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Aneel: consulta discute efeitos da antecipação de valores por empresas

A previsão inicial do governo federal de que a quitação antecipada de valores devidos às distribuidoras de energia elétrica – por conta da pandemia, em 2020, e da escassez hídrica, em 2022 – resultaria em uma economia de R$ 510 milhões a serem abatidos nas contas de luz dos brasileiros foi revista pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) para cerca de R$ 46,5 milhões.

Diante da situação, apresentada pelo diretor da Aneel Fernando Mosna nesta terça-feira (29), tendo por base cálculos apresentados pela Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE), a Aneel aprovou a abertura de consulta pública para discutir proposta de regulamentação dos desdobramentos tarifários da quitação antecipada da Conta Covid, aberta em 2021para cobrir despesas durante a pandemia, e a Conta Escassez Hídrica, criada em 2023para ajudar o setor elétrico a lidar com a redução do volume de água em alguns rios.

“A consulta dará transparência aos efeitos da medida de forma desagregada por distribuidora e também discutirá encaminhamentos no tratamento entre os consumidores cativos e livres, além da criação de componentes financeiros para refletir a quitação nas tarifas”, informou a Aneel.

As contribuições para a consulta pública poderão ser enviada para o e-mail cp029_2024@aneel.gov.br entre os dias 30 de outubro e 13 de dezembro deste ano.

A fim de obter um detalhamento mais aprofundado sobre os cálculos quer levaram a esse resultado, foi aprovada também a instauração de processo de fiscalização para avaliar a atuação da CCEE em todos os aspectos envolvidos na operação de crédito.

Rio e UFRJ fazem acordo de combate aos efeitos das mudanças climáticas

O governo do Rio de Janeiro e a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) firmaram nesta terça-feira (15) um acordo para a execução do Programa Rio Clima II, que vai desenvolver ações de combate aos impactos das mudanças climáticas. A duração do projeto, que terá aporte de R$ 4 milhões, é de dois anos.

Conforme o governo estadual, a atualização do Plano Estadual de Mitigação e Adaptação às Mudanças Climáticas é uma das medidas previstas na parceria, como também “a criação do Portal de Gestão de Riscos e Vulnerabilidades Climáticas, e a realização de estudos focados em compensação de carbono nas áreas de agricultura, florestas e uso da terra”. O programa inclui ainda a criação de um sistema de certificação de créditos florestais para o Estado do Rio de Janeiro.

Para o governador Cláudio Castro, que assinou o acordo pela administração fluminense, a parceria com a UFRJ vai possibilitar a melhoria da comunicação, da transparência, do planejamento e da identificação das vulnerabilidades sociais e ambientais do estado.

“A questão ambiental e a adaptação às mudanças climáticas são prioridades inadiáveis. Estamos agindo com urgência para reduzir os impactos, assegurando mais segurança para a população fluminense”, disse em texto divulgado pelo governo do estado.

Na intenção de fortalecer os instrumentos de gestão destinados ao desenvolvimento sustentável, o Programa Rio Clima II, que é uma continuidade do Rio Clima I, vai buscar, nesta etapa, a identificação das vulnerabilidades sociais e ambientais do estado. “A parceria com o Instituto Virtual Internacional de Mudanças Globais da UFRJ permitirá a realização de estudos e projetos voltados à descarbonização, adaptação e resiliência climática”, informou o governo do Rio.

O secretário de Estado do Ambiente e Sustentabilidade, Bernardo Rossi, destacou que os efeitos das mudanças climáticas têm sido cada vez mais devastadores para as economias, modos de vida, saúde, ecossistemas e infraestrutura. “A colaboração entre o Poder Executivo e a academia, com seus pesquisadores especializados, é fundamental para otimizar os processos de adaptação climática”, observou no texto.

Efeitos da fumaça na saúde preocupam especialistas

O excesso de fuligem e fumaça no ar, associado ao clima seco que atinge boa parte do país, tem causado mal-estar a muitas pessoas, em especial crianças e idosos. A situação é preocupante, diz a presidente da Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia (SBPT), Margareth Dalcolmo.

“Nós, especialistas, estamos profundamente preocupados com o dano, muitas vezes agudo, [que a baixa qualidade do ar causa] ao aparelho respiratório. Estão causando rinites, asma, bronquite aguda e muita alergia respiratória, comprometendo crianças e, sobretudo, idosos, grupos que são sempre os mais vulneráveis a esse dano”, disse Margareth nesta segunda-feira (16) em entrevista à Rádio Nacional.

