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Engenheiros de outros estados ajudam a vistoriar imóveis em Canoas

Após a água baixas em Canoas, no Rio Grande do Sul, equipes da Defesa Civil e técnicos da Secretaria de Desenvolvimento Urbano e Habitação estão atendendo solicitações de moradores para a vistoria estrutural de imóveis atingidos pelas enchentes. Técnicos da Defesa Civil de outras cidades brasileiras – entre elas Niterói (RJ), São Luís (MA) e Campinas (SP) – também ajudam na avaliação técnica das residências. Contribuem ainda com o trabalho integrantes da organização não governamental (ONG) HelpNgo, da Guatemala. 

No bairro Mathias Velho, a moradora Stephanie Silva Salles abriu as portas da casa do seu pai para uma equipe fazer a avaliação técnica. “Meu pai já é idoso. Ele é teimoso e quer voltar de qualquer jeito para cá. Eu falei que não poderia fazer isso, sem antes procurar a Defesa Civil para uma vistoria”, disse.

A arquiteta e coordenadora da Defesa Civil de Niterói, Paula Guimarães, explicou o procedimento adotado durante as visitas aos endereços dos solicitantes. “O imóvel é todo vistoriado e orientamos os responsáveis sobre a situação real das casas. Em alguns casos é necessária a interdição, impossibilitando o retorno dos moradores. Em outras situações apenas orientamos. Deixamos sempre a Defesa Civil à disposição. De modo geral, estamos sendo bem recebidos pela população”, disse.

Uma força-tarefa, com o apoio da secretaria, emprega drones para o georreferenciamento das regiões. “Com as vistorias e o uso das tecnologias de georreferenciamento, conseguimos identificar as residências que podem ser ocupadas novamente ou que precisam ser interditadas por apresentar riscos”, afirmou o secretário-chefe do Escritório de Resiliência Climática e Defesa Civil de Canoas (Eclima), José Fortunati.

Os laudos também são úteis para a adesão a futuros programas de políticas públicas que podem ser anunciados pelos governos do estado e federal.

O pedido de vistoria pode ser solicitado pelo telefone (51) 3476 3400 da Defesa Civil de Canoas.

Governo federal comprará quase 2 mil imóveis para desabrigados no RS

O governo federal comprará imóveis para atender a pessoas desabrigadas pelas fortes chuvas que assolam o Rio Grande do Sul desde o fim de abril. O anúncio de pacote de ações sobre habitação foi feito pelo ministro da Casa Civil da Presidência da República, Rui Costa, nesta quarta-feira (29), em entrevista coletiva à imprensa, em Porto Alegre.

Em um primeiro momento, o governo pretende disponibilizar quase 2 mil casas às famílias gaúchas que estão sem moradia, estimou o ministro. Costa não estipulou prazo para entrega dessas moradias.

Uma das ações é a chamada compra assistida de imóveis usados. Rui Costa explicou que os domicílios poderão ser indicados pela população já nos próximos dias. As unidades passarão pela avaliação de técnicos da Caixa Econômica Federal para posterior compra e destinação imediata aos desabrigados.

Outra modalidade será a compra de casas e apartamentos novos ou ainda em construção nas cidades atingidas, com valor limitado ao teto da Faixa 1 (famílias com renda mensal bruta até R$ 2.640) e Faixa 2 (renda familiar de R$ 2.640,01 a R$ 4.400/mês) do programa federal Minha Casa, Minha Vida.

Segundo o ministro, as empresas, construtoras e imobiliárias que quiserem vender imóveis novos ou que ficarão prontos em até 60 dias podem registrar as unidades em site que a Caixa divulgará em breve. “O governo comprará todos os imóveis nesse perfil que as empresas ofertarem nessas cidades, dentro do limite solicitado de casas perdidas.” O governo também vai compatibilizar o valor do imóvel com a renda familiar para, por exemplo, permitir a quitação mensal da taxa de condomínio, sem comprometimento de recursos.

Na próxima semana, o Ministério das Cidades publicará uma portaria que permitirá que proprietários de imóveis particulares também vendam ao governo federal, na faixa de valor que está estipulada. “O cidadão comum que tem sua casa de aluguel que resolveu vender ou alguém que está vendendo a casa ou um apartamento vai entrar no site da Caixa e vai ofertá-lo. Nós teremos um teto máximo de valor que a portaria vai definir e a Caixa fará a avaliação de cada imóvel. Feita essa avaliação, o governo paga esse imóvel e a família se muda imediatamente para essa residência”, disse Rui Costa.

Além de unidades novas, imóveis que estão em leilão nas cidades gaúchas em bancos como a Caixa Econômica Federal, o Banco do Brasil e instituições privadas, em faixa de valor a ser divulgada, também serão destinados às famílias atingidas pelas chuvas. “Solicitamos aos bancos que retirassem do leilão imóveis nesse perfil desocupados, porque o governo [federal] está comprando todos eles, dos bancos privados, da Caixa e do Banco do Brasil para ofertar às famílias.”

No caso de imóveis que estavam destinados ao leilão que precisarem de reparos, o ministro informou que as famílias do Rio Grande do Sul realocadas nessas unidades receberão recursos da Caixa para fazer a reforma. “A ideia é que a gente dê um recurso a essa família. A Caixa fará uma estimativa de valor para a família consertar e esta pode mudar imediatamente”, previu.

“Vamos buscar por este combo de soluções acelerar essa questão que, entre todas, é a mais sensível, porque quem está com sua casa embaixo d’água ou destruída está no desespero, porque olha para sua família morando de favor na casa de alguém ou em um abrigo”, disse Rui Costa.

Outras soluções

O governo federal estuda outras possibilidades para aumentar a oferta de imóveis aos desabrigados gaúchos. O ministro Rui Costa divulgou que o Ministério das Cidades financiará a construção de moradias pelas prefeituras gaúchas que queiram trabalhar em esquema de mutirão, em curto prazo. “Apostaremos nessa solução para esses municípios que têm o número de unidades menores, onde prefeitas se colocam à disposição para fazer a autoconstrução, mobilizando os próprios moradores com assistência técnica ou com a contratação de empresa.”

A Caixa também tem buscado construtoras que usam metodologias rápidas para erguer casas, como imóveis pré-fabricados e modulares. “Estamos analisando tecnicamente todas as opções e pedindo às empresas que façam suas ofertas”, disse Rui Costa adiantando que ainda precisa saber das prefeituras qual será a necessidade real da quantidade de imóveis após a águas das enchentes baixarem.

Governo quer destinar imóveis da União sem uso para habitação

 A ministra da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos, Esther Dweck, disse nesta terça-feira (9) que imóveis sem uso em grandes cidades podem ser destinados à habitação social. Segundo a ministra, a ideia é aproveitar especialmente edifícios bem localizados em regiões centrais.

