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Estudo mostra que árvores exclusivas da Mata Atlântica estão ameaçadas

Uma equipe de pesquisadores de instituições brasileiras e estrangeiras descobriu que 82% das espécies de árvores existentes somente na Mata Atlântica, 2.025 espécies, estão sob ameaça de extinção. 

Publicada na revista Science, a pesquisa avaliou o nível de risco em que estão 4.950 espécies presentes no bioma, sendo que dois terços estão ameaçadas. A Mata Atlântica abarca cerca de 15% do território nacional em 17 unidades federativas. 

Entre as chamadas espécies endêmicas, ou seja, próprias de determinada região ou bioma, e que não se desenvolvem em nenhum outro local, mais da metade analisada (52%) entra na classificação das que estão sob risco de extinção. Uma parcela de 19% é considerada vulnerável e outra de 11% é tida como criticamente em perigo. Somente 17% das espécies estão em situação pouco preocupante dentro da escala e 1% é classificada como quase ameaçada.

Outras 13 espécies endêmicas foram consideradas possivelmente extintas. Os especialistas também se depararam com cinco espécies que haviam sido consideradas extintas.

O levantamento teve como referência uma base de dados de mais de 3 milhões de registros de herbários e de inventários florestais de toda a Mata Atlântica. Com relação aos critérios, os que serviram de norte foram os estabelecidos pela União Internacional de Proteção da Natureza (IUCN), régua bastante rigorosa. 

O docente Renato de Lima, da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq), da Universidade de São Paulo (USP), um dos coautores do trabalho, ressaltou que trata-se de um estudo bastante abrangente e completo. Um dos propósitos, segundo ele, é constituir uma “lista vermelha” das árvores ameaçadas do bioma. “Colocamos um número no problema”, resumiu. 

Lima revelou que uma pesquisa semelhante foi feita, por outros pesquisadores, com enfoque na Amazônia, abrangendo perdas de vegetação no passado e apresentando projeções futuras.

“Principalmente quanto às espécies endêmicas, foi um susto, mesmo a gente tendo feito as avaliações de maneira meio conservadora. Várias decisões metodológicas são um pouco conservadoras e a gente não considerou, como fizeram com a Amazônia, o desmatamento futuro da Mata Atlântica, áreas que provavelmente serão desmatadas no futuro, e mudanças climáticas. A gente só considerou, basicamente, perda de floresta, desmatamento”, disse em entrevista à Agência Brasil.

“A gente sabe que, junto com o desmatamento, vem muita perda de qualidade das florestas que permaneceram, que não foram desmatadas. As florestas acabam pegando fogo, tem corte de madeira ilegal, a presença de espécies invasoras, pisoteio por gado. Por isso que a gente fala que é uma análise conversadora, porque, para muitas espécies, é necessário ter qualidade para se manter ao longo do tempo”, esclareceu.

De acordo com a SOS Mata Atlântica, hoje restam apenas 24% da floresta original. Uma das medidas defendidas pela entidade como uma saída para recuperá-la é manter o foco na preservação das áreas que cercam mananciais, nascentes e margens dos rios, estas pela relação com a mata ciliar.

Setor audiovisual carece de profissionais especializados, diz estudo 

Uma pesquisa realizada com uma amostra de 300 empresas da indústria brasileira do audiovisual aponta a existência de uma demanda por profissionais especializados. O Estudo de Demanda Profissional do Setor Audiovisual foi desenvolvido pela Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro (Firjan) em parceria com o Sindicato Interestadual da Indústria Audiovisual (Sicav) e confirma a existência de alta demanda por mão de obra, especialmente no atual momento de expansão vivido pelo mercado. 

Segundo o estudo, contribuem para o cenário as recentes leis de cota para o cinema e para a TV paga, sancionadas pelo governo, garantindo mais espaço para as produções nacionais, somadas aos R$ 2,7 bilhões da Lei Paulo Gustavo, destinados especificamente para o audiovisual. 

A maior parte das empresas que participaram da pesquisa (86,7%) pertence à atividade de produção e quase a totalidade (91%) são microempresas. A maioria das empresas está situada no estado do Rio de Janeiro, com 46%, seguido por São Paulo (20%), Minas Gerais (9%), Paraná (5%) e Bahia (3,3%). 

A pesquisa foi realizada entre os dias 27 de julho e 18 de agosto de 2023. 

Mão de obra

De acordo com a pesquisa, três a cada quatro empresas encontram dificuldades na contratação de mão de obra no Brasil, ou o equivalente a 76,7% do total consultado. Para 72,3%, a expectativa é que esse desafio permaneça no setor nos próximos três anos.

“A gente vê que as empresas do setor do audiovisual têm muita dificuldade na contratação de mão de obra, mas é importante destacar o período de que estamos falando, que é um período de expansão do setor e de retomada de investimentos após a pandemia. Esse cenário pode contribuir para a demanda do período atual”, explica a consultora de Estudos e Pesquisas da Firjan, Joana Siqueira, em entrevista à Agência Brasil. 

Ela observa, no entanto, que essa demanda não está, necessariamente, relacionada à falta de competência dos profissionais que se encontram no mercado, mas aponta para a necessidade da formação de novos profissionais.

