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RS e BNDES negociam parceria estratégica sobre desastres ambientais

O governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite, informou, nesta terça-feira (18), que negocia uma parceria estratégica com o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) para obter recursos que viabilizem estudos e projetos quem deem resiliência ao estado, que enfrenta efeitos da calamidade causada por temporais no fim de abril e durante o mês de maio.

“[A parceria] é uma análise das regiões mais afetadas nesse último evento climático com os estudos e os projetos para desenvolver os sistemas de proteção e de alerta robustos que o Rio Grande do Sul passará a ter para enfrentar essa nova realidade climática”, anunciou.

Leite não deu detalhes sobre o volume de recursos financeiros envolvidos. “Estamos alinhavando”, disse. A declaração, por meio de uma mensagem de vídeo, foi durante um seminário na sede do BNDES, no Rio de Janeiro. O governador gaúcho explicou que estava a caminho do aeroporto para seguir para o evento, quando decidiu ficar no Rio Grande do Sul, por causa da ocorrência de novas tempestades.

“Estou em Caxias do Sul, percorrendo a Serra Gaúcha, por causa da possibilidade de novos deslizamentos”, justificou.

O evento reuniu especialistas brasileiros e estrangeiros para tratar de temas ligados à prevenção e reconstrução de regiões afetadas por desastres climáticos. Um dos presentes foi o arquiteto chinês e paisagista da Universidade de Pequim Kongjian Yu, criador do conceito de cidades-esponja, planejadas para melhor absorver grandes quantidades de chuva e evitar enxurradas.

Eduardo Leite disse que números mostraram que a calamidade de maio se configurará como o “maior desastre climático do Brasil”, em termos de extensão territorial e impacto econômico.

“O impacto que tem na nossa produção, desde a agropecuária, a indústria, o setor de serviços, a logística, que foi comprometida, do aeroporto que ainda está fechado, às estradas que foram bloqueadas”, descreveu o governador, acrescentando que a habitação também foi severamente atingida. “Famílias inteiras foram muito impactadas.”

Um levantamento da Federação das Indústrias do Estado do Rio Grande do Sul (Fiergs) apontou que os alagamentos resultaram em paralisação parcial ou total de 63% das fábricas gaúchas, sendo que 93% das interrupções alcançaram até 30 dias.

Para Leite, um fator crítico para a recuperação do estado é a “resiliência”. Ele disse que o governo articula com municípios e o governo federal ações que possibilitem a reconstrução gaúcha, incluindo parcerias com o setor privado.

O governador gaúcho diz esperar que a reconstrução do estado seja referência positiva para outras regiões que venham a sofrer com tragédias ambientais.

“O Rio Grande do Sul será a boa referência sobre o que deve ser feito e que será feito nessas parcerias que estamos desenvolvendo, inclusive com o BNDES”, disse.

“O Rio Grande do Sul, que é um estado vocacionado por trabalho, por empreendedorismo, para geração de riqueza, como sempre foi ao longo da sua história, vai continuar [o] sendo”.

Reconstrução

O ministro-chefe da Secretaria Extraordinária da Presidência da República para Apoio à Reconstrução do Rio Grande do Sul, Paulo Pimenta, participaria do encontro, mas teve que cancelar a agenda às pressas. Ele precisou fazer uma reunião de emergência sobre os impactos da catástrofe com outros representantes do governo federal.

Na segunda-feira (17), a pasta de Pimenta divulgou que contabilizou o investimento, pelo governo federal, de R$ 85,7 bilhões  para custear diversas medidas de socorro e apoio à população, aos empresários e às administrações estadual e municipais.

Prevenção com estudantes

O presidente do BNDES, Aloizio Mercadante, defendeu que estudantes recebam formação para prevenção contra desastres naturais. Ele citou como inspiração para a ideia um caso ocorrido em 2005, na Tailândia, quando uma menina salvou de um tsunami pessoas que estavam na praia.

A menina tinha aprendido na escola que o recuo do mar era sinal de ondas gigantes. “Ela saiu correndo e alertando todo mundo”, lembrou.

“Nós precisamos envolver os estudantes dos ensinos médio e fundamental 2 [do 6º ao 9º ano] para trabalhar como uma força auxiliar da Defesa Civil, porque eles têm capacidade de aprendizado, estão organizados nas escolas”, assinalou.

O presidente do BNDES enfatizou esforços do banco público para a reconstrução do Rio Grande do Sul, com financiamento subsidiado para custeio de empresas e investimentos. “Sem Estado não tem solução. O mercado sozinho não vai reconstruir.”

Mercadante citou dados da Organização Meteorológica Mundial (OMM) e do Escritório da ONU para a Redução do Risco de Desastres que apontam as tragédias climáticas como responsáveis por 45% de todas as mortes reportadas em 50 anos, além de um dano para a economia global que chega a US$ 383 milhões por dia – equivalente a mais de R$ 2 bilhões.

Ao destacar que o Brasil tem a maior floresta tropical do planeta, Mercadante afirmou que o país tem que “liderar e ser mais ambicioso” na meta construída na COP 15, a Conferência de Biodiversidade das Nações Unidas, em 2022 no Canadá, de limitar o aquecimento global a 1,5 grau Celsius em relação à era pré-industrial.

