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Corte Interamericana de Direitos Humanos enfatiza emergência climática

Em cerimônia no plenário do Supremo Tribunal Federal (STF), foi instalado nesta segunda-feira (20) o 167º Período Ordinário de Sessões da Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), com ênfase na emergência climática e suas relações na proteção aos direitos de populações vulneráveis. 

Ao longo das duas próximas semanas, a CIDH promoverá ao menos seis audiências de trabalho no Brasil, um seminário e outras reuniões. Entre os temas que serão discutidos, está a elaboração da resposta a uma consulta feita por Chile e Colômbia sobre o papel dos Estados na resposta à crise climática global. 

Algumas audiências serão realizadas em Manaus, entre os dias 27 e 29 deste mês, quando serão ouvidos representantes de comunidades locais e povos originários, que são altamente afetadas pela questão climática. “A inação governamental diante das mudanças climáticas é uma violação dos direitos humanos”, afirmou a presidente da CIDH, juíza Nancy Hernández, na cerimônia desta segunda.

Nancy Hernández prestou solidariedade aos atingidos pela tragédia climática no Rio Grande do Sul e disse que o episódio destaca a urgência de se discutirem os prejuízos aos direitos das pessoas, particularmente dos grupos vulneráveis, e obriga os países a adaptar as leis e as políticas públicas para proteger aqueles em posição de vulnerabilidade e tornar o mundo um lugar sustentável para as próximas gerações. 

O tema foi abordado por todas as demais autoridades, entre as quais o presidente do Supremo, ministro Luís Roberto Barroso, que também mencionou a situação no Rio Grande do Sul e elencou as medidas adotadas pelo Judiciário, como o envio de milhões de reais em recursos e os mutirões para a emissão de novos documentos para as pessoas afetadas. 

“No tocante à mudança climática, o Brasil hoje é um país emblemático. A natureza escolheu, infelizmente, tragicamente, o Rio Grande do Sul para ser um grande alerta de que há um problema grave e urgente ocorrendo no mundo e que nós precisamos enfrentar”, disse Barroso. 

Discursaram ainda na cerimônia o membro brasileiro e vice-presidente da CIDH, Roberto Mudrovitsch, o presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Beto Simonetti, e o advogado-geral da União, Jorge Messias.

“A mudança climática não é mais projeção de futuro, tampouco matéria afeta a dados estatísticos e especulações de cientistas. É a dura realidade do presente, que envolve nossa reflexão e nos impõe a responsabilidade de, na condição de integrantes do sistema internacional de Justiça, contribuirmos para a construção de uma resposta séria e efetiva para um problema que é urgente”, disse Mudrovitsch.

Seminário

As atividades da CIDH no Brasil continuam no Supremo na tarde desta segunda, com a realização de um seminário internacional, aberto ao público, com o tema Desafios e Impacto da Jurisprudência da Corte Interamericana de Direitos Humanos. O evento ocorre na sala da Primeira Turma do STF e tem transmissão do YouTube. A programação completa pode ser encontrada aqui.

As audiências públicas da CIDH no Brasil estão previstas para os dias 22 e 24 de maio, no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e no Tribunal Superior do Trabalho (TST), respectivamente, e tratam de casos de direitos humanos e emergência climática. As audiências em Manaus ocorrerão entre os dias 27 e 29 deste mês.

Adaptação das cidades à crise climática exige mudança de paradigma

A reconstrução das cidades gaúchas e a adaptação dos territórios urbanos à crise climática exigem uma mudança de paradigma, com estratégias de mitigação de impactos climáticos em confluência com a preservação dos recursos naturais e modelos baseados em soluções da natureza. A avaliação é de especialistas ouvidos pela Agência Brasil.

Coordenador de Justiça Climática do Greenpeace Brasil, Igor Travassos – Fael Miranda/ASCOM Talíria Petrone

O coordenador de Justiça Climática do Greenpeace Brasil, Igor Travassos, reforça que é preciso se adaptar a essa realidade de ocorrência de eventos climáticos extremos. “Não adianta a gente simplesmente reconstruir as coisas do mesmo jeito, a gente já entendeu que as estruturas vão ser impactadas, onde chega o nível do rio”, diz. Ele defende um processo participativo de reconstrução das cidades afetadas pelas enchentes no Sul do país, junto à população dos territórios mais impactados e a pesquisadores.

Além disso, Travassos avalia que a prevenção e a resposta a esses eventos têm que ser política prioritária em todas as esferas de governo. “Porque se adaptar a essa realidade é garantir, sobretudo, o direito constitucional à vida das pessoas. Tem pessoas morrendo diante de eventos climáticos extremos, a gente precisa garantir políticas públicas que assegurem o direito à vida dessas pessoas”, diz.

Entre as ações, estão o incentivo à cultura de prevenção e planos de adaptação às mudanças climáticas e de gestão de risco e desastre. No entanto, ele enfatiza que os planos precisam sair do papel.

“O que a gente precisa é que exista a vontade política e o orçamento público destinado para a efetivação desse plano. Antes de tudo, é colocar como prioridade. Prevenção e adaptação às mudanças climáticas e resposta a eventos climáticos extremos têm que ser política prioritária, tanto em orçamento, como prioridade de ações e medidas do poder público, seja ele municipal, estadual ou federal”, destaca o coordenador do Greenpeace Brasil.

“A gente vem num contexto, nas últimas décadas, de intensificação desses eventos climáticos extremos. No ano passado, por exemplo, no Rio Grande do Sul, as comportas do Guaíba foram acionadas mais de uma vez, a gente lidou com eventos de grande proporção que ocasionaram mortes. Já tinha sinais de que precisava de um investimento pesado e de que isso fosse colocado como prioridade”, aponta.

Com base nos dados da Lei Orçamentária Anual (LOA) deste ano, o Greenpeace Brasil identificou que somente R$ 7,6 milhões da LOA do Rio Grande do Sul, de um total de mais de R$ 80 bilhões foram destinados para ações da Defesa Civil. O montante equivale a apenas 0,009% da receita total do estado, o que é “escandaloso”, na avaliação de Travassos. Considerando apenas as ações da Defesa Civil relacionadas à prevenção, resposta, emergência e reconstrução, o valor é ainda menor, cerca de R$ 5 milhões.