De acordo com a especialista, há certa dificuldade para fazer uma avaliação precisa sobre o nível de dano causado às pessoas, uma vez que é grande a variedade de substâncias danosas à saúde pairando no ar. “Não podemos, até o momento, definir se será um dano definitivo ou temporário, porque o que está circulando nessa poluição atmosférica – associado à extrema secura do ar, com falta de umidade e de chuva – contém muitas substâncias extremamente nocivas”, disse a pneumologista.

Ela explica que a fumaça liberada pelos incêndios contém misturas de gases tóxicos e de partículas muito finas que prejudicam os alvéolos pulmonares. “Elas também produzem monóxido de carbono, dióxido de enxofre, compostos orgânicos voláteis. Todos esses poluentes podem causar ou agravar doenças respiratórias. E, quando se agrava, para pessoas que são asmáticas ou com enfisema pulmonar, é um desastre.”

Só na cidade de São Paulo, lembra a médica, já foram registrados valores de substâncias poluentes maiores do que o encontrado na cidade de Cubatão, no interior do estado. “A Organização Mundial da Saúde recomenda não ultrapassar 45 microgramas, três a quatro dias por ano. Nós estamos ultrapassando 300 microgramas. É muito grave isso”, disse.

Cuidados

Margareth Dalcolmo afirma que não há muito o que fazer para se proteger, mas ressalta que algumas recomendações podem ser seguidas, como, por exemplo, ficar em casa o máximo possível; e ventilar, de maneira cuidadosa, a casa, sem deixar partículas da área externas entrarem nos ambientes. “E tem de [se] hidratar muito. É muito importante que as pessoas bebam o dobro do volume de água que costumam beber no dia”, acrescentou.

Diante da situação, o Ministério da Saúde pretende atualizar normas e recomendações à população, sobre cuidados que devem ser tomados para evitar que a má qualidade do ar prejudique ainda mais a saúde das pessoas. A SBPT, inclusive, foi convidada a participar da elaboração dessas medidas, em reunião prevista para amanhã (17), com autoridades ministeriais e especialistas.

A presidente da Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia diz que não tem dúvida de que o sistema de saúde sofrerá um grande impacto, devido à maior incidência de doenças respiratórias na população. “Na verdade, já está trazendo, comprometendo e limitando a capacidade de atendimento de nossas emergências, nossas clínicas da família.”

Perguntada sobre qual seria o momento de as pessoas buscarem a ajuda dos serviços de saúde, a pneumologista disse que isso deve ser feito quando se começa a sentir desconforto e falta de ar. “Se a pessoa já é portadora de uma condição respiratória, certamente tem sua medicação de rotina. Então, talvez, precise apenas usar uma dose maior da sua medicação de rotina”, afirmou. 

“[A priori,] quem deve procurar a emergência são as pessoas mais idosas ou crianças que estejam no início do sofrimento respiratório, sentindo-se muito mal e que estejam em uma condição que não pode ser contornada em casa”, complementou.

Na opinião da médica, o uso de máscara é questionável, uma vez que os modelos ideais são mais caros e estão menos disponíveis. “As máscaras cirúrgicas ou de outros tecidos protegem muito pouco porque têm poucas horas de duração e não filtram os materiais particulares muito pequenos.”

Rio fará obras emergenciais para reduzir os efeitos da estiagem

A Secretaria do Ambiente e Sustentabilidade, a Companhia Estadual de Águas e Esgoto (Cedae) e as concessionárias de saneamento que atendem a região do Leste Metropolitano realizarão obras emergenciais para manter a vazão do Sistema Imunana-Laranjal, que atende a região metropolitana das cidades de São Gonçalo, Niterói e parte de Maricá e minimizar os efeitos da estiagem sobre o abastecimento de água para a população fluminense. 

Os trabalhos começam ainda esta semana, com obras de desassoreamento do Canal de Imunana, onde a Cedae faz a captação de água para abastecer cerca de 2 milhões de pessoas. Em reunião na manhã desta quinta-feira (12), a secretaria, o Instituto Estadual do Ambiente (Inea), Cedae e as concessionárias se comprometeram a fornecer retroescavadeiras para o serviço. Também serão instaladas bombas abaixo da Barragem do Rio Macacu para aumentar o volume disponível para tratamento. 

Cenário

O Canal de Imunana é formado pela confluência dos rios Macacu e Guapiaçu, no município de Guapimirim, na Baixada Fluminense. Com a falta de chuvas, o nível do Rio Macacu está 16% abaixo da média registrada neste período nos últimos 3 anos. Se mesmo com essas medidas, o nível do rio continuar baixo, existe a possibilidade de se construir uma adutora para trazer água do Rio Guapimirim para o Canal de Imunana.

