Skip to content

Geografia e falta de gestão de riscos agravam efeitos extremos no RS

Os eventos extremos climáticos têm se intensificado em todo o mundo. No Brasil, os efeitos das ações humanas sobre o meio ambiente ficam evidenciados durante a atuação de fenômenos naturais como o El Niño e La Ninã, que alternam períodos de extrema seca e chuvas intensas sobre o território nacional.

Segundo a diretora do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden), Regina Alvalá, desde o início dos anos 2000, o La Niña tem atuado intensamente no Rio Grande do Sul causando sucessíveis longos períodos de seca, até 2023. Ainda no início da configuração do El Niño, em junho daquele ano, o extremo manifestado mudou.

As águas do Oceano Pacífico Tropical, aquecidas pelos efeitos da mudança climática, liberaram mais vapor de água na atmosfera e iniciaram períodos de chuvas cada vez mais intensas. “As chuvas, principalmente na região metropolitana de Porto Alegre, culminaram em 16 mortes. Depois tivemos um outro grande desastre, no início de setembro, que registrou 54 mortes e mais quatro desaparecidos. E agora esse super desastre já com mais de 100 mortes, muitos ainda desaparecidos e com impactos em praticamente quase todo o estado.”

Uma confluência de fatores deixa o estado do Rio Grande do Sul mais suscetível aos extremos causados pela mudança climática. A própria posição geográfica, a configuração das cidades e a falta de um programa eficiente de gestão de risco estão entre os fatores que favoreceram a catástrofe socioambiental vivida pelo estado.

“O Rio Grande do Sul está na extrema parte da região sul do Brasil, com fronteira ainda com países da América Latina. Então, em termos geográficos, está numa região que, quando consideramos a variabilidade climática, é uma região que acaba sendo, de fato, impactada por alternâncias de chuvas e secas”, explica Regina.

Gestão de risco

O diretor de Clima e Sustentabilidade do Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), Osvaldo Moraes, sugere que uma forma de amenizar esses fatores é a existência de um programa de gestão de riscos e respostas a desastres comandado pela Casa Civil do governo federal para que possibilitasse a articulação entre todos os ministérios que o tema envolve.

De acordo com Moraes, a gestão de riscos é composta por quatro elementos primordiais: monitoramento e alertas, preparação e resposta, comunicação, conhecimento e percepção do risco. “Nós conseguimos fazer a previsão do evento e emitir o alerta de que aquele evento pode ocorrer. E nós também estamos preparados para responder quando o evento acontece. Mas nos outros dois elementos nós não avançamos quase nada no Brasil”, explica.

Criado há 13 anos, o Cemaden é o órgão responsável por monitorar e emitir os alertas. “Nesses anos temos feito isso com antecipação, e encaminhando os alertas para as defesas civis, nacional, estaduais e municipais, gerando previsões de riscos, olhando a região como um todo, disseminando essas previsões no seu site, está tudo disponível para qualquer cidadão entrar e consultar” reforça Regina.

A resposta é dada pelas defesas civis no resgate e socorro às vítimas e no apoio à reconstrução das áreas afetadas. Antes disso, a comunicação precisa ser efetivada, mas atualmente, no Brasil, há apenas um sistema de envio de mensagens por SMS.

Para o diretor do MCTI, a comunicação precisa ir além de simplesmente informar. “Envolve todo um processo de que as pessoas, ao receberem o aviso de que algo pode acontecer, elas têm que compreender claramente qual é o impacto que elas podem ter se aquele evento acontecer. Elas têm que compreender qual é a rota de fuga que elas vão sair”, explica.

Percepção

Ensinar as pessoas a perceberem o risco que correm é fundamental para que a prevenção aconteça, já que, sem essa educação, a própria população se põe em situação crítica.

Um exemplo é a região do Vale do Taquari, atingida por fortes chuvas em setembro de 2023, quando cidades foram arrasadas pela maior enchente registrada, até então, que deixou 54 mortos e quatro desaparecidos. Oito meses depois, a mesma população volta a ser afetada e parte da cidade reconstruída volta a fazer parte do cenário de destruição.