Ações locais

Apesar da necessidade de um plano nacional de adaptação às mudanças climáticas, o especialista ressalta que é “importante entender que adaptação não é receita de bolo” e que cada território vai lidar de uma forma diferente com a questão. Isso porque cada região tem diferenças geológicas, hidrológicas e sociais. Ele aponta a necessidade de análise e mapeamento de risco dos territórios para que, a partir daí, seja feita uma adaptação.

Em relação à cultura de prevenção, ele ressalta que deve haver um planejamento de evacuação, as pessoas precisam saber em que local se abrigar e o que fazer com animais de estimação, por exemplo, diante de tais eventos. “Não adianta a gente instalar sirene se a gente não souber o que fazer quando ela disparar.” Sobre estruturas nas cidades, ele cita obras de contenção de encostas onde há risco de deslizamento e soluções baseadas na natureza.

“Por muito tempo, a gente fez uma cultura de impermeabilizar tudo, de uma estrutura cinza na cidade. A gente precisa urgentemente criar outras formas de escoamento e de absorção da água pelo solo. Inclusive, a própria restauração das áreas degradadas é também para isso, para estimular que o solo e a natureza cumpram seu papel de absorção da água”, diz.

Paulo Pellegrino, professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP – Leonor Calasans/IEA-USP

Estratégias de drenagem

O professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo Paulo Pellegrino lembra que o modelo atual de drenagem nas cidades tende a se livrar das águas. “Tem uma sequência de superfícies impermeáveis que vai levando a água cada vez mais rapidamente, em maior volume, ladeira abaixo. Quer dizer, rumo ao rio, rumo aos principais canais, às planícies de alagamento, nos pontos onde as águas se acumulam lá embaixo”, explica. No contexto da crise climática, ele avalia que tais modelos têm que ser revistos.

“Se nós continuarmos usando as mesmas ideias antigas de condução das águas, de tentar conter as águas e fazer estruturas de cimento, concreto e alvenaria para se proteger das águas, vai ser uma perda de tempo. Vai ser muito dinheiro jogado fora se tentarmos reconstruir a mesma infraestrutura que estava antes lá”, diz o professor sobre a reconstrução no Sul.

Para o urbanista, as cidades precisam abrir espaços para as águas. “Nós estamos presenciando fenômenos extremos, de muita água caindo em pouco tempo, em uma frequência muito maior do que era previsto. Quando chega a esse ponto, você vai ter que forçosamente mudar o seu paradigma”, diz. Para mitigação dos impactos de chuvas intensas, são necessárias estratégias para reter a água e reduzir a velocidade desse fluxo, evitando que seja direcionada uma grande quantidade de água para um mesmo lugar.

“Tem que desenhar, por exemplo, nessas áreas que são factíveis de se receber água, áreas para plantio de culturas que recebam inundações periódicas, parques alagáveis, áreas de recuperação ambiental, ou outras estruturas de usos que podem ser amigáveis com as águas, receber e devolver as águas, e até tratá-las nesse caminho”, aponta o urbanista, que também defende a eficácia de modelos baseados nas soluções da natureza.

Pellegrino cita exemplos de outros países, como cidades na China que estão tornando seus solos mais permeáveis, numa solução que ficou conhecida como cidades-esponja. “São grandes espaços que estão sendo abertos, para que recebam e absorvam as águas.”

Ele acrescenta que a cidade de Bangkok, capital da Tailândia, também está sofrendo muito com o aumento do nível das águas. Diante dessa realidade, em espaços que eram totalmente impermeáveis, estão sendo criados grandes parques alagáveis, relata o professor.

Além de garantirem espaços permeáveis para as águas, as superfícies de água, as áreas úmidas e com vegetação podem ser utilizadas para lazer quando as águas baixam. Elas se configuram ainda como ilhas de frescor na paisagem urbana, um sistema de condicionamento climático. “O sistema tradicional que eliminava a água, que enterrava em galerias subterrâneas e canalizava córregos em concreto, aumenta a temperatura, deixando a cidade mais suscetível a ondas de calor”, diz.

Crise climática: adolescentes levam ao papa demandas da juventude

Maria Helena Garrido, 17 anos, viveu de perto a seca histórica que atingiu o estado do Amazonas em 2023. Sem as águas do Rio Negro para navegar, ela ficou um mês sem conseguir voltar para a comunidade indígena Tumbira, onde vive. Catarina Lorenzo, 17 anos, viu grande parte do terreno onde a família tem uma casa, na Península de Maraú, na Bahia, ser coberto pelo avanço do oceano, sentiu na pele o aquecimento da água do mar e observou a mudança das cores dos corais na região.

Ambas fazem parte de uma comitiva de crianças e adolescentes que irá se reunir com o papa Francisco, no Vaticano, nesta quinta-feira (16). O grupo, integrado por representantes do Brasil, da Colômbia, dos Estados Unidos, da Guatemala e do México, entregará ao pontífice, desenhos e mensagens de crianças que responderam à pergunta: Como os líderes mundiais podem ajudar a proteger as crianças e a natureza? Eles também farão o pedido para que seja elaborada uma nova Encíclica, documento papal que serve de orientação para toda a Igreja Católica, em todo o mundo, com alvo na proteção das crianças.

“A gente está aqui para falar sobre e para mostrar o que gente passou. Eu estive presente em cada situação no período da estiagem de 2023. Eu vi e vivi tudo o que aconteceu na Amazônia, a escassez de água imensa que teve, que prejudicou muitas famílias, que praticamente matou o Amazonas”, diz Maria Helena.

Adolescentes brasileiras levam ao papa demandas da juventude – Maria Helena. Na frente do Vaticano. Foto: Clara Garcias

A seca foi a maior em 121 anos e afetou todas as 62 cidades do Amazonas. A comunidade indígena Tumbira fica localizada na Reserva de Desenvolvimento Sustentável do Rio Negro. Segundo Maria Helena, não é possível acessar a comunidade de carro pois ela está em uma região de igarapés. Os moradores, dependem do rio tanto para as atividades econômicas, atividades cotidianas e para o transporte.

“Eu cheguei a pisar em um lugar que era totalmente cheio de água. O que eu vi foi uma seca que eu nunca pensei que aconteceria, mas que acontece sim, por conta das mudanças climáticas no mundo. A água praticamente sumiu. Além do calor imenso. Parecia que a gente estava assando. Dentro de casa, praticamente não tinha ar. Além de ficar sem fôlego, não podia trabalhar, não podia sustentar a casa. Foi o período que mais tive que viver sobrevivendo. Não foi nem vivendo, foi sobrevivendo em um lugar onde é meu mundo. E eu não pude fazer quase nada”, lembra a adolescente.