O secretário de Estado do Ambiente e Sustentabilidade, Bernardo Rossi, fez nesta quinta-feira um sobrevoo no Complexo Imunana-Laranjal para monitorar a situação dos mananciais. O secretário falou da necessidade de diminuir os prejuízos da estiagem. “Os dados meteorológicos indicam que a escassez de chuvas vai se estender até outubro. Por isso, estamos atacando o problema de forma emergencial, mas já nos preparando a médio prazo. O importante é manter o abastecimento, para que a população não necessite alterar sua rotina”, avaliou Rossi. 

No início da semana, a Cedae divulgou um alerta sobre o risco de redução da produção de água por causa do baixo volume nos mananciais de captação. O presidente da companhia, Aguinaldo Ballon, disse que “estamos atentos aos efeitos das adversidades climáticas e buscando formas de nos anteciparmos aos problemas para reduzir o impacto para a população”, afirmou.

Unicef alerta sobre efeitos de queimadas para crianças e adolescentes

Dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) apontam que agosto é considerado o pior mês para queimadas em pelo menos 16 estados do Brasil. No Amazonas, por exemplo, este é o segundo ano consecutivo de uma estiagem histórica, sendo que em 2024 a seca chegou antes do previsto e a expectativa é de que seja mais severa do que em 2023.

Em razão desses registros, o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) informou, nesta quarta-feira (28), que crianças e adolescentes são as mais impactadas pelas queimadas. A instituição fez várias recomendações para os dias de muita fumaça e poluição provocadas pelo fogo.

Para a coordenadora nacional de saúde do Unicef, Luciana Phebo, “este é um período que exige muita atenção por parte dos pais, cuidadores e professores. As escolas devem evitar atividades ao ar livre e sempre manter um recipiente com água na sala de aula. Além disso, é preciso deixar disponível ou oferecer com frequência água para as crianças e evitar sucos açucarados. [Deve-se] dar muita fruta e garantir refeições mais leves.” Luciana explica que este é uma época do ano em que é muito frequente o aumento de diarreias e infecções respiratórias.

Máscara nas escolas

Entre as recomendações estão o uso de máscara para ir à escola (crianças maiores de dois anos) e beber bastante água. Também é importante fechar portas e janelas e ter uma vasilha com água ou toalha molhada para umedecer o ambiente. Em caso de ardência ou coceira, nariz e olhos podem ser lavados com soro fisiológico.

A especialista de Emergência, Saúde e Nutrição do Unicef, Neideana Ribeiro, alerta que “as crianças precisam de espaço para brincar, mas nesses dias assim é melhor evitar a exposição fora de casa, ao ar livre, e esperar a melhoria da qualidade do ar para que a criança tenha a possibilidade de sair e brincar fora. Um outro ponto que a gente orienta é manter sempre um espaço, que podemos chamar de espaço limpo, que pode ser uma sala, pode ser um quarto, que fique com as janelas e portas fechadas, um ambiente sem exposição de fumaça”, opina.

Queimadas

Faltando menos de uma semana para o fim do mês, agosto já bateu o número de incêndios registrados nos outros meses do ano em estados como Amazonas, Espírito Santo, Maranhão, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, Rio de Janeiro, Piauí e São Paulo.

Dados atualizados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais mostram que – somente no último fim de semana – em apenas 48 horas, foram mais de 4,4 mil focos de incêndios florestais no país. A Amazônia foi o bioma mais atingido, com 60,7% da área contaminada pelo fogo.

Confira as orientações para amenizar efeitos da fumaça na saúde

Além das ações de combate aos incêndios que vêm ocorrendo em diversas regiões do país, é preciso que a população esteja orientada sobre como se proteger e evitar, sempre que possível, a exposição aos poluentes e à fumaça intensa e à neblina, causadas pelo fogo.

Entre as recomendações do Ministério da Saúde estão o aumento da ingestão de água e de líquidos, como medida para manter as membranas respiratórias úmidas e, dessa forma, ficarem mais protegidas. O tempo de exposição deve ser reduzido ao máximo, devendo manter a permanência em local ventilado dentro de casa, se possível com ar condicionado ou purificadores de ar. Para reduzir a entrada da poluição externa, durante os horários com elevadas concentrações de partículas, as portas e as janelas devem ser mantidas fechadas. As atividades físicas devem ser evitadas em horários de elevadas concentrações de poluentes do ar, e entre o meio dia e as 16h, quando as concentrações de ozônio são mais intensas.