“Os centros são espaços onde você já tem toda a infraestrutura pronta, você reduz o tempo de transporte de uma qualidade de vida sem precedentes. Quem mora no centro de uma cidade, está próximo do seu lugar de trabalho”, disse ao visitar o projeto Dandara. O edifício da União foi declarado de interesse público em 2013 e atualmente abriga 120 unidades habitacionais no centro de São Paulo.

A reforma do edifício foi feita pela Unificação das Lutas de Cortiços e Moradias a partir do programa Minha Casa Minha Vida Entidades. As famílias passaram a morar no local em 2018 e em dezembro de 2023 receberam as matrículas individualizadas entregues pela Secretaria de Patrimônio da União.

A utilização de prédios prontos, que precisam ser apenas reformados e adaptados, ajuda, segundo a ministra, a reduzir os custos para produção de moradia. “A gente sabe que um imóvel da União pode baratear muito o Minha Casa Minha Vida”, enfatizou.

O Dandara é ainda, de acordo com Esther Dweck, um exemplo da capacidade dos movimentos sociais de construção e gestão de moradia. “Desde o início tinha uma dúvida, como é que as entidades conseguem gerir um prédio com elevador, que custa caro”, exemplificou sobre os questionamentos que envolvem empreendimentos do tipo destinados à habitação social.

Esse trabalho, no entanto, encontra diversas dificuldades, segundo a ministra. É necessário que os imóveis sejam incorporados ao patrimônio da União antes de fazer a destinação, o que muitas vezes significa ter que lidar com problemas de regularização. “Tem coisas que ainda precisam ser incorporadas ao patrimônio da União, que são prédios da União, mas que o próprio registro ainda não está totalmente resolvido”, disse.

Mais qualidade de vida

A síndica do condomínio, Marli Baffini, conta que a conquista da casa própria envolveu dificuldades que se ligam às turbulências políticas enfrentadas pelo país nos últimos anos. “A  reforma começou em 2014”, lembra. “No começo, o dinheiro que vinha do Ministério das Cidades era suficiente para tocar a obra. Quando chegou no final, a Dilma [presidenta Dilma Rousseff] sofreu impeachment, aí a gente teve assim, uma diminuição da obra. Era para terminar em 2016, só foi terminar em 2018”, relembra.

Síndica do Edifício Dandara, Marli Baffini, mostra o apartamento em que mora no prédio da União destinado a moradia de famílias de baixa renda – Rovena Rosa/Agência Brasil

“A gente ficou um ano dormindo aqui nesse mezanino, tomando conta desse empreendimento, para que ninguém ocupasse, porque ele estava quase pronto e a gente não conseguia terminar”, relata.

A luta, no entanto, valeu a pena. “Onde eu morava, a gente não tinha muito acesso. Aqui é muito mais fácil, se você quer pegar o metrô, você está próximo. Onde eu morava lá, se eu queria ir no mercado, eu tinha que ir lá em cima. Aqui não, tem mercado aqui. A minha vida melhorou”, diz Marli que vive com o esposo e um cachorro.

Cracolândia: fator favela reduz valor das desapropriações dos imóveis

Para a construção de um novo centro administrativo, o governo de São Paulo pretende desapropriar quatro quadras inteiras no entorno da Praça Princesa Isabel, na região central da capital paulista. Decreto assinado pelo governador Tarcísio de Freitas declarou de utilidade pública os imóveis onde atualmente funcionam lojas de autopeças, restaurantes, padarias, casas e prédios de apartamentos residenciais.

Nos últimos processos de desapropriação feitos no local, em processos judiciais abertos pela prefeitura paulistana, a proximidade com a Favela do Moinho e com a aglomeração de pessoas em situação de rua e com consumo abusivo de drogas, conhecida como Cracolândia, reduziu o valor das indenizações. Em diversas decisões, os técnicos do Tribunal de Justiça recomendaram a diminuição dos valores pelo conceito do “fator favela”, que estima depreciação em 30% do preço das propriedades na área.

São Paulo – Casarões lacrados na rua Helvétia, região da Cracolândia. Foto: Rovena Rosa/Agência Brasil

Desalojamentos

Dentro do perímetro previsto para as demolições estão 280 habitações. Segundo o secretário estadual de Projetos Estratégicos, Guilherme Afif Domingos, a estimativa inclui apartamentos e casas, inclusive as usadas como cortiços.

Há ainda dois empreendimentos habitacionais. Um, já em fase avançada de construção, é uma parceria da prefeitura de São Paulo com a União das Lutas de Moradia e Cortiço. O outro, tem um stand, maquete e diversos corretores, que fazem simulações do projeto previsto para ser lançado nos próximos dias. Os vendedores negam, entretanto, que o empreendimento esteja dentro da área que será liberada para construção de torres de 30 andares que deverão abrigar a burocracia estadual.

O decreto assinado no dia 27 de março pelo governador Tarcísio de Freitas é claro ao declarar de utilidade pública a totalidade das quadras 25, 34, 46 e 48, além de nove lotes da Quadra 52.  A estimativa do governo é que 22 mil funcionários públicos passem a dar expediente diariamente no entorno da praça, que se tornaria uma grande esplanada, integrando o Palácio dos Campos Elíseos. O casarão construído no fim do século 19 abriga atualmente o Museu das Favelas.

Projeto arquitetônico

Foi aberto um concurso para escolha do projeto arquitetônico e urbanístico para construção do novo centro, com previsão para os resultados em julho. A empresa vencedora deverá elaborar um projeto executivo para ser submetido à consulta pública. Segundo o secretário, a previsão é que a licitação ocorra no início de 2025.

A ideia, de acordo com Afif, é aumentar a ocupação do centro paulistano. “Hoje, temos um centro abandonado à mercê das populações de rua e do tráfico de drogas”, disse.

Incertezas

Apesar do anúncio, os moradores da região afetada ainda não têm certeza se efetivamente serão despejados ou como o projeto será implementado. O comerciante Richard Martinez, que mora em um pequeno prédio, tem dificuldades em entender as propostas do poder público para o bairro dos Campos Elíseos.

Ele chama a atenção para a reforma feita na Praça Princesa Isabel, em frente onde mora. O local chegou a abrigar o chamado fluxo da Cracolândia em alguns momentos, após as dispersões promovidas pelas operações policiais.

No ano passado, o espaço foi completamente reformado e tem recebido manutenção constante, com limpeza e jardinagem. Porém, a praça, que ganhou status de parque, foi gradeada e fica na maior parte do tempo fechada ao público. “Essa praça, aí”, aponta o comerciante. “Faz tempo que não abre. Um monte de crianças todos os dias fica só olhando”, diz Martinez, que tem uma filha.

A possibilidade de ter que deixar a região, onde vive há dez anos, também preocupa Martinez. “A gente já sabia que ia ter uma mudança. Mas tão rápido assim, eu não sabia”, diz o comerciante que optou por morar no centro pela facilidade de locomoção, importante para seu trabalho.

