Skip to content

Ministra diz que mudança climática pode afetar produção de alimentos

A ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva, alertou nesta terça-feira (27) que as mudanças climáticas podem impactar a capacidade do Brasil de produzir alimentos. “Nós acabamos de identificar, por estudos científicos, áreas de deserto já no Brasil. Expansão da área de baixa umidade em várias regiões do nosso país. Ou seja, para o Brasil continuar ajudando na segurança alimentar do planeta, nós vamos precisar fazer o dever de casa em relação ao clima”, disse ao participar de um evento organizado pela Câmara Americana de Comércio para o Brasil (Amcham), parte da programação paralela ao encontro do G20.

A ministra participou de uma mesa com a secretária do Tesouro dos Estados Unidos, Janet Yellen.

Segundo Marina, a falta de alimentos pode ser um fator de desregulação da economia global e gerador de instabilidades geopolíticas. “Nós temos também outro problema, que é a questão do risco de uma inflação global que pode ser causada também por insegurança alimentar em função da mudança climática. Geralmente, se faz a associação, muito rapidamente, entre risco de inflação e risco de instabilidade econômica, geopolítica, associado à energia. Mas vamos pensar também que esse risco talvez seja até maior em relação à segurança alimentar”, enfatizou.

Sinergia

No Brasil, a ministra avalia que existe uma convergência de interesses entre a área econômica e as propostas para o meio ambiente. “Eu acho que é a primeira vez na história do Brasil que a gente conseguiu uma sinergia muito grande entre a área econômica e a área ambiental. O plano de transformação ecológica está sendo coordenado pelo ministro da Fazenda [Fernando Haddad]. Com certeza é o melhor lugar para que ele seja elaborado, porque a partir daí ele pode ser transversalizado [repassado para as outras áreas do governo]”, disse.

A ministra destacou ainda a parceria assinada na segunda-feira (26) com o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) para dar garantias cambiais a projetos de desenvolvimento de economia verde no país.

O BID vai oferecer US$ 3,4 bilhões em contratos de derivativos que serão repassados, a partir do Banco Central, para instituições financeiras brasileiras.

Os derivativos são contratos que podem ser usados para reduzir o risco de operações financeiras, sendo vinculados a outros ativos, como commodities, moeda estrangeira ou taxas de juros.

Ministro diz que é “falácia” envio de ativos russos para Ucrânia

O ministro das Finanças da Rússia, Anton Siluanov, classificou como “falácia” e “desastre” a proposta americana de enviar ativos russos, que estão bloqueados por sanções, para a Ucrânia. 

Siluanov falou hoje (27) brevemente a jornalistas durante o segundo dia de encontro entre representantes e secretários dos ministros de Finanças e dos presidentes de Bancos Centrais do G20, evento que ocorre no pavilhão da Bienal, no Parque Ibirapuera, em São Paulo. 

Mais cedo, também em um evento do G20, a secretária do Tesouro dos Estados Unidos, Janet Yellen, disse que a medida de enviar os ativos russos para a Ucrânia está em estudo.

“Essa não é a primeira vez que ouvimos essa proposta. Nós acreditamos que essa proposta é uma falácia profunda e também destrutiva, porque ela mina as próprias fundações e pilares do sistema financeiro do mundo, porque ela rende o valor e as reservas de dinheiro a países vulneráveis e suscetíveis a decisões políticas”, respondeu o ministro russo. 

Para o ministro russo, “a proposta (dos Estados Unidos) causaria graves danos aos próprios alicerces do sistema financeiro mundial”. 

Siluanov disse ainda que, caso a ideia norte-americana prossiga, Moscou estaria preparada para retaliar. “Quanto à nossa resposta, temos algo com que responder, porque temos [ativos] congelados do nosso lado”, afirmou. 

No entanto, ele destacou que esse caminho não seria o ideal. “Estas decisões não nos levariam ao caminho certo porque, em vez de agravar a situação, precisamos diminuir a escalada, reduzir as tensões. Mas se as contrapartes decidirem prosseguir por este caminho, responderemos simetricamente.”

Pacote de socorro a aéreas pode chegar a R$ 6 bilhões, diz ministro

O ministro de Portos e Aeroportos, Silvio Costa Filho, afirmou nesta segunda-feira (26) que o pacote do governo federal para financiar as companhias aéreas deve ficar entre R$ 4 bilhões e R$ 6 bilhões. De acordo com o ministro, a proposta do projeto deverá ser encaminhada para as empresas no próximo mês.

O ministro explicou que os valores serão repassados a partir de recursos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Um fundo garantidor deverá ser criado para dar garantias aos empréstimos que serão feitos pelas companhias. A análise do projeto é feita em conjunto com o Ministério da Fazenda e a Casa Civil.

“Estamos trabalhando na ordem de R$ 4 bilhões a R$ 6 bilhões. Essa é a demanda das aéreas. Elas acham que esses valores seriam suficientes no primeiro momento. A gente espera trabalhar para fechar o montante ao longo do mês de março”, afirmou.

Com os valores, as empresas poderão pagar dívidas, fazer investimentos e comprar novas aeronaves.

“Para o consumidor, são mais aeronaves no Brasil. A Latam sinaliza compra 15 novos aviões. A Gol, mais dez, e a Azul, mais 16. São mais de 30 aeronaves novas que vão entrar no Brasil. Isso quer dizer mais voos operando no país e levando para mais destinos”, completou o ministro.

Voa Brasil

Silvio Costa Filho também informou que a primeira etapa do Programa Voa Brasil deve disponibilizar 5 milhões de passagens aéreas a partir de março.

“Não tem nenhum recurso público neste programa. É um projeto em parceria com as companhias áreas. Cinco milhões de passagens, que vão atender 20 milhões aposentados e mais 800 mil alunos Prouni”, completou. 

O ministro participou de um evento sobre investimentos em aeroportos na Bolsa de Valores de São Paulo.

Jornalista que perdeu família em Gaza diz que imprensa virou “alvo”

O jornalista palestino Wael Al-Dahdouh, de 53 anos, fazia uma transmissão ao vivo quando recebeu um telefonema informando que sua esposa, dois dos seus filhos, de 7 e 15 anos, e o neto, com poucos meses de vida, foram assassinatos em um bombardeio israelense, no dia 25 de outubro de 2023.

O chefe do escritório árabe da Al Jazeera em Gaza ainda perderia, ao longo da guerra, o filho mais velho, Hamza Dahdouh, de 27 anos. Hamza também era jornalista e morreu quando o carro em que estava foi atingido por um míssil, em 7 de janeiro deste ano.

As imagens de Wael enterrando os próprios filhos para, em seguida, retornar ao trabalho, fizeram dele um dos rostos mais conhecidos dessa guerra, tornando-se uma referência jornalística no mundo e um símbolo da resiliência do povo palestino.  

Desde o dia 16 de janeiro, Wael está em Doha, capital do Catar, onde se recupera de ferimentos que sofreu em um ataque israelense que vitimou outro jornalista, o cinegrafista da Al Jazeera, Samer Abudaqa.

Do Catar, Wael Al-Dahdouh respondeu, com exclusividade, à Agência Brasil. O jornalista afirmou que a imprensa virou “alvo” em Gaza, o que explicaria o elevado número de profissionais de imprensa palestinos assassinados desde o dia 7 de outubro de 2023, que já chega a 96 segundo cálculos da Federação Internacional dos Jornalistas (FIJ).

Para denunciar essa situação, a FIJ, em parcerias com sindicatos e outras organizações de várias partes do mundo, promove nesta segunda-feira (26) o Dia Internacional de Solidariedade aos Jornalistas Palestinos.

Para o veterano jornalista, os veículos de imprensa deveriam denunciar com mais firmeza o que acontece em Gaza contra os profissionais de imprensa.  

Wael Al-Dahdouh disse ainda que o trabalho jornalístico em Gaza se tornou “quase impossível” e que os profissionais de imprensa “sempre têm a sensação de que podem ir e não voltar”.

O jornalista revelou ainda que continuou trabalhando, mesmo após perder a família, para honrar as pessoas que foram mortas. “Seria um pecado me afastar e não continuar meu trabalho”, completou.

Jornalista palestino está no Catar, onde se recupera de ferimentos que sofreu em um ataque israelense – Frame da TV Al Jazeera/Divulgação

Confira a entrevista completa a seguir:

Agência Brasil: O senhor perdeu filhos, esposa e neto no conflito, chegando a ser atingido por estilhaços de bombas e, mesmo assim, seguiu trabalhando. O que lhe motiva a seguir trabalhando na cobertura dessa guerra?
Wael Al-Dahdouh: Há muitas coisas que nos impulsionam a continuar neste trabalho, mas a fonte de todas estas forças é certamente Deus Todo-Poderoso, que nos concede o sucesso, nos apoia e nos fortalece nesta grande calamidade e nesta grande amargura.

