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Guerra às drogas consume R$ 7,7 bi do orçamento de estados

Pesquisa publicada hoje (9) pelo Centro de Estudos de Segurança e Cidadania (CESeC) indica que seis unidades da federação (UF) gastaram R$ 7,7 bilhões do orçamento na guerra às drogas em 2023.

O estudo “Efeito Bumerangue: o custo da proibição das drogas” levantou dados do Distrito Federal, Bahia, Pará, Santa Catarina, Rio de Janeiro e São Paulo por meio da Lei de Acesso à Informação (LAI).

Para o levantamento, foram considerados os custos da proibição das drogas em sete instituições do Sistema de Justiça Criminal: polícias Civil e Militar, Ministério Público, Defensoria Pública, Tribunal de Justiça, Sistema Penitenciário e Sistema Socioeducativo. Do valor total, mais de R$ 4,5 bilhões foram gastos em apenas duas instituições: a Polícia Militar e o Sistema Penitenciário.

Juntos, Bahia, Distrito Federal, Pará, Rio de Janeiro e São Paulo gastaram quase R$ 1 bilhão com o Sistema Socioeducativo, em privação e restrição de liberdade de adolescentes por infrações relacionadas à Lei de Drogas. Apenas em São Paulo, foram R$ 674 milhões do orçamento.

Segundo os pesquisadores, esses gastos afastam jovens negros e periféricos do convívio social. E são o resultado de uma política de segurança pública equivocada e pouco transparente, que não oferece alternativas de investimento no futuro dos jovens.

“Essa lei e essa guerra não afetam a população de maneira igual. As pessoas mais afetadas são, na maioria dos casos, negras. São pessoas que já sofrem com outras vulnerabilidades, e são sistematicamente afetadas pelo Estado. A política de drogas é racista e, por isso, a gente acha que um dos caminhos é a descriminalização das drogas”, diz Raquel Machado, socióloga e coordenadora de pesquisa do CESeC.

Outro dado destacado é que, no Rio de Janeiro e em São Paulo, 40% do total dos adolescentes atendidos pelos sistemas socioeducativos cumprem medidas de restrição e privação de liberdade por atos análogos aos crimes previstos na Lei de Drogas. No Pará, apenas 3,9% do total de jovens estão nessa situação.

O estudo também sugere que o orçamento poderia ter sido utilizado para outros serviços essenciais, como saúde e educação. Um dos exemplos apresentados é que, com R$ 7,7 bilhões, poderiam ser construídas 954 novas escolas públicas e mantidas 396 Unidades de Pronto Atendimento (UPAs).

Falta de transparência

Um dos problemas enfrentados pelos pesquisadores foi a falta de transparência na hora de ter acesso a alguns pedidos de informações sobre os custos reais de implementação da Lei de Drogas. Foram feitos 138 pedidos de dados via Lei de Acesso à Informação. Muitas respostas chegaram fora de prazo ou não foram enviadas. Também foram identificadas informações que não correspondiam aos pedidos.

Em outros casos, os pesquisadores julgaram que os números não eram críveis. Um exemplo foram os dados fornecidos pelo Tribunal de Justiça do Pará, que apresentou apenas oitos processos relacionados à Lei de Drogas. Informações publicadas pelo Conselho Nacional de Justiça, no Pará, mostram que o número de processos relacionados a essa legislação foi de 3.190.

Em relação às polícias militares, parte do trabalho relativo às drogas não é registrada ou publicada. Ações cotidianas de revistas nas ruas só resultam em registros formais quando alguma quantidade de droga é apreendida. Não existem ainda informações oficiais sobre o custo das operações policiais. O que, segundo os pesquisadores, subestima o impacto real da implementação da Lei de Drogas.

“Nós temos dificuldades para acessar os dados. E o que se percebe é que não existe uma cultura de criação e fornecimento de informações na própria instituição. Não ficam claros os dados sobre os custos das operações policiais, por exemplo. E é importante que possamos ter acesso a esse tipo de registro, é uma questão de democratização da informação, que tem um valor estratégico na formulação de políticas públicas”, diz a pesquisadora Raquel Machado.

A metodologia de pesquisa para calcular o custo da implementação da Lei de Drogas pelo Sistema de Justiça Criminal teve três etapas: estimar a fração do trabalho de cada instituição dedicada à aplicação da Lei de Drogas; levantar as despesas liquidadas das instituições estaduais analisadas; e calcular o custo da proibição das drogas para cada instituição estimando em suas despesas a proporção do trabalho dedicado à aplicação da Lei de Drogas.

Síria: potências estrangeiras apoiaram 13 anos de guerra contra Assad

Os diversos grupos armados de oposição na Síria que conseguiram derrubar o regime de Bashad al-Assad foram treinados, armados e financiados por mais de uma década por diversas potências regionais e globais, como o Qatar, a Arábia Saudita, a Turquia, os Estados Unidos, Israel e membros da União Europeia, entre outros.

Especialistas em Oriente Médio consultados pela Agência Brasil avaliam que a liderança de grupos extremistas islâmicos entre os rebeldes sírios, considerados terroristas por diversos países e organizações, traz o risco de que uma nova teocracia islâmica seja instalada na Síria.

O pós-doutor em Ciências Sociais e especialista em Relações Internacionais Marcelo Buzetto explica que a guerra da Síria, iniciada em 2011, após os eventos batizados de Primavera Árabe, não foi uma guerra civil convencional em que grupos formados por sírios lutam entre si, mas foi uma guerra internacional que envolveu as principais potências regionais e do planeta.

“Esses grupos todos que derrubaram o Assad são financiados por vários países. Cada um dando apoio de alguma maneira, com dinheiro, logística, equipamentos, armas, informações, uns mais discretamente, outros mais explicitamente”, disse o especialista em Oriente Médio.

No livro A Segunda Guerra-Fria, Luiz Alberto Moniz Bandeira conta como ocorreu a convocação de milhares de jihadistas em diversos países, principalmente na Líbia pós queda de Muammar Gaddafi. Os jihadistas são os adeptos da jihad que acreditam na “guerra santa” para instituir a Sharia, a lei islâmica.

Segundo o historiador, milhares de mercenários estrangeiros foram recrutados para sustentar a guerra contra al-Assad com apoio da Turquia, das monarquias árabes sunitas e de potências como França, Inglaterra e EUA.