Há quem acredite que as desapropriações possam ser uma boa oportunidade para mudar da região. A aposentada Marilene Freire disse que não acharia ruim deixar o apartamento onde reside há 40 anos. “Não saindo aqui do centro, mas para outro lugar. Está bom, mas a gente tem vontade de ir para uma coisa melhor. Maior, com mais espaço, pessoas novas”, disse.

O prédio onde Marilene vive fica de frente para o Liceu Coração de Jesus, um imóvel tombado. Fundado pela Ordem Católica dos Salesianos, em 1885, o colégio quase fechou as portas no ano passado devido à falta de alunos, consequência da proximidade da Cracolândia. As atividades só foram mantidas por um convênio firmado com a prefeitura de São Paulo para atendimento de crianças do ensino infantil e do fundamental.

São Paulo (SP) – Prédios interditados na rua Helvétia, em Campos Elísios. Foto:  Rovena Rosa/Agência Brasil

Fator favela e remoções

No entorno do liceu, no Largo Coração de Jesus, quase todos os imóveis foram desapropriados para construção de moradias em uma parceria público-privada (PPP). As famílias que viviam em pensões nos antigos casarões foram removidas, em uma ação iniciada após a megaoperação policial de maio de 2017, que retirou do local pessoas em situação de rua e com consumo abusivo de drogas. Apesar da desocupação, os imóveis ainda não foram completamente demolidos e os empreendimentos não começaram a ser construídos.

Parte das pessoas identificadas como em situação de vulnerabilidade recebeu auxílio-aluguel por alguns meses. Porém, segundo o pesquisador Ariel Machado, que estuda os projetos de parceria público-privada na região, em seu mestrado na Universidade de São Paulo (USP), o cadastro deixou parte dessa população de fora. “Poucas pessoas ali tinham cadastro da Secretaria de Habitação, porque ele foi feito, mas em 2016, e depois tentaram uma atualização. Mas essa remoção ocorreu só em 2021. Então, muitas famílias já não estavam mais ali e muitas outras pessoas tinham chegado”, lembra.

Para os proprietários, as indenizações foram rebaixadas com o argumento da proximidade com a Cracolândia e a Favela do Moinho, que fica a cerca de 1,5 quilômetro do Largo Coração de Jesus. “O ‘fator favela’ é um elemento usado pelo Cajufa [Centro de Apoio dos Juízes da Fazenda Pública da Capital] que é um setor de apoio das varas da Fazenda. Eles mobilizam os peritos para conseguir precificar imóveis ou terrenos a partir da localização”, explica o pesquisador, que analisou 40 processos de desapropriação na região.

Em uma decisão de dezembro de 2019 sobre a desapropriação de um imóvel de 14,1 mil metros quadrados em posse de uma empresa, o juiz Josué Vilela Pimentel, da 8ª Vara de Fazenda Pública, deixou claro que havia dois cenários. No primeiro, a propriedade estaria avaliada em mais de R$ 3,2 milhões e, no segundo, em R$ 2,3 milhões. Ao optar pela última, o Pimentel justificou: “a redução de 30% do valor obtido inicialmente, decorre das condições limitativas de interesse do mercado imobiliário privado no bem, vez que a região está ocupada de forma hostil e desordenada”.

As decisões divergem, no entanto, sobre a forma de calcular a depreciação dos imóveis. Em fevereiro de 2021, o juiz Randolfo Ferraz de Campos, da 14ª Vara de Fazenda Pública, o decidir sobre três imóveis pertencentes a uma família, diz que a orientação dos peritos era para não usar o “fator favela”. Segundo os técnicos, a perda de valor das propriedades era maior do que os 30% previstos pelo indicador. “Caso seja aplicado o ‘fator favela’ para a homogeneização dos elementos comparativos, o valor unitário sofreria elevação”, escreveu o magistrado.

Ainda sobre os três imóveis, o juiz destacou que as famílias que ocupavam as propriedades não deveriam ser removidas por causa da pandemia de covid-19 e a falta de atendimento social. “Não está sequer demonstrado que o cadastro dos moradores colecionado pela expropriante abarca os moradores dos imóveis aqui expropriados e nem está demonstrado estar a eles garantido ao menos atendimento habitacional provisório, por meio de auxílio-aluguel”, disse em referência às “várias dezenas de pessoas”, que estavam vivendo nos casarões que haviam sido deixados sem uso pelos donos.

De acordo com Ariel Machado, nas disputas judiciais envolvendo as desapropriações, alguns proprietários acabaram obtendo negócios vantajosos e outros podem ter sido prejudicados. “Muitos ali foram desapropriados só pelo valor do terreno. Os peritos diziam que os imóveis estavam inutilizáveis, não tinham valor nenhum”, afirma.

Histórico de demolições

Diferentemente das desapropriações do Largo Coração de Jesus, além de casarões usados como pensões e cortiços, que também existem dentro do novo perímetro, agora, podem ser desapropriados edifícios residenciais de até nove andares.

Segundo o Laboratório Espaço Público e Direito à Cidade (LabCidade) da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (USP), moram na área afetada 800 pessoas. Em nota conjunta com movimentos sociais, o LabCidade pede a suspensão do projeto. “A presença da assim chamada Cracolândia nesse pedaço da cidade funcionou como verdadeira cortina de fumaça para uma série de ilegalidades urbanísticas promovidas pelo estado”, diz no documento assinado também pelo União de Movimentos de Moradia de São Paulo e pelo Observatório de Remoções.

“Trata-se de inúmeras iniciativas e projetos públicos que partem do pressuposto de que aquele território está vazio ou inabitado, que projetos podem chegar para ‘revitalizar’ uma área, como se não houvesse pessoas que há décadas vivem e constroem esse território, que não são ouvidos e respeitados. Ainda, o projeto desconsidera a regulação urbanística municipal: nos termos do plano diretor municipal, projetos urbanos como esse devem seguir procedimentos de participação social”, acrescenta o comunicado dos pesquisadores e movimentos sociais.

A nota técnica lembra ainda de dois momentos em que foram feitas remoções e demolições na região, para a construção de uma unidade do Hospital Pérola Byington, especializado em saúde da mulher, e para a construção de um conjunto habitacional também por PPP.

Indenizações justas

Afif Domingos informa que serão feitas “realocações” de moradores e o pagamento de indenizações “justas” aos proprietários. O secretário também aponta a possibilidade de os empreendimentos habitacionais em construção serem incorporados ao projeto. “Aqueles prédios que estão em um estágio bastante avançado serão incorporados. Aqueles que são de interesse social serão remanejados em áreas no entorno. Todo o processo de desapropriação vai ser com justa indenização e realocação em habitação de interesse social”, disse Afif, ao participar de evento sobre a PPP para construção do novo centro administrativo na Associação Comercial de São Paulo nesta quarta-feira (3).