Certamente, isso significa uma mensagem humanitária sagrada que exige de nós grandes esforços e sacrifícios, mesmo trabalhando em uma região que está ocupada, uma região muito importante e cheia de acontecimentos e de guerras. Portanto, quando voltamos ao trabalho, voltamos graças a todas essas coisas, mas também por aqueles que foram martirizados.

Eles são minha esposa, meu filho, minha filha, meu neto e meus parentes. Portanto, essas pessoas estavam se sacrificando nos últimos anos, antes de serem martirizados, para que eu pudesse cumprir meu dever.

Seria um pecado eu me afastar e não continuar meu trabalho. Isso é algo adicional que me fortaleceu e me tornou firme, e assim voltei sem hesitar. Meu trabalho começou horas depois dos enterros e sepultamentos e, por isso, voltei também com total profissionalismo, equilíbrio, objetividade e transparência, como se nada tivesse acontecido.

Este é um assunto muito importante do meu ponto de vista, considerando o desafio imposto pelas forças de ocupação israelenses sobre mim, pessoalmente. Essa foi certamente a resposta mais eloquente, mais forte e mais importante possível. Isso é uma coisa importante e nós somos certamente importantes. Gaza é importante. É onde nascemos e crescemos. Nossas memórias estão nela. Nossas dores estão nela. Nossas esperanças estão nela.

Agência Brasil: Como é trabalhar nas condições atuais da Faixa de Gaza? Quais são as principais dificuldades enfrentadas para fazer o trabalho jornalístico durante o conflito?
Wael Al-Dahdouh: O trabalho jornalístico tornou-se quase impossível na Faixa de Gaza devido aos ataques e dos alvos que falávamos, da mais longa lista de mártires, dos feridos, das famílias de colegas jornalistas, dos ataques aos gabinetes de imprensa e das capacidades jornalísticas dos vários meios de comunicação.

Você tem que se mover para cobrir os eventos. Isso certamente o coloca no centro das atenções e também o coloca como alvo. Todos os colegas jornalistas sempre têm a sensação de que podem ir e não voltar.

Ele pode ir ao noticiário e se tornar a notícia. Ele pode ir e tirar uma foto e se tornar a foto, como aconteceu com muitos colegas e comigo pessoalmente e com o colega Ismail Abu Omar e outros colegas que foram martirizados durante suas missões. Eles foram cobrir os fatos e usavam uniformes.

A eletricidade foi cortada. Muitas vezes, as redes de comunicações foram danificadas e cortadas. Isto impõe grandes desafios ao trabalho. Tem também os desafios do inverno para jornalistas que continuam trabalhando de noite.

E o jornalista é um ser humano que tem parentes, familiares, vizinhos e amigos que também são alvos e ele se preocupa com eles. Tem ainda o fato de o jornalista ser parte do povo e também estar sem teto e, portanto, trabalha com falta de moradia e em uma barraca na rua pois perdeu tudo devido ao deslocamento. Então, ele fica de lugar em lugar, de tenda em tenda, no meio de muitos alvos. Isto torna o ambiente de trabalho dos jornalistas palestinos quase impossível.

Wael Al-Dahdouh fazia uma transmissão ao vivo quando recebeu um telefonema informando que sua família havia morrido em um bombardeio israelense, em outubro de 2023 – Frame da TV Al Jazeera/Divulgação

Agência Brasil: Temos o maior número (96) de jornalistas assassinados em uma mesma guerra, segundo a Federação Internacional dos Jornalistas. Há que você atribui esse número tão alto de mortes de profissionais de imprensa?
Wael Al-Dahdouh: Isso reflete o ataque direto aos jornalistas palestinos, que são alvos independentemente do seu trabalho e da proteção das leis internacionais, com o qual todos os países e todas as leis de direitos humanos concordam.

Mas, certamente e apesar de tudo isto, existem alvos e o que aconteceu conosco como jornalistas e com as nossas famílias e com as instituições de imprensa certamente é a maior evidência [de que a imprensa é alvo em Gaza].

As maiores instituições jornalísticas e midiáticas devem levantar a voz e ter uma posição mais firme para parar esses ataques e parar estes assassinatos dos jornalistas palestinos, que assumem que essas leis são suficientes para proteger estas pessoas para que possam realizar o seu humano, sagrado e nobre trabalho.

Agência Brasil: Como você avalia a cobertura de outros meios internacionais de imprensa sobre a guerra em Gaza? Acredita que a cobertura dos grandes veículos é fiel aos fatos que ocorrem lá?
Wael Al-Dahdouh: Pela atmosfera que a guerra nos impôs, e também pela falta de internet e de redes de comunicações, é difícil acompanhar de perto e, continuamente, o que é divulgado pela imprensa [em todo o mundo].

Mas não queremos que estes meios de comunicação simpatizem com a questão palestiniana. Queremos apenas que sejam objetivos e profissionais.

O que está acontecendo é simplesmente uma ocupação contra um povo ocupado e vitimizado e, portanto, os acontecimentos na Faixa de Gaza não precisam de exagero, falsificação ou distorção.

Simplesmente lançando luz sobre o que está acontecendo é suficiente para nós e, portanto, sem qualquer simpatia, sem qualquer preconceito, com todo profissionalismo, objetividade e equilíbrio. Isso é mais do que suficiente para o povo palestino e até mesmo para os jornalistas palestinos.

Agência Brasil: O presidente Lula foi atacado por alguns setores políticos e midiáticos no Brasil por comparar a situação de Gaza com o Holocausto judeu. Como você avalia essa reação à fala do presidente?
Wael Al-Dahdouh: O presidente brasileiro foi submetido a uma grande pressão por posições que são a realidade da situação na Faixa de Gaza e nos territórios palestinos. Todas as leis dizem que existe uma ocupação na Palestina e há um povo ocupado, o que é consistente com o espírito do direito internacional.

Vimos ataques semelhantes não apenas ao presidente brasileiro, mas também a alguns que se uniram na Corte Internacional de Justiça (CIJ). Muitos dos que representavam nesse fórum internacional foram sujeitos a grandes pressões simplesmente porque emitiram declarações que diagnosticavam a realidade da situação.

Acredito que sejam quais forem as pressões e quaisquer que sejam os obstáculos, estas posições irão certamente manter-se, dado que, no final, refletem a realidade da situação e são completamente consistentes com o direito internacional e com o direito humanitário internacional.

Agência Brasil: Como você descreveria o que ocorre em Gaza, por tudo o que você presenciou e cobriu como jornalista? Como está a situação das pessoas lá dentro?
Wael Al-Dahdouh: Ninguém esperava, nem mesmo nós, jornalistas, chegarmos a este ponto. Os ataques na Faixa de Gaza destroem praças e, por vezes, aldeias. As bombas atingem as casas dos cidadãos palestinos sem aviso prévio. Essas condições são muito duras, muito custosas e chegam ao ponto da ausência de alimentos, bebidas, roupas e barracas para protegê-lo, mesmo que não forneça a proteção mínima do sol e do frio.

Há o corte total da eletricidade desde o início da guerra, o fechamento total de todas as fronteiras e o corte da água. Tudo isto, do ponto de vista do direito humano internacional, é um crime de guerra, um crime de destruição e um crime contra a humanidade.

Qual é a culpa das crianças? Qualquer investigador das estatísticas e números dos martirizados descobre que mais de dois terços eram mulheres e crianças. Há também milhares de pessoas desaparecidas. Destruição de infraestruturas e até de edifícios importantes, hospitais, escolas, mesquitas e igrejas.

Tudo isto reflete certamente a dificuldade da realidade, a dificuldade da situação e a miséria humana pela qual os civis pagam e isto deveria ser protegido pelo direito internacional.

Mostra de Jeff Alan traz visibilidade à população negra, diz curador

O jornalista e antropólogo, Bruno Albertim, curador da exposição Comigo Ninguém Pode – A Pintura de Jeff Alan, conta que o artista preenche os espaços “brancos perversos da história”, nos quais rostos e corpos pretos ao longo do tempo sempre eram retratados como objeto ou na visão do homem, dito branco e com acesso aos códigos europeus, mas que nunca tiveram autonomia para se retratar. A mostra está montada no Centro Cultural da Caixa, no Passeio, região central do Rio de Janeiro.