Os pesquisadores detectaram que há também um caminho para a requalificação, sobretudo em temas mais atuais, relacionados às transformações e tendências modernas do mercado de trabalho. “As empresas pontuam, por exemplo, a carência de profissionais mais preparados para lidar com a Lei Geral de Proteção de Dados, novas funções exigidas pelo mercado, com funções relacionadas a tecnologia e digitalização. São esses dois caminhos que a gente percebe”, indicou Joana Siqueira. 

Um total de 48,4% das empresas consultadas que sentem alguma dificuldade aponta para a carência de profissionais para lidar com novas tecnologias e digitalização, entre as quais a Inteligência Artificial (IA). “A gente entende que a mão de obra é um dos pilares principais para a manutenção e crescimento dos setores. Entendendo que o cenário é positivo para o setor audiovisual e tende a crescer nos próximos anos, é importante olhar para essa questão, para ter cada vez mais profissionais qualificados para atuação nesse mercado”.

Desafios

Os principais desafios que as empresas já enfrentam ou vão enfrentar proximamente envolvem as chamadas soft skills, que são habilidades comportamentais e socioemocionais dos profissionais que estão no mercado, relacionadas à maneira como eles lidam com os outros e consigo mesmos em diferentes situações, apontadas por 71,7% dos entrevistados, e qualidade técnica (64,3%). Em seguida, aparecem segurança e proteção de dados (LGPD), novas funções exigidas pelo mercado, novas tecnologias e digitalização do setor, e condutas e legislações que impactam o setor, como assédio, racismo, discriminação e diversidade.

Joana destacou que muitos dos desafios apontados são mais relacionados às tendências atuais. A demanda é bastante pulverizada, por cargos de gestão de pré e pós-produção (62,7%), por técnicos de pós-produção (61,9%), técnicos de pré-produção e produção (58,6%). “Os cargos artísticos e de desenvolvimento criativo são um pouco menos demandados no momento atual (48%)”.

A pesquisa analisou 48 ocupações do setor audiovisual e a demanda das empresas por cada uma delas. Observa-se que a área de pós-produção parece ser um gargalo relevante para o setor, uma vez que das 11 ocupações em destaque identificadas na pesquisa, seis pertencem a essa categoria de profissionais.

Políticas públicas

O Sindicato Interestadual da Indústria Audiovisual (Sicav) está trabalhando com a Firjan em cima dos resultados apurados visando fomentar a formação de mão de obra para o setor que é bastante relevante para a indústria fluminense e nacional. Na avaliação de Leonardo Edde, vice-presidente da Firjan e presidente do Conselho Empresarial de Indústria Criativa da entidade, depois da desaceleração provocada pela pandemia da covid-19 e pela falta de políticas públicas destinadas à indústria audiovisual, tornar o ambiente mais competitivo e autossustentável significa ir além dos investimentos retomados, focando na profissionalização e formação de quem atua na área, especialmente em um ambiente de demanda represada.

Segundo Edde, “a ascensão de novas tecnologias de comunicação e mídia, assim como diferentes formas de disseminação de conteúdo, têm provocado mudanças estruturais na distribuição ocupacional dos profissionais do mercado, nas relações trabalhistas e nas habilidades técnicas e comportamentais demandadas pelo setor”. O estudo vai se somar às pesquisas feitas pela Firjan e Sicav sobre o setor audiovisual e a economia criativa que foram encaminhadas ao Ministério da Cultura no ano passado com o intuito de ajudar na formação de políticas públicas. O setor do audiovisual contribui com mais de R$ 27 bilhões ao Produto Interno Bruto (PIB brasileiro, soma de todos os bens e serviços produzidos no país), destaca Leonardo Edde.

Joana Siqueira acrescentou que a pesquisa objetiva também fomentar o trabalho do Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai) para poder atender às necessidades desse setor audiovisual.

Impactos

Entre os principais impactos que a carência de profissionais já está provocando, a pesquisa destaca, no âmbito da empresa, o encarecimento dos profissionais (65,2%) e a terceirização de serviços (63,9%). A consultora de Estudos e Pesquisas da Firjan salientou, porém, que existe um montante significativo de empresas que já relata desdobramentos que impactam diretamente o público: quatro em cada dez empresas relatam redução na qualidade das produções realizadas (39,8%) e três em cada dez já experimentam diminuição do volume de produções pela falta de profissionais (29,9%). “A gente vê que já tem desdobramentos que impactam o produto que o público vai receber, o que reforça mais ainda a relevância de se olhar para a questão da mão de obra”. Aumento do tempo de execução das produções é relatado por 41% dos consultados.

O cenário dos próximos três anos é muito similar, destacou a consultora da Firjan. Na perspectiva das empresas, embora se esteja agora em um momento com potencial grande de recuperação para o setor, com a retomada dos investimentos, a realidade de maior demanda por mão de obra não é um fato isolado ou causado por um fator circunstancial. 

“Na perspectiva da indústria audiovisual, essa demanda alta por mão de obra vai se manter nos próximos anos”. Ou seja, será preciso concentrar esforços para que a indústria se desenvolva da melhor forma.

Cenário fluminense

No Rio de Janeiro, estão 138 do total de empresas entrevistadas no estudo. Entre as empresas fluminenses, 89,1% são de micro porte e 84,8% são empresas de produção. Setenta e dois vírgula cinco por cento se dedicam exclusivamente ao setor audiovisual. A busca por profissionais qualificados é sentida por 71% das empresas fluminenses, abaixo do resultado nacional, bem como a expectativa para os próximos anos é mais otimista, apontada por 65,9% dos entrevistados.