Ela conta que precisou fazer uma prova em Manaus e, depois, por conta da seca, não conseguiu voltar para casa. Precisou passar um mês na cidade.

Depois de passar por tudo isso, ela conclama as pessoas e, principalmente os líderes regionais, nacionais e globais a prestarem atenção nos alertas climáticos e a de fato ajudarem aqueles que estão passando por tragédias. Ela diz que muitos falavam que iriam ajudar, mas na prática isso não acontecia.

“Se a gente não tiver um mundo mais saudável e digno, a gente não vai ter nada. Porque sem chão para pisar, sem terra para plantar, sem oxigênio para respirar e sem água para beber, a gente não sobrevive mais, de qualquer forma”, diz.

Tanto para Maria Helena, quanto para Catarina, é importante que os líderes e o mundo ouçam as crianças e os adolescentes.

“Eu sei que o que está acontecendo, a catástrofe do Rio Grande do Sul e todas essas catástrofes climáticas que a gente vem vivendo há muito tempo, têm sido avisadas. Não é só a ciência avisando, são os ativistas, são os jovens que veem o problema e realmente vêm dizendo que a gente precisa começar a se conscientizar, a gente tem que parar de desmatar, a gente tem que começar realmente a ter um equilíbrio com a natureza, porque se a gente não cuidar da natureza, a natureza infelizmente vai devolver de alguma maneira, né? Eu sinto uma dor muito grande, mas eu também sinto um pouco, não sei se raiva é a palavra correta, mas eu sinto que é algo que a gente avisou que ia acontecer e que as pessoas, infelizmente, parecem que só acordam quando o problema acontece”, diz Catarina.

Catarina é ativista climática desde criança. Ela apresentou a petição Crianças versus Crise Climática, em inglês, Children vs Climate Crisis, na Organização das Nações Unidas (ONU) aos 12 anos. Atua nacionalmente e internacionalmente pela causa.

“Eu acredito que minha geração vem sendo um pouco mais conscientizada. Porém, como a gente precisa das ações agora, a gente precisa que minha geração esteja envolvida agora para eles realmente ouvirem que o futuro que a gente quer pro nosso futuro”, enfatiza. Ela tem grandes expectativas para o encontro com o líder global e acredita que uma liderança como a do chefe da Igreja Católica tem grande poder para promover mudanças significativas.

Catarina é uma das adolescentes brasileiras no grupo de jovens que entrega ao papa demandas da juventude, por Arquivo pessoal

Catarina mora em Salvador, mas cresceu na Península de Maraú. Ela tem vivido as ondas de calor que ocorrem não apenas na região, mas em diversas partes do mundo: “não conseguia estudar, não conseguia fazer minhas atividades que eu tinha que fazer no dia porque eu não tava conseguindo me concentrar e eu tive que ir pra praia, ficar no oceano pra eu não ficar morrendo de calor. Nenhum ventilador ajudava”.

Além disso, lembra que desde pequena, observou as mudanças no oceano e nos corais, que perderam a cor. “Eu lembro que quando eu era pequena, eu, naquela época, quando eu sentia essas consequências, eu ainda não entendia direito o que eram as mudanças climáticas, mas eu sabia que tinha algo errado acontecendo, porque eu sempre nadei naquele local e dessa vez, quando eu tinha ido, a água estava muito quente, mas muito quente ao ponto de eu mergulhar no fundo do oceano, tocar na areia e a água continuar muito quente e eu ter que sair da água”.

Ela recorda também como era o terreno da família, muito mais amplo, antes da água do mar avançar. “Vi vizinhos meus perdendo casas ou até mesmo restaurantes”, disse. “A gente sabe que isso é só o início e que, da maneira que a gente está indo, infelizmente, o oceano só tem tendência a aumentar e aumentar. A chegar ao ponto que talvez realmente a minha casa e a casa dos meus amigos e todas as memórias que a gente tem construído nesse local sumam”, explica.

O grupo participará também de um painel dedicado às crianças e jovens, com o líder religioso, durante o evento From Climate Crisis to Climate Resilience, em português, Da Crise Climática à Resiliência Climática, promovido pelo Vaticano. As duas brasileiras e o colombiano Francisco Vera, 14 anos, viajam a convite do Alana, grupo de impacto socioambiental, visando a promoção de um mundo melhor para as crianças. O encontro com o Papa tem também a participação da Universidade da Califórnia em Los Angeles (UCLA), da UCLA Lab School e da University of Massachusetts Boston (UMass Boston).

Organizações sociais defendem criação de auxílio calamidade climática

Mais de 50 organizações da sociedade civil lançaram nessa segunda-feira (13) uma campanha a favor de um auxílio calamidade no valor de cerca de um salário mínimo que seria pago por dois anos às pessoas atingidas por calamidades climáticas, a exemplo do que ocorre no Rio Grande do Sul.

“Tragédias como a do Rio Grande do Sul serão cada vez mais frequentes. Precisamos de um Auxílio Calamidade Climática, criado pelo governo federal, que garanta condições para a reconstrução da vida das pessoas mais vulneráveis”, afirmam as organizações.

A campanha é movida pela Plataforma dos Movimentos Sociais por Outro Sistema Político, que reúne entidades como o Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), a União Nacional dos Estudantes (UNE) e o Fórum Mudanças Climáticas e Justiça Socioambiental.

Proposta

A proposta pede que cada vítima das mudanças climáticas receba a quantia mensal de R$ 1,4 mil, além de R$ 150 para cada criança e adolescente por qual for responsável, por um período de 24 meses. O auxílio seria pago àqueles com renda individual de até cinco salários mínimos.

Outra medida defendida pela campanha prevê o auxílio de R$ 20 mil para os “empreendimentos solidários”, o que incluiria organizações coletivas, como associações, cooperativas e empresas autogestionadas que sejam lideradas por pessoas em situação de vulnerabilidade, além de agricultores familiares.

O Inesc calculou que, se o auxílio estivesse ativo hoje, o total usado para socorrer as vítimas gaúchas seria de R$ 59 bilhões em dois anos, além de R$ 2,4 bilhões para os empreendimentos solidários, atingindo cerca de 120 mil negócios sociais.