“A pintura de Jeff é uma pintura etnográfica, no sentido mais orgânico do termo, porque ele conhece muito bem essas pessoas que estão retratadas aqui. Ele é um pintor extraordinário. Tem um domínio de luz absurdo, do jogo de claro e escuro. Traz a dramaticidade das figuras e também o frescor da cultura pop”, apontou.

Artista de Recife expõe no Rio de Janeiro – Foto Cristina Indio do Brasil

A história do curador com o artista começou quando se conheceram na Casa Estação da Luz, em Olinda, Pernambuco, um espaço cultural que pertence ao cantor e compositor Alceu Valença. Antes disso, Albertim já vinha notando que Jeff tinha aparecido de forma marcante na cena contemporânea de Recife.

“Há dois anos comecei a ouvir falar no nome dele e de umas obras sempre de maneira espalhada. Procurei conhecê-lo e me apresentei em Olinda, coincidentemente, na Casa Estação da Luz”, revelou à Agência Brasil.

No encontro, Albertim contou ao artista que já tinha um trabalho muito maduro e uma unidade de discurso que estava espalhada pela cidade. Ele sentiu que aquele era o momento para montar uma exposição individual e, dessa forma, pela primeira vez, o público pôde ver um conjunto das obras do artista, na Casa Estação da Luz.

“Foi um sucesso, no sentido mais sincero da palavra. Muita gente foi e a mídia de Pernambuco recebeu de maneira muito espontânea, criou uma ressonância no trabalho de Jeff.”

A partir daí Jeff venceu um edital da Caixa e montou uma exposição, desta vez no Centro Cultural da Caixa, em Recife. Durante pouco mais de dois meses a mostra recebeu 85 mil pessoas.

“O que confirma não apenas o grande talento individual do artista Jeff Alan, mas a importância desse discurso visual que ele traz nesse momento”, apontou.

Para Albertim, a exposição se insere em uma tradição artística muito forte em Pernambuco. O modernismo pernambucano é muito marcado pelo figurativismo, pelo retrato de pessoas, pela retratação de paisagens não apenas como elemento geográfico, mas como extensão de uma subjetividade coletiva.

Segundo o curador, nos anos 1960, Rio de Janeiro e São Paulo concentraram a arte com o concretismo e experimentações de novas estéticas.

“Pernambuco, por ter ficado perifericamente ao sistema de arte do Brasil, mais poderoso do ponto de vista financeiro, se manteve fiel a este aspecto do figurativismo. Jeff retoma esse figurativismo, mas com uma inversão muito forte no olhar”, disse.

O curador destacou que durante muito tempo a arte ao redor do mundo valorizava a figura do homem branco e isso acabou se tornando “interesses ou verdades universais”.

Atualmente, conforme destacou, um grande figurativismo preto emergiu: “é o caso aqui no Brasil e em Pernambuco de Jeff Alan, que tenho certeza é, não só um dos nomes mais fortes de Pernambuco, onde já está consolidado, mas do Brasil.”

Exposição do artista Jeff Alan, no Rio de Janeiro – Foto Cristina Indio do Brasil

Albertim destacou ainda a representatividade na arte de Jeff, como se pode notar no quadro com a figura da modelo baiana Ivana Pires, que faz carreira ligada a grandes marcas da moda mundial.

“A Ivana é a própria Ivana, mas é também as mulheres que a antecedem. Várias delas, que foram obrigadas a se tornar anônimas e tiveram rostos, nomes e sobrenomes amputados, decepados da história. O povo preto no Brasil não teve ainda o pleno direito à construção de memória. Os brancos – e pelo amor de Deus, aqui não vai nenhum ativismo do ponto de vista racial – têm tido o privilégio histórico de prantear os seus antepassados, seu bisavô, seu tataravô. Um homem preto da minha idade – tenho um pouco mais de 40 anos –, dificilmente sabe quem foi seu bisavô, porque os registros foram apagados. Essa pessoa sequer tem digitais”, observou.

“Ao trazer o retrato, a figura desses personagens pretos e periféricos, que infelizmente no Brasil ainda são sinônimos, para o centro não só na tela, mas para lugares que socialmente ou historicamente lhes são negados, ele traz o indivíduo e toda a sua ancestralidade e a promessa dos que nos suscederão”, completou, acrescentando que essa é uma exposição individual, mas extremamente coletiva por retratar os personagens pretos.

Pertencimento

O historiador Renan Freira Guimarães, 27 anos, trabalha no Centro Cultural como mediador para orientar os visitantes, inclusive guiando o público dando informações sobre as obras. Ele já tinha visto as obras do artista de Recife em uma publicação no perfil de Jeff no Instagram para divulgar a exposição. Renan contou que o seu conceito sobre as obras mudou muito quando conheceu o artista pessoalmente.

“A chave que mudou a minha percepção foi conversar com o Jeff, dele chegar aqui e fazer questão de apertar a mão de todo mundo, falar com todo mundo, se apresentar. A primeira coisa que ele falou foi ‘meu nome é Jefferson, estou tentando resgatar esse Jefferson menino antes desse Jeff artista. Isso já me gerou um interesse. Já em um ‘oi’ ele chegou com profundidade e aí foi falando da relação que tem com as pessoas que ele pinta”, contou à reportagem da Agência Brasil.

Renan gostou de saber também da relação que Jeff mantém com o bairro do Barro, na zona oeste de Recife, onde nasceu, cresceu, vive e tem atelier de pintura.

“Ele não saiu de lá e pinta as pessoas de lá. Em cada quadro ele traz uma trajetória, uma história e como essa trajetória ali gravada na tela é importante não só para a pessoa que está sendo representada, mas para outras pessoas que se sentem parecidas também. Acabou que esta exposição começou a se tornar muito importante para mim.”

A característica de retratar pessoas com expressão séria também impressionou Renan. “Liguei muito com as ferramentas que eu utilizo nos meios sociais para poder viver enquanto pessoa preta, que é de estar sempre fechado, de ter essa armadura. O próprio sangue nos olhos que ele traz também, esse caminho vermelho difícil que a gente trilha e da própria vontade de não mais querer trilhar esses caminhos, que aí já vem a parte do azul que ele traz que são os sonhos. Isso mexeu demais comigo”, afirmou.

Exposição do artista Jeff Alan – Foto Cristina Indio do Brasil

O historiador, que é negro, se sente representado nos trabalhos de Jeff Alan. “Com certeza, desde a conversa que tive com ele, essa identificação com os quadros ficou muito mais forte. Eu gosto muito mais dessa obra mais recente – Coragem. Tem uma também lá no cantinho que é a única com uma pessoa sorrindo, diferente de todas. Eu gosto muito. Meu objetivo na vida é não precisar mais usar estas ferramentas de proteção [rosto fechado]”, contou, indicando as preferências entre as obras.

Visitante

O engenheiro mecânico Cláudio de Paula, 66 anos, foi à exposição após receber a dica da filha Narelle Nicolau de Paula, também engenheira. Ficou tão ansioso em conhecer a mostra que aproveitou o horário de almoço para visitar a exposição, já que trabalha no prédio em cima do Centro Cultural da Caixa.

“É um trabalho muito bonito e, com certeza, minha filha vai adorar porque ela luta bastante pelas mulheres negras, para que todas tenham espaço para se expressar. Ela vai adorar esta exposição. É difícil a gente ver tantas expressões que são familiares, que nos lembram as nossas expressões e as expressões dos nossos pais, dos nossos ancestrais”, disse à Agência Brasil, acrescentando que voltaria à tarde com a filha.

“A dica dela foi excelente, então vou voltar para visitar com a exposição guiada que talvez seja elucidativa de cada um dos quadros”, concluiu.

É importante destacar vida de pessoas pretas na periferia, diz artista

A comunidade Barro, zona oeste de Recife, Pernambuco, é o berço de tudo. Ali, Jefferson Alan Mendes Ferreira da Silva nasceu, cresceu e, como promete, vai ficar para sempre. Lá também, aos quatro anos, já fazia os primeiros desenhos. Pouco tempo depois, a inspiração deixou de ser os desenhos vistos na televisão que reproduziam, por exemplo, o Pokémon, passando a ser os amigos, pessoas das quebradas e das comunidades retratados nas suas telas.

Assim surgiu o artista plástico Jeff Alan, autor das 40 obras que compõem a mostra Comigo Ninguém Pode – A Pintura de Jeff Alan, no Centro Cultural da Caixa, no Passeio, região central do Rio de Janeiro, com entrada gratuita. Aberta de terça a sábado, das 10h às 20h, e aos domingos e feriados, das 11h às 18h. A exposição conta com legendas em braile e QR code com a audiodescrição das peças.