Ainda entre as empresas fluminenses, 51,4% apontam para a necessidade de mais profissionais preparados para lidar com as novas tecnologias e digitalização do audiovisual. Outras dificuldades são apontadas para encontrar profissionais para atuar com segurança e proteção de dados – LGPD (48,6%) e com as novas funções exigidas pelo mercado (46,7%).

Estudo mostra aumento de tiroteios em ações policiais em Pernambuco

As ações policiais que resultaram em confronto armado na região metropolitana do Recife aumentaram 48% em 2023, em relação ao ano anterior. Segundo levantamento divulgado nesta segunda-feira (29), pela organização não governamental (ONG) Instituto Fogo Cruzado, 2023 foram registrados 99 tiroteios nessa região no ano passado.

O aumento de confrontos envolvendo a polícia pernambucana é superior ao crescimento da violência armada na região metropolitana como um todo (8%). Entre os 2.076 baleados no Grande Recife, 113 (5% do total) foram atingidos por policiais. Em comparação com 2022, o número de baleados em ações da polícia na região aumentou 66%.

Houve ainda a participação da polícia em quatro das 11 chacinas ocorridas na região metropolitana, segundo o Fogo Cruzado.

O levantamento também analisou dados de violência armada nas regiões metropolitanas do Rio e de Salvador. No Grande Rio, o total de tiroteios e mortos nesses incidentes caiu de 2022 para 2023.

No entanto, a participação da polícia em tiroteios manteve-se relativamente estável de um ano para outro. Em 2022, 35% das trocas de tiros envolveram policiais. No ano seguinte, o percentual foi 34%.

Na região metropolitana de Salvador, a polícia participou de 37% dos 1.804 tiroteios registrados. Dos 1.783 baleados, 639 (ou 36% do total) foram atingidos durante operações policiais.

Trinta e três chacinas, ou seja, 69% das 48 que ocorreram na Grande Salvador, envolveram a polícia baiana. As 48 chacinas deixaram 190 mortos, dos quais 136 foram vitimados nas 33 ocorrências que tiveram envolvimento de policiais.

“Os dados são de três dos estados mais importantes e populosos do Brasil, então a gente tem que olhar para eles como um recorte que já não é local. Na verdade, refletem o que vemos nos grandes centros brasileiros, com alguma variação, é claro. Mas [esse é] um retrato da realidade do país atualmente. Se o começo de 2023 foi de esperança, a realidade do ano foi marcada pelo descontrole da violência armada nos três estados”, afirma a diretora de dados e transparência do Instituto Fogo Cruzado, Maria Isabel Couto.

A Agência Brasil entrou em contato com a Secretaria de Defesa Social de Pernambuco mas não recebeu uma resposta até o fechamento desta reportagem.

Em nota, a Secretaria de Segurança Pública (SSP) da Bahia ressaltou que as mortes violentas caíram 6% na Bahia, na comparação de 2023 com o ano anterior 2022. “[A secretaria] destaca ainda que o número absoluto de assassinatos foi o menor dos últimos sete anos. A SSP informa ainda que o reforço no combate ao crime organizado resultou na apreensão recorde de 54 fuzis (maior da história) e de 6.006 armas de fogo”, diz a nota.

A Polícia Civil do Rio destacou que o estado registrou reduções expressivas nos crimes contra a vida de janeiro a novembro de 2023. “Quanto às ações da Polícia Civil, todas são realizadas por agentes capacitados, após minucioso planejamento, priorizando sempre a preservação de vidas, tanto dos policiais quanto dos cidadãos”, diz em comuicado.

A Polícia Militar fluminense ressaltou que, até o momento, não recebeu as informações sobre o estudo do Fogo Cruzado. “Cabe ressaltar que a corporação leva em consideração sempre os dados oficiais divulgados pelo Instituto de Segurança Pública”.

A Secretaria de Segurança do Rio acrescentou que o ano de 2023 fechou com o menor número de mortes violentas em 34 anos.

Estudo revela que mulheres são maior alvo da criminalidade no Rio

O estudo Criminalidade e espaço urbano: As redes de relação entre crime, vítimas e localização no Rio de Janeiro, elaborado por pesquisadores da Universidade Federal Fluminense (UFF), revela que as mulheres constituem o maior alvo da criminalidade na capital fluminense, em especial mulheres negras e pardas. Os autores da pesquisa, Fernanda Ventorim, mestre pelo Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo (PPGAU-UFF), e Vinicius Netto, professor e ex-coordenador do PPGAU, analisaram as conexões entre os diferentes tipos de crimes cometidos na cidade do Rio de Janeiro, considerando perfil das vítimas, horário e onde eles tendem a acontecer.

Com auxílio de uma ferramenta denominada “redes complexas”, eles concluíram que as mulheres sofreram 56,6% do total de crimes cometidos na cidade, no período de 2007 a 2018, e foram vítimas de 71,7% dos crimes de agressões no município. A maioria desses casos é de vítimas negras ou pardas (51,7% dos casos), assim como mulheres jovens, na faixa de 20 a 40 anos de idade (79,8%).