É recomendável ainda a utilização de máscaras do tipo cirúrgica, pano, lenços ou bandanas para diminuir a exposição às partículas grossas, especialmente para populações que residem próximas às áreas de focos de queimadas. A medida reduz o desconforto das vias aéreas superiores. Já máscaras de modelos respiradores tipo N95, PFF2 ou P100 são adequadas para reduzir a inalação de partículas finas.

As recomendações devem ser seguidas por toda a população e a atenção deve ser redobrada em crianças menores de 5 anos, idosos maiores de 60 anos e gestantes.

Ao sinal de sintomas respiratórios ou outras ocorrências de saúde a pasta indica a busca imediata de atendimento médico. “Pessoas com problemas cardíacos, respiratórios, imunológicos, entre outros, devem buscar atendimento médico para atualizar seu plano de tratamento, manter medicamentos e itens prescritos pelo profissional médico disponíveis para o caso de crises agudas, buscar atendimento médico na ocorrência de sintomas de crises e avaliar a necessidade e segurança de sair temporariamente da área impactada pela sazonalidade das queimadas”, completou.

Sob a coordenação do Ministério da Saúde, o monitoramento de áreas que sofrem a influência da queima de biomassa é um dos campos de atuação da Vigilância em Saúde Ambiental e Qualidade do Ar (VIGIAR) e da Sala de Situação Nacional de Emergências Climáticas em Saúde.

Os dados desse monitoramento são enviados, semanalmente, pelo Ministério da Saúde aos estados e ao Distrito Federal no Informe Queimadas, com orientações para evitar a exposição da população às condições adversas.

Efeitos das mudanças climáticas podem agravar fome, revela estudo

O último relatório O Estado da Segurança Alimentar e da Nutrição no Mundo, elaborado por cinco agências especializadas das Nações Unidas, apontou que, em 2023, 2,33 bilhões de pessoas enfrentaram insegurança alimentar moderada ou grave e que 733 milhões passaram fome no mundo.

O estudo sinaliza que a insegurança alimentar e a má nutrição estão piorando devido a uma combinação de fatores, que incluem a inflação dos preços dos alimentos, desacelerações econômicas, desigualdade,  dietas saudáveis inacessíveis e mudanças climáticas.

Só no Brasil, segundo o Atlas Global de Política de Doação de Alimentos, 61,3 milhões de pessoas sofrem de insegurança alimentar, o que representa quase um quarto da população.

“O que vimos é que, entre 2019 e 2020, houve um grande aumento na fome e na insegurança alimentar em todo o mundo. Pensávamos que, à medida que a pandemia de Covid-19 terminasse, esses números diminuiriam. Mas o que realmente aconteceu é que, nos últimos três anos, eles permaneceram persistentemente elevados. Tivemos a guerra na Ucrânia, mudanças climáticas e uma superinflação. E tudo isso significa que há milhões e milhões de pessoas que ainda lutam para ter acesso a alimentos suficientes”, disse Lisa Moon, CEO [diretora-executiva] da The Global FoodBanking Network.

Lisa deu entrevista para a Agência Brasil durante o seminário internacional Sistemas Alimentares: Oportunidades para Combater a Fome e o Desperdício no Brasil, realizado hoje (6) pelo Sesc e pelo The Global FoodBanking Network (GFN), uma entidade internacional que trabalha com organizações locais para apoiar bancos de alimentos em mais de 50 países. O evento foi realizado no Sesc Belenzinho, em São Paulo.

“Esse seminário traz a abertura das comemorações dos 30 anos do programa Sesc Mesa Brasil e também traz à tona toda essa discussão das mudanças climáticas,  desperdícios, vulnerabilidade e fome. É importante a gente estar sempre debatendo esse cenário e buscando novos caminhos para mitigar os efeitos tão severos que a gente encontra, com tantas pessoas em situação de insegurança alimentar”, disse Cláudia Roseno, gerente de assistência do Departamento Nacional do Sesc.

Um dos temas das discussões promovidas pelo seminário engloba os efeitos da crise climática sobre a fome e a insegurança alimentar no mundo.

“As mudanças climáticas impactam no circuito de produção e de distribuição [dos alimentos]. Um exemplo muito emblemático e recente é a tragédia no Rio Grande do Sul”, disse Cláudia. No Sul, lembrou ela, as enchentes atingiram toda a produção de agricultura familiar e de subsistência e também a produção de arroz, o que afetou o abastecimento em todo o país.