Entre as iniciativas do BNDES, banco que completa 72 anos na próxima quarta-feira (20), ele citou investimentos para o arco da restauração na Amazônia. “Nós queremos colocar R$ 1 bilhão em plantio de árvores. Já colocamos R$ 500 milhões”, informou.

“É uma tecnologia muito simples e muito eficiente para sequestro de carbono.” O sequestro de carbono consiste em evitar que gases do efeito estufa, causadores do aquecimento global, cheguem à atmosfera.

Coordenação nos estados

O governador do Espírito Santo, Renato Casagrande, presidente do Consórcio Brasil Verde – fórum que concentra ações que buscam cumprir metas ambientais – advertiu que outras tragédias climáticas estão ocorrendo de forma recorrente no país, como secas prolongadas, que, entre outros danos, aumentam o risco de incêndios florestais.

Casagrande chamou atenção para a necessidade de que todas as unidades da federação criem planos de respostas às mudanças climáticas. “Poucos estados têm planos de mitigação e de adaptação”, lamentou.

Prevenção a desastres esbarra em falta de projetos técnicos locais

A tragédia climática no Rio Grande do Sul chamou a atenção para a necessidade de reforço no Orçamento e nas políticas públicas voltadas para a prevenção e a recuperação de desastres. Os recursos direcionados para essa área dependem de projetos técnicos de prefeituras e governos estaduais para serem efetivamente liberados. O alerta é da professora de Gestão de Políticas Públicas na Universidade de São Paulo e pesquisadora associada ao Centro de Estudos da Metrópole, Úrsula Peres. 

De 2010 a 2023, de cada R$ 10 autorizados pelo Congresso Nacional para programas e ações diretamente relacionados à essa área, R$ 6,5 foram efetivamente gastos.

Os dados são do Sistema Integrado de Administração Financeira (Siafi) e foram sistematizados pela organização não governamental (ONG) Contas Abertas. 

De acordo com Úrsula Peres, programas e ações de prevenção e recuperação de desastres são despesas discricionárias e não obrigatórias – como são os gastos em saúde, educação e previdência social. Ano a ano, a disponibilidade de recursos depende de decisão do Poder Legislativo e do que for empenhado pelos órgãos públicos. “O fato de ter isso mais no campo da discricionariedade coloca menos pressão na execução dos recursos.”

A segunda questão apontada pela pesquisadora é o fato de a aplicação do dinheiro ser local. “Boa parte desses recursos exige interação com estados ou municípios para execução.”

Isso também faz com que governos estaduais e prefeituras municipais tenham de elaborar e implantar projetos técnicos para prevenção e recuperação de desastres.

“Os municípios no Brasil são muito heterogêneos. A maior parte tem estrutura menor e menos capacidade de desenvolvimento de projetos.” “Projetos em áreas de risco implicam em licitações complexas. São áreas com topografia complicada. Para além disso, é necessário retornar processos de contratação que é mais complicado, fazer medição e controle”, detalha.

Úrsula Peres ainda assinala que o teto dos gastos públicos, criado pela Emenda Constitucional nº 95/2016, estabeleceu o congelamento de gastos das despesas primárias, “que, em função da sua modelagem, acaba espremendo tudo aquilo que não é obrigatório”, uma vez que “ter orçamento autorizado não é garantia de que a ação vá ser executada.”

Nos últimos 14 anos, o ápice dos investimentos em prevenção e recuperação de desastres ocorreu em 2013, com R$ 6,8 bilhões repassados pelo governo Dilma Rousseff.

Os investimentos chegaram ao menor patamar em 2021, governo Bolsonaro, com R$ 1,3 bilhão transferido. Em 2024, no terceiro mandato de Lula, a dotação orçamentária inicial era de R$ 2,6 bilhões, o maior valor desde 2018. 

Nova agenda

A professora e pesquisadora avalia que o retorno a patamares antigos de previsão e execução orçamentárias pode levar tempo. “Não é de uma hora para outra que volta a ter um orçamento no mesmo volume.”

Peres acredita que a calamidade no Rio Grande do Sul provoque “alterações na agenda orçamentária”, “mudanças na trajetória de despesas prevenção e recuperação de desastres” e novas percepções entre gestores locais e seus eleitores. “Muitos prefeitos não acreditavam em riscos de grandes tempestades e inundações”, assim como parte da sociedade “não estava esclarecida para a crise climática que o planeta está vivendo.”

A especialista ainda considera que o equilíbrio nas contas públicas é benéfico para todo o país, mas é necessário pensar nas consequências do ajuste fiscal para parte da população que reside nas periferias e estão mais sujeitas a enchentes e desmoronamento de terra. “As pessoas que têm mais recursos não moram nessas áreas. Temos que pensar se estamos agindo com equidade ou não.”

Por fim, Úrsula Peres acredita que o país precisa buscar “sustentabilidade econômica, social e ambiental” e para isso terá, por exemplo, de rever a matriz energética – o que exigirá investir em economia verde. “Precisa de recursos no orçamento agora que vai nos gerar frutos no futuro e até de mais arrecadação.”

Rio Grande do Sul

Painel do Tribunal de Contas da União (TCU) sobre recursos para gestão de riscos e desastres, publicado na internet, com dados de 2012 a 2024, contabiliza que nesse período foram liberados pelo governo federal para o Rio Grande do Sul cerca de R$ 593,6 milhões.