Antes de chegar ao Rio, a mostra esteve por pouco mais de dois meses no Centro Cultural da Caixa, no Recife, onde foi vista por 85 mil pessoas. A primeira apresentação dos trabalhos foi na Casa Estação da Luz, em Olinda, centro cultural do cantor e compositor Alceu Valença.

A mãe, a manicure Lucilene, de 53 anos, foi a grande incentivadora e ainda hoje Jeff pede opiniões dela quando está criando uma obra. “Minha mãe sempre foi uma inspiração para mim, não só artística, mas de ser humano mesmo”, revela. No início os trabalhos eram em preto e branco. Não era apenas uma tendência. Jeff não sabia, mas era daltônico.

A descoberta foi aos 20 e poucos anos, quando, segundo ele, “pagou alguns micos”. Na faculdade tinha feito um quadro com fundo rosa, que descreveu como vermelho. Os colegas apontaram que estava trocando as cores. Fez alguns testes e comprovou que tinha daltonismo.

Trabalhos de Jeff Alan podem ser vistos no Centro Cultural da Caixa  – Foto Cristina Indio do Brasil

Embora tenha começado com o preto e branco, já estava trabalhando com cores antes de saber que era daltônico. Jeff conta que costuma confundir o azul com verde, o verde com marrom ou cinza, laranja claro e rosa com vermelho. As trocas dependem das cores próximas. Nada disso é problema para o pintor. “A descoberta foi pagando alguns micos e algumas cores eu já tinha decorado. Tenho a minha paleta de trabalho reduzida, então, para mim foi tranquilo”, destaca.

As cores dos fundos das obras determinam a mensagem que o artista quer passar. O azul é o sonho, o vermelho a coragem e o amarelo o ouro, a conquista de um lugar. O nome da exposição que tem entrada grátis é uma referência também à planta Comigo ninguém pode, que o artista via em muitas ruas do Barro.

Em entrevista para a Agência Brasil, Jeff Alan comentou as características do seu trabalho, a vontade de destacar pessoas da periferia e reforçar o viver do povo preto.

“Eu quero elevar a auto estima do meu povo, quero ver a juventude vivendo os seus sonhos. Esse trabalho vem aqui para denunciar, reafirmar, reivindicar e para dizer que este espaço aqui é nosso. A gente não quer só ocupar, a gente quer estar. Muita gente fala em ocupar. Ocupar para mim é uma coisa temporária. A gente quer fazer parte do corpo. A gente quer gerir. A gente também quer ditar as regras do jogo”.

Origem

“A exposição Comigo Ninguém Pode surgiu no bairro do Barro, zona oeste do Recife, periferia na esquina do Bar do Beco, do meu tio Albérico Mendes da Silva, que faleceu há dois anos. O título é uma forma de trazer o meu tio, uma homenagem e também uma reafirmação dos fazeres do povo preto. Saber que com a gente ninguém pode. A exposição fala sobre coragem, muita luta, sobre sonhos, sobre o caminho da escola, sobre o caminho vermelho, esse desejo de descobrir o caminho azul. Costumo dizer que o vermelho é a cor de coragem e o azul de sonhos”, enfatiza o artista.

Comigo Ninguém Pode

“Em todas as ruas do meu bairro vai ter uma casa que tem [a planta] comigo ninguém pode e lá em Olinda fizemos instalações com a planta natural, buscamos soluções que a gente encontra na periferia. Usar um balde de tinta, uma lata de manteiga para trazer o que de fato a gente encontra. Eu tenho um autorretrato, acho que de 2020, que tem uma Comigo Ninguém Pode ao meu lado e também tenho uma foto minha aos seis anos que tem uma Comigo Ninguém Pode atrás. Eu não lembrava e encontrei a foto depois que fiz a pintura”, recorda.

Desde cedo

Jeff Alan prossegue: “eu pinto desde criança. Lembro que na escola, quando tinha trabalho em grupo, pediam para fazer a capa. Eu costumava fazer a capa. Eu gostava muito de estudar até a oitava série, mas o que era chato no ensino fundamental e ensino médio é que você é obrigado a estudar aquilo. Já na faculdade é outra coisa. Estuda uma parada que você escolheu e eu gostava muito de matemática. O meu sobrinho Guilherme, de seis anos, faz o mesmo.

Trajetória

O pintor lembra que decalcava, usava muito papel carbono e foi crescendo fazendo muito desenho que assistia na TV. “Cavaleiros do zodíaco, Dragon Ball Z, Pokémon. Folheando minhas pastas antigas de 20 anos atrás encontrei retratos de pessoas que não sabia quem era. Acho que foram estudos que contribuíram para chegar a este resultado. Em 2008, comecei a pichar, depois grafitar e a fazer intervenções urbanas. Comecei a conhecer os movimentos de arte urbana e de 2008 até 2014 consegui desenvolver o meu estilo que era abstrato. Uns traços orgânicos e fiquei conhecido por este trabalho que me criou uma zona de conforto. De 2014 para cá já estava na faculdade de Arquitetura e passei a ter muita relação com escritório de arquitetura de design de interiores. Esse meu trabalho abstrato é muito comercial. Eu sentia que este trabalho não ia me levar ao museu, a uma galeria, a uma exposição como essa”, diz.

Pandemia

Ele conta, a seguir, que quando a pandemia de covid-19 chegou ao Brasil, “eu tive que desacelerar e passei a olhar mais para dentro. Passei a me envolver mais com a minha família, me conectei mais com meus ancestrais. Aí eu fiz O que vai ser de mim? Em um quarto minúsculo, eu fico muito só no quarto quando não estou pintando, nasceu a série Olhar para Dentro. A primeira obra foi um jovem com uma garrafa de cola na mão. Essa obra nasceu a partir de um retrato que eu tinha no meu celular. Lembro de outra obra que foi de um retrato de uma avó com a netinha na comunidade Nossa Senhora do Pilar, no Recife antigo. Aquela foto eu fiz para o meu trabalho de conclusão de curso e fui fotografar cena e tem aquele caminhar da avó com a netinha. A foto – acho que foi em 2016 e em 2020 – eu fiz essa obra. Uma obra que eu fiz, eu estava em uma janela de ônibus e vi um rapaz com um fardamento azul e ele estava folheando alguma coisa. Lembro bem desse dia. Foi no bairro de Afogados, defronte à igreja do Largo da Paz. O ônibus parou exatamente naquele local. Lembro também de um poema de Miró da Muribeca [poeta urbano do Recife que morreu em 2022] que diz que a janela de ônibus é danada para botar a gente para pensar, principalmente quando a viagem é longa. É muito inspirador. Naquele momento fiz uma foto rápida. Não pude conversar com ele porque estava dentro do ônibus, mas o que me chamou atenção foi o fato dele estar com fardamento [que remetia ao pai] e estava folheando uma coisa e que provavelmente se estivesse em ambiente de trabalho seria chamado atenção e poderia perder o emprego por estar lendo, estudando, buscando um conhecimento. Aquele momento foi muito marcante para mim. Gostaria que aquela obra estivesse aqui, mas está muito longe [não revelou onde está] porque foi vendida. É uma obra muito importante. Um desenho em aquarela com lápis de cor sobre o papel”, acrescenta.

Histórias

O artista se diz “um contador de histórias. Não faria sentido algum eu chegar aqui, te receber e dizer que essa aqui é Ivana [Pires]. É uma pintura tinta acrílica sobre tela. Quem é Ivana? Ivana é uma jovem de Salvador. Modelo que está rodando o mundo com seu rosto estampado nas principais revistas de moda. Fazendo um grande trabalho, realizando seu sonho. O que foi que emocionou Ivana? Foi ver a foto dela na capa do catálogo. Ela publicou isso e disse para mãe que era capa de um livro, que é um catálogo de uma exposição. Acho que essa reação da Ivana após esse trabalho ser concluído é porque ela entende que o trabalho foi feito por um artista preto, que tem vivências parecidas com as dela. Um artista preto que vai dialogar com tantas outras meninas que querem estar nesses lugares que Ivana está alcançando.”

Conhecer personagens

Sobre os seus trabalhos, ele diz: “muitas obras que estão aqui são de pessoas que eu conheci e me conectei, como estou me conectando com você [repórter] e tive uma troca. Facilita o meu trabalho. Aqui também tem obras de pessoas que eu não conheço, referências de filmes, de alguma coisa que vi em uma rede social, de uma pessoa que cruzou o meu caminho de forma virtual, aí vou misturando. Mas muitas obras também são autorretratos. Ao passar o tempo está cada vez mais difícil pintar pessoas que eu não conheço, por isso não aceito encomenda, porque não conseguiria apresentar uma obra sem conhecer a história daquela pessoa. Ao longo da exposição há obras que consigo me debruçar e passar horas e horas apresentando aquele trabalho, porque eu conheço aquela pessoa que está viva e em processo de mudanças. Muitas obras estão em andamento, mas o que define que uma obra está concluída e se são pessoas reais? Hoje sou uma pessoa e amanhã posso ser outra. Registrei o momento”.