 Secretário estadual de Projetos Estratégicos, Afif Domingos, aponta a possibilidade de os empreendimentos em construção serem incorporados – Valter Campanato/Agência Brasil

Afif ressaltou, no entanto, que os critérios para pagamento das indenizações pelas propriedades vão considerar a perda de valor de mercado. “Você vai pagar o valor que vale”, enfatiza. De acordo com o secretário, esses procedimentos serão feitos pela concessionária ganhadora da licitação. “A desapropriação quem vai fazer é o concessionário que ganhar, porque eles têm mais facilidade para poder negociar.” O secretário afirma ainda que todo o processo vai respeitar os bens tombados e o plano diretor. 

Uso de imóveis privados para tortura une civis e militares na ditadura

Uma casa discreta em um bairro residencial, um sítio usado para churrascos em fim de semana e até uma sala do complexo industrial de uma multinacional, lugares com pouco em comum, além de terem sido usados para tortura e execuções. Ao longo dos anos, pesquisadores e ativistas têm lembrado em diversos momentos que a ditadura que comandou o Brasil entre 1964 e 1985 não era apenas militar, mas foi conduzida também por tentáculos civis. Inclusive a violenta repressão contra os opositores teve participação de agentes sem vínculo direto com os quartéis.

Essas conexões ficam claras na existência de diversos pontos onde eram conduzidos interrogatórios e desaparecimentos forçados fora de qualquer estrutura militar ou governamental. Apesar de conhecidos, o caráter completamente não oficial desses imóveis em relação a estruturas públicas deixou poucas evidências para que seja possível saber exatamente quantos eram e o que se passou nesses locais.

“Esses espaços clandestinos possibilitaram uma articulação exatamente para fora das institucionalidades. E isso acho que dava mais margem para organizações paralelas atuarem nesses espaços. Ao mesmo tempo em que também criava laços de participação da sociedade civil nesses processos”, diz a historiadora e pesquisadora do Memorial da Resistência Julia Gumieri.

A existência desses locais surge em diversas investigações feitas sobre os crimes cometidos pela ditadura ao longo dos anos. A Comissão Nacional da Verdade mapeou a existência de centros de tortura em vários estados, como Rio de Janeiro, Pará e Minas Gerais.

Na comissão parlamentar de inquérito (CPI) aberta pela Câmara Municipal de São Paulo em 1990, as investigações passaram por um sítio apontado como local de tortura e execuções em Parelheiros, extremo sul paulistano.

Ossadas de presos políticos no Cemitério Dom Bosco, em Perus, São Paulo – Marcelo Vigneron/Memorial da Resistência

O alvo inicial dos trabalhos da CPI era a vala clandestina no Cemitério Dom Bosco, em Perus, zona norte paulistana, onde foram ocultados os restos mortais de opositores assassinados pela repressão. Porém, os trabalhos também investigaram a existência da Fazenda 31 de Março, na região de Marsilac, no extremo sul da capital paulista, próximo à divisa com Itanhaém e Embu-Guaçu.

Difícil identificação

Havia a suspeita de que esse teria sido o lugar para onde o dramaturgo e militante Maurício Segall, filho do pintor Lasar Segall, foi levado ao ser sequestrado pelo regime. Ao depor na Câmara Municipal, Segall não reconheceu o local pelas fotos apresentadas pelos vereadores.

“Estou olhando isto aqui e diria que não é a casa onde estive. Por duas razões: a primeira é que, mesmo vendado – isso me lembro perfeitamente – eu desci uma escadinha de onde o carro estava parado para chegar à entrada da casa. Isso me lembro na ida e na volta. Eu ia meio amparado, porque estava vendado. E aqui, me parece pelo menos, não há possibilidade de ter escada, não tem nada”, respondeu ao ver as fotos do local na investigação feita pelos vereadores em 1990, puxando da memória o que havia passado em 1970.

Escritor e ex-preso político Ivan Seixas foi coordenador da Comissão Estadual da Verdade de São Paulo  – Arquivo Pessoal/Memorial da Resistência

A fazenda era de propriedade do empresário Joaquim Rodrigues Fagundes, que morreu antes de ser ouvido pela CPI. O escritor e ex-preso político Ivan Seixas disse que o filho de um dos militares que frequentavam o sítio contou que o local também servia de ponto de confraternização para os agentes da repressão. “Tinha o filho de um milico, do capitão Enio Pimentel Silveira, que era funcionário da prefeitura. A gente pediu e ele concordou em ir [até a Fazenda 31 de Março], porque ele ia lá para churrascos. O pai dele e o [delegado Sérgio] Fleury faziam churrascos e levavam os filhos”, disse em entrevista à Agência Brasil. Seixas foi coordenador da Comissão Estadual da Verdade de São Paulo e assessor especial da Comissão Nacional da Verdade.

É provável que Segall não tenha reconhecido o local porque a equipe do delegado Sérgio Fleury o levou para outro sítio, em Arujá, na Grande São Paulo, a norte da capital. Diversos depoimentos relatam que o delegado, um dos mais conhecidos torturadores da ditadura, tinha a sua disposição uma chácara, que nunca teve localização exata identificada.

Durante o tempo que esteve preso nesse sítio, Segall presenciou a morte de Joaquim Ferreira Câmara, conhecido pelo codinome de Toledo, um dos líderes da Ação Libertadora Nacional (ALN). Segundo relato de outro conhecido agente da repressão, Carlos Alberto Augusto, chamado de Carlinhos Metralha, após ser capturado no Rio de Janeiro e ficar em cativeiro em diversos locais, Eduardo Collen Leite, o Bacuri, também teria passado pelo sítio usado por Fleury em Arujá.

“O sítio aparentemente tinha dois quartos, uma sala/cozinha e um banheiro. Os choques elétricos aplicados no pau-de-arara eram gerados num aparelho, acionado por manivela manual”, contou Segall em depoimento à Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos. Também estavam presos no local Viriato Xavier de Mello Filho e Maria de Lourdes Rego Melo.

Durante a tortura, o artista viu um homem, que depois identificou como sendo Joaquim Câmara, com sintomas de um ataque cardíaco. Apesar de ter recebido atendimento médico, o líder da ALN morreu no local, o que fez com que os demais presos fossem levados de volta para o Departamento de Ordem Política e Social (Dops), no centro da capital paulista.

Também pertencente ao empresário Joaquim Rodrigues Fagundes, dono da transportadora Rimet e da Fazenda 31 de Março, a chamada Casa da Mooca era utilizada para manter presos durante dias opositores da ditadura. O relatório final da Comissão da Verdade da Assembleia Legislativa de São Paulo denuncia que o imóvel localizado na Rua Fernando Falcão, no bairro da Mooca, zona leste paulistana, foi colocado a serviço da repressão na década de 1970. Segundo o documento, o local também pode ter sido usado como cativeiro para Bacuri.

Lugares ainda não revelados

Sair vivo de um lugar como esse não era a regra. “Foram poucos sobreviventes desses espaços de modo geral, exatamente porque, como eles não eram parte das estruturas oficiais, o objetivo não era prender. O objetivo era recolher informações, torturar e executar, porque você não pode ter sobreviventes, testemunhas desses espaços não oficiais”, explica Julia Gumieri.