“Se elas compreendessem o risco que elas estão expostas e percebessem esse risco, provavelmente, se continuassem instaladas nas mesmas áreas de risco, elas iriam usar novas tecnologias para reconstruir suas casas, para se prepararem para o evento. Elas iriam acreditar mais quando o alerta chegasse.”, reforça Moraes.

Histórico

Ao longo da série histórica, realizada pelo Cemaden, a intensificação dos extremos climáticos já são bastante evidenciados. Segundo a diretora da instituição, a própria criação do sistema de monitoramento foi motivada por uma das maiores catástrofes socioambientais no Brasil, em termos de vidas perdidas.

Em 2011, 918 pessoas morreram e outras 100 são consideradas desaparecidas desde que a região serrana do Rio de Janeiro foi atingida por fortes chuvas destruindo cidades e transformando grandes áreas de casas, comércios e infraestrutura em cenários de lama e entulhos. Depois desse período, grande parte do Brasil experimentou secas extremas, a exemplo da que foi enfrentada pela Região Metropolitana de São Paulo em 2014, que resultou no colapso do Sistema Cantareira de abastecimento das populações. “De lá para cá nós temos registrados vários desastres deflagrados por mais chuvas, não só no Rio Grande do Sul, mas também, obviamente, em outras partes do Brasil”, afirma Regina.

Tragédias em números

O aumento na frequência dos extremos climáticos fica evidente na série histórica registrada pelo Cemaden, com maior concentração de eventos após o ano de 2020.

Para a secretária nacional de Mudança do Clima no Ministério do Meio Ambiente, Ana Toni, a mudança já é uma realidade que exige, além de ações de mitigação – como zerar o desmatamento, preservar florestas e diminuir emissões – ações para tornar as cidades mais resilientes e mais resistentes.

“O Brasil precisa trabalhar prevenção e preparação aos eventos extremos porque é um país altamente vulnerável às mudanças do clima”, conclui.

Tragédias climáticas no Brasil: confira a linha do tempo

 

 

Confira os números:

Janeiro de 2011 – chuvas na região serrana do Rio de Janeiro registraram 918 mortes e 100 desaparecidos

Janeiro de 2020 – chuvas na região metropolitana de Belo Horizonte

Fevereiro de 2020 – chuvas na região metropolitana de São Paulo, Ceasa foi alagada afetando a oferta de alimentos

Março de 2020 – chuvas no litoral de São Paulo, com impacto em Santos, Cubatão, São Vicente, registrou mais de 43 mortes

Dezembro de 2021 – chuvas no sul da Bahia deixaram 23 mortos

Janeiro de 2022 – chuvas em Belo Horizonte registraram dois mortos

Janeiro de 2022 – chuvas na região metropolitana de São Paulo registraram 34 mortes

Fevereiro de 2022 – chuvas em Petrópolis deixaram 235 mortes

Março de 2022 – chuvas em Petrópolis registraram 7 mortes

Abril de 2022 – chuvas nas cidades da Costa Verde, de Guarapari, Angra dos Reis, no Rio de Janeiro – 20 mortes

Maio de 2022 – chuvas na região metropolitana de Recife, 133 mortes

Dezembro de 2022 – chuvas em Minas Gerais deixaram 13 mortos

Fevereiro de 2023 – chuvas no litoral de São Paulo, em São Sebastião e Ubatuba registraram 65 mortos

Junho de 20223 – litoral do Rio Grande do Sul deixaram 16 mortes

Setembro de 2023 – Vale do Taquari  registrou 54 mortes

Março de 2024 – chuvas na região serrana do Rio de Janeiro com mortes em Petrópolis e Tersópolis  deixaram 8 mortes

Março de 2024 – chuvas no Espírito Santo registraram 18 mortes

Geografia e fatores humanos deixam RS suscetível a efeitos extremos

Os eventos extremos climáticos têm se intensificado em todo o mundo. No Brasil, os efeitos das ações humanas sobre o meio ambiente ficam evidenciados durante a atuação de fenômenos naturais como o El Niño e La Ninã, que alternam períodos de extrema seca e chuvas intensas sobre o território nacional.