Recomeço

Jeff Alan explica que, “ao longo da exposição, a gente vai ver que aparece um céu estrelado, diferente da maioria das obras, aquele desejo de poder contemplar o céu em paz, de ver as estrelas. Acho que, quando a gente olha, o céu reacende a vontade de sonhar, quando falo muito de céu eu lembro de muitas memórias da minha infância quando eu deitava no chão e ficava olhando o céu, as nuvens e ficava brincando com aquilo e desenhando. Acredito que esse sonho azul é o céu de sonhos, é o céu do recomeço. Tem uma obra minha que se chama Recomeçar, que não está aqui, mas estava no Recife, ela fala sobre um jovem que está no Casem, que é a casa de semiliberdade da Funase [Fundação de Atendimento Socioeducativo do Recife], que eu conheci durante uma atividade eu fui fazer lá. Esse jovem se encontra em dois lugares. No Casem e no museu. E aí nas visitas mediadas acontecem muitas provocações e lá [alguém] perguntava. ‘Quem foi conhecer a história desse jovem no Casem?’. Ninguém, mas vocês estão vindo aqui ao museu. Será que é preciso colocar uma obra dentro de um museu para que vocês conheçam esses jovens? Para que entendam que esses jovens existem, têm sonhos e queriam estar agora aqui conosco? Então, esse azul dessa obra é de recomeço”.

Novidade

O artista explica que “a obra de Caíque é a grande novidade dessa exposição no Centro Cultural da Caixa, no Rio. O retrato tem escrito coragem atrás com uma parede vermelha manchada. Esse vermelho que eu falei ser de coragem muitas vezes é um caminho de sangue. É o caminho que a gente atravessa, seja no caminho para a escola, para o trabalho e até para o lazer. Como é atravessar esse caminho sangrento e não perder a vontade de sonhar e viver de seus sonhos? É muito desafiador a vida do jovem, não só do jovem, mas do povo periférico, do povo preto. Então, vejo o Caíque atravessando esse caminho vermelho em busca do sonho dele de ser jogador de futebol, que é o que ele quer agora. Ele já joga, mas que ele seja o que quiser e tenha liberdade de sonhar e ver os seus sonhos, como a gente está vendo aqui em outra obra onde está escrito em uma bolsa Sonhos Vivos e aparece com o fardamento [uniforme] azul da rede pública do Recife. O que eu quero dizer com isso? Que o caminho da escola para mim foi de sonhos, de descobertas. Foi no caminho da escola que comecei a pichar, fazer grafites, foi onde comecei a me entender enquanto artista e qual o lugar quero ocupar dentro da cidade”.

Invisibilidade

O pintor pernambucano pergunta: “quem se preocupa com os sonhos da população de rua? Muitas das obras falam da vontade de sonhar, de viver os seus sonhos e em paz, não mais um caminho vermelho de sangue, mas de amor. Na infância me ensinaram que vermelho era amor. Eu cresci e fui vendo que vermelho é a cor que interrompe muitos sonhos da nossa juventude. Que vermelho é a cor dos nossos corpos estirados no chão. É uma mancha na parede na casa de Douglas, de Caíque, da minha casa e de tantas outras que vivem nesse caos. A gente não quer mais falar nesse vermelho amor. Espero que, no próximo encontro, a gente possa falar sobre conquistas, afeto. Aqui as obras não aparecem sorrindo. É todo mundo muito atento, meio que penetra. Acho que isso vem muito do estranhamento de visitar ambientes de cultura e não me ver representado ao longo de todos esses anos. Hoje a coisa já está mudando. Pronto, aqui mesmo no Rio a gente tem o MAR [Museu de Arte do Rio], acredito que é um museu que tem a cara do povo. Esse diálogo que trago aqui nesta exposição já acontece no MAR e em outros equipamentos de cultura do Brasil todo. Demorou muito para que a gente tivesse este espaço, mas a gente vai escrever uma outra história que não vai desrespeitar o que nossos ancestrais fizeram”.

Reflexo da vida

“Tudo que acontece nesta exposição, acontece nas ruas, então, não fará sentido algum se as pessoas que vierem aqui continuarem ignorando as pessoas nas calçadas, no caminho da escola. Essas pessoas existem. São pessoas que têm sonhos e vontade de viver. Estou muito feliz de estar aqui e otimista com as relações que a gente vai construir ao longo dessa exposição. O espaço está aberto para receber, principalmente, gente de quebrada, de favela, maloqueiro e que essas obras sejam vistas como espelho. Não fará sentido algum essa exposição aqui para um público branco contemplar. Não que seja um problema, mas antes de tudo é importante que as pessoas se vejam e se identifiquem nestas obras. Que sejam espelhos” observa.

Público

Pensando na capital pernambucana, Jeff diz que “lá no Recife ganhei mais de cinco mil seguidores. Tem um depoimento de uma senhora de 56 anos. Ela falou: ‘Essa é a primeira vez que venho a um museu. Sempre achei que era lugar de patrão’. Ela é trabalhadora doméstica e escutava muita história dos patrões indo viajar. Ela ganhou um convite. A gente buscou esse público que nunca tinha ido a um museu, porque, do contrário, fica sempre dentro da mesma bolha. A gente chamou pessoas que estavam atravessando a rua, comerciantes, pessoas em situação de rua. Pessoas que são a cara da exposição. Isso eleva muito a auto estima. Depois que foi lá, foi de novo e passou a entender que arte também é para ela”.

Caminhos

Ele enfatiza que há “caminhos vermelho, azul e amarelo. Tem composição com amarelo. O que é esse amarelo? Eu sou daltônico, então a minha paleta é muito reduzida. As cores se repetem muito e são cores que me apresentaram na infância. Uso muito o azul, que vem muito do fardamento [macacão] que meu pai usava [ele era mecânico da CBTU – Companhia Brasileira de Trens Urbanos]. A memória que tenho do azul vem muito disso. O amarelo, nesses brincos que se repetem em muitas obras e mudam de tamanho, representa o ouro. Em algum momento eu disse que ia substituir esse amarelo por uma folha de ouro, deixei levar e meio que se criou identidade e eu mantive. O amarelo é para representar o ouro que é nosso, que foi roubado e a gente quer de volta. A gente quer portar ouro, prata, enfim, portar joias. Em algumas obras aparecem acessórios, búzios”.

Vermelho nos olhos

Ainda sobre cores, o artista afirma que “o vermelho nos olhos vem muito da expressão sangue nos olhos. Parte de muita indignação que resultou nesta exposição. Posso dizer que fiquei muito tempo com sangue nos olhos, por falta de visibilidade, falta de espaço, por não me sentir representado. Isso tem muito de indignação. Eu pinto muito quando estou triste, mas pinto muito mais quando estou feliz. Acho que essa necessidade de pintar em um momento de tristeza é para colocar para fora o que eu tenho de melhor, para me sentir vivo, me sentir útil. Essas obras são resultado de muitas emoções, de muita revolta e também de muita alegria e de muitos sonhos”, confessa.

Família

Em outro ponto da entrevista, o artista diz que, “pela primeira vez a minha família viajou para o Rio de Janeiro [veio para a abertura da exposição na quarta-feira (21)]. Minha mãe, dona Lucilene, na primeira vez que andou de avião foi para ver a exposição do filho dela e com dinheiro de arte. Minhas irmãs estão aqui, meu sobrinho com seis anos de idade fez a primeira viagem de avião. Eu fiz quando já estava com mais de 20 anos. Poder proporcionar isso para minha família, vivendo do meu sonho, é algo que eu sempre quis. Desde criança quis viver de arte. Até os 15 anos ficava dividido entre futebol e artes visuais, mas nunca deixei de pintar”.

Mostra é rica em cores e expressão – Foto Cristina Indio do Brasil

Sonho

O artista finaliza o seu depoimento falando de sonhos. “Um dos meus principais sonhos é construir uma Escola de Arte no meu bairro. Não só uma escola de arte, mas uma escola para potencializar sonhos. Venho juntando recursos para realizar e viver esse sonho. [Vamos perguntar] Qual é teu sonho? ‘Ser jogador de futebol’. Como podemos ajudar a concretizar isso? Bora fazer vídeos teus jogando. Se quer ser costureira bora fazer parcerias com grandes marcas. Isso que estou vivendo há muitos anos é muito gostoso. É muito prazeroso viver dos sonhos. É muito bom”.