O professor de Relações Internacionais e de Geopolítica da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM) Leonardo Trevisan destacou que as monarquias sunitas, assim como Israel e as potências ocidentais, tinham o interesse em alimentar a guerra na Síria para isolar o Irã, de maioria xiita e aliada do governo de Assad. Com a queda de Assad, poderiam abrir o caminho para os chamados Acordos de Abraão, que pretendiam normalizar as relações dos países árabes com Israel.

“Uma Síria sunita vai, com certeza, expulsar o Hezbollah. E aí entra o interesse de Israel também nessa queda do Assad, que é um interesse econômico em parceria com os árabes moderados, de redesenhar o Oriente Médio. Um Oriente Médio muito mais, vamos dizer, pró-negócios. E nesse mundo árabe e israelense não tem muito espaço para a lógica xiita e muito menos para a questão palestina”, explicou.

Em contrapartida, Rússia, Irã e o grupo libanês Hezbollah davam sustentação ao governo Assad na luta contra esses grupos armados da oposição, que incluía o Estado Islâmico (EI). O governo de Bashad al-Assad formava, ao lado do Irã e do Hezbollah, entre outros grupos, o chamado Eixo da Resistência, que é a coalizão contrária à hegemonia dos EUA e de Israel na região. O Irã reconheceu que a queda de Assad prejudica o Eixo da Resistência

Gasoduto

O pesquisador Marcelo Buzetto destacou que, por sua posição geográfica, a Síria está no centro da disputa geopolítica mundial onde o Ocidente, de um lado, e principalmente Rússia, China e Irã, de outro, medem forças. Nesse cenário, a construção de um gasoduto para levar petróleo e gás atravessando a Síria teria papel fundamental na guerra iniciada em 2011.

“As monarquias árabes, tradicionalmente aliadas dos Estados Unidos e do colonialismo europeu, tinham um projeto de gasoduto que apresentaram para o Bashar al-Assad a partir de 2000. Mas o Bashar al-Assad teria que se afastar da Rússia e do Irã e do Hezbollah. O Bashar al-Assad fez outra opção de uma cooperação prioritária com Rússia, Irã e China”, avaliou.

Turquia

Um dos atores mais ativos na guerra da Síria foi a Turquia que, historicamente, se colocava contrário à política do governo Assad de dar certa autonomia aos curdos, especialmente por temer o fortalecimento do Partido dos Trabalhadores do Curdistão (PKK). O governo de Recep Tayyip Erdogan teme o fortalecimento do movimento curdo que poderia colocar em risco a estabilidade do regime de Istambul.  

“A Turquia não quer ouvir falar de fundar um Estado curdo. Isso ela não quer. A Turquia tem o interesse de evitar um fortalecimento dos curdos ali na fronteira dela porque isso implicaria em ela também ter que dar espaço para os curdos dentro da Turquia”, explicou o professor Trevisan.

Extremismo

Um dos principais e mais poderosos é grupo islâmico fundamentalista Hayat Thrir al-Sham (HTS), que nasceu como um braço da Al Qaeda do Iraque e com ideologia jihadista. O regime ditatorial de Assad, por outro lado, era secular, ou seja, separava o Estado da religião.

O especialista Marcelo Buzetto destacou que a maior parte dos grupos que tomaram o poder na Síria são adeptos do wahabismo, doutrina ultraconservadora surgida na Arábia Saudita no século 18, que prega que os governos devem seguir os preceitos da jurisprudência islâmica.   

“Esses grupos mercenários e terroristas são, na sua maioria, adeptos da corrente sunita chamada waharista. O wahabismo é a ideologia sectária, conservadora, reacionária, antidemocrática de grupos como a Al-Qaeda, de governos como o da Arábia Saudita, que não respeita os direitos das mulheres, não respeita as liberdades democráticas. É muito perigoso a tomada do poder na Síria por esses grupos”, avaliou.

Buzetto lembrou que muitos desses grupos, até pouco tempo, estavam cortando cabeças de cristãos e de adeptos de outras étnicas ou grupos religiosos e colocando os vídeos na internet, no estilo do Estado Islâmico. Agora, esses grupos buscam enviar uma mensagem de que estão mais moderados.

O professor Leonardo Trevisan avaliou que existe o risco de que um novo califado baseado nas leis islâmicas possa ser instalado na Síria. “O Talibã também fez esse discurso de moderação quando os americanos saíram e eles tomaram o governo. Hoje, o Afeganistão não tem mais escola para meninas. Então, corre-se o risco de virar mais uma teocracia islâmica”, afirmou o especialista da ESPM.

A Comissão Internacional Independente de Investigação da Síria da ONU tem relatado uma série de abusos de direitos humanos por parte dos grupos rebeldes sírios, incluindo tortura, execuções e prisões arbitrárias.

Lula adverte para risco de nova guerra se ordem global não mudar

A modernização das instituições internacionais, inseridas na lógica de um mundo multipolar, é essencial para evitar o risco de uma nova guerra mundial ou de uma crise econômica de escala planetária, advertiu nesta segunda-feira (18) o presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Ele abriu a segunda sessão da Cúpula de Líderes do G20, que discute a reforma da governança global.

“A resposta para a crise do multilateralismo é mais multilateralismo. Não é preciso esperar uma nova guerra mundial ou um colapso econômico para promover as transformações de que a ordem internacional necessita”, discursou o presidente no encontro, que começou com mais de duas horas de atraso após a demora na realização da foto oficial dos líderes da reunião de cúpula.

Dizendo que a ordem vigente desde o fim da Segunda Guerra Mundial e o neoliberalismo não deram certo, Lula defendeu a reforma das instituições internacionais que amplie o peso dos países em desenvolvimento e subdesenvolvidos. A reforma da governança internacional é um dos eixos da presidência do Brasil no G20 (grupo das 19 maiores economias do planeta, mais União Europeia e União Africana).

“A globalização neoliberal fracassou. Em meio a crescentes turbulências, a comunidade internacional parece resignada a navegar sem rumo em disputas hegemônicas. Permanecemos à deriva, arrastados por uma torrente que nos empurra para uma tragédia. Mas o confronto não é uma fatalidade. Negar isso é abrir mão da nossa responsabilidade”, acrescentou Lula.