Sem registros e sem testemunhas, é possível, segundo a pesquisadora, que alguns desses locais não tenham sequer sido mencionados nas investigações feitas até agora. “Imaginando o que se perdeu de documentação não localizada e mesmo de falta de sobrevivente que os próprios colegas de militância não souberam, é muito provável que tenha existido muito mais, que seja uma camada ainda pequena que a gente sabe sobre”, acrescenta a historiadora.

 Sítio 31 de Março, onde teriam sido mortos os militantes Sônia Angel Jones e Antônio Carlos Bicalho Lana – Wikipedia

Na Fazenda 31 de Março, teriam sido mortos em 1973 os militantes da ALN Sônia Angel Jones e Antônio Carlos Bicalho Lana. Na CPI de 1990, o ex-deputado Afonso Celso, único sobrevivente conhecido do sítio, contou sobre o que passou lá. Apesar de vendado, ele se lembrava que atravessou uma linha férrea para chegar ao local. “Fui conduzido para um subterrâneo, ou uma sala subterrânea ou coisa assim, porque existiam quatro degraus. Quatro degraus, não, quatro lances de escada, e lá imediatamente me despiram e passaram a me torturar”, relatou aos vereadores.

“Eu provavelmente desmaiei ou qualquer coisa assim, das sevícias de que fui vítima. Depois acordei e vejo que me botaram já num outro tipo de tortura, que não era mais pau-de-arara”, segue a história contada por Celso. “Me puseram no que eles chamavam ‘piscina’, que era uma espécie de poço, de fundo cimentado, mas cheio de lodo. Eu pisava no lodo, e ali eles brincavam de afogamento. Me sufocavam, me afogavam”, disse na ocasião.

Fazenda em Araçariguama, na Rodovia Castelo Branco, usada para tortura e execução de opositores ao regime – Andréia Lago/Memorial da Resistência

Outros lugares só foram conhecidos por revelações dos próprios agentes da repressão, como Marival Chaves Dias do Canto, ex-sargento que atuou no Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-Codi). Mesmo estando dentro de um dos maiores centros de tortura da ditadura, Chaves negou ter participado desse tipo de violência ou operações de repressão na rua. Fez revelações em diversos depoimentos, tanto a CPI da Vala de Perus, como também a Comissão Nacional da Verdade. Foi o ex-agente da repressão que identificou a Boate Querosene, em Itapevi, e o Sítio em Araçariguama como locais usados para tortura e execução de opositores ao regime.

Em outros casos ainda existem dúvidas e lacunas. Até hoje não se sabe o local onde, em 1978, Robson Luz foi torturado e morto após ser preso acusado de roubar uma caixa de frutas. O processo relativo ao caso, que à época causou indignação e levou à formação do Movimento Negro Unificado, só foi desarquivado em 2022.

Ao analisar a documentação, a pesquisadora Renata Eleutério, do Centro de Pesquisa e Documentação Histórica Guaianás, diz que as informações são de que ele foi preso no 44º Distrito Policial, de Guaianases, zona leste paulistana. Porém, há indícios de que ele foi levado para outro local no período em que esteve sob poder dos policiais. “No processo, em um dos depoimentos, o rapaz indica que ele foi retirado daquela delegacia e levado para outro lugar. E aí depois foi jogado na delegacia, retirado de lá e jogado em qualquer outro canto”, revela a pesquisadora.

Não há clareza, no entanto, do local onde Luz teria recebido pancadas e choques elétricos. Mas existem diversos indícios de que alguns agentes da repressão à oposição política também atuavam na execução de presos por crimes comuns, como no caso da acusação feita contra Luz. “As estruturas e os executores estavam muito em diálogo, eventualmente eram até os mesmos, como o Esquadrão da Morte [grupo de extermínio], que era um grupo de policiais da Polícia Civil vinculados ao Dops [Departamento de Ordem Política e Social]”, exemplifica Julia Gumieri.

Boate Querosene, em Itapevi, foi identificada como local de tortura por um agente da repressão  – Cacalos Garrastazu/Memorial da Resistência

Não foi identificado, porém, até o momento que as casas e sítios usados pela repressão tenham abrigado outras atividades. “Eu não posso afirmar que o Esquadrão da Morte se utilizou de um desses espaços. Mas, se o Fleury é um delegado da polícia que é ativo nos processos de extermínio, tortura, e compõe o Esquadrão da Morte, assim, eventualmente, ele pode usar o mesmo espaço”, pondera a pesquisadora.

Essa rede de imóveis sem nenhuma ligação formal com o Estado é um aprofundamento dos procedimentos ilegais e clandestinos que já aconteciam no DOI-Codi e outras instalações militares. O que só era possível devido às diversas formas de apoio de empresários ao regime, com cessão de espaços, veículos, financiamento direto e até vigilância sobre os próprios empregados. A montadora Volkswagen reconheceu que ajudou a repressão a perseguir os próprios funcionários. O ferramenteiro Lúcio Bellentani contou que foi torturado dentro do complexo industrial em São Bernardo do Campo. A empresa fez um acordo de reparação com o Ministério Público Federal.

Doutrina de guerra

A tortura não era uma novidade para as instituições brasileiras. Na ditadura de Getúlio Vargas, os opositores também eram perseguidos e presos. “Durante os outros períodos, a repressão política era uma repressão feita por órgãos oficiais. Prendia, torturava e soltava”, diz Ivan Seixas. A ditadura instaurada a partir do golpe de 1964, no entanto, incorporou uma visão de guerra contra a própria população, baseada, em grande parte, nas guerras coloniais da França na Indochina (Vietnã) e na Argélia.

“A doutrina da guerra revolucionária, como os franceses chamavam, foi um elemento-chave para preparar a organização e a estruturação dos serviços de informação brasileiros, que foram calcados nos serviços de informações franceses durante a Guerra da Argélia [1954 a 1962]”, diz o pesquisador Rodrigo Nabuco de Araújo, autor do livro Diplomates en Uniforme [Diplomatas de Farda], que trata da atuação dos militares franceses a partir dos serviços de diplomacia no Brasil entre 1956 e 1974.

O nome mais conhecido por trazer as expertises francesas para o Brasil é o general Paul Aussaresses. Antes de morrer, em 2013, o oficial reconheceu ter utilizado a tortura para combater a insurgência argelina. “Ele disse que torturou, que matou, que formou torturadores, e por isso ele acabou perdendo tudo. Ele perdeu a patente de general, perdeu o salário de aposentadoria de general. Foi um golpe muito grande que ele levou depois de ter dito tudo o que disse”, contextualiza Araújo antes de afirmar que Aussaresses não foi o principal responsável por trazer as estratégias francesas para o Brasil.

“Tem um outro que é muito mais insidioso do que o que o Aussaresses que é o Yves Boulnois”, destaca o pesquisador. Chegando ao Brasil em 1969, o coronel francês ajudou, segundo Araújo, na estruturação do DOI-Codi e esteve presente nas operações contra a guerrilha comandada por Carlos Lamarca no Vale do Ribeira. “Ele participou da organização da operação e depois da supervisão, da análise dos dados que foram colhidos durante os interrogatórios, durante as torturas”, detalha Araújo a respeito do papel estratégico de Boulnois.