Segundo a diretora do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden), Regina Alvalá, no estado do Rio Grande do Sul, por exemplo, desde o início dos anos 2000, o La Niña atuou intensamente na região causando sucessíveis longos períodos de seca, até 2023. Ainda no início da configuração do El Niño, em junho daquele ano, o extremo manifestado mudou.

As águas do Oceano Pacífico Tropical, aquecidas pelos efeitos da mudança climática, liberaram mais vapor de água na atmosfera e iniciaram períodos de chuvas cada vez mais intensas. “As chuvas, principalmente na região metropolitana de Porto Alegre, culminaram em 16 mortes. Depois tivemos um outro grande desastre, no início de setembro, que registrou 54 mortes e mais quatro desaparecidos. E agora esse super desastre já com mais de 100 mortes, muitos ainda desaparecidos e com impactos em praticamente quase todo o estado.”

Uma confluência de fatores deixa o estado do Rio Grande do Sul mais suscetível aos extremos causados pela mudança climática. A própria posição geográfica, a configuração das cidades e a falta de um programa eficiente de gestão de risco estão entre os fatores que favoreceram a catástrofe socioambiental vivida pelo estado.

“O Rio Grande do Sul está na extrema parte da região sul do Brasil, com fronteira ainda com países da América Latina. Então, em termos geográficos, está numa região que, quando consideramos a variabilidade climática, é uma região que acaba sendo, de fato, impactada por alternâncias de chuvas e secas”, explica Regina.

Gestão de risco

O diretor de Clima e Sustentabilidade do Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), Osvaldo Moraes, sugere que uma forma de amenizar esses fatores é a existência de um programa de gestão de riscos e respostas a desastres comandado pela Casa Civil do governo federal para que possibilitasse a articulação entre todos os ministérios que o tema envolve.

De acordo com Moraes, a gestão de riscos é composta por quatro elementos primordiais: monitoramento e alertas, preparação e resposta, comunicação, conhecimento e percepção do risco. “Nós conseguimos fazer a previsão do evento e emitir o alerta de que aquele evento pode ocorrer. E nós também estamos preparados para responder quando o evento acontece. Mas nos outros dois elementos nós não avançamos quase nada no Brasil”, explica.

Criado há 13 anos, o Cemden é o órgão responsável por monitorar e emitir os alertas. “Nesses anos temos feito isso com antecipação, e encaminhando os alertas para as defesas civis, nacional, estaduais e municipais, gerando previsões de riscos, olhando a região como um todo, disseminando essas previsões no seu site, está tudo disponível para qualquer cidadão entrar e consultar” reforça Regina.

A resposta é dada pelas defesas civis no resgate e socorro às vítimas e no apoio à reconstrução das áreas afetadas. Antes disso, a comunicação precisa ser efetivada, mas atualmente, no Brasil, há apenas um sistema de envio de mensagens por SMS.

Para o diretor do MCTI, a comunicação precisa ir além de simplesmente informar. “Envolve todo um processo de que as pessoas, ao receberem o aviso de que algo pode acontecer, elas têm que compreender claramente qual é o impacto que elas podem ter se aquele evento acontecer. Elas têm que compreender qual é a rota de fuga que elas vão sair”, explica.

Percepção

Ensinar as pessoas a perceberem o risco que correm é fundamental para que a prevenção aconteça, já que sem essa educação, a própria população se põe em situação crítica.

Um exemplo é a região do Vale do Taquari, atingida por fortes chuvas em setembro de 2023, quando cidades foram arrasadas pela maior enchente registrada, até então, que deixou 54 mortos e quatro desaparecidos. Oito meses depois, a mesma população volta a ser afetada e parte da cidade reconstruída volta a fazer parte do cenário de destruição.

“Se elas compreendessem o risco que elas estão expostas e percebessem esse risco, provavelmente, se continuassem instaladas nas mesmas áreas de risco, elas iriam usar novas tecnologias para reconstruir suas casas, para se prepararem para o evento. Elas iriam acreditar mais quando o alerta chegasse.”, reforça Moraes.