O método de “redes complexas” permite explorar associações a partir das similaridades e frequências de conexões entre fatores e variáveis que compõem o problema da criminalidade urbana, segundo os autores do estudo. Com ele, três agrupamentos são gerados: ocorrências similares de acordo com o perfil das vítimas; características dos tipos de crime registrados; e diferentes localizações.

Os pesquisadores mostraram que as relações entre os dados não acontecem de forma aleatória, mas são resultado de questões sociais presentes nas metrópoles brasileiras, além de apresentarem padrões de ligação entre certos tipos de crime, características das vítimas e a localização das ocorrências. 

O estudo foi publicado na Revista Brasileira de Gestão Urbana, um dos principais periódicos sobre urbanismo do país, no ano passado, e se encontra em avaliação pelo Journal of Quantitative Criminology, para publicação este ano.

Base

A pesquisa utilizou dados do Instituto de Segurança do Estado do Rio de Janeiro (ISP-RJ), que totalizaram cerca de 500 mil ocorrências criminais entre 2007 e 2018 na capital, das quais foram selecionadas 5 mil ocorrências, para capturar padrões dessas conexões, segundo o professor Vinicius Netto. “É um estudo estatisticamente muito robusto”, definiu.

Observou-se diferença significativa entre o tipo de crime que mulheres e homens sofrem, sobretudo homens negros e pardos, que são vítimas de crimes de homicídio, e homens brancos que são mais vítimas de lesão corporal de trânsito. “Em outras palavras, um dos pontos-chave da pesquisa é que as questões de gênero são importantes, ou seja, as mulheres são mais sujeitas à violência; mulheres negras e pardas de maneira desproporcional; assim como homens negros e pardos são sujeitos a um tipo de crime de homicídio doloso, entre outros”, explicou Netto.

Os pesquisadores detectaram também que existem concentrações espaciais desses tipos de crimes. “Mulheres periféricas são, de fato, mais sujeitas à violência”, indicou o professor. Isso inclui o extremo da zona oeste do Rio de Janeiro e o limite do Rio de Janeiro na zona norte com a Baixada Fluminense. 

“São áreas de concentração maior desses crimes, de ocorrências contra mulheres, dos quais a maioria vai ser contra negras e pardas. Aí se sobressaem lesão corporal dolosa e ameaça, que são crimes de agressão”, disse. 

Nos bairros de Santa Cruz, Pavuna e Campinho, todas as ocorrências reportadas referem-se a casos de estupro contra vítimas do sexo feminino, em sua maioria crianças e adolescentes (entre 0 e 20 anos) e predominantemente pardas (88%). As informações reforçam a hipótese guiadora do estudo de como crimes cometidos no município têm relação com questões socioeconômicas presentes na cidade, sobretudo as desigualdades de gênero e racial, sustentam os autores.

A sondagem trabalhou especialmente com crimes cometidos contra pessoas, seguindo a classificação do ISP-RJ, abrangendo crimes relacionados a lesões contra a vítima (lesão corporal dolosa, ameaça e estupro); crime associado às pessoas desaparecidas; crimes relacionados aos homicídios (homicídio doloso, tentativa de homicídio e morte por intervenção de agente do Estado, como resultado de operações policiais); e crime associado a acidentes de trânsito. Violações como furtos e roubos, apesar de frequentes e amplamente registrados na cidade, não foram considerados pela falta de detalhes sobre as vítimas, como identidade de gênero, idade e identificação racial, o que inviabiliza a aplicação do método, esclareceram os pesquisadores.

Criminalidade e gênero

A quarta edição do Mapa da Desigualdade, publicada em 2023, aponta que os registros de violência contra mulheres diminuíram em 19 municípios da região metropolitana do Rio de Janeiro, entre 2018 e 2021. Segundo os autores, a queda reflete a subnotificação de casos de violência durante a pandemia de covid-19 devido ao isolamento social. Apesar de não avaliar a variação da quantidade de casos de agressão contra as vítimas do sexo feminino, uma vez que os dados do ISP-RJ registram apenas “sexo feminino” e “sexo masculino”, o estudo demonstra que mulheres são as principais vítimas de crimes violentos no município do Rio.

Fernanda Ventorim explica que no que se refere aos crimes relacionados às mulheres, muitos casos não são denunciados devido ao medo ou por dependência financeira. “Por exemplo, no âmbito de ameaças ou violência doméstica, surge a preocupação de que as mulheres não se sintam à vontade para denunciar ou não possam fazê-lo devido ao receio pelos seus filhos. No entanto, no contexto de lesões corporais relacionadas a acidentes de trânsito, é algo que frequentemente resulta em registro, uma vez que as pessoas tendem a elaborar boletins de ocorrência para acionar o seguro do veículo”. 

Chamou a atenção ainda que esse tipo de crime é frequentemente associado a homens brancos e de alta renda, que residem em áreas nobres da cidade. “A maioria dos casos registrados ocorrem nessa região pelo maior poder aquisitivo dessas pessoas que, muitas vezes, possuem veículos”, indicou.