Questionada sobre esses impactos, Lisa destacou que as comunidades que mais têm sofrido com as mudanças climáticas são também as mais afetadas pela fome. “Vemos taxas mais elevadas de fome crônica e taxas mais elevadas de insegurança alimentar em comunidades que estão sofrendo os impactos das alterações climáticas. Ao mesmo tempo, o nosso sistema alimentar está produzindo alimentos mais do que suficientes para que todos tenham o suficiente, mas estamos descartando cerca de um terço de todos os alimentos produzidos a nível mundial, aumentando as emissões de gases de efeito de estufa”, observou. “Com o desperdício de alimentos, estamos agravando o problema das mudanças climáticas”, acrescentou.

No caso específico do Brasil, destacou Carlos Portugal Gouvêa, professor de Direito na Universidade de São Paulo (USP) e professor visitante na Harvard Law School, essa questão do desperdício de alimentos está relacionada também à pecuária. “Se a gente for olhar, o Brasil está entre os maiores produtores de carne do mundo. Temos as maiores companhias produtoras de proteína do mundo, mas a gente também tem um nível muito elevado de desperdício de animais e de desperdício de carne no mundo. E qual é a questão com a sustentabilidade? Se formos olhar quem é o maior poluidor brasileiro, quem mais contribui de uma forma negativa para a emissão de gases, que tem impacto no aquecimento global, é a indústria de carne. A gente consegue perceber que existe uma direta conexão entre o desperdício e a indústria”, afirmou ele, durante o seminário. “O desperdício, muitas vezes, está ligado a um sistema econômico no qual você precisa dar vazão a uma produção, a um certo nível de produção”, salientou.

Soluções

As respostas para enfrentar a fome e os impactos das mudanças climáticas sobre a insegurança alimentar não são fáceis, nem imediatas. Mas são urgentes.

Exigem também esforço coletivo e “muita discussão”, destacou Cláudia Roseno. “É preciso colocar à mesa pesquisadores, governos, sociedade civil e iniciativas como o Sesc Mesa Brasil para discutir esse problema. Precisamos encontrar outros caminhos para reduzir os efeitos das mudanças climáticas, do desperdício e também da vulnerabilidade e da fome no Brasil”, disse ela.

Em muitos países, 733 milhões passaram fome em 2023, revela estudo. – Marcello Casal/Agência Brasil

Para Lisa Moon, a redução da fome passa, por exemplo, pelo apoio aos bancos de alimentos. “Para as pessoas que estão na pobreza, se não tiverem dinheiro suficiente para sobreviver, a comida é muitas vezes a última coisa que comprarão. Elas terão que comprar suas moradias, remédios e outras coisas. E isso significa que a fome é muito, muito prevalente, mesmo entre as pessoas que têm emprego. E a função dos bancos alimentares é ajudar a fornecer esse apoio às pessoas necessitadas. E eles não só fornecem alimentos para satisfazer as necessidades básicas, como também fornecem nutrição vital”, sustentou.

Lisa destaca outras ações importantes para reduzir a fome e a insegurança alimentar no mundo, principalmente relacionadas às doações para os bancos alimentares. A primeira delas, afirmou, diz respeito à proteção de responsabilidade. “Se as empresas e os produtores de alimentos doarem de boa-fé deverão ter a certeza de que não terão qualquer tipo de problemas jurídicos”, opinou.

Outros pontos que Lisa ressaltou como importantes são os incentivos fiscais, a rotulagem e os investimentos no terceiro setor.

“Em muitos lugares é mais caro doar alimentos do que jogá-los fora. Com incentivos fiscais podemos ajudar a incentivar as empresas a conseguirem, pelo menos, aliviar alguns dos seus custos quando fazem essa doação. Outra coisa é a rotulagem de validade [dos alimentos]. A rotulagem de validade é muito confusa e causa confusão sobre se esses rótulos de qualidade ou de segurança alimentar. Adotar uma rotulagem realmente focada na segurança alimentar pode ser muito útil para a doação. A última coisa é pensar realmente em como investir no terceiro setor que vai recuperar esse excedente alimentar. Descobrimos que, com pequenos investimentos em subsídios para infraestruturas, podemos realmente aumentar a capacidade dos bancos alimentares para receber mais produtos excedentes e redistribuí-los às pessoas necessitadas”, frisou Lisa.

Para o professor Carlos Portugal Gouvêa, da USP e da Harvard Law School, a questão da fome precisa ser enfrentada não só com políticas públicas eficientes, mas também com assistência social. Ele lembra que não adianta ter uma boa política pública, se ela não chega a quem mais necessita. “Você precisa ter pessoas que vão onde a pobreza está. A gente precisa ter pessoas que descobrem o problema daquelas famílias especificamente e aí usam o aparato estatal para dar uma resposta especificamente para aquela família”, observou.