Para Lula, o G20 tem poder para reformar a ordem internacional na medida em que o grupo reúne tanto países ricos como em desenvolvimento.

“Em torno desta mesa estão os líderes das maiores economias e blocos regionais do planeta. Não há ninguém em melhor posição do que nós para mudar o curso da humanidade. Este ano, a reforma da governança global entrou em definitivo na agenda do G20”, comentou.

Conselho de Segurança

Uma das pautas da revisão da governança global é a reforma do Conselho de Segurança das Nações Unidas (ONU). Em seu discurso, Lula criticou o poder de veto dos cinco membros permanentes do Conselho de Segurança: Estados Unidos, Rússia, China, França e Reino Unido. Segundo o presidente brasileiro, esse sistema resulta na omissão do poder internacional diante de guerras e conflitos.

“A omissão do Conselho de Segurança tem sido ela própria uma ameaça à paz e à segurança internacional. O uso indiscriminado do veto torna o órgão refém dos cinco membros permanentes. Do Iraque à Ucrânia, da Bósnia a Gaza, consolida-se a percepção de que nem todo território merece ter sua integridade respeitada e nem toda vida tem o mesmo valor”, declarou Lula, numa crítica indireta a Estados Unidos, Israel e Rússia.

O presidente acrescentou que sanções unilaterais produzem sofrimento e atingem os mais vulneráveis. Lula mencionou conflitos esquecidos em países pobres e criticou intervenções estrangeiras que não conseguiram resolver guerras. “Intervenções desastrosas subverteram a ordem no Afeganistão e na Líbia. A indiferença relegou o Sudão e o Haiti ao esquecimento. Sanções unilaterais produzem sofrimento e atingem os mais vulneráveis”, comentou.

Tropas norte-coreanas na Rússia se preparam para guerra na Ucrânia

Um comunicado do Serviço Nacional de Inteligência da Coreia do Sul (NIS) informou, nesta sexta-feira (18), que a Coreia do Norte enviou 1,5 mil soldados das forças especiais para o extremo leste da Rússia para treinamento e aclimatação em bases militares locais e provavelmente serão enviados para combate na guerra na Ucrânia.

De acordo com o comunicado, o NIS está trabalhando com o serviço de inteligência ucraniano e usou a tecnologia de inteligência artificial de reconhecimento facial para identificar oficiais norte-coreanos na região de Donetsk, no leste da Ucrânia, apoiando as forças russas que disparam mísseis norte-coreanos.

Desde agosto do ano passado, a Coreia do Norte enviou, em mais de 13 mil contêineres, projéteis de artilharia, mísseis balísticos e foguetes antitanque para a Rússia, disse a agência, com base nos restos de armas recuperados da frente de batalha na Ucrânia.

No total, mais de oito milhões de projéteis de artilharia e foguetes foram enviados para a Rússia, segundo o NIS.

“A cooperação militar direta entre a Rússia e a Coreia do Norte que foi relatada pela mídia estrangeira foi agora oficialmente confirmada”, informou a agência de espionagem em comunicado.

Mais cedo, o presidente sul-coreano, Yoon Suk Yeol, convocou uma reunião de segurança não programada com as principais autoridades de inteligência, militares e de segurança nacional para discutir o envolvimento das tropas norte-coreanas na guerra da Rússia contra a Ucrânia, informou o gabinete de Yoon.

“Os participantes (…) compartilharam a opinião de que a situação atual, em que os laços mais estreitos entre a Rússia e a Coreia do Norte foram além do movimento de suprimentos militares para o envio real de tropas, é uma grave ameaça à segurança não apenas para o nosso país, mas para a comunidade internacional”, disse.

O gabinete de Yoon informou que a Coreia do Sul, juntamente com seus aliados, tem acompanhado de perto o envio de tropas da Coreia do Norte para a Rússia desde os estágios iniciais.

A Coreia do Sul responderá às atividades do Norte com todos os meios disponíveis, acrescentou, sem detalhar as ações que poderá tomar.

A Coreia do Sul, que emergiu como um grande exportador global de armas, vendendo caças, obuseiros mecanizados e mísseis, tem sido pressionada por alguns aliados ocidentais, incluindo Washington, para ajudar a armar a Ucrânia com armas letais, mas não tem feito isso abertamente.

O pesquisador Ramon Pacheco Pardo, do King’s College de Londres, disse que, apesar da gravidade do desenvolvimento, ele pode não ser pesado o suficiente para mudar a posição de Seul.

“No que diz respeito à Coreia do Sul, acho que sua linha vermelha é a Rússia fornecendo apoio à Coreia do Norte, o que permite que Pyongyang melhore substancialmente seu programa nuclear e de mísseis, e não o apoio da Coreia do Norte à Rússia.”

Laços

Desde a cúpula de seus líderes no extremo Leste da Rússia no ano passado, Coreia do Norte e Rússia melhoraram drasticamente seus laços militares e se reuniram novamente em junho para assinar uma parceria estratégica abrangente que inclui um pacto de defesa mútua.

A Rússia e a Coreia do Norte negam que tenham se envolvido em transferências de armas. O Kremlin também rejeitou as afirmações sul-coreanas de que a Coreia do Norte pode ter enviado alguns militares para ajudar a Rússia contra a Ucrânia.

A Coreia do Norte tem 1,28 milhão de soldados na ativa, de acordo com os dados mais recentes da Coreia do Sul, e intensificou o desenvolvimento de uma série de mísseis balísticos e de um arsenal nuclear, alimentando a tensão regional e atraindo sanções internacionais.

O envio de tropas para a Rússia, se confirmado, seria o primeiro grande envolvimento da Coreia do Norte em uma guerra desde a Guerra da Coreia de 1950-53.

Líbano: brasileiro diz que situação é terrível e espera guerra total

O empresário libanês naturalizado brasileiro Bassam Haddad, de 67 anos, contou que é “tensa e terrível” a situação em Beirute, a capital do Líbano, e que está na expectativa para ver se o conflito vai virar uma guerra total na região. Mesmo com a oferta de avião da Força Aérea Brasileira (FAB) para deixar o país, ele ainda não decidiu se vai voltar ao Brasil. 