Com relação aos homens, o estudo identificou que o crime a que estão mais expostos é a lesão corporal culposa de trânsito, ocorrência que se destaca em sete dos 16 grupos de ocorrências. Também os delitos contra a vida (homicídio doloso, tentativa de homicídio, morte por intervenção de agente do Estado ou pessoa desaparecida) têm pessoas do sexo masculino como principais vítimas, correspondendo a 83,8%. Desse total, homens negros ou pardos constituem a maioria, com 68,3% do total, proporção também maior do que a representação desse grupo racial na sociedade brasileira (55,5%, somando homens e mulheres). Em relação à faixa etária, as vítimas do sexo masculino tinham entre 20 e 40 anos (61,9%).

Outros resultados apurados pelos pesquisadores mostram que lesões contra a vítima se destacam em oito grupos, sendo os perfis mais frequentes de pessoas do sexo feminino, negras ou pardas, entre 30 e 50 anos (27,36 % da amostra) e, na maioria dos casos, localizadas em bairros de baixa renda.

Geografia

O fator geográfico é determinante na avaliação das ocorrências, devido à frequente denúncia de crimes nas áreas mais periféricas, aponta o estudo. Somado a isso, locais com renda predominantemente baixa, em regiões espacial e socialmente segregadas, ou seja, “áreas mais distantes do centro e com menores oportunidades de trabalho e de serviços”, conforme define Fernanda Ventorim, são mais suscetíveis a crimes de violência com a intenção de ferir ou difamar, como a lesão corporal dolosa e ameaça.

Avaliando a criminalidade no geral, a pesquisadora reflete que diferentes estados têm experiências próprias com o tema. “Ao analisar pesquisas realizadas em outros países, nota-se que elas não têm relação com os desafios que enfrentamos no Brasil, por exemplo. São problemas diferentes, por isso acho essa área tão interessante para compreender as nuances que podem variar de uma região do mundo para outra”.

Vinicius Netto informou que Fernanda Ventorim pretende dar prosseguimento à pesquisa porque está se candidatando, no momento, a um doutorado em criminologia, nos Estados Unidos, com essa finalidade, usando ferramentas de análise de redes, que são avançadas em termos de computação. Pela UFF, o grupo do professor Netto investiga segregação social e urbana e questões relacionadas.

Estudo estima 17 mil mortes por tratamento de covid-19 com cloroquina

O uso, sem previsão na bula (off label), de hidroxicloroquina para tratar pacientes hospitalizados com covid-19 na primeira onda da pandemia pode estar relacionado a cerca de 17 mil mortes em seis países: Bélgica, França, Itália, Espanha, Estados Unidos e Turquia. A maior parte das mortes estimadas, cerca de 7,5 mil, foi nos Estados Unidos.  

A estimativa foi feita por pesquisadores da França e do Canadá em um estudo que reúne dados coletados com diferentes metodologias, e teve as conclusões publicadas com ressalvas neste ano no periódico científico Biomedicine & Pharmacotherapy.

Os cientistas estimaram ainda que o uso do medicamento pode ser associado a um aumento de 11% na taxa de mortalidade de pacientes hospitalizados.

Limitações

Os autores afirmam que, apesar das limitações do estudo e de suas imprecisões, ele ilustra o perigo de, no manejo de futuras emergências, mudar a recomendação de um medicamento com base em evidências fracas. O número de mortes estimado, de 16.990, pode estar tanto sub como superestimado, mas certamente seria muito maior se houvesse dados disponíveis para mais países, ponderam.

“Esse estudo ilustra as limitações de extrapolar tratamentos de condições crônicas para condições agudas sem dados precisos, e a necessidade de produzir rapidamente evidência de alto nível em testes clínicos randomizados para doenças emergentes”, diz o artigo. 

Originalmente, a hidroxicloroquina é indicada para o tratamento de doenças como malária, lúpus e artrite, mas, durante a pandemia de covid-19, seu uso foi defendido por autoridades políticas, como ex-presidente Jair Bolsonaro, mesmo depois de evidências científicas mostrarem ineficácia e riscos.

Já nos primeiros meses da pandemia, a Organização Mundial da Saúde suspendeu os testes para tratamento da covid-19 com a hidroxicloroquina, para preservar a segurança dos pacientes e por reconhecer sua ineficácia.

O estudo publicado neste ano pelos pesquisadores franceses e canadenses reforça que o uso prolongado do medicamento aumenta o risco de problemas cardiovasculares. Os pesquisadores ainda citam um estudo de colegas brasileiros que relaciona a hidroxicloroquina a efeitos colaterais no coração e no fígado.

Alerta de desastres baseado em CEPs é ineficaz, revela estudo

Levantamento feito por pesquisadores da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC-PR) identificou que ainda é ineficaz a emissão de alertas para eventos adversos e desastres por meio de mensagens de texto (SMS) utilizando Códigos de Endereçamento Postal (CEPs).

O estudo resultou de tese de doutorado do pesquisador do Programa de Pós-Graduação em Gestão Urbana da PUC-PR, Murilo Noli da Fonseca, um dos responsáveis pela pesquisa.

“Uma das etapas da pesquisa era entender como se dá o processo de alerta de eventos adversos e desastres no Brasil. O sistema de alerta de eventos adversos e desastres é baseado no Cadastro de CEP e constitui a principal forma utilizada hoje pelos municípios brasileiros, principalmente através da Defesa Civil”, explicou. Esse foi o arquivo que deu base ao estudo.