Atualmente, os gastos do governo federal são limitados pelo arcabouço fiscal, que estabelece limites para o aumento das despesas da União. O representante do colegiado de gestão do Inesc, José Antônio Moroni, argumentou à Agência Brasil que os recursos podem ser mobilizados de diversas fontes.

“Dados de 2021 indicam que o governo abriu mão de R$ 215 bilhões em renúncias fiscais, isso para as grandes empresas. O recurso pode vir dessas renúncias. Pode vir também da taxação das grandes fortunas, das grandes heranças. Tudo depende das prioridades que a sociedade quer ter”, destacou.

Para Moroni, uma política permanente para catástrofes climáticas evitará que o governo fique discutindo, a cada situação de emergência, o que deve ser feito para ajudar os mais vulneráveis, dando agilidade e transparência à política de socorro às populações afetadas.

Ajuda federal

Além da ajudas financeiras ao Rio Grande do Sul, como a medida provisória que liberou R$ 12 bilhões em créditos extraordinários e o envio do projeto que prevê a suspensão, por três anos, da dívida do estado com a União, o governo federal prepara novas medidas de apoio financeiro direto às pessoas atingidas pelas enchentes.

Uma das medidas em discussão é justamente a criação de uma espécie de auxílio emergencial, similar ao adotado durante a pandemia de covid-19, para socorrer especialmente as pessoas que perderam suas atividades remuneradas e estão desempregadas.

Desinformação climática é um dos motores da tragédia, diz pesquisadora

Notícias falsas envolvendo críticas ao governo, negacionismo em relações às mudanças climáticas e teorias da conspiração sobre a tragédia têm marcado as postagens sobre a tragédia do Rio Grande do Sul, segundo Marina Loureiro. Ela é coordenadora de projetos do laboratório de pesquisa da Escola de Comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), o Netlab.

De acordo com a pesquisadora, as narrativas difundidas pelos propagadores de fake news, neste desastre, se concentram em cinco eixos: afirmar que a resposta governamental tem sido insuficiente; negar a relação entre os eventos e as mudanças climáticas; inserir a tragédia nas pautas morais e em teorias da conspiração; inflar o papel de seus aliados na resposta à crise; e se beneficiar da tragédia por meio de autopromoção, pedidos de doação e fraudes.

“Tais conteúdos atrapalham trabalhos de assistência à população atingida pelas enchentes e são utilizados por personalidades que buscam lucrar com a tragédia, bem como obter engajamento ou apoio político. Ao influenciar a política nacional por meio da disseminação online, a desinformação climática se tornou um dos principais motores da tragédia”, afirma Marina.

Segundo ela, reportagens e iniciativas de checagem de fatos têm apontado para ampla circulação de conteúdos desinformativos.

“A atuação desses grupos e indivíduos é multiplataforma, com conteúdos de uma rede sendo reproduzidos em outras. As narrativas se interligam entre as plataformas, construindo uma campanha orquestrada que atinge vários públicos. Os principais influenciadores são beneficiados por essa orquestração multiplataforma, que garante a amplificação de suas mensagens para um público maior”, afirma Marina, acrescentando que as estratégias também incluem o pagamento de anúncio nessas redes.

Segundo ela, situação semelhante ocorreu em outras tragédias, devido à falta de regras para o ambiente online. “Plataformas são corresponsáveis pela falta de transparência, já que quando solicitadas a remover anúncios suspeitos, o fazem sem revelar os dados dos responsáveis pela veiculação às autoridades. Além disso, há também o papel das empresas internacionais que permitem o registro de sites anônimos que são utilizados como plataformas para fraudes”, explica a pesquisadora.

Judiciário vem mudando seu papel em matéria climática, diz Barroso

O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Luís Roberto Barroso, afirmou nesta segunda-feira (13) que os tribunais constitucionais em todo o mundo vêm adotando um novo papel em questão climática. Segundo ele, as grandes tragédias como as queimadas no Canadá, as inundações do Rio Grande do Sul e a seca na Amazônia mostram que é preciso reagir e que o aquecimento global deixou de ser uma matéria apenas para pequenos círculos de cientistas, ocupou o centro das discussões internacionais.

“No primeiro momento, em diferentes partes do mundo, o Judiciário considerou o tema como uma questão política a ser tratada pelo Parlamento e pelo Executivo. Isso está mudando e acho que está mudando por três razões. Em primeiro lugar, pela percepção de que a proteção do meio ambiente é uma questão de direito fundamental. Olha o que está acontecendo no Rio Grande do Sul. Envolve um dos principais direitos fundamentais que é o direito da vida. As pessoas estão morrendo por conta da mudança climática”, destacou o ministro.

Outro fator citado pelo ministro envolve a dificuldade que a política possui para priorizar objetivos de longo prazo. “É da natureza da política o prazo eleitoral ao passo que o dano que se produz no meio ambiente hoje só vai efetivamente produzir seus resultados negativos daqui a 20 ou 30 anos. Portanto, muitas vezes, falta à política majoritária um incentivo necessário para medidas que são difíceis de tomar”, explicou.

Ainda de acordo com Barroso, a intervenção do Judiciário na discussão da pauta climática leva em conta os efeitos que serão sentidos pelas próximas gerações, as quais não estão representadas nos parlamentos. “Um dos papéis do Judiciário é zelar não apenas pelas crianças que ainda não tem participação política, mas também pelas próximas gerações”.

O julgamento do chamado Caso Neubauer na Alemanha foi citado pelo ministro como emblemático dessa discussão. Em 2021, a Justiça do país europeu considerou inconstitucional a Lei Federal sobre Proteção Climática, por entender que ela deixava um ônus excessivo para a próxima geração.

“Talvez tenha sido um dos primeiros casos que se baseou em um conceito importante que é o de justiça intergeracional. Trata-se do compromisso que cada geração tem de preservar condições mínimas de sustentabilidade para as próximas gerações. A Constituição Brasileira fala inclusive que a proteção ambiental deve visar as próximas gerações”, destacou Barroso.

O ministro compartilhou suas avaliações durante o primeiro dia da programação do J20 , encontro voltado para reunir representantes das supremas cortes dos países do G20. O evento, que se encerra nesta terça-feira (14), é realizado na sede do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ).

Barroso enfatizou, no entanto, que os tribunais não devem ser protagonistas na pauta climática. “Não se salva o mundo da mudança climática com decisões judiciais. Embora possamos ter decisões pontuais importantes que permitam superar parte da inércia que muitas vezes acomete a política no enfrentamento dessas matérias”.