“Se o Brasil é um país desigual e você faz uma política pública que, no fim, está atendendo uma classe média, você, eventualmente, está perpetuando essa desigualdade”, disse Carlos. “Os desafios, no caso da sociedade brasileira, são efetivamente imensos. Mas como eu digo para os meus alunos, se a gente conseguir resolver esses problemas no Brasil, a gente cria exemplos para o mundo”, argumentou.

Mesa Brasil

Para celebrar os 30 anos do programa Sesc Mesa Brasil, maior rede privada de bancos de alimentos da América Latina, o Sesc, em São Paulo, está promovendo uma programação especial, que foi chamada de Festival Sesc Mesa Brasil.

Nos dias 10 e 11 de agosto, as unidades da capital, litoral e interior paulista terão mais de 80 apresentações artísticas gratuitas, além de abrir seus espaços para receber doações de alimentos não perecíveis. Os itens arrecadados serão doados a instituições sociais. Mais informações sobre a programação podem ser obtidas no site.   

Efeitos do clima extremo são tema do Caminhos da Reportagem de domingo

O programa Caminhos da Reportagem desta semana aborda os efeitos catastróficos das mudanças climáticas, destacando que o Brasil precisa rever como tratar os eventos causados pelo aumento da temperatura da Terra. O episódio vai ao ar pela TV Brasil neste domingo (23), excepcionalmente às 21h30.   

Com o aumento da temperatura em 1,5º C, já se pode observar geleiras descongelando, mares avançando, chuvas extremas, inundações e deslizamentos, secas onde havia abundância de água. O Caminhos da Reportagem desta semana mostra que esses eventos têm sido mais frequentes e deixado vítimas e destruição por onde passam.

Apesar de ter a maior floresta tropical do mundo, o Brasil tem altas taxas de emissão de CO2 na atmosfera, o principal gás do efeito estufa. “A gente tem uma malha rodoviária que estimula o tempo todo o uso de veículos à combustão, mas, sem dúvida alguma, a maior contribuição do Brasil para a emissão de gases do efeito estufa é via desmatamento”, afirma Rafael Rodrigues da Franca, professor do Departamento de Geografia da Universidade de Brasília (UnB).

Para a ministra do Meio Ambiente e Mudanças Climáticas, Marina Silva, o prejuízo da falta de atitude no passado é enorme. “Agora, nós vamos ter que continuar mitigando, diminuindo a emissão de CO2 para não agravar o problema, não ultrapassar 1,5º C de temperatura da Terra, porque senão, aí, é o caos completo”, afirma.

Desastres

O que aconteceu no Rio Grande do Sul este ano e chamou a atenção de todo o país não é um caso isolado. Desde 2011, o Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden) acompanha eventos extremos que têm se repetido. “A gente tem observado com bastante clareza esse aumento de frequência e da severidade dos eventos, que acabam culminando em impactos muito significativos para pessoas, infraestruturas e meio ambiente”, afirma a diretora do centro, Regina Alvalá.

O programa lembra também histórias de outras tragédias, como os deslizamentos em Petrópolis de 2022, que mataram 235 pessoas e deixaram cerca de 4 mil desabrigadas. 

RS: moradores da capital sofrem efeitos das enchentes na saúde mental

A população de Porto Alegre com renda familiar inferior a R$ 1,5 mil sofre mais com ansiedade, depressão e síndrome de burnout do que as pessoas com renda familiar maior que R$ 10 mil, após as chuvas e inundações que atingiram a capital gaúcha a partir do final de abril.

As consequências das enchentes na saúde mental dos porto-alegrenses estão sendo investigadas por psiquiatras do Hospital de Clínicas da cidade, vinculado à Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, com apoio da Rede Nacional de Saúde Mental (Renasam).

Os resultados preliminares do levantamento, iniciado em meados de maio, mostram que a ansiedade aflige a 100% das pessoas com renda familiar abaixo de R$ 1,5 mil e a 86,7 de quem tem renda familiar acima dos R$ 10 mil. A depressão atinge a 71% das pessoas do estrato com menor renda e a metade (35,9%) daqueles com maior renda.

A síndrome de burnout, distúrbio emocional com sintomas de estresse, exaustão extrema e esgotamento físico, afeta mais a quem tem renda familiar mais baixa (69%) do que a quem tem renda mais alta (47%).