Sabendo que havia esses dados disponíveis, os pesquisadores entraram em contato com a Secretaria Nacional de Proteção e Defesa Civil, através da Lei de Acesso à Informação, e pediram o extrato de celulares cadastrados para receber esse tipo de alerta. “A gente queria saber se as pessoas que moram em áreas reconhecidamente vulneráveis socioeconomicamente e de risco de desastres estavam cadastradas ou não. Pelo senso comum, a gente acha que elas estão cadastradas porque tendem a estar, recorrentemente, afetadas por esses eventos”, afirmou. Não foi, entretanto, o que constataram os pesquisadores.

Início do estudo

O trabalho foi iniciado por Curitiba (PR), onde houve um mapeamento para verificar em quais áreas estavam localizadas as pessoas que fizeram o cadastro. Depois, efetuou-se o cruzamento dos celulares cadastrados com as áreas de vulnerabilidade socioeconômica e ambiental e as áreas de risco, sendo todas reconhecidas pelo Poder Público.

Ao fazer o cruzamento dos dados entre essas duas variáveis, os estudiosos apuraram que o número de celulares cadastrados nessas áreas era muito pequeno. “Então, buscamos nos aprofundar no estudo para saber a causa”, contou.

Como se trata de um sistema baseado no CEP, ele pressupõe que as ruas têm um código. “Mas se a gente verificar as áreas de risco, elas são normalmente áreas irregulares do ponto de vista legal. Por essa razão, tendem a não receber o nome de rua e, em consequência, um CEP”, salientou. O estudo foi ampliado, abrangendo também as capitais de Minas Gerais, Rio de Janeiro, Amazonas e Pernambuco.

Os analistas verificaram que a falta de regularização dessas áreas impede a existência de CEP e, por todo o seu alcance, que as pessoas possam inscrever o seu celular no sistema da Defesa Civil. O resultado é que aquelas pessoas que já estão em situação de vulnerabilidade socioeconômica e ambiental em uma área de risco ou desastre tendem a estar muito mais vulneráveis pelo fato de não poder receber avisos e alerta de um evento adverso, como uma chuva muito intensa, por exemplo.

Limitações

O cadastramento do CEP é voluntário. Os autores do trabalho imaginam que, como se trata de um sistema administrado pela Defesa Civil dos municípios, esses órgãos enfrentam várias limitações em termos de recursos humanos, financeiros e materiais.

Essa informação foi ressaltada no último diagnóstico do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden), informou Murilo. Para  ele, essas limitações podem estar fazendo com que a plataforma de cadastramento do CEP não seja divulgada de maneira adequada.

Como se trata também de mensagens de texto (SMS), Murilo estimou que muitas pessoas residentes em áreas de risco tendem a ter dificuldade com a leitura. “O ideal é que sejam cadastradas no sistema e, depois, seja feito um aprimoramento desde a construção da mensagem até encontrar formas alternativas para que essa mensagem de alerta chegue aos diversos perfis de população que reside nessas áreas”, opinou.

Os resultados do levantamento revelaram variação na conscientização e registro dos CEPs por região. Em Belo Horizonte, 14,38% dos celulares estavam cadastrados, dos quais 7,92% estavam registrados em áreas de risco.

No Rio de Janeiro, 10,72% dos celulares estavam cadastrados, com 3,49% deles em áreas de risco. Curitiba apresentou registro de 8% dos celulares cadastrados, dos quais 3,5% em áreas de risco. Manaus tinha apenas 2,6% dos celulares cadastrados, com 2,05% em áreas de risco. Em Recife, 4% dos celulares estavam cadastrados, com 5,6% deles em áreas de risco.

Ampliação

No âmbito desse mapeamento, os pesquisadores querem chegar a um número maior de capitais e cidades de maior porte, bem como pretendem mapear também cidades pequenas. Murilo informou, também, que o Código de Endereçamento Postal (CEP) atualmente, no Brasil, é dado para ruas de cidades acima de 50 mil habitantes.

Já nas cidades abaixo de 50 mil habitantes, geralmente as ruas não recebem CEP, havendo apenas um CEP para todas as vias. “Obviamente que, nesse caso, em áreas de risco, isso tem uma implicação muito grande”, observou. Isso se explica porque pessoas que não estão em áreas de risco vão receber a mesma mensagem que uma pessoa que não está nessas regiões. “A gente pretende fazer esses mapeamentos. Um ampliando as capitais e, depois, seguindo para cidades menores, com menos de 50 mil habitantes”, anunciou.

Dependendo da disponibilidade de dados, os pesquisadores estão tentando verificar e mapear pessoas que cadastraram o whatsapp para receber o alerta, porque hoje existe também essa alternativa. O Brasil é o único país que faz esse alerta pelo whatsapp.

Esse sistema tem duas formas disponíveis para cadastramento para esse tipo de alerta. Uma é feita através do CEP mas, em vez de a pessoa receber um SMS, recebe a mensagem diretamente pelo whatsapp. A outra forma disponível é a pessoa colocar a localização em tempo real, sem ser pelo cadastro do CEP.

Murilo considera que essa forma pode suprir a questão do CEP, embora ainda existam diversas limitações e lacunas que precisam ser aprimoradas. No âmbito ainda da pesquisa, a intenção é fazer entrevistas em comunidades para verificar as formas mais adequadas para que a informação de alerta possa chegar às pessoas de maneira mais adequada e em tempo hábil.