Histórico

Ao longo da série histórica, realizada pelo Cemaden, a intensificação dos extremos climáticos já são bastante evidenciados. Segundo a diretora da instituição, a própria criação do sistema de monitoramento foi motivada por uma das maiores catástrofes socioambiental no Brasil, em termos de vidas perdidas.

Em 2011, 918 pessoas morreram e outras 100 são consideradas desaparecidas desde que a região serrana do Rio de Janeiro foi atingida por fortes chuvas destruindo cidades e transformando grandes áreas de casas, comércios e infraestrutura em cenários de lama e entulhos. Depois desse período, grande parte do Brasil experimentou secas extremas, a exemplo da que foi enfrentada pela Região Metropolitana de São Paulo em 2014, que resultou no colapso do Sistema Cantareira de abastecimento das populações. “De lá para cá nós temos registrados vários desastres deflagrados por mais chuvas, não só no Rio Grande do Sul, mas também, obviamente, em outras partes do Brasil”, afirma Regina.

Tragédias em números

O aumento na frequência dos extremos climáticos fica evidente na série histórica registrada pelo Cemaden, com maior concentração de eventos após o ano de 2020. Para a secretária nacional de Mudança do Clima no Ministério do Meio Ambiente, Ana Toni, a mudança já é uma realidade que exige, além de ações de mitigação – como zerar o desmatamento, preservar florestas e diminuir emissões – ações para tornar as cidades mais resilientes e mais resistentes. “O Brasil precisa trabalhar prevenção e preparação aos eventos extremos porque é um país altamente vulnerável às mudanças do clima”, conclui.

Confira os números:

Janeiro de 2011 – chuvas na região serrana do Rio de Janeiro registraram 918 mortes e 100 desaparecidos

Janeiro de 2020 – chuvas na região metropolitana de Belo Horizonte

Fevereiro de 2020 – chuvas na região metropolitana de São Paulo, Ceasa foi alagada afetando a oferta de alimentos

Março de 2020 – chuvas no litoral de São Paulo, com impacto em Santos, Cubatão, São Vicente, registrou mais de 43 mortes

Dezembro de 2021 – chuvas no sul da Bahia deixaram 23 mortos

Janeiro de 2022 – chuvas em Belo Horizonte registraram dois mortos

Janeiro de 2022 – chuvas na região metropolitana de São Paulo registraram 34 mortes

Fevereiro de 2022 – chuvas em Petrópolis deixaram 235 mortes

Março de 2022 – chuvas em Petrópolis registraram 7 mortes

Abril de 2022 – chuvas nas cidades da Costa Verde, de Guarapari, Angra dos Reis, no Rio de Janeiro – 20 mortes

Maio de 2022 – chuvas na região metropolitana de Recife, 133 mortes

Dezembro de 2022 – chuvas em Minas Gerais deixaram 13 mortos

Fevereiro de 2023 – chuvas no litoral de São Paulo, em São Sebastião e Ubatuba registraram 65 mortos

Junho de 20223 – litoral do Rio Grande do Sul deixaram 16 mortes

Setembro de 2023 – Vale do Taquari  registrou 54 mortes

Março de 2024 – chuvas na região serrana do Rio de Janeiro com mortes em Petrópolis e Tersópolis  deixaram 8 mortes

Março de 2024 – chuvas no Espírito Santo registraram 18 mortes

Especialistas contestam polícia sobre efeitos da ADPF das favelas

As informações apresentadas pelas polícias que atuam no estado do Rio de Janeiro em relatório elaborado por grupo de trabalho do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) geraram indignação entre pesquisadores e órgãos que atuam no estado. Segundo trechos do relatório apresentado a Polícia Civil do Rio de Janeiro atribui a expansão da atuação de organizações criminosas, principalmente do Comando Vermelho, às restrições impostas pelo Supremo Tribunal Federal (STF) às operações policiais ainda durante a pandemia de covid-19.