O presidente do TCU, Bruno Dantas, que esteve em Porto Alegre no início de maio, prometeu “flexibilizar a burocracia, visando a um atendimento rápido e efetivo às pessoas. “Força-tarefa do tribunal acompanha a contratação de obras de infraestrutura, medidas e os recursos aplicados para as atividades de defesa civil e a conformidade das medidas do governo federal no Rio Grande do Sul com a legislação.”

Em nota à Agência Brasil, o Ministério das Cidades informa que destinará recursos a “todas as propostas de obras de contenção de encostas” enviadas pelo estado do Rio Grande do Sul para municípios nas áreas de risco alto ou muito alto. Segundo o ministério, “esses empreendimentos são fundamentais para a redução do risco de desastres e proporcionam condições mais dignas e seguras de moradia para a população.”

O novo PAC prevê a contratação de obras de drenagem (orçamento de R$ 4,8 bilhões) e para contenção de encostas (orçamento de R$ 1,7 bilhão) para todo o país. O valor para a contenção de encostas já está liberado para a contratação por parte dos municípios

O Novo Banco de Desenvolvimento (NDB, na sigla em inglês), também conhecido como Banco do Brics, anunciou que vai destinar US$ 1,115 bilhão, cerca de R$ 5,750 bilhões, para o Rio Grande do Sul. Em parceria com o BNDES, serão liberados US$ 500 milhões, sendo US$ 250 milhões previstos para pequenas e médias empresas e US$ 250 milhões para obras de proteção ambiental, infraestrutura, água, tratamento de esgoto e prevenção de desastres.

O governo federal também publicou uma Medida Provisória que cria o Auxílio Reconstrução, benefício destinado a quem vive em áreas afetadas pela catástrofe no Rio Grande do Sul. O texto tem validade imediata, mas precisa ser aprovado pelo Congresso Nacional. O apoio financeiro consiste no pagamento de parcela única no valor de R$ 5.100 às famílias atingidas.

Outra medida provisória criou a Secretaria Extraordinária da Presidência da República para Apoio à Reconstrução do Rio Grande do Sul, ocupada pelo ministro Paulo Pimenta, já nomeado ao cargo por meio de decreto presidencial.

A atuação da pasta será o enfrentamento da calamidade pública e o apoio à reconstrução do estado, por meio da coordenação das ações a serem executadas pela administração pública federal direta e indireta, em conjunto com a Casa Civil da Presidência da República.

As atribuições incluem o planejamento das ações, articulação com os ministérios e com os demais órgãos e entidades federais, governo estaduais e municipais do Rio Grande do Sul, interlocução com a sociedade civil, inclusive para o estabelecimento de parcerias, bem como da promoção de estudos técnicos junto a universidades e outros órgãos ou entidades especializados, públicos e privados.

Saúde defende escuta humanizada no acolhimento de vítimas de desastres

O Ministério da Saúde classifica como essencial o que define como escuta ativa e humanizada no acolhimento de vítimas de desastres, incluindo populações afetadas pelas enchentes do Rio Grande do Sul. Essas pessoas, segundo a pasta, podem apresentar reações como medo, desconfiança e tristeza.

Diante desse cenário, o ministério lançou materiais com recomendações emergenciais para a promoção da saúde mental e atenção psicossocial. Um dos volumes trata de respostas emocionais e primeiros cuidados psicológicos em desastres e emergências. O segundo, de perdas e lutos. E o terceiro, da situação de crianças em abrigos provisórios.

O conteúdo completo pode ser acessado gratuitamente.

Primeiros cuidados

De acordo com a publicação, desastres como as inundações no Rio Grande do Sul podem repercutir no bem-estar psicológico e na saúde mental de indivíduos e coletivos, sobretudo em função das múltiplas perdas, como a ausência de contato ou a morte de pessoas da rede socioafetiva, bem como residências, estruturas comunitárias – escolas, igrejas, espaços de lazer-, rotinas, trabalho e meios de subsistência.

Segundo a pasta, é preciso estar atento quando há exacerbação de reações psicológicas em pessoas com demandas de saúde mental preexistentes. Aumento no uso de substâncias também são reações esperadas, assim como a ocorrência de diferentes formas de violência. 

Nesses casos, as seguintes estratégias são listadas pelo ministério no intuito de tentar ajudar:

– oferecer apoio prático, de forma não invasiva;

– buscar lugar silencioso para conversar, escutando ativamente, mas sem pressionar a pessoa a falar;

– manter-se tranquilo, permitir o silêncio e confortar a pessoa, o que a ajudará a também se sentir calma;

– auxiliar na busca por outros apoios e serviços, oferecendo informações honestas e precisas, o que favorece a redução do estresse, permite a retomada do contato com pessoas da rede socioafetiva e o acesso a direitos.

Perdas e lutos

Já o material que trata de perdas e lutos destaca que situações de desastres como as enchentes no Rio Grande do Sul podem acarretar múltiplas perdas. “Por vezes, as pessoas precisam deixar moradias ou comunidades e ficam sem contato com familiares, vizinhos e amigos. Frente a todos esses impactos, vulnerabilidades são aprofundadas”.