É importante destacar vida de pessoas pretas na periferia, diz artista

A comunidade Barro, zona oeste de Recife, Pernambuco, é o berço de tudo. Ali, Jefferson Alan Mendes Ferreira da Silva nasceu, cresceu e, como promete, vai ficar para sempre. Lá também, aos quatro anos, já fazia os primeiros desenhos. Pouco tempo depois, a inspiração deixou de ser os desenhos vistos na televisão que reproduziam, por exemplo, o Pokémon, passando a ser os amigos, pessoas das quebradas e das comunidades retratados nas suas telas.

Assim surgiu o artista plástico Jeff Alan, autor das 40 obras que compõem a mostra Comigo Ninguém Pode – A Pintura de Jeff Alan, no Centro Cultural da Caixa, no Passeio, região central do Rio de Janeiro, com entrada gratuita. Aberta de terça a sábado, das 10h às 20h, e aos domingos e feriados, das 11h às 18h. A exposição conta com legendas em braile e QR code com a audiodescrição das peças.

Antes de chegar ao Rio, a mostra esteve por pouco mais de dois meses no Centro Cultural da Caixa, no Recife, onde foi vista por 85 mil pessoas. A primeira apresentação dos trabalhos foi na Casa Estação da Luz, em Olinda, centro cultural do cantor e compositor Alceu Valença.

A mãe, a manicure Lucilene, de 53 anos, foi a grande incentivadora e ainda hoje Jeff pede opiniões dela quando está criando uma obra. “Minha mãe sempre foi uma inspiração para mim, não só artística, mas de ser humano mesmo”, revela. No início os trabalhos eram em preto e branco. Não era apenas uma tendência. Jeff não sabia, mas era daltônico.

A descoberta foi aos 20 e poucos anos, quando, segundo ele, “pagou alguns micos”. Na faculdade tinha feito um quadro com fundo rosa, que descreveu como vermelho. Os colegas apontaram que estava trocando as cores. Fez alguns testes e comprovou que tinha daltonismo.

Trabalhos de Jeff Alan podem ser vistos no Centro Cultural da Caixa  – Foto Cristina Indio do Brasil

Embora tenha começado com o preto e branco, já estava trabalhando com cores antes de saber que era daltônico. Jeff conta que costuma confundir o azul com verde, o verde com marrom ou cinza, laranja claro e rosa com vermelho. As trocas dependem das cores próximas. Nada disso é problema para o pintor. “A descoberta foi pagando alguns micos e algumas cores eu já tinha decorado. Tenho a minha paleta de trabalho reduzida, então, para mim foi tranquilo”, destaca.

As cores dos fundos das obras determinam a mensagem que o artista quer passar. O azul é o sonho, o vermelho a coragem e o amarelo o ouro, a conquista de um lugar. O nome da exposição que tem entrada grátis é uma referência também à planta Comigo ninguém pode, que o artista via em muitas ruas do Barro.

Em entrevista para a Agência Brasil, Jeff Alan comentou as características do seu trabalho, a vontade de destacar pessoas da periferia e reforçar o viver do povo preto.

“Eu quero elevar a auto estima do meu povo, quero ver a juventude vivendo os seus sonhos. Esse trabalho vem aqui para denunciar, reafirmar, reivindicar e para dizer que este espaço aqui é nosso. A gente não quer só ocupar, a gente quer estar. Muita gente fala em ocupar. Ocupar para mim é uma coisa temporária. A gente quer fazer parte do corpo. A gente quer gerir. A gente também quer ditar as regras do jogo”.

Origem

“A exposição Comigo Ninguém Pode surgiu no bairro do Barro, zona oeste do Recife, periferia na esquina do Bar do Beco, do meu tio Albérico Mendes da Silva, que faleceu há dois anos. O título é uma forma de trazer o meu tio, uma homenagem e também uma reafirmação dos fazeres do povo preto. Saber que com a gente ninguém pode. A exposição fala sobre coragem, muita luta, sobre sonhos, sobre o caminho da escola, sobre o caminho vermelho, esse desejo de descobrir o caminho azul. Costumo dizer que o vermelho é a cor de coragem e o azul de sonhos”, enfatiza o artista.

Comigo Ninguém Pode

“Em todas as ruas do meu bairro vai ter uma casa que tem [a planta] comigo ninguém pode e lá em Olinda fizemos instalações com a planta natural, buscamos soluções que a gente encontra na periferia. Usar um balde de tinta, uma lata de manteiga para trazer o que de fato a gente encontra. Eu tenho um autorretrato, acho que de 2020, que tem uma Comigo Ninguém Pode ao meu lado e também tenho uma foto minha aos seis anos que tem uma Comigo Ninguém Pode atrás. Eu não lembrava e encontrei a foto depois que fiz a pintura”, recorda.

Desde cedo

Jeff Alan prossegue: “eu pinto desde criança. Lembro que na escola, quando tinha trabalho em grupo, pediam para fazer a capa. Eu costumava fazer a capa. Eu gostava muito de estudar até a oitava série, mas o que era chato no ensino fundamental e ensino médio é que você é obrigado a estudar aquilo. Já na faculdade é outra coisa. Estuda uma parada que você escolheu e eu gostava muito de matemática. O meu sobrinho Guilherme, de seis anos, faz o mesmo.

Trajetória

O pintor lembra que decalcava, usava muito papel carbono e foi crescendo fazendo muito desenho que assistia na TV. “Cavaleiros do zodíaco, Dragon Ball Z, Pokémon. Folheando minhas pastas antigas de 20 anos atrás encontrei retratos de pessoas que não sabia quem era. Acho que foram estudos que contribuíram para chegar a este resultado. Em 2008, comecei a pichar, depois grafitar e a fazer intervenções urbanas. Comecei a conhecer os movimentos de arte urbana e de 2008 até 2014 consegui desenvolver o meu estilo que era abstrato. Uns traços orgânicos e fiquei conhecido por este trabalho que me criou uma zona de conforto. De 2014 para cá já estava na faculdade de Arquitetura e passei a ter muita relação com escritório de arquitetura de design de interiores. Esse meu trabalho abstrato é muito comercial. Eu sentia que este trabalho não ia me levar ao museu, a uma galeria, a uma exposição como essa”, diz.

Pandemia

Ele conta, a seguir, que quando a pandemia de covid-19 chegou ao Brasil, “eu tive que desacelerar e passei a olhar mais para dentro. Passei a me envolver mais com a minha família, me conectei mais com meus ancestrais. Aí eu fiz O que vai ser de mim? Em um quarto minúsculo, eu fico muito só no quarto quando não estou pintando, nasceu a série Olhar para Dentro. A primeira obra foi um jovem com uma garrafa de cola na mão. Essa obra nasceu a partir de um retrato que eu tinha no meu celular. Lembro de outra obra que foi de um retrato de uma avó com a netinha na comunidade Nossa Senhora do Pilar, no Recife antigo. Aquela foto eu fiz para o meu trabalho de conclusão de curso e fui fotografar cena e tem aquele caminhar da avó com a netinha. A foto – acho que foi em 2016 e em 2020 – eu fiz essa obra. Uma obra que eu fiz, eu estava em uma janela de ônibus e vi um rapaz com um fardamento azul e ele estava folheando alguma coisa. Lembro bem desse dia. Foi no bairro de Afogados, defronte à igreja do Largo da Paz. O ônibus parou exatamente naquele local. Lembro também de um poema de Miró da Muribeca [poeta urbano do Recife que morreu em 2022] que diz que a janela de ônibus é danada para botar a gente para pensar, principalmente quando a viagem é longa. É muito inspirador. Naquele momento fiz uma foto rápida. Não pude conversar com ele porque estava dentro do ônibus, mas o que me chamou atenção foi o fato dele estar com fardamento [que remetia ao pai] e estava folheando uma coisa e que provavelmente se estivesse em ambiente de trabalho seria chamado atenção e poderia perder o emprego por estar lendo, estudando, buscando um conhecimento. Aquele momento foi muito marcante para mim. Gostaria que aquela obra estivesse aqui, mas está muito longe [não revelou onde está] porque foi vendida. É uma obra muito importante. Um desenho em aquarela com lápis de cor sobre o papel”, acrescenta.