“A situação está muito tensa e terrível, principalmente no sul do Líbano e no sul e sudoeste de Beirute, região que foi bombardeada bastante e onde continuam [os bombardeios]. A cada uma, duas ou três horas sempre tem um bombardeio. No nosso bairro, a gente escuta alguns bombardeios e não tem como trabalhar normalmente. Estamos na expectativa se que vai ter, ou não, uma guerra geral. Todo mundo está triste e chateado”, relatou o brasileiro.

Desde o dia 25 de setembro, Israel tem feito bombardeios massivos no sul do Líbano e sudoeste de Beirute. Estima-se que os ataques dos últimos oito dias mataram cerca de 1 mil pessoas e que 1 milhão de habitantes deixaram suas casas, segundo agências das Nações Unidas (ONU). Na segunda-feira (30), as Forças Armadas de Israelanunciaram a invasão, por terra, do território libanês. 

O libanês-brasileiro Bassam Haddad, em entrevista à Agência Brasil nesta terça-feira (1), afirmou que os bombardeios caem a cerca de 10 ou 15 quilômetros da sua casa. Além disso, não sabe se voltará ao Brasil por causa do trabalho e da família que vive no Oriente Médio.  

“Pensar [em voltar ao Brasil] eu penso, tem minhas filhas que são brasileiras e minha ex-mulher que é gaúcha, mas estamos esperando uns dois ou três dias pra ver o que pode acontecer. É difícil largar tudo e ir embora, tem a empresa, a vida toda, minhas filhas trabalham, minha mãe é velhinha. Tem a família inteira aqui, não é fácil ir embora”, comentou.

O empresário libanês-brasileiro Bassam Haddad com suas duas filhas que vivem no Líbano e, no telefone, seus dois filhos que vivem no Brasil e na Espanha. Foto – Bassam Haddad/Arquivo Pessoal

Bassam vive no norte de Beirute com as duas filhas que estudam e trabalham no país. Tem ainda um filho que vive em Porto Alegre (RS) e outro que estuda na Espanha. O libanês-brasileiro foi morar em São Paulo em 1983, quando se naturalizou brasileiro.

Ele deixou o Líbano por causa da guerra da década de 1980. Naquela época, Israel invadiu e ocupou o sul do Líbano e parte de Beirute. A ocupação israelense durou até o ano de 2000, quando o Hezbollah – criado nessa época – tomou o controle do sul libanês.

Famílias nas ruas

O empresário libanês-brasileiro viveu 15 anos no Brasil, mas já está há 26 anos de volta ao Líbano. Bassam Haddad contou que passou a maior parte do tempo dos últimos dias em casa e que sai apenas para comprar comida e tentar trabalhar nas regiões que não sofreram ainda bombardeios.

“Muita gente saiu de casa sem levar nada, apenas a própria roupa, e agora têm que arrumar moradia e alimentação. Não é fácil, tem famílias inteiras ficando na rua, famílias que tem casas e tiveram que fugir graças aos bombardeios israelenses. Os massacres de Israel bombardeiam civis, crianças e mulheres”, denunciou.

Israel alega que os bombardeios e a invasão do território são necessários para desmantelar o poder militar do grupo Hezbollah que, desde outubro de 2023, tem realizado ataques contra o norte de Israel em solidariedade à Faixa de Gaza e aos palestinos. O Hezbollah diz que os ataques só devem acabar quando Israel desocupar Gaza. 

Para o empresário, é falsa a narrativa de Israel de que eles apenas estão se defendendo. Ele entende que Tel-Aviv quer expandir suas fronteiras e subordinar os países vizinhos. Bassam defende que é o Exército Libanês, e não o Hezbollah, quem deve proteger o território do país. Porém, avalia que apenas o Hezbollah tem poder de fogo para se contrapor à Israel.

“O exército libanês não tem a força e não tem armas. Então, o Hezbollah foi obrigado a trazer e estocar armas, além de aceitar o apoio do Irã, para se defender de Israel. Os israelenses dizem que querem apenas eliminar o Hezbollah. Mas a gente não confia neles. Nós já tivemos experiência com eles. A gente sabe qual é o plano futuro deles. Eles querem que o povo que mora na região siga as ordens deles”, argumentou.

Itamaraty diz para brasileiros deixarem Líbano por guerra com Israel

O aumento da troca de mísseis entre o Líbano e Israel no final de semana levou o Itamaraty a recomendar aos brasileiros que vivem na região que abandonem o local e que não viajem ao Líbano neste momento. 

No domingo (25), a embaixada do Brasil em Beirute divulgou recomendações aos cerca de 21 mil brasileiros que vivem no país do Oriente Médio, sendo a maior comunidade do Brasil nesta região.

“A embaixada recomenda aos cidadãos que residem no Líbano, ou que passam por ele, que deixem o país pelos seus próprios meios até que as coisas voltem ao normal”, diz o informe, acrescentado que os brasileiros que decidirem ficar no país não devem ficar na região sul, nas zonas fronteiriças e outras áreas consideradas perigosas, onde se concentram os ataques.

O comunicado pede ainda que os brasileiros sigam as instruções das autoridades locais; reforcem medidas de precaução; não participem de comícios e protestos; certifiquem-se que o passaporte está válido pelos próximos seis meses e atualizem todos os dados de registro na embaixada brasileira.

O grupo libanês Hezbollah e o exército de Israel têm intensificado a troca de mísseis na fronteira entre os dois países, com o Hezbollah lançando centenas de foguetes e drones contra Israel na manhã desse domingo, enquanto Israel teria atacado o Líbano com 100 jatos, segundo informa a agência de notícias Reuters.

O conflito na fronteira do Líbano com Israel começou ao mesmo tempo que a guerra na Faixa de Gaza, após o 7 de outubro de 2023. Lideranças do Hezbollah defendem que os disparos devem continuar enquanto Israel seguir com sua campanha no enclave palestino. Nos últimos dias, os ataques têm se intensificados, em parte em resposta ao assassinato, no Líbano, do líder do Hezbollah Fuad Shukr.

Brasil

Em nota, o governo brasileiro informou que acompanha, com grave preocupação, a escalada das tensões entre Líbano e Israel. “O Brasil conclama todas as partes envolvidas a exercerem máxima contenção, a fim de evitar a intensificação de hostilidades na região e o alastramento do conflito para o restante do Oriente Médio”, informou o Ministério das Relações Exteriores do Brasil nesse domingo.