Ao menos 73% dos custos com demência estão com famílias, revela estudo

Pelo menos 73% dos custos que envolvem o cuidado de pessoas com demência no Brasil ficam para as famílias dos pacientes. O número foi divulgado pelo Relatório Nacional sobre a Demência no Brasil (Renade), do Hospital Alemão Oswaldo Cruz, a partir da iniciativa do Programa de Apoio ao Desenvolvimento Institucional do Sistema Único de Saúde (PROADI-SUS). O estudo revelou que, além dos custos, as pessoas responsáveis pelos cuidados estão sobrecarregadas e que, na maior parte das vezes, são mulheres. 

O relatório mostra que esses custos podem chegar a 81,3% por parte do familiar a depender do estágio da demência.

“Isso envolve horas de dedicação para o cuidado. A pessoa, por exemplo, pode ter que parar de trabalhar para cuidar. Isso tudo envolve o que a gente chama de custo informal. É importante que se ofereça um apoio para a família”, afirmou a psiquiatra e epidemiologista Cleusa Ferri, pesquisadora e coordenadora do Projeto Renade no Hospital Alemão Oswaldo Cruz, em entrevista à Agência Brasil.

O relatório enumera custos diretos em saúde, como internações, consultas e medicamentos, e também os recursos indiretos, como a perda de produtividade da pessoa que é cuidadora.

“As atividades relacionadas ao cuidado e supervisão da pessoa com demência consomem uma média diária de 10 horas e 12 minutos”, aponta o relatório. 

Olhar para o cuidador

A médica Cleusa Ferri avalia que é necessário aumentar o número de serviços de qualidade que atendam às necessidades da pessoa com demência e também dos parentes. “O familiar pode até ser um parceiro do cuidado. Mas precisamos também pensar nesse cuidador”.

Brasília (DF) 24/12/2023 – A psiquiatra e epidemiologista Cleusa Ferri, pesquisadora e coordenadora do Projeto Renade no Hospital Alemão Oswaldo Cruz, em entrevista à Agência Brasil. Foto: Cleusa Ferri/Arquivo Pessoal 

Para elaboração do estudo, os pesquisadores entrevistaram 140 pessoas com demência e cuidadores de todas as regiões do país, com média de idade de 81,3 anos sendo 69,3% mulheres. Os dados foram coletados com pessoas em diferentes fases da demência.  

O relatório mostra, por exemplo, que entre os 140 cuidadores, pelo menos 45% das pessoas apresentavam sintomas psiquiátricos de ansiedade e depressão, 71,4% apresentavam sinais de sobrecarga relativa ao cuidado, 83,6% exerciam o cuidado de maneira informal e sem remuneração. 

O estudo chama a atenção para que, dentro dessa amostra, 51,4% dos pacientes utilizaram, em algum momento, o serviço privado de saúde, 42% não utilizavam nenhum tipo de medicamento para demência. “Somente 15% retiravam a medicação gratuitamente no SUS”, disse a epidemiologista Cleusa Ferri. 

O estudo aponta que a maioria das pessoas cuidadoras de familiares com algum tipo de demência são mulheres.

“Nessa amostra, temos 86% das cuidadoras sendo mulheres. Isso é um fato. Há uma cultura da mulher cuidar para o resto da vida. Entendo que é uma questão cultural.

Subdiagnósticos

De acordo com a pesquisadora, o Brasil contabiliza cerca de 2 milhões de pessoas com demência e 80% delas não estão diagnosticadas. “A taxa de subdiagnóstico é grande. Temos muitas pessoas sem diagnóstico e, portanto, sem cuidado específico para as necessidades que envolvem a doença. Então, esse é um desafio muito importante”, afirma a especialista. Ela cita que esse cenário não é exclusivo do Brasil. 

Na Europa, o subdiagnóstico chega a ser de mais de 50% e na América do Norte, mais de 60%.

“No Brasil, temos 1,85 milhão de pessoas com a doença. E a projeção é que esse número triplique até 2050”.

A pesquisadora acrescenta que a invisibilidade da doença é outro desafio. “Temos muito para aumentar o conhecimento, deixar mais visível. A falta de conhecimento da população sobre essa condição precisa ser enfrentada”. Nesse contexto, a invisibilidade também ocorre diante das desigualdades sociais.

Em um cenário de 80% de pessoas sem diagnóstico, isso significa a necessidade de melhorar as políticas públicas para aumentar o conhecimento da população sobre a demência. “Há uma questão de estigma também. As pessoas evitam falar do tema e procurar ajuda”.

Essa situação, na avaliação da pesquisadora, também contribui para dificuldades para conscientização, treinamento de cuidadores e busca por apoio.

Estudo mostra que cidade do Rio tem 3,3 milhões de trabalhadores

O estudo População Ocupada no Rio, elaborado pela Secretaria Municipal de Desenvolvimento Urbano e Econômico, mostra que a capital alcançou um marco histórico: no terceiro trimestre de 2023 foram registrados 3,3 milhões de pessoas ocupadas, segundo números da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios  (Pnad) Contínua Trimestral, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Esse é o maior número de trabalhadores com alguma ocupação, se observada a série iniciada em 2012. São 65,3% (2,177 milhões) de trabalhadores formais( e 34,7% (1,158 milhão) de informais. Os dados incluem empregados dos setores público e privado, quem atua por conta própria, empregadores e profissionais domésticos.

