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Posição de Portugal sobre escravidão é fruto de cobranças, diz Anielle

Após o presidente de português, Marcelo Rebelo, admitir crimes cometidos por Portugal durante a escravidão transatlântica e a era colonial, e também indicar reparação, a ministra brasileira da Igualdade Racial, Anielle Franco, afirmou que seria importante lembrar que essa posição do país é “fruto de séculos de cobrança da população negra”. A ministra avalia que, a partir de agora, a declaração precisa vir junto com medidas concretas para a reparação.

Em vídeo distribuído à imprensa, a ministra considerou “muito importante” e “contundente” a declaração desta quarta-feira (24) feita pelo presidente de Portugal. “Pela primeira vez, a gente está aqui fazendo um debate dessa dimensão a nível internacional”. 

A ministra chamou a atenção para o fato que a declaração de Marcelo Rebelo ocorrer uma semana depois do Fórum Permanente de Pessoas Afrodescendentes da Organização das Nações Unidas, na Suíça. “Inclusive, várias organizações do movimento negro cobraram a postura mais firme de Portugal justamente sobre esse tema”, lembrou.

Anielle, no entanto, espera que as ações concretas de reparação ocorram, já que, em seu olhar, o próprio presidente parece estar se comprometendo a fazer. 

“A nossa equipe já está em contato com o governo português para dialogar sobre como pensar essas ações e, a partir daqui, quais passos serão tomados”, adiantou Anielle. 

O próprio presidente Marcelo Rebelo considera que existam tarefas importantes pela frente. “Pedir desculpas é a parte mais fácil”, disse o presidente português.

Acusados de manter mulher em situação análoga à escravidão viram réus

A Justiça Federal aceitou denúncia contra mãe e filho por manterem uma mulher em situação análoga à escravidão por anos. Segundo o Ministério Público Federal (MPF), que ofereceu a denúncia, Maria de Moura trabalhava para a família de Yonne Mattos Maia e André Luiz Mattos há 7 décadas.

De acordo com o MPF, Maria era mantida como trabalhadora doméstica e executava jornadas exaustivas, não remuneradas, em condições degradantes, sem liberdade para se locomover e com sua capacidade de escolha restringida, em sua casa, no Rio de Janeiro.

Segundo a denúncia, Maria começou a trabalhar na fazenda dos pais de Yonne quando ainda tinha 12 anos de idade, no início da década de 1940, depois de ter sido chamada para “morar e brincar” com as crianças da família.

“Maria, ao contrário das crianças da Fazenda Estiva, nunca pôde estudar e serviu ao menos três gerações da família Mattos como trabalhadora doméstica, até seu resgate, em maio de 2022”, informou o MPF, por meio de nota divulgada em fevereiro deste ano, quando ofereceu a denúncia.

Ainda segundo o MPF, Maria, enquanto trabalhava com a família, foi alienada dos vínculos familiares e impedida de construir vínculos pessoais. Na pandemia da covid-19, segundo o Ministério Público, parentes de Maria teriam sido impedidos de visitá-la, o que suscitou o acionamento da Polícia Militar, em 2021.

Maria era mantida dentro de casa e não tinha chave, o que caracterizaria cárcere privado. Outra acusação é que a identidade e o cartão de benefício social de Maria eram mantidos sob guarda da família Mattos Maia. O caso tramita na 6ª Vara Federal do Rio de Janeiro.

Ação trabalhista

A denúncia foi aceita pela 6ª Vara Federal do Rio de Janeiro no dia 4 de março, mas, segundo a defesa da família Mattos Maia, seus clientes só foram notificados oficialmente pela Justiça nesta terça-feira (12).

O MPT acrescentou que, neste momento, aguarda-se um posicionamento da Justiça do Trabalho sobre um pedido da defesa para que Maria de Moura deponha no processo.

O MPT é contra o depoimento de Maria porque, segundo o Ministério Público, ela apresenta um quadro de demência e porque o processo versa sobre direito indisponível da trabalhadora. “O MPT tem a expectativa de que o processo siga para sentença em breve, já que tem preferência na tramitação”, informa nota divulgada pelo Ministério Público do Trabalho.

Defesa

O advogado Marcos Vecchi, que representa a família Mattos Maia, repudia todas as acusações imputadas a seus clientes. Segundo ele, o inquérito do Ministério Público é cheio de contradições e não permitiu que os acusados se defendessem dos fatos imputados a eles.

Segundo o advogado, a acusação de redução à condição análoga à de escravo é infundada e carece de bases sólidas. “Os denunciados jamais estiveram envolvidos em práticas que configurem tal crime, e estamos confiantes de que isso será esclarecido de forma inequívoca durante o processo. Da mesma forma, refutamos as acusações de coação no curso do processo e de apropriação de rendimentos de pessoa idosa, conforme estabelecido no Estatuto do Idoso”, informa nota divulgada pelo advogado.

De acordo com Vecchi, a relação entre os acusados e Maria de Moura era de natureza familiar, marcada por afeto e respeito mútuo, e que a vítima vivia em condições dignas, com acesso à alimentação, medicamentos, acompanhamento médico de sua saúde e lazer.

Segundo ele, Maria nunca foi submetida a trabalho forçado e as tarefas domésticas realizadas eram compatíveis com sua idade e condição física, e que isso não configurava trabalho em sentido jurídico.

Além disso, a defesa afirma que Maria nunca foi coagida ou ameaçada pelos acusados e que ela tinha liberdade para ter uma vida normal. Portanto, Vecchi defende a família afirmando que a alegação de cárcere privado é absurda.

“A aposentadoria da Sra. Maria de Moura, recebida há mais de 20 anos, comprova sua inserção no mercado de trabalho e independência financeira, desmentindo a tese de trabalho análogo à escravidão. O pagamento do imóvel em Vassouras e o auxílio financeiro à família demonstram a autonomia e responsabilidade da Sra. Maria de Moura”, informa nota divulgada pela defesa.