Segundo a publicação, as repercussões à saúde e ao bem-estar, nesses casos, podem ocorrer por longos períodos, tanto pelo estressor primário, as próprias enchentes, quanto pelos estressores secundários, associados à reconstrução, que surgem quando as pessoas tentam recuperar suas vidas, relações interpessoais e bens materiais.

“A vizinhança e o bairro consistem em espaços de referência, convívio e identidade comunitária. Perder a própria casa ou lugares familiares pode desencadear um processo de luto, considerando os significados atribuídos e a história construída nesses locais”, aponta a publicação. 

Quando uma moradia é atingida em um desastre, a orientação do ministério é garantir a oferta de abrigo com acesso a alimentação, abastecimento de água e serviços de saúde, buscando minimizar danos e proteger o bem-estar e a dignidade.

“Em curto prazo, sugere-se que as pessoas em abrigos, residências de membros da rede socioafetiva ou outros locais de acolhimento possam trazer características suas a esses espaços, como por exemplo, desenhos, objetos ou outros elementos, sempre que possível. Isso potencialmente contribui para a representação simbólica de pertencimento e identidade, consistindo em uma estratégia para enfrentamento às perdas decorrentes do desastre”.

O material destaca ainda que o processo de luto é único e individual. “Portanto, comparações entre indivíduos e suas perdas não devem ser realizadas. Em desastres, por exemplo, frente à morte de pessoas, corre-se o risco de minimizar a dor decorrente de outras perdas (tais como de animais de estimação ou bens materiais)”.

“Toda manifestação de luto deve ser reconhecida como potencialmente geradora de sofrimento, independentemente da natureza da perda. É quem vive o luto que sabe da importância daquilo que foi perdido para a sua vida”.

Crianças em abrigos

Por fim, o último volume do material disponibilizado pelo ministério destaca que todas as crianças vulnerabilizadas por desastres devem ter acesso a um abrigo próximo ao seu território de origem, em condição de recebê-las com ou sem suas famílias (no caso de estarem desacompanhadas de familiares ou responsáveis legais em razão do desastre).

Tais condições, segundo a pasta, incluem:

– infraestrutura física do espaço (banheiros limpos e seguros; local para dormir com algum conforto térmico e redução da iluminação; espaço de convívio e para brincar);

– segurança alimentar e acesso a água própria para consumo humano;

– acesso a profissionais e/ou voluntários que possam acolher e valorizar suas demandas e as dos adultos no seu entorno.

“As crianças deverão ser mantidas junto às famílias e adultos de referência, recebendo pulseira de identificação com seu nome e nome do responsável. O desmembramento das famílias deve ser evitado em qualquer condição, exceção feita àquelas vivenciando situação de violência intrafamiliar e/ou com medida de afastamento determinada pelo Poder Judiciário”, recomenda o ministério.

Já crianças desacompanhadas, de acordo com o ministério, devem receber atenção especial por parte dos profissionais e/ou voluntários. 

“Quando disponíveis, devem ser encaminhadas preferencialmente a centros de cadastramento e triagem ou a abrigos organizados para tais fins. Quando isso não for possível, torna-se ainda mais urgente a articulação com a rede de proteção social (saúde, assistência social, conselho tutelar), Ministério Público e Poder Judiciário”, ressalta.

Climatologista aponta risco de mais desastres ambientais no mundo

Chuvas intensas como as que ocorrem no Rio Grande do Sul são eventos extremos com tendência de ser mais frequentes em todo o mundo. Segundo o pesquisador do Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo (USP) e co-presidente do Painel Científico para a Amazônia, Carlos Nobre, é preciso haver conscientização sobre as mudanças climáticas.

“Todo mundo precisa abrir o olho. No mundo inteiro, esses fenômenos extremos estão acontecendo. Em 2021 tivemos recorde de chuvas em uma parte da Europa, e morreram mais de 100 pessoas. Em 2022, houve recorde de chuva no Grande Recife e, em duas horas, em Petrópolis. No ano passado, em fevereiro, tivemos o maior volume de chuva da história do Brasil com 600 milímetros (mm) em 24 horas no litoral norte de São Paulo, na cidade de São Sebastião”, disse o climatologista em entrevista à Agência Brasil.

Carlos Nobre destacou ainda as temperaturas extremas que estão ocorrendo, com o registro de 2023 e parte de 2024 como os anos mais quentes da história em um longo período.

“O Instituto Climático Copernicus mostrou que foram os anos mais quentes em 125 mil anos. Para ver a temperatura a que o planeta Terra chegou no ano passado e neste ano, tem que ir ao último período interglacial, 125 mil anos atrás. Esses fenômenos extremos, quando os oceanos estão muito quentes, marcaram recordes no ano passado e neste ano. Com isso, evapora muita água, e a água é o alimento de chuvas muito intensas em um lugar ou de seca em outro”, explicou.

Seca

De acordo com Nobre, os fenômenos da seca são o outro lado da moeda das mudanças climáticas enfrentadas pelo Rio Grande do Sul.

“As secas de 20, 21 e 22 foram causadas pelo mais longo fenômeno La Niña, que foi muito forte porque as águas do Oceano Pacífico ficaram muito quentes perto da Indonésia e induziram secas mais pronunciadas em boa parte do Sul do Brasil. Com El Niño, ocorre o contrário, com a indução de chuvas muito fortes como as de setembro no ano passado em boa parte do Rio Grande do Sul”, ressaltou.