O coronel chegou ao Brasil em 1969 como adido militar. Em correspondência enviada ao então ministro dos Exércitos da França, Pierre Messmer, Boulnois informava sobre os avanços na estruturação das forças da repressão brasileiras. “Com vários meses de treinamento adequado, cada unidade é, agora, capaz, independente de qual seja a missão específica, de participar de uma operação de guerrilha”, escreveu ao superior em correspondência acessada por Araújo e disponibilizada em seu livro.

 

Hierarquias paralelas

A experiência francesa de enfrentar guerrilhas em um ambiente urbano, como aconteceu na Argélia, influenciou, segundo o pesquisador, na criação da Operação Bandeirante, que reprimiu os grupos armados que lutavam contra a ditadura em São Paulo. “Os militares do 2º Exército em São Paulo se inspiraram amplamente das sessões administrativas especiais, que eram organizações civis e militares na Guerra da Argélia, para estruturar a Operação Bandeirantes e transformar essa experiência da guerra colonial francesa, na Guerra da Argélia, em algo possivelmente utilizável no Brasil”, explica Araújo.

“Se inspirou nessa centralização da informação, que é o caso francês, dessa reunião de civis e militares em um só comando, e da organização das operações, o que eles chamavam de hierarquias paralelas. Quer dizer, que você tinha uma rede de comando, uma hierarquia de comando que vem de cima para baixo, mas você tinha uma hierarquia paralela, uma organização e uma estrutura clandestina”, detalha o pesquisador.

As teorias dos militares franceses surgem também da tentativa de entender a derrota para as forças de libertação das antigas colônias. “Tinha a ver com uma negligência dos militares da dimensão política e psicológica do conflito”, diz a respeito das conclusões dos oficiais o coordenador do Laboratório de Análise em Segurança Internacional e Tecnologias de Monitoramento da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), Acácio Augusto.

O papel da tortura

“Para essa teoria, a sociedade está dividida em três grupos”, explica o professor. Esse pensamento estratégico parte, segundo ele, do princípio de que há uma minoria ativa, que luta contra a dominação colonial, no caso das ex-colônias francesas, ou contra a ditadura, no caso do Brasil. Há os apoiadores dos processos de dominação e há  “uma grande maioria, que eles chamam de neutra e pacífica, e que está à mercê de ser conquistada pela causa revolucionária, que deve ser disputada pelas forças da ordem”.

Por isso, para além do enfrentamento militar, foi feito, de acordo com Augusto, um esforço para evitar que o conjunto da população simpatizasse ou apoiasse os grupos de resistência. Ao mesmo tempo, os grupos de oposição são tratados como inimigos e desumanizados. “A tortura não era um ato de barbárie, não era um excesso do regime, era a própria forma de atuação do regime, inclusive gerida cientificamente. A ideia da tortura era produzir informação”, enfatiza.

O desaparecimento dos torturados, principalmente os que nunca foram registrados em estruturas oficiais do Estado, serve, segundo Araújo, a alguns propósitos. Por um lado, evita a responsabilização e repercussão pública das mortes, enquanto, por outro desestabiliza os opositores do regime.

“É uma forma de você criar uma incerteza muito grande em torno do que aconteceu com essa pessoa e dessa forma de criar uma impunidade em torno das pessoas que cometeram esses crimes”, diz o pesquisador.

O general francês Aussaresses, que ficou conhecido pelos cursos relacionados a tortura que promovia em Manaus, é também, segundo Araújo, protagonista de um evento que ilustra como a violência era instrumentalizada pelos colonialistas. “Ele solicitou o estádio de futebol da cidade. Ele torturou os presos em frente uns dos outros, depois matou todo mundo. Abriu uma vala comum, jogou todos os corpos ali, jogou cal quente em cima, e em cima disso ele jogou concreto armado. Quer dizer que não tem como saber quem está enterrado ali. Todos desapareceram”, conta o historiador sobre os fatos ocorridos na antiga cidade de Philippeville, atual Skikda, na Argélia.

Governo vai destinar imóveis da União sem uso para habitação popular

Mais de 500 imóveis da União em 200 municípios estão em estudo para a possível destinação a outros entes federativos, movimentos sociais e setor privado para construção de habitações e equipamentos públicos, entre outros. Além desses, que estão sob gestão da Secretaria de Patrimônio da União (SPU), o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) tem 3.213 imóveis não operacionais passíveis de serem destinados para outros projetos.

Nesta segunda-feira (26), o presidente Luiz Inácio Lula da Silva assinou o decreto que institui o Imóvel da Gente, o Programa de Democratização de Imóveis da União, durante coletiva de imprensa, no Palácio do Planalto. O objetivo do governo é dar uma destinação estratégica ao patrimônio público, com diálogo federativo e com a sociedade.

O documento cria ainda o comitê interministerial responsável por direcionar as ações do programa e os fóruns estaduais para gestão democrática dos imóveis, com a coleta das demandas locais e apoio no monitoramento do programa.

De acordo com a ministra da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos, Esther Dweck, a destinação levará em conta a função socioambiental do patrimônio da União e em benefício da população. Segundo ela, o governo do presidente Lula está mudando a lógica do governo anterior, da simples venda dos imóveis sem preocupação com a utilização e “muitas vezes abaixo do valor de mercado, com perda de patrimônio da União”.

As prioridades do programa são a oferta habitacional, por meio do Minha Casa Minha Vida (MCMV) Entidades e da linha com recursos do Fundo de Arrendamento Residencial e empreendimentos para locação social, por exemplo; regularização fundiária e urbanização; obras de infraestrutura e equipamentos de políticas públicas diversas do governo, como os projetos do Novo Programa de Aceleração do Crescimento e de saúde e educação.

“O processo dos fóruns estaduais será importantíssimo para a gente ampliar o nosso cadastro. E vamos dar sempre prioridade às parcerias com movimentos sociais, à destinação para equipamentos sociais [em parceria com estados e municípios]. E imóveis que não tenham essa possibilidade, sejam grandes empreendimentos, sejam imóveis que não têm a sua destinação para habitação diretamente, que caibam dentro do programa, é que serão alvo, então, de parceria com o setor privado”, disse a ministra Esther Dweck.

O Programa Imóvel da Gente abrangerá imóveis sem destinação definida, como áreas urbanas vazias, prédios vazios e ocupados, conjuntos habitacionais com famílias não tituladas, além de núcleos urbanos informais com e sem infraestrutura. Os instrumentos de destinação patrimonial incluem cessões, gratuita ou onerosa; doações com encargos, para provisão habitacional, regularização fundiária ou empreendimentos sociais permanentes; entrega para órgãos federais dos três poderes; e alienação com permuta, que é a troca de imóveis da União por outro imóvel ou por nova construção.