Para o ministro, o Brasil tem potencial para liderar os esforços globais. “Não temos condições hoje de ser uma grande liderança industrial. Tomara que em algum momento a gente consiga. Tampouco conseguimos ser uma grande liderança em matéria tecnológica. Mas o Brasil pode e deve ser uma grande liderança global em matéria de mudança climática, em matéria de proteção ambiental. O Brasil tem energia predominantemente limpa e bem acima da média, tem fontes renováveis de energia como sol, vento e biomassa, tem a Amazônia que é talvez a maior prestadora de serviços ambientais do mundo”.

Rio Grande do Sul

Em meio ao desastre decorrente do grande volume de chuvas e das inundações que vêm afetando diversos municípios do Rio Grande do Sul, a Defesa Civil do estado recebeu recursos do Judiciário. Segundo Barroso, já foram repassados R$ 106 milhões. São recursos relacionados com as penas pecuniárias que estavam depositados majoritariamente nas varas criminais de todo o país.

As transferências foram recomendadas pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que é presidido pelo presidente do STF. “Em muitos casos, o Código Penal prevê, no lugar da pena de prisão, o pagamento de uma pena pecuniária. E o juiz tem um certo poder de disposição discricionária”, explica Barroso.

O ministro também lamentou a disseminação de fake news relacionadas com a tragédia ambiental. Ele avaliou ser necessário discutir um controle mínimo das plataformas digitais. “Ninguém pode viver do incentivo do mal. A verdade é que, muitas vezes, a desinformação, o sensacionalismo e a teoria conspiratória trazem mais o engajamento do que a fala racional e moderada. Portanto, por vezes, as plataformas têm um incentivo na difusão do ódio em lugar de tentar trazer um pouco de racionalidade”.

Tragédia climática afeta saúde mental de profissionais e voluntários

A médica veterinária Andressa Schafe tirou a tarde de sexta-feira (10) para dormir em casa, com a família. “Estou muito abalada emocionalmente”, disse Andressa à Agência Brasil. Moradora do município de Santa Maria, no Rio Grande do Sul, ela trabalha como voluntária desde o primeiro dia da tragédia climática que abala o estado, chegando ao ginásio que concentra as doações aos desabrigados dos municípios gaúchos às 7h40, todas as manhãs.

“As pessoas que atuam na linha de frente, como eu, já estão no automático. A gente só vai indo, tenta resolver os problemas o máximo que consegue.” Na sexta, o ginásio onde os voluntários estão trabalhando, e onde guardam roupas e comida, inundou. “A gente tentou erguer tudo, porque Santa Maria está sendo a regional de recolhimento. Todo mundo pegou em vassouras e rodos e começou a limpar. Mas, depois daquilo, eu me sentei e acho que chorei uma hora, porque já estamos exaustos. Todo mundo que se encontra na linha de frente está cansado. Mas seguimos.”

Andressa conta que muita gente chega à regional de recolhimento querendo ajuda, e os voluntários não estão conseguindo montar cestas básicas suficientes, porque as doações diminuíram muito, e as pessoas ficam decepcionadas. O que se consegue é enviado para a quarta colônia, que reúne as dez cidades devastadas pelas enchentes e situadas perto de barragens.

“Foi onde devastou tudo. As pessoas estão sem água e comida”. Oito ou dez caminhonetes tracionadas levam as cestas básicas para esses municípios, onde nem helicópteros ou carros estão conseguindo chegar. “As pessoas de Santa Maria que vêm pedir ajuda ficam frustradas. Porém, estamos tentando apagar o incêndio onde as pessoas não têm nem água. Não conseguimos atender todo mundo, mas estamos tentando da maneira mais justa.”

Doações à população do Rio Grande do Sul chegam de todas as partes do país – Joédson Alves/Agência Brasil

Com a chegada de roupas doadas, que vêm de muitos locais do Brasil, os voluntários de Santa Maria conseguem montar kits completos de roupas e sapatos femininos, masculinos e infantis por tamanho.

Solidariedade

Samara Buchmann, que faz mestrado de psicologia na Universidade Federal do Rio Grande do Sul, está sem aulas, com restrição de água e de movimentos. A oficina mecânica de seu pai, Denis, ficou alagada com a cheia do Guaíba, em Porto Alegre, e ele teve problemas financeiros. A família abriga uma amiga de Pelotas e sua cachorra, que não puderam entrar em casa por causa das  enchentes que assolam o estado.

Em entrevista à Agência Brasil, Samara conta que vive uma situação nova e atípica, apesar da enchente no Vale do Taquari no ano passado ter ocasionado muitos estragos. “Nessa proporção que a gente está vendo agora, porém, nem a enchente de 1941, que era a mais famosa, mais conhecida e a pior até hoje. Agora, quase todas as cidades do estado foram afetadas de alguma sorte. Mais de 100 pessoas morreram por causa das chuvas, e há centenas de milhares de pessoas desabrigadas e muitos desaparecidos.”

Samara elogiou o trabalho da Defesa Civil, dos bombeiros e do Exército no resgate e colocação de pessoas e animais em abrigos e no transporte de mantimentos. “Há uma rede muito grande de voluntários arrecadando recursos, fazendo as compras de que os abrigos precisam: material de higiene e limpeza, roupas de frio, agora que está caindo a temperatura, remédios, ração para os animais. Toda hora está passando carro de polícia, helicóptero.”

Solidariedade e união mobilizam voluntários no Rio Grande do Sul – Foto: @CristineRochol/PMPA

A estudante destaca que todos estão mobilizados para ajudar, tanto no Rio Grande do Sul quanto nos demais estados, e também no exterior, divulgando o que está acontecendo e informando do que os gaúchos estão precisando neste momento. Para Samara, solidariedade e união são os principais fatores que mobilizam atualmente as pessoas. “Não é só aqui, com o povo gaúcho se ajudando, é também em lugares muito distantes, com o desejo de enviar muita ajuda para cá, de ter algum parente ou amigo e estar entrando em contato para saber se essa pessoa está bem, se precisa de alguma coisa. Essa rede é de apoio emocional e não só material”, concluiu.

Saúde mental

O psiquiatra Jorge Jaber, membro fundador e associado da International Society of Addiction Medicine e associado à World Federation Against Drugs, afirma que tragédias climáticas, como as enchentes do Rio Grande do Sul, afetam a saúde mental das pessoas, tanto as que perdem parentes e amigos, além de bens, quanto profissionais e voluntários que se esforçam para fazer salvamentos e, muitas vezes, não conseguem.