Os dados foram obtidos por meio de questionário online autopreenchido por pessoas contactadas pela Renasam, por meio do WhatsApp, ou por pessoas que acessaram o QR code fixado em locais públicos, como o Hospital de Clínicas e abrigos. A intenção dos pesquisadores é fazer o levantamento durante um ano, inclusive com acompanhamento periódico da saúde mental de alguns atingidos pela calamidade.

A expectativa dos organizadores é ter informações para cuidar da saúde mental da população impactada e fornecer subsídios para a política de saúde pública, informou à Agência Brasil a psiquiatra Simone Hauck, coordenadora do estudo.

Segundo ela, “o stress pós-traumático crônico torna-se mais difícil de tratar com o passar do tempo”, por isso os organizadores começaram a divulgar os primeiros resultados para que mais pessoas tomem conhecimento da pesquisa e preencham o questionário.

O levantamento foi autorizado pelos comitês de ética científica do Hospital de Clínicas de Porto Alegre e da prefeitura do município. O trabalho está sendo feita gratuitamente por médicos e pesquisadores.

Sistema Agroflorestal promove redução de efeitos da seca na Amazônia

O plantio de espécies nativas, no Sistema Agroflorestal (SAF), pelas comunidades na Reserva de Desenvolvimento Sustentável (RDS) do Uatumã, no estado do Amazonas, minimizou os efeitos da seca severa do ano passado para as famílias da região. Além disso, o projeto que promoveu esse plantio, do Instituto de Conservação e Desenvolvimento Sustentável da Amazônia (Idesam), propiciou geração de renda diversificada para a população local.

Somente neste ano, após o início das chuvas na região, comunidades que vivem na reserva promoveram o plantio de seis mil mudas de 19 espécies nativas, no mês de março. Sob orientação técnica do Idesam, a iniciativa ocorre no contexto de mitigação da crise climática dentro de um projeto de compensação de emissão de carbono.

“A gente planta espécies florestais, que são as madeireiras de grande porte, que têm maior potencial de sequestro de carbono, e também espécies frutíferas, como o cacau, a graviola, o cupuaçu e palmeiras, como açaí e a pupunha. Nesse arranjo de plantio, no longo prazo, aquela família vai ter uma área super produtiva”, disse a engenheira florestal do Idesam, Isys Nathyally de Lima Silva.

Seca no Amazonas – Divulgação/Defesa Civil do Amazonas

O modelo de agrofloresta, que combina espécies diversas, já era implementado no local desde 2010, no contexto do projeto, muito antes da seca do ano passado. E essa diversidade ajudou as comunidades a manterem uma produção para sobrevivência no período, enfatizou a engenheira. “Esse plantio, no cenário de seca, ajuda a garantir segurança alimentar para as famílias. Mesmo com árvores que foram afetadas, porque a seca foi muito forte, ainda assim fez a diferença. A gente tem relatos das pessoas falando ‘ainda bem que tem esse SAF aqui”, disse.

“As árvores não produziram tanto quanto de costume, mas ainda assim as famílias tiveram um alimento a mais. Porque a locomoção deles também foi muito afetada. Quem estacionava a canoa ali na porta de casa passou a ter que andar um quilômetro, dois quilômetros para conseguir acessar o rio. E aí ficou muito limitado o acesso aos alimentos e tudo mais. É muito bom também que a gente contribuiu dessa forma”, explicou a engenheira florestal.

Na capital amazonense, a seca foi a pior registrada em 121 anos, com o Rio Negro registrando o menor nível desde 1902, quando começaram as medições do volume do rio. A reserva Uatumã fica a 330 quilômetros a nordeste de Manaus, nos municípios de São Sebastião Uatumã e Itapiranga.

Com objetivo de manter o equilíbrio ecológico, a produção de alimentos e a extração sustentável de produtos florestais, óleos, frutos e resinas, vendidos para o sustento das famílias, a ação mobiliza as comunidades da reserva nesse modelo de produção, a agrofloresta. O resultado é o uso mais sustentável dos recursos naturais e a diversidade de produtos para consumo e geração de renda.

“A ideia também é aumentar a geração de renda, porque, por exemplo, a farinha [de mandioca], que dá um trabalhão para fazer, tem um valor agregado muito baixo. No caso do extrativismo, eles sabem onde encontrar as coisas, mas as árvores, no geral, estão muito longe. Para coletar resina de breu, por exemplo, que vai gerar o óleo essencial lá na frente, eles têm que andar muito. E aí a gente tá plantando breu bem pertinho das casas”, relatou Isys Nathyally. Além do breu-branco, que pode atingir 30 metros de altura e fornece insumo à indústria de cosméticos, entre as espécies plantadas se destacam o açaí, o cupuaçu, o cacau e o cumaru.