Segundo o climatologista, o revezamento dos dois tipos de fenômeno vai continuar existindo. “Isso está acontecendo no mundo inteiro. Tivemos no ano passado a seca histórica mais forte no Amazonas e no Cerrado. Os anos de 2023 e 2024 estão batendo todos os recordes de ondas de calor em inúmeras partes do Brasil, o Sudeste, o Centro-Oeste, o Nordeste e partes da Amazônia. Secas, chuvas intensas e ondas de calor estão batendo recordes em todo o mundo.”

Nobre disse que a população tem que se conscientizar de que aquilo que estava previsto para as próximas décadas está ocorrendo agora e que é preciso se adaptar às mudanças climáticas.

“A população tem que entender que esses eventos extremos são quase uma pandemia climática. Dando o exemplo da covid, quando a Organização Mundial da Saúde [OMS] anunciou que era uma pandemia global, praticamente todos os países decretaram o uso de máscara, o chamado lockdown. E todo mundo ficou em casa”, enfatizou.

O climatologista lembrou que a OMS decretou emergência, e todo mundo respondeu. “Agora estamos entrando em uma emergência climática. As populações têm que responder ao que foi na covid. Não tem mais volta. Não vamos mais baixar a temperatura. Com muito esforço global, poderemos, quem sabe, baixar a temperatura no século 22. A conta já está dada”, apontou.

Negacionismo

Para o pesquisador, o combate ao negacionismo, que existe em relação às mudanças climáticas, tem que ser por meio da educação. Ele exemplificou com o Japão, que além de fazer construções mais resilientes, transmite informações desde cedo às crianças sobre como se proteger de terremotos, que são frequentes naquele país.

“O número de mortos em terremotos diminuiu muito por causa do sistema educacional”, disse Carlos Nobre, destacando que “houve melhora na infraestrutura, embora o sistema educacional seja essencial”. Nos Estados Unidos, as crianças também recebem informações sobre como enfrentar tornados, que são também destruidores.

No Rio Grande do Sul, os alertas sobre a ocorrência de chuvas foram feitos dias antes e, por isso, é preciso educar a população para melhor enfrentar situações extremas, acrescentou Nobre.

Apesar de recomendar a saída para locais mais protegidos quando chuvas mais intensas chegarem, o pesquisador destacou que algumas pessoas temem deixar suas casas com receio de saques e invasões. Para esta situação, Nobre sugeriu que órgãos públicos incluam em seu planejamento um esquema de segurança.

“Tem que ter uma ação das polícias para evitar que ladrões e criminosos se aproveitem desses desastres.” De acordo com Nobre, isso já é feito em Campos do Jordão, em São Paulo, onde as chuvas costumam provocar deslizamentos de terra.

Conforme o climatologista, o desmatamento é uma das causas de tais desastres e, no caso do Rio Grande do Sul, contribui para prejudicar o processo de escoamento das águas. Nobre alertou para reflexos também nas encostas, onde há construções irregulares.

“Temos mais de 3 milhões de brasileiros vivendo em áreas de altíssimo risco de deslizamento de encostas. De fato não tem como manter as populações em áreas de risco para a vida. Grande parte é pobre, então tem que haver investimento público”, concluiu.

Previsão de mais chuva

De acordo com Carlos Nobre, embora em menor volume, ainda há previsão de chuvas no estado neste final de semana com a entrada de uma nova frente fria. A repetição das ocorrências mantém os rios e as áreas alagadas ainda com níveis elevados de água.

“As previsões meteorológicas não indicam uma chuva na quantidade que caiu na semana passada, mas, ainda assim, o desastre continua e pode levar uma semana para o nível das regiões inundadas baixar”, contou.

Outro fator que causa influência é a posição do vento que se dirige do oceano para a parte terrestre ou se movimenta da Argentina saindo de sudoeste para noroeste. Nesses casos, segundo Nobre, o escoamento da água da Lagoa dos Patos fica prejudicado por diminuir o fluxo e acaba mantendo o nível elevado e as enchentes em Porto Alegre e regiões próximas. “As estimativas são na faixa de 100 a 150 mm. Isso é bem menos do que caiu na semana passada de 700 a 800 mm”, completou.

ANA: investimento em alertas de desastres evitam perdas financeiras

A Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA) aponta que a cada R$ 1 investido na implementação em áreas urbanas de sistemas de alerta para eventos climáticos extremos, como secas e inundações, pode evitar perdas e custos de até R$ 661, em 8 anos.

Os dados são do levantamento inédito Avaliação de Custos e Benefícios da Rede Hidrometeorológica Nacional (RHN) – Estudos de Casos, lançado nesta terça-feira (22), neste Dia Mundial da Água . O estudo financiado pela ANA foi desenvolvido pelo Instituto de Pesquisas Hidráulicas da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (IPH/UFRGS).