Na área específica de psiquiatria, a Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP) criou um link para que especialistas do Brasil inteiro possam ajudar  a população gaúcha, seja por  atendimento presencial, com profissionais que estão mais próximos do evento, ou a distância, pelas mídias sociais. O Conselho Regional de Medicina do Rio Grande do Sul modificou também uma determinação para que os médicos, nesse período, tal como ocorreu na época da pandemia de covid-19, possam emitir receituário controlado.

Em entrevista à Agência Brasil, Jaber explica que quase todos os medicamentos psiquiátricos são alvo de controle da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), em termos de receitas. “Existem receitas brancas, azuis e amarelas. As receitas azuis e amarelas, que são emitidas pelo Conselho Regional de Medicina do estado, estão sendo liberadas para que sejam feitas, inclusive, a distância, de modo a reduzir o impacto que esse cataclismo está causando na população.”

Sobre o evento traumático de natureza ecológica, Jaber diz que a repercussão é grande e de longa duração. Ele lembra que, em 2024, ainda se avaliam os efeitos de longa duração da pandemia da covid-19 (2020-2023). “O que está acontecendo agora vai repercutir em uma geração de jovens que estão sendo submetidos a perdas traumáticas de entes queridos, à perda de bens e ao dano ecológico. Um estado que tem características de preservação ecológica como o Rio Grande do Sul vai sofrer um dano muito grande.”

Segundo o psiquiatra, a mudança climática, a mudança da vegetação, a morte de animais, tudo isso gera sofrimento a mais e contribui fortemente para a perda da saúde mental.

Jaber enfatiza que não só as pessoas doentes, mas o ser humano, de maneira geral, todos precisam ter uma certa segurança ambiental para viver plenamente a sua saúde. “Qualquer dano ecológico ao ambiente repercute na saúde mental do indivíduo por uma série de razões, principalmente aquelas voltadas ao medo, angústia, ansiedade, depressão, transtornos psicóticos, abuso de substâncias, uso indevido de remédios. Isso tudo cria uma solução bastante difícil que tem repercussões de curto e também de longo prazo.” De acordo com o psiquiatra, estima-se que, em um evento como este, a população demore de cinco a dez anos para começar a se estabilizar, do ponto de vista da saúde mental.

No tocante aos profissionais e voluntários que estão no Rio Grande do Sul salvando pessoas e animais, Jaber destaca o trabalho da Defesa Civil, ao  criar equipes multiplicadoras, motivadas por líderes. O psiquiatra lembra, contudo, que pessoas com menor capacidade de resistência a frustrações, situações que envolvem morte e situações catastróficas e dolorosas, devem ser afastadas, aproveitando-se aqueles que realmente demonstram alguma resiliência nessas circunstâncias.

Socorro psicológico

Para contribuir com as iniciativas de acolhimento em saúde mental às vítimas das enchentes, os professores Christian Haag Kristensen e Caroline Santa Maria Rodrigues, do Núcleo de Estudos e Pesquisa em Trauma e Estresse (Nepte), da Escola de Ciências da Saúde e da Vida da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), criaram um curso rápido, voltado para pessoas que estão atuando como voluntárias em resgates e abrigos ou ajudando de outras formas. O objetivo é contribuir com as iniciativas de acolhimento em saúde mental às vítimas, facilitando, ao mesmo tempo, o atendimento psicológico mais adequado no momento. O material tem apoio do Conselho Regional de Psicologia (CRP-RS).

O curso Primeiros Socorros Psicológicos: Intervindo em Situações de Crises, Desastres e Catástrofes foi gravado pelos dois pesquisadores e dividido em duas partes. Na primeira, é feita uma contextualização de desastres, indicando quais os possíveis efeitos psicológicos e agravantes da situação, como fome, machucados e abusos, entre outras situações. Na segunda, são explicadas as maneiras práticas de abordar e se comunicar com as vítimas e as formas de comunicação adequadas.

Os professores ressaltam a necessidade de se considerar que as pessoas estão em situação de vulnerabilidade, como crianças e adolescentes, pessoas com problemas de saúde, deficiências, ou ainda correndo risco de discriminação ou violência. O curso busca oferecer um panorama rápido, para que os atingidos mais fortemente pela catástrofe sejam tratados de maneira humanizada. A PUCRS está abrigando pessoas e famílias afetadas pelas chuvas e enchentes do estado nas dependências do Parque Esportivo (Prédio 81) e também recebe e encaminha doações.

As atividades acadêmicas foram suspensas na universidade, mas o campus permanece aberto aos estudantes e à comunidade, oferecendo acesso à energia elétrica, equipamentos, ambientes de estudo, serviços de alimentação e uso das estruturas disponíveis.

Política pública

Para a doutora em saúde coletiva e especialista em saúde mental do Instituto de Estudos para Políticas de Saúde Dayana Rosa, a relação entre saúde mental e meio ambiente ainda é pouco debatida no Brasil mas, no mundo inteiro, tem sido abordada com frequência. “Na Europa, por exemplo, já se fala em ansiedade climática, principalmente entre a população mais jovem”, disse Dayana à Agência Brasil.

No Brasil, onde existe muita riqueza natural e a exploração da natureza constitui uma das principais atividades econômicas, é cada vez mais necessário que o Estado promova políticas públicas, ao mesmo tempo que amplia o acesso e protege o meio ambiente, como forma de promover também saúde mental e de prevenir transtornos e sofrimentos desse tipo, diz a especialista. “O acesso ao meio ambiente deve caminhar junto com a promoção do acesso à saúde mental”, enfatiza.

Dayana Rosa cita pesquisa feita no Reino Unido, segundo a qual, pessoas que vivem em áreas com altos níveis de poluição do ar têm 40% mais chance de desenvolver depressão que as que estão em áreas com ar mais limpo. No Brasil, no caso do rompimento da barragem de Mariana (MG), em 2015, pesquisa da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), feita em 2018, constatou que 74% das pessoas tiveram piora do estado de saúde. Na saúde mental, a depressão e a ansiedade, que afetavam 1% da população, subiram para 23%. Em 2020, dois anos depois da tragédia, quase 30% dos atingidos sofriam com depressão, número cinco vezes maior do que a média nacional na época. “São transtornos provocados pela condição em que a natureza se encontra e pelas consequências de você perder a casa, não ter acesso a bens básicos como água, alimentação, e sem eles é impossível falar de saúde mental”.