Especialistas argumentam que isso não é verdade, que o avanço da criminalidade é mais complexo e envolve, por exemplo, o aumento do poder das milícias, que nunca chegaram a ser de fato combatidas. Além disso, argumentam que faltam dados que provem as alegações feitas no documento.

O relatório foi entregue nessa quarta-feira (10) pelo CNJ ao ministro Edson Fachin, do STF, relator da ação de descumprimento de preceito fundamental 635, apelidada de ADPF das Favelas, em que foi tomada a decisão que restringiu a atuação policial no Rio. O plenário votou o tema em 2020, quando restringiu as operações policiais a “casos excepcionais”.

Em ofício, os próprios conselheiros responsáveis pela elaboração do relatório fazem a ressalva de que as considerações relativas ao avanço do crime organizado após a ADPF 635 não fazem parte das conclusões às quais o grupo chegou, elas “refletem, tão somente, a visão da Secretaria de Estado de Polícia Civil do Estado do Rio de Janeiro”.  

“A polícia não traz dados”, diz o coordenador do Núcleo de Defesa dos Direitos Humanos da Defensoria do RJ, André Castro. “Baseado em dados, ela tem que dizer, olha, aumentou da seguinte forma, fazer as conexões, dizer a gente infere que esse aumento se deve ou tem correlação com as medidas da ADPF, por esses parâmetros, que são verificáveis. Nada disso. [Não tem] nada disso. Isso é só uma opinião, e uma opinião com a qual a gente não concorda”, acrescenta.

Castro ressalta também, a importância da ADPF. “O Rio de Janeiro vinha de um histórico de um crescimento muito significativo no número de pessoas mortas por intervenção de agentes de Estado. A letalidade policial no Rio de Janeiro vinha aumentando em níveis muito alarmantes ao ponto de chegar a praticamente um terço das mortes violentas serem cometidas por agentes de Estado. Então, para evitar que isso continuasse escalando dessa forma, foi proposta essa ação para o descumprimento de preceito fundamental, justamente com o objetivo central de se elaborar um plano, uma política pública do Estado do Rio de Janeiro, que tivesse metas, diretrizes, indicadores, a fim de implementar uma política de segurança que seja mais eficaz no combate à criminalidade, mais eficaz no combate às organizações criminais, mas que, ao mesmo tempo, preservasse a vida e os direitos da população”, explica.

Falta de dados

Segundo a diretora de dados e transparência do Instituto Fogo Cruzado, Maria Isabel Couto, não apenas as informações apresentadas pelas polícias no relatório do CNJ, mas a segurança pública no Rio de Janeiro, no geral, carece de dados e informações oficiais estruturadas. Muito da violência no estado acaba sendo aferido por universidades e organizações civis, como o Fogo Cruzado.

Pelos dados levantados pelas organizações e grupos de estudo, Couto diz que a expansão dos grupos armados se dá de forma constante antes mesmo da ADPF e que não é possível estabelecer essa correlação, ao contrário do que foi proposto pela Polícia Civil do Rio de Janeiro.

“Quando a ADPF entra em vigência, em 2021, a gente observa um crescimento maior das milícias, e não do Comando Vermelho. Então, esse é o primeiro elemento que a gente menciona para dizer que a gente não enxerga essa correlação”, diz.  

De acordo com pesquisa inédita sobre a expansão das organizações criminosas no Rio de Janeiro realizado por diversas organizações, entre elas o Fogo Cruzado e o Grupo de Estudos dos Novos Ilegalismos (Geni), da Universidade Federal Fluminense (UFF), em 2019, antes da ADPF, as milícias já controlam 25,5% dos bairros do Rio, totalizando 57,5% da superfície territorial da cidade, enquanto o Comando Vermelho, ocupava 24,2% dos bairros, e outras facções, territórios ainda menores.

Além disso, os dados mostram que a ADPF não foi respeitada. “A partir de janeiro de 2021, a gente inicia um período que a gente chama de afronta. É como se a ADPF 635 estivesse sendo terminantemente desrespeitada. E entre janeiro e abril de 2021, na época que a gente publica esse relatório, a gente vê que a média mensal de operações policiais e da letalidade policial, ela chega a superar o que a gente tinha antes da ADPF”, diz, Couto. O documento a que se refere é o Relatório Anual 2021 do Instituto Fogo Cruzado. 