Maduro anuncia bloqueio de 10 dias da rede X por incitar guerra civil

O presidente da Venezuela Nicolás Maduro anunciou, na quinta-feira (9), que o país deve suspender o funcionamento da rede social X, o antigo Twitter, por 10 dias, sob a acusação de que a plataforma violou as leis do país ao incitar a guerra civil entre os venezuelanos.

“[A rede social] violou todas as normas da própria rede social Twitter, hoje conhecida como X, e tem viola incitando o ódio, o fascismo, a guerra civil, a morte e o enfrentamento entre os venezuelanos e, com isso, violou todas as leis da Venezuela e na Venezuela há lei. Vamos respeitar a lei”, afirmou Maduro em um encontro com comunas e movimentos sociais, em Caracas.

Venezuelanos consultados pela Agência Brasil informaram que, por enquanto, a plataforma segue ativa na manhã desta sexta-feira (9).

Maduro disse que a Comissão Nacional de Telecomunicações do país (Conatel), estatal que regula o setor na Venezuela, apresentou uma proposta para suspender a plataforma. Segundo o presidente, a rede social terá 10 dias para apresentar as informações e cobranças que as autoridades solicitarem.

“Dez dias para que apresente as informações e para estabelecer a medida administrativa definitiva. Já basta de plantar a violência e o ódio e de atacar a Venezuela do exterior. Temos que derrotar o golpe cibernético”, afirmou, acrescentando que vai “enfrentar a espionagem do império tecnológico”.

O presidente venezuelano acusa o dono da plataforma X, o multibilionário Elon Musk, de estar por trás de um suposto ataque cibernético contra o sistema eleitoral do país. Musk também é acusado de usar a rede social que controla para impulsionar conteúdos que incitam a insurreição contra as instituições do país. 

O dono da plataforma ainda não se manifestou sobre a nova medida da Venezuela contra a rede social, mas o bilionário tem atacado o governo Maduro nos últimos dias, se colocando ao lado da oposição do país. 

Nesta semana, Maduro também iniciou uma campanha contra o aplicativo de mensagens Whatsapp, dizendo que deletou o programa do seu celular e recomendou que todos façam o mesmo. Segundo as autoridades venezuelanas, lideranças chavistas e membros das forças de segurança têm recebido ameaças por meio do Whatsapp.  

“Estou livre da espionagem do Whatsapp”, disse o chefe do Executivo, acrescentando que “mais cedo que tarde nascerão as novas redes sociais venezuelanas e nos liberaremos dessa gente”.

Eleições

A Venezuela vive nova crise política após as eleições presidenciais de 28 de julho. O Poder Eleitoral do país anunciou a vitória do Maduro contra a oposição, mas não apresentou os dados detalhados por mesa de votação, nem realizou as auditorias previstas para após o pleito, o que tem gerado denúncias de fraude.

A campanha do candidato Edmundo González publicou na internet supostas atas eleitorais em posse dos partidos que o apoiam. Esses dados indicam uma vitória de González. Porém, o governo afirma que as atas da oposição foram falsificadas e o Ministério Público do país abriu uma investigação penal contra os responsáveis pela página que hospedou esses documentos.

Nos três dias que se seguiram a votação foram registrados atos violentos e pacíficos em diversas partes do país, resultando em mortes de manifestações e policiais, dezenas de feridos e cerca de 2 mil presos, segundo as autoridades. Apoiadores do governo também se mobilizaram nas ruas para defender o resultado anunciado pelo Conselho Nacional Eleitoral (CNE). 

Uma investigação na Suprema Corte da Venezuela foi aberta para apurar o processo eleitoral e as supostas atas originais foram entregues pelo CNE ao Judiciário, mas ainda não foram divulgadas publicamente. Em novo comunicado publicado nessa quinta-feira (8), Brasil, México e Colômbia voltaram a pedir os dados eleitorais completos

“Guerra cultural” via redes sociais estimula violência política

Os disparos contra o ex-presidente Donald Trump, nos Estados Unidos (EUA), reacenderam o debate sobre o aumento da violência política em algumas sociedades nos últimos anos, como a brasileira e a norte-americana.

Para especialistas consultados pela Agência Brasil, os discursos de ódio e a chamada “guerra cultural”, potencializada pelas redes sociais, alimentam essa violência política que tem características distintas da vivida durante a Guerra Fria, quando os EUA e a antiga União Soviética (URSS) disputavam influências no planeta, resultando nas ditaduras pela América Latina.

O pós-doutor do Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo (NEV/USP) sociólogo Pablo Almada destaca que a “guerra cultural” é uma estratégia usada não apenas para demarcar um posicionamento político, mas também criar espaços de batalha nas redes sociais.  

“A guerra cultural tem uma lógica bastante binária e excludente. Pensa-se em binarismos que são insuperáveis. É aquela ideia de nós, os nativos, contra os imigrantes. Nós, os locais, contra o globalismo, entre outras dicotomias. Isso cria um problema, que é muito grave, que é uma polarização que ultrapassa a esfera da política”, explicou.

Segundo o especialista, a “guerra cultural” é a disputa política no campo ideológico que disputa valores, crenças e normas culturais, sendo utilizada por grupos conservadores e de direita para manipular a opinião pública com retórica incendiária.

Almada avalia que essa lógica da “guerra cultural” ganhou força a partir dos anos 2010, especialmente com a eleição de Donald Trump, em 2016, quando o político republicano convocou o estrategista Steve Bannon para ser seu marqueteiro político.   

Violência legitimada 

O professor da Universidade de Denver, dos Estados Unidos, e pesquisador do Washington Brazil Office (WBO) Rafael R. Ioris, avalia que a violência política tem crescido nos últimos anos impulsionada pelos discursos de ódio que pregam a intolerância e legitimam o uso da força para resolver questões políticas.

“Tem diferença entre os contextos nacionais, mas o que essa nova violência política tem em comum é essa visão autoritária e homogênea da sociedade que prega que as diferenças têm que ser eliminadas e que isso tem que ser resolvido pela força, se necessário. Então isso faz parte de uma dinâmica mais ampla”, avalia.

Para Ioris, imaginou-se no final do século 20 que a violência política poderia ser superada em algumas sociedades. Porém, o que se viu nos últimos anos foi o crescimento dessa violência no Brasil, na Europa, e em outros países da América Latina.