A especialista lembra que, durante a pandemia da covid-19, os profissionais de saúde que ficaram na linha de frente foram os que mais adoeceram em termos de saúde mental. “Fica a necessidade também de proteger os profissionais de saúde e os demais profissionais que estão na linha de frente no Rio Grande do Sul”.

A Frente Parlamentar de Saúde Mental, da qual o Instituto de Estudos para Políticas de Saúde faz a secretaria executiva, propôs o projeto de lei Cuidando de Quem Cuida, para proteger profissionais de saúde que estão na linha de frente, como no caso do Rio Grande do Sul.

Transtorno

O neurologista Guilherme Schmidt, docente do Instituto de Educação Médica (Idomed), disse à Agência Brasil que, quando se pensa em saúde, isso não envolve apenas ausência de doenças, porque saúde requer bem-estar físico, mental e social. “A população do Rio Grande do Sul perdeu, no mínimo, o bem-estar mental e social. Até que haja recuperação, principalmente da parte social e de rotina, é uma população que tem maior risco de transtorno mental”.

Schmidt alerta que o governo precisa ter uma perspectiva de reconstrução para essas pessoas, “de voltar à normalidade, de crianças voltarem para a escola, pessoas voltarem para o emprego, se não tiverem perdido, voltarem para casa, se tiverem a casa para voltar”. Na avaliação do médico, essa é uma população que apresenta maior risco de doença psiquiátrica.

Uma das primeiras reações de quem passa por uma situação traumática de tal porte é a confusão mental, seguida pelo estado de angústia pelo que está acontecendo, o que leva ao espírito de solidariedade para tentar resolver o problema. “Quando isso vai passando, e a pessoa constata que não está voltando para a rotina dela, podem aparecer problemas. A pessoa não tem mais aquele sentimento de utilidade, nem a rotina anterior. É uma população na qual a gente tem que ficar de olho.”

Pacientes que têm risco de desenvolver doenças psiquiátricas podem apresentar, entre outros sintomas, pensamentos perturbadores ou pesadelos, revivendo o que aconteceu, medo de enlouquecer, de perder o controle e ficar em estado de hipervigilância, mais nervosos, mais inquietos – é mais fácil entrar em pânico. Esses sintomas podem afetar relações pessoais e até de trabalho, uma vez que as pessoas ficam muito irritáveis, diz o neurologista.

Muitos passam a evitar o contato com pessoas que passaram pela mesma tragédia e diminuem o círculo social com medo de lembrar os acontecimentos. Podem apresentar alteração do sono e mostrar dificuldade de concentração e se tornar mais indiferentes na parte emocional. Normalmente, é mais suscetível a tais sintomas a população que já era mais vulnerável ou portadora de alguma doença mental e sem rede de apoio de parentes e amigos, além da parcela que sofreu maiores perdas no desastre. Schmidt salienta a necessidade de ficar de olho nesse grupo, que costuma aumentar o uso de álcool e drogas.

Schmidt acentua que a fase de luto considerada normal é de, no máximo, até dois meses após a tragédia, porque as pessoas tiveram perderam parentes e bens. “Mas ficar com depressão após uma tragédia dessas não é normal. Se o luto está demorando mais que dois meses, é preciso começar a se preocupar e tratar esse paciente, que ele tem maior risco de depressão. Tem que tratar logo porque aumenta a chance de um transtorno depressivo associado”, diz o médico, que alerta também para o aumento de doenças cardiovasculares.

Segundo o neurologista, uma coisa positiva que pode ocorrer nesse tipo de evento é o crescimento pós-traumático, na medida que situações extremas acabam levando a mudanças na vida das pessoas, como cuidar mais da saúde, dedicar-se mais à família, aumentar a rede de contatos. “E a grande coisa que aumenta nisso tudo é a resiliência, que é a nossa capacidade de voltar ao funcionamento normal depois de eventos traumáticos desconfortáveis. Algumas pessoas ficam mais fortes depois desses eventos”, afirma Schmidt.

Sul da Ásia ferve: onda de calor recorde e condições climáticas extremas são atribuídas à crise climática

7 de maio de 2024

 

Uma onda de calor escaldante está devastando o Sul e o Sudeste Asiático, afetando centenas de milhões de pessoas com o seu calor intenso.

Com as temperaturas de Abril a quebrarem recordes anteriores, a região está testemunhando padrões climáticos extremos, incêndios florestais e mortes trágicas relacionadas com o calor. As escolas foram forçadas a fechar, a produção agrícola e o armazenamento de alimentos perecíveis foram interrompidos e o risco de insolação e outros problemas de saúde aumentou significativamente.

Os cientistas atribuem a onda de calor à influência decrescente do evento El Niño de 2023-2024, que começou em julho de 2023.

Fonte
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Haddad pede recursos a bancos multilaterais em meio à crise climática

As instituições financeiras multilaterais, como o Banco Mundial e o Banco Interamericano de Desenvolvimento, devem ter mais recursos e maior participação de países emergentes na administração para enfrentar a mudança climática e o aumento da fome, disse, nesta quinta-feira (18), o ministro da Fazenda, Fernando Haddad. Em discurso de abertura da segunda reunião da trilha de finanças do G20, em Washington, ele defendeu a reforma da governança das instituições internacionais.

“No centro desses esforços está a necessidade de garantir que o apoio dos bancos multilaterais de desenvolvimento seja orientado pelas prioridades nacionais de desenvolvimento, proporcionando benefícios tangíveis aos países beneficiários”, disse Haddad em seu discurso. Atualmente, os países-membros dessas instituições contribuem proporcionalmente à participação nesses bancos, o que favorece as nações mais ricas.

Segundo Haddad, o Brasil está elaborando um plano que torne as instituições multilaterais “melhores, maiores e mais eficazes”. Os ministros de Finanças e presidentes dos Bancos Centrais do G20, grupo das 20 maiores economias do planeta, mais a União Europeia e a União Africana, votarão a proposta em outubro.

“Estamos avançando nas discussões sobre o aumento geral de capital e a possível criação de um mecanismo de revisão das necessidades de capital dessas instituições, de modo a garantir que elas continuem aptas a cumprir seus mandatos e alcançar objetivos globais mais ambiciosos”, discursou Haddad. Ele acrescentou que pretende levar as sugestões a outros órgãos multilaterais.