Os dados mostram que em 2021, houve 4.653 tiroteios na Região Metropolitana do Rio de Janeiro, com uma média de 13 por dia. As ações policiais resultaram em 2.098 pessoas baleadas, sendo 1.084 mortas e 1.014 feridas, que representam cinco baleados a cada 24 horas. No mesmo ano, 17 crianças e 43 adolescentes foram baleados na Região Metropolitana.

Ela defende que haja de fato um plano de segurança pública no estado, com objetivos, metas e metodologia de acompanhamento claros e transparentes e que esse plano inclua medidas de redução da letalidade policial.  “No caso do Rio de Janeiro, a gente só tem informações sobre ações e operações policiais que terminam um confronto armado, monitorada pela sociedade civil. Não fosse o Fogo Cruzado começar a levantar esse dado em 2016, a gente possivelmente até hoje não teria acesso a esse tipo de informação. E aí a gente tem uma população que vive, infelizmente, submetida a um medo extremo e a ignorância sobre quais são os elementos que levam a esse medo”, diz.

Avanço das milícias

Ao contrário do tráfico, que foi ressaltado pela polícia, os especialistas chamam atenção para o crescimento das milícias, como apontado pelos dados do Fogo Cruzado e outras organizações.  

“A estrutura miliciana não combatida é a estrutura do grupo armado que mais se expandiu no Rio de Janeiro nos últimos anos. Tirando esse crescimento recente do Comando Vermelho, que é na verdade uma recuperação de áreas perdidas, a milícia é o grupo mais estável, mais sólido, que não sofre com operações policiais, não é combatido. Por quê? Porque tem toda uma interface da estrutura miliciana com a estrutura de segurança pública. E mais do que isso, milícia é uma estrutura econômica e política”, diz o professor da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro José Claudio Alves.

No ano passado, 35 ônibus incendiados evidenciaram a presença das milícias no Rio de Janeiro. O assassinato da vereadora Marielle Franco também ressaltou a influência das milícias

“A milícia sempre foi protegida pela estrutura de segurança pública. Nunca houve combate real à estrutura miliciana. Ela sempre cresceu, ela sempre se expandiu, ela sempre avançou. Isso, historicamente, se deu e se dá. A estrutura de segurança pública, ela protegeu, sempre protegeu, uma facção, um grupo armado, um grupo armado específico, que é o grupo que tem mais aliança, que tem mais relação com a estrutura policial, onde os seus membros estão diretamente envolvidos”, diz o professor.

Perícias judiciais criminais  

De acordo com Castro, o relatório apresentado pelo CNJ contém conclusões importantes que precisam ser observadas. Entre elas, está a indicação de que há “graves problemas estruturais encontrados no contexto das perícias criminais realizadas no estado do Rio de Janeiro”, como diz o relatório, que ainda observa: “a polícia técnico-científica do estado do Rio de Janeiro está alocada institucionalmente enquanto Superintendência da Secretaria da Polícia Civil. Eis o primeiro problema a ser equacionado: é fundamental conferir autonomia à atividade pericial, tratando-se de discussão que se arrasta há anos no estado”.

Castro destaca: “O estado do Rio de Janeiro é um dos poucos estados da federação onde a perícia técnica é um departamento dentro da Secretaria de Polícia. Nos demais estados, de modo geral, não é. Eles têm uma autonomia em relação à polícia. E por que isso? Porque exatamente em muitos casos, o que está sendo examinado envolve a própria força policial. Então isso é um parâmetro internacional também para você garantir que você tem o órgão encarregado da atividade policial propriamente e o outro órgão que faz a perícia técnica”, diz o coordenador do Núcleo de Defesa dos Direitos Humanos da Defensoria do RJ.