Histórias

O artista se diz “um contador de histórias. Não faria sentido algum eu chegar aqui, te receber e dizer que essa aqui é Ivana [Pires]. É uma pintura tinta acrílica sobre tela. Quem é Ivana? Ivana é uma jovem de Salvador. Modelo que está rodando o mundo com seu rosto estampado nas principais revistas de moda. Fazendo um grande trabalho, realizando seu sonho. O que foi que emocionou Ivana? Foi ver a foto dela na capa do catálogo. Ela publicou isso e disse para mãe que era capa de um livro, que é um catálogo de uma exposição. Acho que essa reação da Ivana após esse trabalho ser concluído é porque ela entende que o trabalho foi feito por um artista preto, que tem vivências parecidas com as dela. Um artista preto que vai dialogar com tantas outras meninas que querem estar nesses lugares que Ivana está alcançando.”

Conhecer personagens

Sobre os seus trabalhos, ele diz: “muitas obras que estão aqui são de pessoas que eu conheci e me conectei, como estou me conectando com você [repórter] e tive uma troca. Facilita o meu trabalho. Aqui também tem obras de pessoas que eu não conheço, referências de filmes, de alguma coisa que vi em uma rede social, de uma pessoa que cruzou o meu caminho de forma virtual, aí vou misturando. Mas muitas obras também são autorretratos. Ao passar o tempo está cada vez mais difícil pintar pessoas que eu não conheço, por isso não aceito encomenda, porque não conseguiria apresentar uma obra sem conhecer a história daquela pessoa. Ao longo da exposição há obras que consigo me debruçar e passar horas e horas apresentando aquele trabalho, porque eu conheço aquela pessoa que está viva e em processo de mudanças. Muitas obras estão em andamento, mas o que define que uma obra está concluída e se são pessoas reais? Hoje sou uma pessoa e amanhã posso ser outra. Registrei o momento”.

Recomeço

Jeff Alan explica que, “ao longo da exposição, a gente vai ver que aparece um céu estrelado, diferente da maioria das obras, aquele desejo de poder contemplar o céu em paz, de ver as estrelas. Acho que, quando a gente olha, o céu reacende a vontade de sonhar, quando falo muito de céu eu lembro de muitas memórias da minha infância quando eu deitava no chão e ficava olhando o céu, as nuvens e ficava brincando com aquilo e desenhando. Acredito que esse sonho azul é o céu de sonhos, é o céu do recomeço. Tem uma obra minha que se chama Recomeçar, que não está aqui, mas estava no Recife, ela fala sobre um jovem que está no Casem, que é a casa de semiliberdade da Funase [Fundação de Atendimento Socioeducativo do Recife], que eu conheci durante uma atividade eu fui fazer lá. Esse jovem se encontra em dois lugares. No Casem e no museu. E aí nas visitas mediadas acontecem muitas provocações e lá [alguém] perguntava. ‘Quem foi conhecer a história desse jovem no Casem?’. Ninguém, mas vocês estão vindo aqui ao museu. Será que é preciso colocar uma obra dentro de um museu para que vocês conheçam esses jovens? Para que entendam que esses jovens existem, têm sonhos e queriam estar agora aqui conosco? Então, esse azul dessa obra é de recomeço”.

Novidade

O artista explica que “a obra de Caíque é a grande novidade dessa exposição no Centro Cultural da Caixa, no Rio. O retrato tem escrito coragem atrás com uma parede vermelha manchada. Esse vermelho que eu falei ser de coragem muitas vezes é um caminho de sangue. É o caminho que a gente atravessa, seja no caminho para a escola, para o trabalho e até para o lazer. Como é atravessar esse caminho sangrento e não perder a vontade de sonhar e viver de seus sonhos? É muito desafiador a vida do jovem, não só do jovem, mas do povo periférico, do povo preto. Então, vejo o Caíque atravessando esse caminho vermelho em busca do sonho dele de ser jogador de futebol, que é o que ele quer agora. Ele já joga, mas que ele seja o que quiser e tenha liberdade de sonhar e ver os seus sonhos, como a gente está vendo aqui em outra obra onde está escrito em uma bolsa Sonhos Vivos e aparece com o fardamento [uniforme] azul da rede pública do Recife. O que eu quero dizer com isso? Que o caminho da escola para mim foi de sonhos, de descobertas. Foi no caminho da escola que comecei a pichar, fazer grafites, foi onde comecei a me entender enquanto artista e qual o lugar quero ocupar dentro da cidade”.

Invisibilidade

O pintor pernambucano pergunta: “quem se preocupa com os sonhos da população de rua? Muitas das obras falam da vontade de sonhar, de viver os seus sonhos e em paz, não mais um caminho vermelho de sangue, mas de amor. Na infância me ensinaram que vermelho era amor. Eu cresci e fui vendo que vermelho é a cor que interrompe muitos sonhos da nossa juventude. Que vermelho é a cor dos nossos corpos estirados no chão. É uma mancha na parede na casa de Douglas, de Caíque, da minha casa e de tantas outras que vivem nesse caos. A gente não quer mais falar nesse vermelho amor. Espero que, no próximo encontro, a gente possa falar sobre conquistas, afeto. Aqui as obras não aparecem sorrindo. É todo mundo muito atento, meio que penetra. Acho que isso vem muito do estranhamento de visitar ambientes de cultura e não me ver representado ao longo de todos esses anos. Hoje a coisa já está mudando. Pronto, aqui mesmo no Rio a gente tem o MAR [Museu de Arte do Rio], acredito que é um museu que tem a cara do povo. Esse diálogo que trago aqui nesta exposição já acontece no MAR e em outros equipamentos de cultura do Brasil todo. Demorou muito para que a gente tivesse este espaço, mas a gente vai escrever uma outra história que não vai desrespeitar o que nossos ancestrais fizeram”.

Reflexo da vida

“Tudo que acontece nesta exposição, acontece nas ruas, então, não fará sentido algum se as pessoas que vierem aqui continuarem ignorando as pessoas nas calçadas, no caminho da escola. Essas pessoas existem. São pessoas que têm sonhos e vontade de viver. Estou muito feliz de estar aqui e otimista com as relações que a gente vai construir ao longo dessa exposição. O espaço está aberto para receber, principalmente, gente de quebrada, de favela, maloqueiro e que essas obras sejam vistas como espelho. Não fará sentido algum essa exposição aqui para um público branco contemplar. Não que seja um problema, mas antes de tudo é importante que as pessoas se vejam e se identifiquem nestas obras. Que sejam espelhos” observa.

Público

Pensando na capital pernambucana, Jeff diz que “lá no Recife ganhei mais de cinco mil seguidores. Tem um depoimento de uma senhora de 56 anos. Ela falou: ‘Essa é a primeira vez que venho a um museu. Sempre achei que era lugar de patrão’. Ela é trabalhadora doméstica e escutava muita história dos patrões indo viajar. Ela ganhou um convite. A gente buscou esse público que nunca tinha ido a um museu, porque, do contrário, fica sempre dentro da mesma bolha. A gente chamou pessoas que estavam atravessando a rua, comerciantes, pessoas em situação de rua. Pessoas que são a cara da exposição. Isso eleva muito a auto estima. Depois que foi lá, foi de novo e passou a entender que arte também é para ela”.

Caminhos

Ele enfatiza que há “caminhos vermelho, azul e amarelo. Tem composição com amarelo. O que é esse amarelo? Eu sou daltônico, então a minha paleta é muito reduzida. As cores se repetem muito e são cores que me apresentaram na infância. Uso muito o azul, que vem muito do fardamento [macacão] que meu pai usava [ele era mecânico da CBTU – Companhia Brasileira de Trens Urbanos]. A memória que tenho do azul vem muito disso. O amarelo, nesses brincos que se repetem em muitas obras e mudam de tamanho, representa o ouro. Em algum momento eu disse que ia substituir esse amarelo por uma folha de ouro, deixei levar e meio que se criou identidade e eu mantive. O amarelo é para representar o ouro que é nosso, que foi roubado e a gente quer de volta. A gente quer portar ouro, prata, enfim, portar joias. Em algumas obras aparecem acessórios, búzios”.

Vermelho nos olhos

Ainda sobre cores, o artista afirma que “o vermelho nos olhos vem muito da expressão sangue nos olhos. Parte de muita indignação que resultou nesta exposição. Posso dizer que fiquei muito tempo com sangue nos olhos, por falta de visibilidade, falta de espaço, por não me sentir representado. Isso tem muito de indignação. Eu pinto muito quando estou triste, mas pinto muito mais quando estou feliz. Acho que essa necessidade de pintar em um momento de tristeza é para colocar para fora o que eu tenho de melhor, para me sentir vivo, me sentir útil. Essas obras são resultado de muitas emoções, de muita revolta e também de muita alegria e de muitos sonhos”, confessa.