“É uma retomada desse discurso da violência, das forças mais oligárquicas, mais conservadoras, defendendo que não se deve admitir que a esquerda dê certo na América Latina, por exemplo. Há uma nova manifestação de ações violentas dentro da política. Isso é preocupante, até mesmo chocante, porque a gente imaginava que tinha superado isso”, destacou.

Redes sociais

Os dois especialistas destacaram o papel das redes sociais e da desinformação no crescimento da violência política atual. Para eles, a internet potencializou a disseminação de discursos de ódio que, antes da internet, não circulavam de forma tão ampla.  

“Uma das características dessa nova forma de violência política é que ela perpassa os discursos construídos nas redes sociais. A desinformação amplifica essas visões equivocadas que se tem sobre o outro. Não é simplesmente uma notícia falsa, é a construção de discursos e narrativas a partir de memes e virais que circulam amplamente nas redes sociais”, explica o pesquisador da USP Pablo Almada.

Para o especialista da WBO Rafael Ioris, as redes sociais são centrais para o estímulo à violência política. “A ferramenta das redes sociais não é o mal em si, mas como ela serviu como instrumento para dar muita voz para esse discurso anti-sistêmico. Isso foi fundamental”, acrescentou.

Democracia

O crescimento da violência política é um sintoma de uma crise nas ditas democracias liberais do mundo que, ao não conseguirem resolver os problemas dos povos, abrem espaço para atores que propõem uma ruptura da própria democracia, segundo avalia o professor da Universidade de Denver Rafael Ioris. 

Para ele, há uma insatisfação crescente das pessoas nas sociedades modernas que, apesar de produzirem muitas riquezas, não são capazes de distribuí-las, concentrando os recursos no 1% mais rico.

“As pessoas não se sentem muito representadas pelos partidos que existem. Sentem que as eleições não dão conta das suas demandas. Com isso, um setor da população passa a defender a ruptura, ou seja, explodir tudo, romper com essa democracia”, acredita.

Para o sociólogo Pablo Almada, as instituições e práticas democráticas são alvos da “guerra cultural” e desinformação que circula nas redes, citando como exemplo os ataques aos resultados eleitorais no Brasil e nos Estados Unidos.  

“Os discursos da desinformação tencionam a democracia, deslegitimando as figuras que estão no poder público, os políticos. E, quando se deslegitima, acaba também associando às instituições às quais fazem parte. Por exemplo, a campanha de desinformação aqui no Brasil em relação ao Supremo Tribunal Federal (STF)”, pontuou.

Juventude

O pós-doutor do Núcleo de Estudos da Violência da USP Pablo Almada acrescenta ainda que a desinformação disseminada pelas redes sociais tem apelo especial na juventude, que é o público que mais consome internet.

“Para os jovens, a rede social funciona como um espaço para obter informações. Muitos não lêem outros meios, como portais de notícias. Eles acessam suas mídias sociais com as notícias que lhes interessam. Isso também faz com que eles estejam mais vulneráveis a essa desinformação”, ponderou.

Para o pesquisador da WBO Rafael Ioris, é difícil dizer se a juventude, em sua maioria, aderiu aos discursos mais radicalizados. “Nessa eleição na França, muitos jovens insatisfeitos, com subemprego, também acabaram apoiando um pouco essa visão de explodir o sistema. Então, talvez sim, mas eu não sei se é uma coisa que dá para generalizar”, afirmou.

Exposição em São Paulo lembra cobertura de guerra no Vietnã

“Guerra é ruim, mas sem jornalista é pior”. A frase é de José Hamilton Ribeiro, um dos mais consagrados e premiados jornalistas brasileiros e que, em março de 1968, cobriu a guerra do Vietnã pela revista Realidade. Foi lá que, ao pisar em uma mina terrestre, perdeu parte de sua perna esquerda.

Apesar disso, ele mantém a convicção de que o trabalho do jornalista em zonas de conflito continua sendo fundamental. “Se há uma guerra que não se consegue evitar, então é preferível que se tenha um jornalista nessa guerra. Jornalista na guerra é uma forma pequena, humilde, mas é para pôr a bola no chão e manter o bom senso, sabe? E evitar aquela cabeça do pessoal guerreiro, que fazia guerra por gosto, por sentir prazer na guerra”. Segundo ele, as testemunhas da guerra e os jornalistas que fizeram a cobertura deram um depoimento muito diferente do pessoal que se alinhou ao espírito guerreiro de algumas mentes assim diabólicas, às vezes”, disse ele, em entrevista à Agência Brasil e à TV Brasil.

Depois de anos à frente do Globo Rural, José Hamilton Ribeiro agora vive mais recluso, pelo interior mineiro – Foto Henrique Almeida/ Agecom/UFSC

Depois de anos à frente do Globo Rural, José Hamilton Ribeiro agora vive mais recluso, pelo interior mineiro. Nesta semana, ele visitou o Museu da Imagem e do Som (MIS), na capital paulista, para uma dupla celebração: a inauguração da exposição O Gosto da Guerra, com imagens produzidas por jornalistas e fotógrafos em áreas de conflito, e o relançamento de seu livro de mesmo nome, em que relata a cobertura da Guerra do Vietnã.

No livro, ele descreve o que era “gosto da guerra”, que sentiu profundamente logo após ter pisado acidentalmente em uma mina terrestre. “Sentia na boca um gosto ruim, com se tivesse engolido um punhado de terra, pólvora e sangue – hoje eu sei, era o gosto da guerra”.

“Essa expressão veio a mim num momento, lá no Vietnã, em que senti que tinha acontecido alguma coisa comigo, mas não sabia exatamente o que era. Quando recuperei a consciência, estava sentado e em uma realidade que eu não estava dominando, não sabia qual era, não sabia o que tinha acontecido direito. Uma hora ali, senti uma sensação estranha aqui na testa, passei a mão e vi que tinha uma coisa molhada, líquida, olhei e era sangue. Pensei: ‘puxa vida, um ferimento na cabeça. Para gerar sangue e para sujar a mão assim é sinal de que foi um ferimento grande. Estou morrendo’. Tive a sensação de que ia morrer”, contou aos jornalistas da Empresa Brasil de Comunicação (EBC).