O relatório aponta ainda, entre outras conclusões, a necessidade de comando judicial que imponha a obrigatoriedade de disponibilização ao Ministério Público pelas Polícias de informações para que seja realizado efetivamente um controle externo, ou seja, as forças policiais deverão aportar seus dados em canal ministerial sistematizado, com dados estruturados e confiáveis, que possam ser acompanhados em tempo real.

*Colaborou Tâmara Freire, da Radioagência  

Frente fria potencializa efeitos de massa quente e úmida do Sudeste

A chegada de uma frente fria, que promete temporais na Região Sudeste, provocou a decretação de ponto facultativo em repartições públicas do município e estado do Rio de Janeiro e deixou a população carioca em alerta.

Segundo o Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet), a previsão é de chuva forte que oferece “grande perigo” ao território fluminense, ao litoral norte de São Paulo, ao sul do Espírito Santo e à zona da mata e Serra da Mantiqueira em Minas Gerais.

A situação é provocada pelo encontro de uma massa de ar frio, vinda do sul do país, com a massa de ar quente e úmido que está instalada no Sudeste há alguns dias.

“O Rio de Janeiro já vem ao longo desta semana com algumas pancadas ocasionais. Ontem ocorreram algumas chuvas localizadas. Isso está acontecendo em grande parte do Sudeste, devido a uma massa de ar mais quente e úmida que vinha predominando na região. O que acontece a partir de hoje? O avanço de uma frente fria potencializa toda essa instabilidade que estava predominando na região”, explica a meteorologista do Inmet Naiane Araújo.

A formação de massas de ar quente e úmido no país é um fenômeno comum de ocorrer no verão e início de outono, afirma Naiane. “Esse é um padrão da estação do ano na maior parte do território do Brasil. E nesse início de outono, a gente ainda tem muitas características do verão.”

Já a frente fria é formada no sul do continente, na Argentina e Uruguai, e se desloca em direção ao norte, nordeste, atingindo assim tanto a Região Sul, vizinha desses países, quanto o Sudeste. Com ela, vem uma massa de ar frio.

“A frente se formou entre terça e quarta-feira, mais ou menos, na altura da Argentina e chegou ao sul do país ontem. Toda a vez que temos o avanço de uma frente fria, com quem vem sempre um ar relativamente mais frio, e ela se encontra com a massa de ar quente, a gente tem um choque de massas de ar. E esse choque de massas incrementa a condição das chuvas.”

Segundo ela, o alerta do Inmet não significa que vai chover forte em todas as áreas previstas. Algumas regiões podem sofrer mais que as outras, devido a fatores como a predominância do ar quente e o relevo da área.

“Não é porque a gente colocou aviso vermelho abrangendo todo o estado do Rio de Janeiro, que [os temporais] vão afetar o estado como um todo. É uma situação que vai acontecer de forma mais isolada, principalmente nas áreas mais vulneráveis, como a região serrana, que é mais perigosa, a região do litoral, a capital, o norte do Rio. Essa precisão de onde vai acontecer exatamente, a gente consegue acompanhar mais em curtíssimo prazo”, destaca a meteorologista.

Naiane explica que são elevadas as chances de o alerta do Inmet se concretizar, ou seja, de haver chuvas fortes que oferecem grande perigo a algumas áreas do Sudeste.

“Geralmente, quando temos um sistema muito organizado, como é o avanço dessa frente, tudo indica que as chances de ocorrer são muito elevadas. A previsão foi bem certeira para o Sul. Além do modelo matemático que usamos no Inmet estar indicando esse cenário, tem outros modelos que estão indicando o mesmo cenário. Para esse sistema não ter ocorrido, já teriamos que ter visto toda uma mudança lá no sul do país, o que não aconteceu”.

A previsão do Inmet é que até o domingo haja chuvas superiores a 60 milímetros (mm) por hora (ou seja, 60 litros de água para cada metro quadrado) e maiores de que 100 mm por dia. O acumulado até domingo pode chegar a 200 mm.

Há grande risco de danos em edificações, corte de energia elétrica, queda de árvores, descargas elétricas, alagamentos, enxurradas e grandes transtornos no trânsito, segundo o alerta do Inmet.