O Brasil e outros países emergentes pedem maior peso nas decisões dos bancos multilaterais para que tenham mais flexibilidade na utilização de empréstimos. Isso porque os financiamentos estão atrelados a usos específicos, o que atrasa a liberação de recursos para lidar com eventos repentinos relacionados à crise climática e para projetos de transição ecológica.

Antes da reunião, Haddad encontrou-se com a presidenta do Novo Banco de Desenvolvimento, Dilma Rousseff, também conhecido como Banco do Brics.

Taxação de super-ricos

Durante a tarde, o ministro reuniu-se com o senador norte-americano Bernie Sanders, abordando a proposta de taxação de super-ricos. O parlamentar disse que pressionará o governo do presidente Joe Biden a apoiar a medida, apresentada pela primeira vez na reunião de ministros do G20 em São Paulo, no fim de fevereiro.

“Em todo o planeta, você tem governos lutando com orçamentos terríveis, incapazes de fornecer saúde, educação, moradia para sua população e [lutando com] bilionários que deveriam estar pagando sua parcela justa de impostos [e] estão escondendo seu dinheiro em outro lugar. Acho que precisamos avançar para uma abordagem global para isso”, declarou o ministro.

Ele ressaltou ter recebido apoio da França e da Espanha. No entanto, o ministro das Finanças da Alemanha, Christian Lindner, se disse contrário à proposta brasileira, argumentando que os países têm um sistema apropriado de taxação.

Retorno antecipado

Esse foi o último dia da viagem do ministro da Fazenda aos Estados Unidos. Ele antecipou o retorno ao Brasil para tratar de negociações da pauta econômica do governo com o Congresso <https://agenciabrasil.ebc.com.br/economia/noticia/2024-04/haddad-antecipa-para-esta-quinta-feira-retorno-dos-estados-unidos>.

Na sexta-feira (19), o ministro participaria de um café da manhã no Fundo Monetário Internacional e da reunião plenária do Fundo, na parte da manhã. À tarde, Haddad conversaria com o Comissário Europeu para Assuntos Econômicos, Paolo Gentiloni, e acompanharia a reunião do comitê de desenvolvimento do Banco Mundial.

Especialista emite ‘alerta vermelho’ sobre crise climática e chama isso de ‘desafio definidor’ da humanidade

Variação da temperatura média global de 1880 até 2013

20 de março de 2024

 

Um relatório da Organização Meteorológica Mundial apresenta uma imagem sinistra do que está por vir para o planeta Terra se não forem tomadas medidas urgentes para travar o que parece ser uma marcha inevitável em direcção às alterações climáticas.

De acordo com o relatório sobre o estado do clima global da OMM, 2023 foi o ano mais quente já registado, “com a temperatura média global próxima da superfície a 1,45 graus Celsius acima da linha de base pré-industrial”.

“Nunca estivemos tão perto – embora temporariamente neste momento – do limite inferior de 1,5 graus Celsius do Acordo de Paris sobre alterações climáticas”, disse a secretária-geral da OMM, Celeste Saulo, na terça-feira.

O aquecimento global é causado pela emissão de gases de efeito estufa na atmosfera. Os cientistas dizem que isso está acontecendo a um ritmo mais rápido do que nunca.

A OMM relata que os níveis de dióxido de carbono são 50% mais elevados agora do que na era pré-industrial, “retendo o calor na atmosfera”.

Devido à longa vida útil do CO2, afirma, “as temperaturas continuarão a subir durante muitos anos”.

“Este relatório anual mostra que a crise climática é o desafio definitivo que a humanidade enfrenta”, disse Saulo. “Está intimamente ligada a uma crise de desigualdade – como testemunhado pela crescente insegurança alimentar e deslocamento populacional, e pela perda de biodiversidade.

“É uma ameaça existencial para as populações vulneráveis ​​em todo o mundo”, disse ela, observando que o ano passado quebrou vários recordes – nenhum deles bom.

“A mudança climática envolve muito mais do que temperaturas”, disse ela. “O que testemunhámos em 2023, especialmente com o calor sem precedentes dos oceanos, o recuo dos glaciares e a perda de gelo marinho na Antártida, é motivo de particular preocupação.”

“Como secretária-geral da Organização Meteorológica Mundial, estou agora a soar o alerta vermelho sobre o estado do clima”, disse ela.

O alerta de Saulo foi repetido pelo secretário-geral da ONU, António Guterres, que disse aos jornalistas em Genebra, por videoconferência de Nova Iorque, que a Terra estava a emitir um “chamado de socorro”.

“A poluição por combustíveis fósseis está elevando o caos climático. … No ano passado, houve um calor recorde, níveis recordes do mar e temperaturas recordes da superfície dos oceanos. As geleiras provavelmente perderam mais gelo do que nunca.

“Alguns discos não estão apenas no topo das paradas, eles estão destruindo as paradas. E as mudanças estão se acelerando”, disse ele.

Década mais quente já registrada

2023 não só quebrou o recorde anual de calor de todos os tempos, como também marcou o fim da década mais quente já registrada.

“Isto demonstra a aceleração e a continuação do aquecimento”, disse Omar Baddour, chefe de monitorização climática da OMM. “À medida que o clima global aquece, o oceano também aquece e, no ano passado, também tivemos o derretimento das camadas de gelo. Tudo isto contribui para a subida do nível do mar, que mais do que duplicou” desde que os registos de satélite começaram em 1993.

O relatório da OMM cita vários indicadores-chave como prova de que as alterações climáticas estão a acontecer. A análise dos dados mostra que o conteúdo de calor dos oceanos atingiu o seu nível mais elevado em 2023, o que significa que o aquecimento deverá continuar — uma mudança que é irreversível em escalas de centenas a milhares de anos.

O relatório diz que a extensão do gelo marinho na Antártica “atingiu um nível recorde mínimo para a era dos satélites em fevereiro de 2023” e a extensão do gelo marinho no Ártico “permaneceu bem abaixo do normal”.

Dados preliminares indicam que as geleiras sofreram a maior perda de gelo já registrada no ano passado. “Estas são as torres de água do mundo”, disse o chefe da OMM, Saulo. “Eles são nossos reservatórios de água doce.”

A evidência mais visível das alterações climáticas são os fenómenos meteorológicos extremos que ocorrem em todo o mundo, incluindo grandes inundações, ciclones tropicais, calor e seca extremos e incêndios florestais associados.