INSS

O presidente Lula assinou hoje também o decreto de criação do Grupo de Trabalho interministerial dos imóveis não operacionais do INSS, que tem o objetivo de aprimorar a gestão desse patrimônio. O documento permite ainda a transferência desses imóveis para a SPU sem necessidade de recomposição do Fundo Geral de Previdência.

Dos 3.213 imóveis do órgão, 483 já foram identificados como elegíveis para o programa, sendo 12 prédios para projetos habitacionais e 471 glebas ocupadas e conjuntos habitacionais a serem regularizados. Outros 2.730 imóveis em análise.

Entregas 

No evento de hoje, já foram anunciadas quatro novas entregas no âmbito do Programa Imóvel da Gente. Ao estado da Bahia, no município de Amargosa, foi cedido gratuitamente um imóvel para construção de uma escola. Também foi celebrado um acordo de cooperação entre o governo federal e o governo baiano para a definição de proposta de empreendimentos de múltiplos usos para a área do antigo aeroporto de Vitória da Conquista.

Também foi celebrado acordo de cooperação entre a União e o município do Rio de Janeiro para a definição de requisitos, modelos e diretrizes para a elaboração de proposta de empreendimento de múltiplos usos na antiga Estação Leopoldina.

Ainda no Rio de Janeiro, foi entregue a carta de anuência para a entidade União por Moradia Popular, selecionada no âmbito do MCMV Entidades. Por meio dela, o edifício da União localizado na Rua Sara, no Bairro Santo Cristo, será reformado e utilizado para residência, beneficiando 26 famílias de baixa renda.

Projeto-piloto

Em 2023, como projeto-piloto do programa, o Ministério da Gestão realizou 264 destinações de imóveis públicos em 174 municípios. Os bens públicos direcionados foram: 53 para provisão habitacional, 9 para regularização fundiária e urbanização, 201 para atendimento de políticas públicas e programas estratégicos e um para criação de empreendimento de múltiplos usos em grandes áreas.

Entre as principais entregas destaca-se a cessão do Aeroporto Brigadeiro Protásio de Oliveira, em Belém (PA), para apoiar a Conferência do Clima das Nações Unidas (COP 30), que o Brasil sediará em 2025. Também foram feitas as regularizações fundiárias em São Bento do Tocantins (TO), que beneficiou mais de 1 mil famílias, e em dez bairros de Recife (PE), com cerca de 25 mil famílias beneficiadas.

Brasil: 15 mi de hectares de imóveis rurais se sobrepõem a florestas

O Brasil tem mais de 51 milhões de hectares de área com sobreposições de imóveis rurais com terras indígenas e quilombolas, Unidades de Conservação, florestas públicas e assentamentos. O dado foi divulgado nesta quarta-feira (21), pelo Observatório do Código Florestal, que congrega mais de 40 entidades e tem, entre seus fundadores, o Instituto Socioambiental e The Nature Conservancy.

O observatório utilizou a nova versão do Termômetro do Código Florestal para realizar os cálculos e obter os dados. A ferramenta foi desenvolvida pelo Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam), em parceria com outras instituições.

Somente em relação às florestas públicas não destinadas, o perímetro em que se identificam sobreposições de propriedades rurais já passa dos 15 milhões de hectares. O estado com maior concentração, nesse caso, é o Amazonas, que possui uma área de mais de 13 milhões de hectares.

As sobreposições que envolvem territórios tradicionais equivalem a 12% do total verificado (4,8 milhões de hectares). As comunidades quilombolas 993 mil hectares, correspondentes a 2,5%.

Quando se procura saber qual o tamanho da área de reserva legal, ou seja, de vegetação que o dono de uma propriedade rural deve preservar, segundo a Lei 12.651/2012, do Código Florestal, o que o termômetro aponta é que uma parcela de 78% está concentrada em somente dois biomas: Amazônia (48%) e Cerrado (30%). O perímetro, nesse caso, é de 87 milhões de hectares.

Minha Casa, Minha Vida entrega imóveis para mais de 1.300 famílias

O programa Minha Casa, Minha Vida entregou nesta terça-feira (6) as chaves de imóveis para 1.328 famílias em quatro estados. A maior entrega ocorreu em Magé, no Grande Rio, onde foram beneficiadas 832 famílias.

Nos mais de 800 apartamentos em Magé viverão mais de 3.300 pessoas. Entre elas, estão Selma Fonseca, de 52 anos de idade, o marido e duas filhas.

“Nunca tive casa própria. Eu moro hoje numa casa cedida pelo meu pai. Só em saber que eu vou ter um apartamento no meu nome, fico muito feliz”, comemorou Selma ao receber as chaves do imóvel.

Lilian Azevedo, de 44 anos de idade, é vigilante, mas no momento está desempregada. Ela disse que ter um imóvel próprio traz um sentimento de segurança para ela e os dois filhos. “Eu moro no quintal do meu irmão, numa casa emprestada. É um sonho realizado”.

Aos 61 anos de idade e desempregada, Luciene Abreu nunca teve um imóvel próprio, assim como as duas vizinhas. “Lutei toda a minha vida pela casa própria. Acho que agora eu consegui”, disse, emocionada.

Segundo o governo federal, a construção desses imóveis estava parada desde 2017 e só foi retomada em maio do ano passado. “Não é possível [esse atraso]. No Brasil, tem gente que tem casa e não precisa de casa. Mas tem uma parte da população que não tem casa e nem sequer dinheiro para pagar aluguel. É dessa gente que o governo tem que cuidar”, disse o presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, que participou da cerimônia de entrega dos apartamentos em Magé.

Além dos apartamentos em Magé, foram entregues 200 imóveis em Paracatu (MG), 152 em Euclides da Cunha (BA) e 144 em Santo Antônio da Posse (SP).

Vendaval danifica muro, derruba cobertura de posto e destelha imóveis na RMP

Rajadas de vento de mais de 90 km/h causaram estragos principalmente nas áreas mais ao sul da Região Metropolitana de Piracicaba (RMP)

Muro do córrego Itapuã danificado
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Região Metropolitana de Piracicaba, SP, Brasil • 1 de fevereiro de 2024

 

A Região Metropolitana de Piracicaba (RMP) foi atingida por uma série de tempestades e vendavais na tarde de ontem, 31 de janeiro de 2024. Por volta das 15h, as rajadas de vento chegaram a ultrapassar os 90 km/h em alguns locais, segundo estimativas. As áreas situadas mais ao sul da RMP foram as mais atingidas.

Na zona sul de Piracicaba, o vendaval derrubou galhos de árvores, mas sem causar maiores transtornos. O muro que cercava o córrego Itapuã, feito de telhas leves, foi danificado pelo vento e ficou inclinado. Além disso, alguns imóveis tiveram suas telhas de zinco arrancadas pela ventania, algumas sendo encontradas a dezenas de metros de distância dos locais originais. Os bairros mais atingidos foram: Campestre, Itapuã, Monte Líbano, Novo Horizonte e Jardim Planalto, além da zona rural.