De acordo com a agência reguladora, o estudo reforça a importância do monitoramento hidrológico (níveis e vazões de rios e de chuvas) e a necessidade de se aprimorar a atuação da ANA na coordenação da Rede Hidrometeorológica Nacional (RHN).  Essa rede fornece dados que permitem conhecer melhor o comportamento da água e do clima no país, por meio do monitoramento de rios e de chuvas em todo o Brasil. Ao todo, são mais de 4,7 mil estações de monitoramento, sendo aproximadamente 1,9 mil estações fluviométricas (medem níveis e/ou vazões de rios) e 2,8 mil estações pluviométricas (medem chuvas).

Para fazer a análise de custos e benefícios proporcionados, o estudo abordou aspectos gerais do impacto das condições climáticas e hidrológicas em todas as atividades produtivas na sociedade, como produção agrícola e industrial, geração de energia, transportes, infraestrutura e defesa civil e usuários do saneamento básico.

Os dados e informações da RHN permitiram o mapeamento de áreas inundáveis com os cálculos dos períodos prováveis de retorno das ocorrências de eventos extremos.

Com o monitoramento, o estudo pretende subsidiar e qualificar a tomada de decisões órgãos e entidades públicas e privadas.

O estudo revela, porém, que nem todas as perdas decorrentes de eventos extremos podem ser evitadas, pois algumas situações são demasiadamente severas nestes ambientes urbanos.

Casos

A publicação traz um levantamento inédito realizado nos municípios Sebastião do Caí e Montenegro, no Rio Grande do Sul, habitualmente, sujeitos a cheias do rio Caí.

Neste caso, o estudo concluiu que se as informações forem empregadas no planejamento urbano, por exemplo, para restringir ocupações em áreas inundáveis, essas informações poderiam trazer um retorno (em danos e perdas evitadas) de até R$ 14 para cada R$ 1 investido.

Quando o estudo considera o caso da bacia hidrográfica do Rio Taquari-Antas, na porção nordeste do Rio Grande do Sul, conclui que a cada R$ 1 aplicado no custeio da rede de monitoramento de chuvas e rios locais para produzir os dados de melhor qualidade, os benefícios podem chegar a R$ 106. Neste caso, as informações vindas do sistema de alerta na região podem reduzir os custos decorrentes da garantia física de pequenas centrais hidrelétricas (PCHs) e da geração de energia que a hidrelétrica é capaz de produzir.

Outro resultado do levantamento aponta que cada R$ 1 investido na RHN para disponibilizar dados ao processo decisório para operação hidrelétrica na bacia do Rio Paraná pode trazer um retorno de R$ 134.

O levantamento da ANA também evolveu o impacto do planejamento de revitalização de bacias hidrográficas como da área da bacia hidrográfica do Arroio Castelhano, no Rio Grande do Sul, por exemplo, para definir políticas de investimentos de recursos, indicando áreas prioritárias para recebe-los, onde é menor a incerteza de inundações.

Conclusões

Para o poder público os dados e informações hidrológicos foram considerados necessários não apenas para o mapeamento de áreas de inundação e de risco, mas sobretudo para a configuração e operação de Sistemas de Alerta e Resposta que irão orientar a Defesa Civil local em ações para proteção da população e do patrimônio. “Quanto melhor a disponibilidade desses dados para o poder público local/regional, maior o conhecimento sobre os riscos de inundação das áreas ocupadas e melhor a capacidade de prever eventos críticos, resultando em maiores danos evitados, menores riscos à vida das pessoas e menores os custos de operação de Sistemas de Alerta e Resposta (Defesa Civil)”, diz o estudo.

Por fim, o estudo defende os investimentos na implementação e manutenção dos sistemas de alerta da RHN para que governo e a sociedade possam gerir estrategicamente os recursos naturais, especialmente a água, diminuir riscos e custos e garantir a estabilidade e segurança hídrica e crescimento econômico sustentado.

Municípios de 4 estados vão mapear áreas de prevenção de desastres

Em um período de mudanças climáticas e de aumento do número de eventos meteorológicos extremos, o Serviço Geológico do Brasil (SGB), empresa pública vinculada ao Ministério de Minas e Energia (MME), ampliará estudos para prevenção de desastres. Desta vez, o foco está em nove municípios localizados nos estados de Alagoas, do Pará, de Pernambuco e de Santa Catarina, que vão receber visitas de pesquisadores do SGB até 9 de março. As visitas começaram ontem (19).

Com o apoio das prefeituras e dos serviços de defesa civil locais, os técnicos farão o mapeamento de áreas de risco com o objetivo de levantar informações sobre cada localidade para dar suporte às ações de monitoramento e alerta de desastres, de planejamento urbano e de gestão territorial, em cada um dos destinos analisados. Após a conclusão dos estudos, os relatórios e mapas serão entregues aos gestores municipais e aos órgãos de defesa civil nas esferas municipal, estadual e federal.

As atividades estão sendo realizadas conforme as características de cada região. De acordo com o Ministério de Minas e Energia, os municípios pernambucanos de Casinhas, Catende, Palmares e São Vicente Ferrer, além de Prainha e São Geraldo do Araguaia, no Pará, terão áreas de risco mapeadas para identificar potenciais riscos de danos por eventos como deslizamentos e inundações, classificados como geo-hidrogeológicos.