Família

Em outro ponto da entrevista, o artista diz que, “pela primeira vez a minha família viajou para o Rio de Janeiro [veio para a abertura da exposição na quarta-feira (21)]. Minha mãe, dona Lucilene, na primeira vez que andou de avião foi para ver a exposição do filho dela e com dinheiro de arte. Minhas irmãs estão aqui, meu sobrinho com seis anos de idade fez a primeira viagem de avião. Eu fiz quando já estava com mais de 20 anos. Poder proporcionar isso para minha família, vivendo do meu sonho, é algo que eu sempre quis. Desde criança quis viver de arte. Até os 15 anos ficava dividido entre futebol e artes visuais, mas nunca deixei de pintar”.

Mostra é rica em cores e expressão – Foto Cristina Indio do Brasil

Sonho

O artista finaliza o seu depoimento falando de sonhos. “Um dos meus principais sonhos é construir uma Escola de Arte no meu bairro. Não só uma escola de arte, mas uma escola para potencializar sonhos. Venho juntando recursos para realizar e viver esse sonho. [Vamos perguntar] Qual é teu sonho? ‘Ser jogador de futebol’. Como podemos ajudar a concretizar isso? Bora fazer vídeos teus jogando. Se quer ser costureira bora fazer parcerias com grandes marcas. Isso que estou vivendo há muitos anos é muito gostoso. É muito prazeroso viver dos sonhos. É muito bom”.

Rede de saúde do DF entra em colapso por dengue, diz governador

O governador do Distrito Federal, Ibaneis Rocha, afirmou que as redes de saúde da capital, tanto pública quanto privada, entraram em colapso no atendimento em meio à explosão de casos de dengue. Desde o dia 25 de janeiro, o DF está em estado de emergência no âmbito da saúde pública em razão da doença, assim como outros estados do país.

A declaração foi feita nesta quinta-feira (22) em almoço com empresários, em Brasília, e noticiada por veículos de imprensa. A assessoria do governador confirmou a fala à reportagem da Empresa Brasil de Comunicação.

“Os hospitais tanto da rede pública como da privada do DF já entraram em colapso. Nós estamos vivendo uma crise muito grande. Com foco em reduzir esses impactos, nós publicamos ontem (21) um decreto ampliando o atendimento nas unidades básicas de saúde e das tendas de hidratação. O momento é grave, mas nós ainda não chegamos no pico da epidemia. O que nós queremos agora é acolher a população da melhor maneira possível”, declarou Ibaneis.

Os casos de dengue no DF em 2024 – registrados até 17 de fevereiro – aumentaram 1.351,4% em relação ao mesmo período do ano passado. Houve 84.151 ocorrências suspeitas da doença, das quais 81.408 são classificados como casos prováveis pela própria Secretaria de Saúde. Em 2023, foram 5.484 casos prováveis da doença. 

A capital federal contabiliza 38 mortes por dengue, o maior número do país, e há mais 72 casos em investigação. Como afirmou o governador Ibaneis, a situação ainda pode piorar já que, historicamente, o pico de casos da doença ocorre nos meses de março, abril e maio.

Na quarta-feira (21), o governo do DF anunciou a contratação de 741 profissionais de saúde para reforçar o atendimento à população, sendo 200 médicos temporários e para o quadro efetivo: 180 técnicos de enfermagem, 156 enfermeiros, 115 agentes comunitários de saúde e 90 médicos especialistas. A Secretaria de Saúde também publicou chamamento para a instalação de mais 11 tendas de hidratação e atendimento a pacientes com dengue, que se somarão às nove já em funcionamento.

De acordo com o último balanço do Ministério da Saúde, 151 pessoas morreram no Brasil este ano por dengue. Outros 501 óbitos estão em investigação. O país soma 740.942 casos prováveis da doença, com incidência de 364,9 casos por 100 mil habitantes.

 

Restabelecimento de energia em novembro foi bem-sucedido, diz Enel-SP

Em depoimento nesta quinta-feira (22), na Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Câmara dos Vereadores de São Paulo, o presidente da Enel em São Paulo, Max Xavier Lins, disse que o restabelecimento de energia após o apagão ocorrido em novembro do ano passado foi “tecnicamente bem-sucedido”. A Enel é a concessionária de energia que atende a capital paulista e mais 23 municípios da região metropolitana.

É preciso desmistificar os fatos das narrativas, diz o presidente da Enel, Max Lins – Rovena Rosa/Arquivo/Agência Brasil

“A gente precisa desmistificar os fatos das narrativas. Evidentemente, teve, sim, uma quantidade pequena de consumidores [que ficaram dias sem energia). A gente entende o transtorno para esse cidadão. Mas, tecnicamente, foi uma operação bem-sucedida de restabelecimento”, disse Lins.

No dia 3 de novembro do ano passado, 2,1 milhões de clientes da Enel ficaram sem energia elétrica na região metropolitana de São Paulo. Houve casos em que residências e estabelecimentos comerciais ficaram sem luz por dias.

Por causa disso, em fevereiro deste ano, a Enel foi multada em R$ 165,8 milhões pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel). Segundo o auto de infração feito pela Aneel, a empresa não prestou serviços de forma adequada. A companhia só acionou significativamente as equipes de manutenção – próprias e terceirizadas – em 6 de novembro, três dias após o temporal que derrubou árvores e comprometeu o abastecimento de energia em diversas áreas da capital paulista e dos arredores.

No depoimento de hoje, o presidente da Enel confirmou que houve pessoas que ficaram muitos dias sem energia elétrica, mas ressaltou que a resposta da empresa ao apagão foi “um esforço sobre-humano”. De acordo com Lins, o que ocorreu no dia 3 de novembro na capital e na região metropolitana foi “um evento climático extremo”, acima do que estava previsto.

“A curva do restabelecimento [de energia] pode parecer longa para quem ficou quatro ou cinco dias sem energia. Mas, para o tamanho da dimensão [do evento climático], eu diria que a recuperação, tecnicamente falando, foi um esforço sobre-humano para conseguir isso. Poucas distribuidoras do Brasil teriam conseguido o tempo de restabelecimento que foi obtido”, disse ele. Segundo Lins, em até 24 horas, 1,2 milhão de clientes estavam com a energia restabelecida e, no prazo de 72 horas, 97% da energia estava de volta em toda a região metropolitana de São Paulo.

Em janeiro deste ano, o prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes, recorreu ao Tribunal de Contas da União (TCU) para solicitar uma fiscalização mais rigorosa sobre o serviço prestado pela empresa. O prefeito também pediu a rescisão do contrato com a concessionária. Antes disso, a prefeitura havia entrado com ação na Justiça de São Paulo para pedir à Enel que apresentasse um plano de contingência e um cronograma preventivo para o período de chuvas.

A Change.org, maior plataforma de abaixo-assinados do mundo, informou nesta semana que as interrupções do fornecimento de energia elétrica em São Paulo fizeram disparar o número de reclamações contra a Enel. A maior parte diz respeito à falta de energia e pede que a empresa faça o enterramento da fiação elétrica. “Isso aponta como este se tornou um problema crônico na cidade”, disse a diretora da Change.org Brasil, Monica Souza.

Padilha diz que governo tem compromisso para pagamento de emendas

O ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha, afirmou nesta quarta-feira (22) que o governo federal tem compromisso de estabelecer um cronograma para pagamento das emendas parlamentares. Padilha deu a declaração após reunião com integrantes da Comissão Mista de Orçamento (CMO).

Em janeiro deste ano, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva vetou trecho da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2024 que obrigava o empenho (reserva), em até 30 dias, de recursos para o pagamento das emendas impositivas, ou seja, obrigatórias.LINK 1  

“Nós estamos firmando esse compromisso desse volume de recursos, que fica em torno de R$ 14 bilhões [emendas orçamentárias], que é exatamente o que estava no texto do cronograma da LDO, com empenho e o pagamento viabilizando repasse desses recursos dentro do calendário eleitoral, que vai até o dia 30 de junho”, anunciou.

Padilha argumentou que o veto do presidente foi adotado para cumprimento à Lei de Responsabilidade Fiscal, a qual compete ao Executivo estabelecer a programação financeira e o cronograma de execução de desembolsos de recursos.  

O ministro disse que o cronograma de execução ainda não foi definido, e terá como prioridade as emendas orçamentárias – individuais, de bancada e impositivas – com recursos para saúde e assistência social.

“Todo começo do ano a gente faz uma reunião da junta orçamentária, que estabelece um calendário da execução das emendas, tanto empenho quanto o pagamento. Não tem esse cronograma ainda do conjunto de execução, não teve reunião da junta orçamentária para definir isso, não tem uma data fechada da junta orçamentária”, explicou.