Ela conta que, junto a espécies de grande porte, como as madeireiras, com maior retenção de carbono, espaçadas a cada oito metros, são plantadas árvores frutíferas com maior potencial de renda e consumo local. Isys ressaltou que as famílias da Uatumã vivem da pesca, do extrativismo e do roçado. No entanto, pelas características do solo amazônico, um terreno consegue produzir poucos ciclos de cultivo nos roçados. A engenheira explica que, depois de três ou quatro colheitas, os produtores buscam novos terrenos por conta do empobrecimento do solo.

A agricultora Claudirleia dos Santos Gomes, conhecida como Socorro, confirmou a condição dos terrenos de roçada. “Nós tínhamos uma área aqui bem degradada, onde a gente trabalhava muito, todos os anos, plantava macaxeira, tirava macaxeira, e assim você via aquele solo pobre mesmo. A gente começou a trabalhar com SAF e é maravilhoso, porque você entra nessa parte onde não nascia nem mato e hoje nós temos o solo recuperado”, diz.

Socorro e sua família viviam principalmente da produção de melancia. Hoje, além de ter um cultivo mais diversificado, ela consegue gerar renda a partir da produção de mudas para o projeto do Idesam, contribuindo com o reflorestamento na região. “Eu sou muito feliz hoje vendendo mudas porque tem nos ajudado e muito, melhorou muito, graças a Deus, a nossa situação [de cultivo e preservação] aqui dentro. Além de gerar emprego, gerar mão de obra pras pessoas fazer as mudas”, comemorou.

Abastecidos por três viveiros, mantidos na reserva Uatumã, os plantios abrangeram 12 comunidades, apenas neste ano, durante um mês de atividades. A ação teve diferentes etapas, com preparo e enriquecimento do solo em áreas que foram desmatadas no passado e que sofreram também os impactos da grande seca de 2023.

A agricultora disse também que a seca do ano passado foi a maior que ela já tinha visto. “Foi uma seca muito grande e muito triste. Secou mesmo, e a gente ficou sem condições de chegar até o viveiro. Foi aquele desespero pra não perder as mudas, porque o bote não entrava mais, a canoinha não passava mais. Por causa da lama, [o barco] atola. Para chegar no local, jogava um pedaço de pau, de tábua, pra pisar em cima e ir levando a bomba [de água] nas costas pra ir molhando as mudas”, destacou.

Ela ressalta que o trabalho de plantio no modelo de agrofloresta tem sido importante para as comunidades. “Cada vez eu estou tendo mais consciência e trabalho na questão de não derrubar, de cuidar, porque, se temos árvores, temos um ar puro, evitamos essas complicações [da emergência climática]. Com certeza, o plantio que a gente faz nos SAFs, muitas mudas da floresta, contribuiu muito para o melhoramento [da preservação ambiental na região].”

Na metodologia utilizada pelo Idesam, cada muda que se transforma em árvore adulta corresponde a 0,3 tonelada de carbono capturada da atmosfera, o que, apenas no plantio realizado neste ano, representa 1,8 mil toneladas. Desde 2010, no total, foram 50 mil árvores plantadas na RDS do Uatumã, ou seja, 15 mil toneladas de carbono capturadas pelo crescimento das árvores, em 20 comunidades. Em toda a reserva moram em torno de 250 famílias.

“Nesse cenário de mudança climática, a gente tem muito forte o aquecimento, de uma forma geral. E um forte causador disso é o acúmulo de gases de efeito estufa na atmosfera, que potencializa esse efeito. Quando a gente faz essa ação de plantio de árvores, a gente está sequestrando mais gases da atmosfera, então é justamente a compensação. Através do plantio de árvores, consegue mitigar esses efeitos”, disse Isys, engenheira florestal do Idesam. Ela ressalta que, com um planeta mais quente, os ecossistemas se tornam menos resilientes. Um exemplo desse fenômeno é o fogo que se alastra com muito mais facilidade.

Isys avalia que ações como essa deveriam ganhar escala e serem implantadas no âmbito de políticas públicas. “O Idesam atua ali na RDS Uatumã, mas existem muitas outras áreas que precisam de restauração, principalmente nos grandes centros de desmatamento. Ali no Arco do Desmatamento [região onde a fronteira agrícola avança em direção à floresta], por exemplo, tem uma grande necessidade”, disse. “Precisa sim de uma ação do governo, e não só na Amazônia. O reflorestamento é essencial para a gente conseguir frear as consequências das mudanças climáticas”, acrescentou.