Os pesquisadores também visitarão os municípios de Laguna e Sangão, em Santa Catarina, para verificar a possibilidade de ocorrerem movimentos gravitacionais de massa, como deslizamentos e fluxo de detritos, sedimentos, vegetação ou rocha encosta abaixo, geralmente potencializados pela ação da água; e, ainda, inundações e enxurradas. Com as visitas, os técnicos terão condições de elaborar as cartas de suscetibilidade a movimentos gravitacionais de massa e de inundações, que contribuem para que as prefeituras façam planejamento e gestão territorial e de prevenção de desastres naturais.

Em Arapiraca, Alagoas, os estudos do Serviço Geológico servirão para verificar a capacidade dos terrenos de suportar os diferentes usos e práticas da engenharia e do urbanismo, com o mínimo de impacto possível. A intenção é atestar o maior nível de segurança para a população. Os estudos embasarão também a elaboração da Carta Geotécnica de Aptidão à Urbanização. O documento é considerado estratégico para o crescimento planejado da ocupação adequada do solo.

O secretário Nacional de Geologia, Mineração e Transformação Mineral do MME, Vitor Saback, valoriza o mapeamento como forma de prevenir desastres. “Sabemos que muitos municípios não têm condições de realizar esse mapeamento por conta própria e, por isso, a atividade de prevenção de desastres realizada pelo Serviço Geológico é fundamental para a prevenção de desastres e de vidas, caso eles ocorram.”

O calendário dos trabalhos de campo do Serviço Geológico do Brasil está definido por localidade.

Mapeamentos de área de risco (Cartografia de Risco Geológico):

·         Palmares (PE) – 20 de fevereiro a 2 de março;

·         Catende (PE) – 20 de fevereiro a 2 de março;

·         Casinhas (PE) – 27 de fevereiro a 9 de março;

·         São Vicente Ferrer (PE) – 27 de fevereiro a 9 de março;

·         Prainha (PA) – 20 de fevereiro a 2 de março;

·         São Geraldo do Araguaia (PA) – 20 de fevereiro a 2 de março.

Cartas de Suscetibilidade:

·         Laguna (SC) – 19 de fevereiro a 2 de março;

·         Sangão (SC) – 19 de fevereiro a 2 de março.

Carta Geotécnica:

·         Arapiraca (AL) – 25 de fevereiro a 9 de março.

Ao todo, o Serviço Geológico do Brasil já estudou mais de 1,9 mil municípios para prevenção de desastres. Segundo o SGB, os estudos contribuíram para a adoção de medidas que impactaram a  vida de cerca de 141 milhões de brasileiros.

Brasil teve 1.161 desastres naturais em 2023

Os deslizamentos de terra em São Sebastião (SP), em fevereiro do ano passado, com 64 mortes, e no Vale do Taquari (RS), em setembro, que registrou 53 mortes e 5 pessoas, não foram ocorrências isoladas.

Desastres socioambientais como transbordamentos de rios e deslizamentos de terra fizeram com que o ano de 2023 tivesse o maior número de ocorrências desses gêneros, segundo apontou o  Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden). O órgão somou 1.161 eventos como esses de origem hidrológica (716 registros) e geológica (445 casos).

Segundo o Cemaden, as ocorrências seguiram o padrão de concentração em capitais e regiões metropolitanas. O levantamento mostrou que a maior parte está localizada na faixa leste do país.

Além dos desastres, o Cemaden emitiu um total de 3.425 alertas para os municípios monitorados ao longo do ano passado. Foram 1.813 registros hidrológicos e 1.612, geohidrológicos. O órgão aponta que foi o terceiro maior quantitativo de emissão de alertas de desastres desde a criação do Centro em 2011.

A instituição monitora 1.038 municípios (18,6% das cidades do país e 55% da população nacional). O trabalho é realizado 24 horas por dia. O Cemaden explicou que a maior parte dos alertas emitidos foi enviada para regiões metropolitanas, ao Vale do Taquari, no Rio Grande do Sul, Vale do Itajaí, em Santa Catarina. Petrópolis lidera o ranking de municípios, tendo recebido 61 alertas, seguido de São Paulo com 56, e Manaus 49.

O Cemaden explica que a temperatura média global em 2023 ficou 1.45 ºC acima dos níveis pré-industriais (1850-1900). “As temperaturas mais quentes contribuem globalmente para a intensificação de chuvas e enxurradas, intensificação de ciclones extratropicais com potencial destrutivo, mortes e prejuízos econômicos”, ponderou o órgão.

Alerta de desastres baseado em CEPs é ineficaz, revela estudo

Levantamento feito por pesquisadores da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC-PR) identificou que ainda é ineficaz a emissão de alertas para eventos adversos e desastres por meio de mensagens de texto (SMS) utilizando Códigos de Endereçamento Postal (CEPs).

O estudo resultou de tese de doutorado do pesquisador do Programa de Pós-Graduação em Gestão Urbana da PUC-PR, Murilo Noli da Fonseca, um dos responsáveis pela pesquisa.

“Uma das etapas da pesquisa era entender como se dá o processo de alerta de eventos adversos e desastres no Brasil. O sistema de alerta de eventos adversos e desastres é baseado no Cadastro de CEP e constitui a principal forma utilizada hoje pelos municípios brasileiros, principalmente através da Defesa Civil”, explicou. Esse foi o arquivo que deu base ao estudo.