O rendimento médio mensal do carioca é de R$ 4,8 mil, 62,9% maior que a média do Brasil (R$ 2,9 mil). O estudo mostra ainda que a massa salarial da população ocupada na cidade do Rio supera R$ 190 bilhões por ano. Esse valor retorna para a economia como gastos com serviços, consumo de produtos, pagamento de taxas e impostos, entre outros. O estudo completo está disponível no Observatório Econômico do Rio.

Estudo mostra desigualdades na evolução de pacientes com covid-19

A covid-19 expôs as desigualdades socioeconômicas e de saúde no Brasil, assim como a importância e as fragilidades do Sistema Único de Saúde (SUS), apontando a necessidade de se reverter a falta de investimento no sistema público de saúde universal.

Esta é a conclusão do artigo  Covid-19 inpatient mortality in Brazil from 2020 to 2022: a cross-sectional overview study based on secondary data (Mortalidade hospitalar por covid-19 no Brasil de 2020 a 2022: um estudo transversal baseado em dados secundários), assinado pelas pesquisadoras da Escola Nacional de Saúde Pública (Ensp/Fiocruz) Margareth Portela, Mônica Martins, Sheyla Lemos, Carla Andrade e Claudia Pereira.

Publicado no International Journal for Equity in Health, o estudo mostra que variações na mortalidade de pacientes internados pela doença estiveram associadas não somente à faixa etária e à gravidade do caso, mas também a desigualdades sociais, regionais e no acesso ao cuidado de boa qualidade.  

Para a realização da pesquisa, foram utilizados dados do Sistema de Informação da Vigilância Epidemiológica da Gripe (Sivep-Gripe), do Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde (CNES), do Sistema de Informações Hospitalares do SUS (SIH-SUS) e do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Os resultados apontaram que mais de 70% das internações por covid-19 no Brasil foram cobertas pelo SUS. O Sistema Único de Saúde atendeu os grupos populacionais mais vulneráveis, no entanto, apresentou pior mortalidade hospitalar ajustada. Em geral, os hospitais privados e filantrópicos não pertencentes ao SUS, em sua maioria reembolsados por planos privados de saúde acessíveis às classes socioeconômicas mais privilegiadas, apresentaram os melhores resultados. 

A Região Sul do Brasil teve o melhor desempenho entre as macrorregiões, e a Região Norte o pior desempenho. Indivíduos negros e indígenas residentes em municípios de menor IDH e internados fora de sua cidade de residência apresentaram maiores chances de morrer no hospital. Além disso, as taxas ajustadas de mortalidade hospitalar foram mais altas nos momentos de pico da pandemia e foram significativamente reduzidas após a vacinação contra a covid-19 atingir uma cobertura razoável, a partir de julho de 2021. 

“Segundo as pesquisadoras, os achados demonstram a importância fundamental do SUS na prestação de cuidados de saúde, uma vez que a maior parte das internações por covid-19 foram cobertas pelo sistema público de saúde brasileiro. Por outro lado, os resultados também indicam fragilidades no desempenho das unidades hospitalares do SUS, em comparação com o setor privado ou mesmo, em algumas regiões, com as unidades hospitalares públicas não prestadoras de serviço para o SUS, refletindo problemas estruturais e de financiamento acumulados”, diz a Fiocruz.

Os achados também apontam maior mortalidade hospitalar por covid-19 entre pessoas pretas em todas as regiões do Brasil, e indígenas, nas regiões Norte e Centro-Oeste.

O estudo indicou ainda maior mortalidade hospitalar na primeira onda da pandemia (abril a agosto de 2020) e na segunda (dezembro de 2020 a maio de 2021) , tornando-se menor em 2022, mesmo durante a terceira onda (janeiro a fevereiro). O pico de ocorrência de óbitos ocorreu em março de 2021, quando, em todo o país, os hospitais estavam operando no máximo da capacidade ou acima dela, o que levou à escassez de recursos críticos, como ventiladores, oxigênio e leitos de UTI.

“Como lições aprendidas, melhorias precisam ser feitas para melhor preparar o sistema de saúde para futuras pandemias ou outras emergências de saúde em larga escala. Isso inclui investimento em mais infraestrutura de saúde, aumentando o número de profissionais de saúde, oferecendo melhor treinamento e suporte para esses trabalhadores, bem como melhores salários e condições de trabalho, incluindo dispositivos de proteção”, sugere a pesquisada. 

Para as autoras do artigo, apesar de seus desafios, o SUS apresenta diversos pontos fortes que o tornam essencial, único e valioso para os brasileiros. Segundo elas, os resultados alertam para a necessidade de investimento e melhoria do Sistema Único de Saúde, com enfoque especialmente nas causas das desigualdades na oferta, no acesso e nos resultados do cuidado, além de fornecerem elementos para o debate, em cenários de crise, sobre o papel e a atuação de cada tipo de prestador de cuidado hospitalar (privado e público) no sistema de saúde brasileiro. 

“Mudanças, investimentos e monitoramento são necessários para evitar os riscos de comprometer o acesso universal aos serviços de saúde e ampliar as desigualdades entre usuários do SUS e não SUS. Em resumo, o estudo destacou a necessidade de esforços contínuos para melhorar a qualidade e a equidade dos cuidados de saúde para todos”, concluem as pesquisadoras.