Foi aí que percebeu que seu maior ferimento, no entanto, não era na cabeça. “O enfermeiro começou a fazer curativo daqui, curativo dali. No fim das contas, o ferimento tinha sido pequeno. Foi mais o barulho da explosão e a sensação de insegurança que veio com aquilo. De repente, estava sentado no chão, sem saber por quê. Fiquei inseguro em relação ao que tinha acontecido. Então, demorou algum tempo até que alguém me ajudou a completar a realidade que estava vivendo naquele momento, que no começo era tão confusa para mim”.

O que aconteceu no Vietnã há mais de 50 anos deixou marcas profundas – e não lhe escapou da memória. Ainda hoje, ao observar as fotos feitas pelo fotógrafo japonês Keisaburo Shimamoto, que o acompanhou no Vietnã e registrou esse episódio para a revista Realidade – mostrando-o caído ao chão, envolto em muito sangue – ele se recorda exatamente do que aconteceu.

“Sempre ficou uma ‘lembrançazinha’, uma ‘fumaçazinha’, uma coisa que se inventa na memória. Mas isso não impediu que eu continuasse a vida ali e continuasse trabalhando como repórter”, afirmou.

A imagem feita por Shimamoto, retratando José Hamilton logo após ter perdido a perna em uma mina, é uma das fotografias que estão em exposição na mostra, que entrou em cartaz no MIS. Há também imagens produzidas pelo próprio jornalista, em que ele apresenta crianças sorrindo em meio à guerra.

“Eu estava no Vietnã lidando com um problema terrível, que era a guerra, um problema de perda, e de repente conheci crianças, vi crianças lá que, no meio de toda aquela tristeza, daquela pobreza e daquela amargura, brincavam. Brincavam uma com a outra, independentemente da situação que os homens não conseguiam controlar”, comentou.

A exposição

Com curadoria de Teté Ribeiro, filha do jornalista, a exposição O Gosto da Guerra apresenta imagens registradas por José Hamilton Ribeiro e pelo fotógrafo que o acompanhou naquela cobertura, o japonês Keisaburo Shimamoto.

A mostra destaca ainda o trabalho de mais cinco correspondentes de guerra do século 20, que cobriram conflitos ocorridos na Ucrânia, em Moçambique, no Iraque e em El Salvador, entre outros. São fotografias produzidas por André Liohn, Hélio de Campos Mello, Juca Martins, Leão Serva e Yan Boechat e que mostram os custos humanos envolvidos em uma guerra.

“Essa é uma mostra comemorativa de O Gosto da Guerra, que meu pai escreveu em 1969. Esse livro foi escrito antes de eu nascer, o acidente aconteceu antes de eu nascer, e ele está sendo reeditado agora pela Companhia das Letras, numa coleção chamada Jornalismo Literário. O livro não tem muitas fotos, mas a reportagem do meu pai ficou muito marcada fundamentalmente por uma imagem, que foi, infelizmente, a dele ferido no Vietnã. Para complementar [a exposição], a gente chamou mais cinco fotógrafos brasileiros que cobriram conflitos na segunda metade do século 20. Tem até uma [imagem] do século 21, que é, infelizmente, da guerra que está acontecendo atualmente na Ucrânia”, explicou a curadora.

Jornalista José Hamilton Ribeiro gravemente ferido durante reportagem na Guerra do Vietnã em julho de 1969 – Keisaburo Shimamoto/Divulgação

Ao trabalhar com a reedição do livro escrito por seu pai e na curadoria dessa exposição, Teté revela que começou a sentir o sofrimento que ele enfrentou na guerra. “Eu conhecia só a história do sofrimento da minha mãe [do que ela havia enfrentado enquanto o pai estava na guerra]. A história do sofrimento do meu pai, do quanto doeu fisicamente, do quanto achou que ia morrer, do quanto chegou perto de morrer, acho que só entendi nessa reedição do livro. E isso foi chocante”, contou.

“Ninguém acha que pai e mãe vão morrer ou sofrer. Ou que tenham sofrido antes de você nascer. Você nem acha que eles existem antes de você nascer. E agora que sou adulta, tenho filha e meu pai está mais velho, esse sofrimento me causou um choque e uma dor terrível. Adorei a experiência de ter revisitado isso, mas não tem nenhum lado bom. Foi horrível, um acidente terrível. Se há alguma coisa que dá pra falar que é boa em toda essa pesquisa, é que ele está vivo, que a gente está vivo, estamos juntos e continuamos lutando”, disse Teté.

A exposição, com entrada gratuita, fica em cartaz no MIS da Avenida Europa até o dia de 26 de julho. Mais informações podem ser obtidas no site.

Lula diz que Putin e Zelensky “estão gostando da guerra”

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva afirmou, nesta quinta-feira (13), que os presidentes da Rússia, Vladimir Putin, e da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, “estão gostando da guerra” que começou em fevereiro de 2022 com a invasão dos russos ao território ucraniano. Lula reiterou a posição de neutralidade do Brasil e voltou a defender que os líderes encontrem uma solução negociada para a paz.

“Eu não faço defesa do Putin, o Brasil foi o primeiro país a criticar a Rússia pela invasão do país. O que eu não faço é ter lado, o meu lado é a paz […]. O Brasil tem uma posição definida, nós estaremos dispostos a participar de qualquer reunião que discuta paz se tiver os dois conflitantes na mesa, se tiver Rússia e Ucrânia, porque senão não é discutir paz”, disse, em Genebra, na Suíça, após participação na conferência da Organização Internacional do Trabalho (OIT).

Antes do evento, Lula esteve com a presidenta da Suíça, Viola Amherd, que convidou o líder brasileiro a participar de uma cúpula pela paz entre Rússia e Ucrânia, que será realizada entre os dias 15 e 16 de junho, no país europeu. Lula declinou do convite, reafirmando que o Brasil tem interesse viabilizar discussões caso as duas partes do conflito sentem-se à mesa.

“Eu tinha mandado uma carta para a presidenta [da Suíça] de que o Brasil não vai participar de uma cúpula em que só tem um lado. A guerra é feita por duas nações, ou seja, se você quiser ir contra a paz, você tem que colocar os dois numa mesa de negociação. Mas [se] você coloca só um lado, você não quer paz”, disse, lembrando a sua conversa com Putin, na última segunda-feira (10).