Sabendo que havia esses dados disponíveis, os pesquisadores entraram em contato com a Secretaria Nacional de Proteção e Defesa Civil, através da Lei de Acesso à Informação, e pediram o extrato de celulares cadastrados para receber esse tipo de alerta. “A gente queria saber se as pessoas que moram em áreas reconhecidamente vulneráveis socioeconomicamente e de risco de desastres estavam cadastradas ou não. Pelo senso comum, a gente acha que elas estão cadastradas porque tendem a estar, recorrentemente, afetadas por esses eventos”, afirmou. Não foi, entretanto, o que constataram os pesquisadores.

Início do estudo

O trabalho foi iniciado por Curitiba (PR), onde houve um mapeamento para verificar em quais áreas estavam localizadas as pessoas que fizeram o cadastro. Depois, efetuou-se o cruzamento dos celulares cadastrados com as áreas de vulnerabilidade socioeconômica e ambiental e as áreas de risco, sendo todas reconhecidas pelo Poder Público.

Ao fazer o cruzamento dos dados entre essas duas variáveis, os estudiosos apuraram que o número de celulares cadastrados nessas áreas era muito pequeno. “Então, buscamos nos aprofundar no estudo para saber a causa”, contou.

Como se trata de um sistema baseado no CEP, ele pressupõe que as ruas têm um código. “Mas se a gente verificar as áreas de risco, elas são normalmente áreas irregulares do ponto de vista legal. Por essa razão, tendem a não receber o nome de rua e, em consequência, um CEP”, salientou. O estudo foi ampliado, abrangendo também as capitais de Minas Gerais, Rio de Janeiro, Amazonas e Pernambuco.

Os analistas verificaram que a falta de regularização dessas áreas impede a existência de CEP e, por todo o seu alcance, que as pessoas possam inscrever o seu celular no sistema da Defesa Civil. O resultado é que aquelas pessoas que já estão em situação de vulnerabilidade socioeconômica e ambiental em uma área de risco ou desastre tendem a estar muito mais vulneráveis pelo fato de não poder receber avisos e alerta de um evento adverso, como uma chuva muito intensa, por exemplo.

Limitações

O cadastramento do CEP é voluntário. Os autores do trabalho imaginam que, como se trata de um sistema administrado pela Defesa Civil dos municípios, esses órgãos enfrentam várias limitações em termos de recursos humanos, financeiros e materiais.

Essa informação foi ressaltada no último diagnóstico do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden), informou Murilo. Para  ele, essas limitações podem estar fazendo com que a plataforma de cadastramento do CEP não seja divulgada de maneira adequada.

Como se trata também de mensagens de texto (SMS), Murilo estimou que muitas pessoas residentes em áreas de risco tendem a ter dificuldade com a leitura. “O ideal é que sejam cadastradas no sistema e, depois, seja feito um aprimoramento desde a construção da mensagem até encontrar formas alternativas para que essa mensagem de alerta chegue aos diversos perfis de população que reside nessas áreas”, opinou.

Os resultados do levantamento revelaram variação na conscientização e registro dos CEPs por região. Em Belo Horizonte, 14,38% dos celulares estavam cadastrados, dos quais 7,92% estavam registrados em áreas de risco.

No Rio de Janeiro, 10,72% dos celulares estavam cadastrados, com 3,49% deles em áreas de risco. Curitiba apresentou registro de 8% dos celulares cadastrados, dos quais 3,5% em áreas de risco. Manaus tinha apenas 2,6% dos celulares cadastrados, com 2,05% em áreas de risco. Em Recife, 4% dos celulares estavam cadastrados, com 5,6% deles em áreas de risco.

Ampliação

No âmbito desse mapeamento, os pesquisadores querem chegar a um número maior de capitais e cidades de maior porte, bem como pretendem mapear também cidades pequenas. Murilo informou, também, que o Código de Endereçamento Postal (CEP) atualmente, no Brasil, é dado para ruas de cidades acima de 50 mil habitantes.

Já nas cidades abaixo de 50 mil habitantes, geralmente as ruas não recebem CEP, havendo apenas um CEP para todas as vias. “Obviamente que, nesse caso, em áreas de risco, isso tem uma implicação muito grande”, observou. Isso se explica porque pessoas que não estão em áreas de risco vão receber a mesma mensagem que uma pessoa que não está nessas regiões. “A gente pretende fazer esses mapeamentos. Um ampliando as capitais e, depois, seguindo para cidades menores, com menos de 50 mil habitantes”, anunciou.

Dependendo da disponibilidade de dados, os pesquisadores estão tentando verificar e mapear pessoas que cadastraram o whatsapp para receber o alerta, porque hoje existe também essa alternativa. O Brasil é o único país que faz esse alerta pelo whatsapp.

Esse sistema tem duas formas disponíveis para cadastramento para esse tipo de alerta. Uma é feita através do CEP mas, em vez de a pessoa receber um SMS, recebe a mensagem diretamente pelo whatsapp. A outra forma disponível é a pessoa colocar a localização em tempo real, sem ser pelo cadastro do CEP.

Murilo considera que essa forma pode suprir a questão do CEP, embora ainda existam diversas limitações e lacunas que precisam ser aprimoradas. No âmbito ainda da pesquisa, a intenção é fazer entrevistas em comunidades para verificar as formas mais adequadas para que a informação de alerta possa chegar às pessoas de maneira mais adequada e em tempo hábil.