, de Marcelo Gomes. A sessão, no Cine Líbero Luxardo, contará com a participação do diretor.

Além disso, entre os dias 15 de novembro e 15 de dezembro, o Sesc levará o festival para dez cidades paulistas.

Mais informações e toda a programação da Mostra Internacional de Cinema de São Paulo podem ser obtidas no site do festival.