O município de Capivari foi ainda mais atingido. O vento forte derrubou a cobertura de um posto de gasolina sobre um caminhão que estava abastecendo no local. Felizmente, não houve feridos. Devido às condições adversas, o posto ficou sem energia. A cidade também sofreu com uma chuva intensa que reduziu a visibilidade.

O evento foi provocado pela entrada brusca de uma frente fria em um dia quente e úmido, o que gerou uma onda de tempestades que atingiu várias regiões do estado de São Paulo.

 

Destino de imóveis comprados por Vale em Brumadinho é incerto

Quem visita hoje as duas comunidades mais próximas da barragem da Vale que se rompeu em Brumadinho (MG) se depara com enorme quantidade de terrenos e casas que possuem placa similar na entrada: “Propriedade particular. Proibida a entrada de pessoas não autorizadas”. Janelas e portas fechadas, mato alto e nenhum sinal de pessoas morando ali. São imóveis que foram adquiridos pela Vale.

São tantas, que não é possível contar. Questionada pela Agência Brasil, a mineradora não informou o total de terrenos e casas adquiridos. Em Parque da Cachoeira, localizada próximo ao ponto onde os rejeitos atingiram o Rio Paraopeba, moradores informaram que cerca de 180 casas e terrenos foram vendidos para a Vale. Também contam que a maioria das famílias que fizeram essa negociação se mudaram de lá.  No Córrego do Feijão, em algumas ruas, há mais imóveis com essas placas do que sem elas.

Córrego do Feijão, bairro rural de Brumadinho. Foto: Tânia Rêgo/Agência Brasil

A Aassociação Estadual de Defesa Ambiental e Social (Aedas)  entidade escolhida pelos próprios atingidos para prestar assessoria técnica, faz um alerta. “A gente não acompanha cada atingido na negociação individual com a Vale. O escopo da nossa atuação foi definido em decisões judiciais e no acordo de reparação e é voltado para o coletivo. Mas acho importante ressaltar que o dano ao imóvel, à estrutura, ao terreno tem que ser indenizado pela Vale. Compra de imóvel não é indenização. Então mesmo a Vale comprando a casa do atingido, ele continua tendo direito à indenização”, informa a entidade.

Indenização

De acordo com a Vale, a indenização de propriedades em Parque da Cachoeira e Córrego do Feijão segue critérios estabelecidos em termo de compromisso firmado com a Defensoria Pública do Minas Gerais. Segundo nota da mineradora, o destino das casas adquiridas ainda é incerto. “Atualmente, está em andamento um estudo para avaliar o uso futuro desses imóveis, considerando as demandas e características da região”, afirma.

Através acordo firmado entre a Defensoria Pública e a Vale, foram definidos critérios e valores para as indenizações dos atingidos que aderissem ao termo. Na época, a medida foi anunciada como uma forma eficaz e célere de receber os recursos, mas gerou divergências. Algumas entidades que representam os atingidos avaliaram que as vítimas ficaram enfraquecidas. Elas defendiam uma negociação coletiva. Essa posição também era defendida pelo Ministério Público de Minas Gerais (MPMG).

A tragédia completou cinco anos nessa quinta-feira (25). Ao todo, 270 morreram soterradas pela lama de rejeitos liberada no episódio e diversas comunidades na bacia do Rio Paraopeba foram impactadas. Para marcar a data, Associação dos Familiares das Vítimas e Atingidos pelo Rompimento da Barragem em Brumadinho (Avabrum) coordenou uma série de eventos ao longo desta semana.

Ato em memória das 272 vítimas da barragem da Vale em Brumadinho. Foto: Tânia Rêgo/Agência Brasil

Em Córrego do Feijão, uma moradora que não quis se identificar, conta que a comunidade mudou muito. Com investimentos da Vale, há mais estrutura, foi construída uma praça. Ela vê a comunidade mais bem cuidada.

“A Vale só começou a fazer alguma coisa aqui depois do rompimento”, critica. A melhora parece valorizar os imóveis, o que afeta da moradora. Ela conta que os alugueis subiram. “Pagava R$ 350 antes. Hoje pago R$ 500 e a partir do mês que vem meu aluguel vai ser R$ 700.”

Moradores de Parque da Cachoeira, os aposentados João Moreira do Carmo e Vera Lúcia Barcelos do Carmo deixaram Belo Horizonte e se mudaram para a comunidade depois que se aposentaram. Eles possuem um comércio que vende artigos variados, principalmente produtos de papelaria, de obra, de marcenaria. Há também alguns brinquedos.

“Após o rompimento, chegamos a ficar três meses sem vender nada”, conta João. Eles disseram que a Defensoria Pública chegou a informá-los sobre a possibilidade de vender o imóvel, mas optaram por permanecer. O casal usou parte da indenização que receberam para investir na loja e fazer obras na casa.

“Muita gente foi indenizada e foi embora. Agora tem chegado outras pessoas, de empresas que estão trabalhando na reparação”, acrescenta João. Vera conta que também auxilia moradores da comunidade com serviços variados. Após o rompimento da barragem, ela cobrava R$ 10 para ajudar cada um com a papelada necessária para dar entrada no pedido de indenização, conforme termo firmado entre a Vale e a Defensoria Pública. “Todos os pedidos que eu preparei foram aceitos.”

São muitas as propriedades negociadas pela Vale com moradores. Foto: Tânia Rêgo/Agência Brasil – Tânia Rêgo/Agência Brasil

Vera afirma que após a tragédia, as comunidades receberam a visita de um grande volume de advogados. “Vieram vários aqui na loja. Advogados enganaram muitas pessoas. Falavam que iam receber muito dinheiro e não deixavam as pessoas irem na Defensoria Pública. E todo mundo que foi recebeu. Temos vizinhos que não aderiram ao termo e estão até hoje estão na Justiça. Chegou advogado aqui que veio do Rio Grande do Sul. Eu respondia que não precisava, que meu neto está estudando Direito. Temos vizinhos que não aderiram ao termo e estão até hoje estão na Justiça”.

Conflitos familiares

O casal também acredita que, com as indenizações, cresceram conflitos familiares na comunidade. “Muitas pessoas não estavam preparadas para essa situação e não administraram bem”, diz Vera.

O testemunho vai ao encontro do relato da juíza do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, Perla Saliba Brito. Na época da tragédia, ela atuava na Comarca de Brumadinho e estava de plantão. Coube a ela deferir os primeiros pedidos de bloqueios financeiros da Vale, de busca e apreensão e de prisões preventivas.

“Várias ações relacionadas indiretamente a tragédia envolviam o âmbito familiar. Os núcleos familiares das pessoas que morreram foram atingidos. Ações relacionadas com os inventários e com a separação dos bens, disputas de guardas de crianças que perderam os pais. Houve um aumento exponencial do acervo de ações no Juizado da Infância. Famílias foram destruídas.”