“Esta semana mesmo o Putin me ligou, eu mostrei para ele a necessidade de a gente encontrar uma solução, sentar numa mesa de negociação e parar de matar, para que as pessoas comecem a trabalhar e viver suas vidas”, afirmou Lula.

“Acho que tem que ter um acordo, agora se o Zelensky diz que não tem conversa com o Putin e o Putin diz que não tem conversa com o Zelensky, ou seja, é porque eles estão gostando da guerra, porque senão já tinham sentado para conversar e tentar encontrar uma solução pacífica. Qualquer solução pacífica mata menos gente, destrói menos e é mais benéfica ao povo tanto da Ucrânia quanto da Rússia”, acrescentou o brasileiro.

Desoneração da folha

Lula também comentou decisão do Senado de devolver ao governo federal a medida provisória (MP) que restringe as compensações do Programa de Integração Social (PIS) e da Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins).

A MP foi proposta pela equipe econômica para compensar a perda de receitas com o acordo que manteve a desoneração da folha de pagamento para 17 setores da economia e para pequenos municípios este ano. A ideia era restringir o uso de créditos tributários do PIS/Cofins para o abatimento de outros impostos do contribuinte e colocar fim no ressarcimento em dinheiro do crédito presumido.

Para o presidente, não há pressão contra o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, já que a responsabilidade pela proposta de compensação é, desde o princípio, do Congresso Nacional.

“Não sei qual é a pressão contra o Haddad. Todo ministro da Fazenda, desde que eu me conheço por gente, vira o centro do debate quando a coisa dá certo e quando a coisa não dá certo. O Haddad tentou ajudar os empresários construindo uma alternativa à desoneração feita para aqueles 17 grupos; que não deveria ter sido o Haddad a assumir a responsabilidade, mas o Haddad assumiu, fez uma proposta e os mesmos empresários não quiseram”, disse Lula.

“Então, agora você tem uma decisão da Suprema Corte que vai acontecer. Se em 45 dias não houver um acordo sobre compensação, o que vai acontecer? Vai acabar a desoneração, que era o que eu queria, por isso eu vetei naquela época. Então, agora, a bola não está mais na mão do Haddad, a bola está na mão do Senado e na mão dos empresários: encontre uma solução. O Haddad tentou, não aceitaram, agora encontrem uma solução”, acrescentou o presidente.

Por determinação do Supremo Tribunal Federal (STF), o governo e o Congresso têm prazo para encontrarem uma fonte de receita para compensar o prolongamento da desoneração.

Criada em 2011 para estimular a geração de empregos, a desoneração da folha das empresas foi prorrogada diversas vezes. No fim do ano passado, os parlamentares aprovaram o projeto de lei da desoneração que prorroga, até 2027, a troca da contribuição previdenciária – correspondente a 20% da folha de pagamento – por uma alíquota entre 1% e 4,5% sobre a receita bruta de empresas de 17 setores da economia.

O projeto aprovado pelos parlamentares também cortou de 20% para 8% a alíquota das contribuições ao Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) por parte dos municípios com até 156 mil habitantes. A continuidade da política de desoneração custará R$ 26,3 bilhões ao governo em 2024, segundo dados da Fazenda, sendo R$ 15,8 bilhões em relação às empresas e R$ 10,5 bilhões em relação aos municípios.

O presidente Lula vetou o projeto de lei da desoneração. O Congresso derrubou o veto ainda em dezembro do ano passado, mantendo o benefício às empresas. O governo, então, editou uma medida provisória revogando a lei aprovada. Por falta de acordo no Congresso para aprovação, o governo concordou em transferir a discussão para outros textos.

Após negociações, no mês passado, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, e o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, anunciaram um acordo para superar o impasse. O benefício será mantido este ano, sendo reduzido gradualmente até 2028, quando os 17 setores da economia voltarão a pagar a alíquota de 20% da folha, como os demais segmentos. O acordo permitiu a extensão do benefício em troca de medidas para elevar a arrecadação e compensar a renúncia fiscal.

Juscelino Filho

Lula voltou a falar sobre o indiciamento, pela Polícia Federal, do ministro das Comunicações, Juscelino Filho. Ele é suspeito de uso indevido de recursos públicos para a pavimentação de estradas que dão acesso a propriedades de sua família na cidade de Vitorino Freire, no Maranhão.

Mais cedo, o presidente afirmou que conversaria com o ministro ainda hoje sobre sua permanência ou não no governo, mas, agora, disse que a conversa ocorrerá após sua viagem à Europa.

“Não tem essa pressa, quando eu voltar, depois do G7, eu vou sentar eu vou descobrir o que aconteceu de verdade, em uma conversa franca com ele. Porque eu digo para todo mundo, só você saber a verdade, se você cometeu o erro, reconheça que cometeu, se não cometeu, brigue pela sua inocência”, disse Lula.

Depois da participação na conferência da OIT, ainda hoje, Lula segue para a Itália onde participa da Cúpula do G7, reunião de líderes de sete das maiores economias do mundo. O evento ocorre de 13 a 15 de junho em Borgo Egnazia, na região da Puglia, no Sul do país. Além das reuniões ampliadas de trabalho, a agenda do presidente prevê encontros bilaterais com autoridades.

Trabalho digno

Ainda em Genebra, o presidente também teve encontro bilateral com o diretor-geral da OIT, Gilbert Houngbo. Segundo comunicado da Presidência da República, Lula falou sobre as preocupações com as relações trabalhistas, citando a precariedade das novas formas de emprego, e frisou que superar desigualdades é tema central, pois as diversas formas de desigualdades, de gênero, social, racial, se refletem no mercado de trabalho.

“Houngbo concordou com os pontos apresentados pelo presidente Lula. Falou também sobre o envelhecimento da força de trabalho em diversas regiões, e os consequentes déficits de formação profissional e aumento de gastos previdenciários. Lula citou preocupações sobre como os governos e os sistemas previdenciários devem lidar com a parcela cada vez maior de trabalhadores que preferem ser autônomos”, diz a nota.

Antes de embarcar para a Itália, o presidente participa da cerimônia de lançamento do selo institucional dos Correios em homenagem aos 35 anos da obra O Alquimista, do escritor brasileiro Paulo Coelho. Coelho mora em Genebra.