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Conceição Tavares: economistas apontam legado para repensar Brasil

Maria da Conceição Tavares, morreu nesse sábado (8) aos 94 anos, permanecerá como pensadora fundamental para entender o Brasil, a partir de meados do século passado quando vem morar no país.

Mulher com compromisso político e extenso conhecimento sobre filosofia, história e realidade nacional, era uma intelectual combativa e professora exigente. Ao mesmo tempo era pessoa delicada e afetuosa com seus alunos e com seus colegas – mesmo de quem discordasse.

 Luiz Gonzaga Belluzzo: “Pessoa calorosa e muito inteligente” – Marcelo Camargo/Agência Brasil

O perfil da principal economista brasileira, de origem lusitana e naturalizada brasileira em 1957, foi desenhado por colegas e ex-alunos de Tavares ouvidos pela Agência Brasil.

“Ela era amiga dos amigos. Uma pessoa calorosa e muito inteligente”, recorda-se o economista Luiz Gonzaga Belluzzo, professor titular da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), e colega de trabalho Maria Conceição Tavares por 20 anos naquela universidade.

De acordo com Belluzzo, a economista “sempre foi inquieta e discutia com muita intensidade.” Nos debates, usava a divergência para suplantar as controvérsias. “No final, dava um salto. Discordava para avançar no conhecimento.”

Nota 10

Conhecer, assim como ensinar, foi um propósito de vida de Conceição Tavares. Matemática formada pela Universidade de Lisboa chegou ao Brasil em 1954. Três anos depois, matriculou-se no curso de Economia da Universidade do Brasil, hoje Universidade Federal do Rio de Janeiro, onde foi aluna de Otávio Gouveia de Bulhões e de Roberto Campos, dois economistas que comandaram anos depois, no início da ditadura civil-miliar, os ministérios da Fazenda e do Planejamento, respectivamente.

Segundo Maria da Conceição Tavares, apesar de discordar dos dois professores, ganhou “10” de ambos. Bulhões a deixava “dizer o que quisesse”; e Roberto Campos, que “a chateava nas aulas por causa da inflação, prezava muito a inteligência analítica”, disse a economista em depoimento publicado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) quando fez 80 anos, em 2010.

Outro ex-ministro da Fazenda durante a ditadura, e economista de matiz liberal, Mário Henrique Simonsen, também a respeitava. Em novembro de 1974, quando Conceição Tavares foi presa pelo Departamento de Ordem Política e Social (Dops) em quartel do Exército no bairro da Tijuca, zona norte do Rio, Simonsen pediu diretamente ao então presidente Ernesto Geisel a sua libertação.

Para Alfredo Saad-Filho, professor de Economia Política e Desenvolvimento Internacional na King’s College de Londres, Conceição Tavares foi de uma “geração de economistas brilhantes e influentes” e responsável pela formação de quadros importantes. “Uma árvore que gerou muitos economistas, inclusive dirigentes importantes e ministros de Estado.”

Séquito de admiradores 

Cláudio de Moraes, professor de Macroeconomia e Finanças do Instituto de Pós-Graduação e Pesquisa em Administração (Coppead) da UFRJ, recorda-se que Maria da Conceição Tavares era “extremamente culta”, “se posicionava de maneira clara”, e “tinha um séquito de alunos admiradores”.

 Conceição Tavares foi de uma “geração de economistas brilhantes e influentes”, diz Alfredo Saad-Filho, professor de Economia Política e Desenvolvimento Internacional na King’s College de Londres. Foto:  Fernando Frazão/Agência Brasil

Em sua avaliação, “ela permanece influente até hoje”, especialmente junto aos economistas que defendem a “proteção do mercado doméstico” e a necessidade de o país contar com grandes corporações para competir no mercado internacional.

“Com o passar do tempo, ela assumiu uma postura mais política”, acrescenta Gilberto Braga, professor titular de controladoria e contabilidade do Instituto Brasileiro de Mercado de Capitais (Ibemec).

A atuação política foi coerente com a atividade acadêmica. “Ela sempre defendeu o papel do Estado como indutor do desenvolvimento e da despesa pública como fator de geração de riqueza econômica. Ela se contrapunha ao pensamento mais liberal que defende um equilíbrio fiscal mais rígido”, assinala Braga que teve Conceição Tavares patrona de sua turma na Universidade Cândido Mendes.

Para ele, Maria da Conceição Tavares escreveu alguns livros obrigatórios para a formação de economistas brasileiros, como Da Substituição de Importações ao Capitalismo Financeiro.

A professora Maria Malta, que leciona sobre história do pensamento econômico na UFRJ, acrescenta Acumulação de Capital e Industrialização no Brasil e Poder e Dinheiro. Uma Economia Política da Globalização, escrito em parceria com o economista Jose Fiori entre os livros fundamentais.

Na opinião de Malta, que assessorou Conceição Tavares quando foi deputada (1995 1998), a economista mantinha em seus livros, aulas e posicionamentos públicos “o compromisso de transformar o Brasil e melhorar a vida dos mais pobres, a quem se referia como aqueles que pagam a conta.”

Influências teóricas

Segundo Maria Malta, Conceição Tavares teve como influências teóricas o pensamento dos brasileiros Celso Furtado e Ignácio Rangel, do britânico John Maynard Keynes, do alemão Karl Marx e do polonês Michal Kalecki, fontes para compor “uma teoria que desse conta do subdesenvolvido brasileiro”, um pensamento “que não está superado.”

Os depoimentos colhidos pela Agência Brasil também recordam da performance de Maria da Conceição Tavares em sala de aula. “O fato de ela ser apaixonada pelos temas de economia fazia com que ela também tivesse atitudes pouco usuais em aula. Quando havia alguém que fazia perguntas que mostravam desconhecimento do que ela estava falando, do que tinha acabado de falar, ela jogava um giz no estudante”, rememora rindo o ex-aluno Pedro Russi, hoje livre-docente do Instituto de Economia da Unicamp.

Na lembrança de Russi, Maria da Conceição Tavares “preparava muito as aulas” e sempre “se preocupava com o que iria lecionar. Ela era brilhante.”

Para a professora Maria Malta, Conceição Tavares assumia uma persona em sala de aula. “Mas no trato pessoal – por exemplo, nos jantares ou nas conversas ela chamava para o escritório que tinha no Leme -, ela era delicada e afetuosa.”

Especialistas apontam vulnerabilidade de áreas costeiras a inundações

As regiões costeiras do Brasil são mais vulneráveis a inundações e deslizamentos, diz o especialista especialista em recursos hídricos Osvaldo Rezende, que é professor da Escola Politécnica da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Segundo Rezende, de forma geral, a região costeira tem uma propensão muito grande a sofrer inundação, desde Macapá, capital do Amapá, até Pelotas, no Rio Grande do Sul.

“Toda a região costeira do Brasil tem uma propensão natural a ter esses alagamentos. São regiões muito planas, o que dificulta o escoamento da água com bacias hidrográficas que drenam rapidamente água para essa região, e logo na frente tem o mar. Então, o mar é um agente que dificulta o escoamento, principalmente nos momentos de maré alta. Recife e Rio de Janeiro são notórios para esse tipo de alagamento, porque são regiões muito baixas e estão muito próximas do nível do mar”, disse o especialista.

O coordenador geral de Operações e Modelagem do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden), Marcelo Seluchi, destaca que deslizamentos de terra preocupam muito em toda a região litorânea ao longo do Brasil por haver concentração de população, topografia em declive e chuvas abundantes. “As regiões litorâneas têm alta vulnerabilidade para deslizamentos de terra.”

“De forma geral, todas as regiões metropolitanas no Brasil têm uma propensão muito alta a sofrer inundação. Se a gente pegar o deslizamento, tem uma região muito propensa, com alto risco, que é a região da Serra do Mar, que pega desde o Espírito Santo, todo o Rio de Janeiro, uma grande parte de Minas Gerais e São Paulo. São áreas que, em todo verão, ocorrem muitos casos de deslizamento”, afirmou Rezende.

Ele explicou que, particularmente, no caso de inundação, o problema torna-se mais acentuado quando se aumenta a urbanização. “[Aí], a gente também intensifica o próprio perigo. Quando tem mais áreas urbanas, menos florestas para reter a água, menos solo permeável, toda essa água escoa mais rápido. Então, tem um perigo maior”, acrescentou o pesquisador.

Marcelo Seluchi destacou que, nas regiões amazônicas, as inundações são muito espalhadas e podem durar meses por serem áreas muito planas. “As bacias dos rios São Francisco, Tocantins, Paraná e Paraguai, são bacias que demoram alguns dias de cheia. Temos microbacias, nas regiões serranas especialmente, por exemplo, a bacia do Rio Quitandinha, em Petrópolis, que transborda em 15 minutos se tem uma chuva muito intensa.”

O coordenador do Cemaden lembra que apenas o Centro-Oeste e parte da Região Norte não sofrem com deslizamentos por terem áreas pouco habitadas e planas.

Pesquisadores apontam desgaste na imagem de militares após ações da PF

Quase 60 anos depois do golpe militar de 1964, militares das Forças Armadas do Brasil se veem na condição de investigados por uma tentativa de golpe de Estado. A corporação está diante de um desgaste de imagem provocado por investigações inéditas e prisões de militares de altas patentes, na avaliação de três pesquisadores ouvidos pela Agência Brasil.

Para esses especialistas, que estudam temas relacionados ao papel das Forças Armadas, a investigação conduzida pela Polícia Federal sobre a tentativa de golpe de Estado e também as prisões autorizadas pelo Judiciário ficarão marcadas na história e passam “recados” para a sociedade no que se refere ao respeito à democracia. 

Nesta semana, veículos de imprensa destacaram os depoimentos à Polícia Federal de ex-comandantes das três Forças que prestaram esclarecimentos como testemunhas da investigação sobre a tentativa de golpe. A PF não comenta investigações em andamento. Outros militares são investigados por eventuais participações nesse episódio e em outros supostos crimes. 

Para a professora Juliana Bigatão, coordenadora do Observatório Brasileiro de Defesa e Forças Armadas da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), as investigações devem gerar impactos na visão dos brasileiros sobre a corporação.  

“É necessário considerar que se trata de um fato inédito esse tipo de investigação, inclusive as prisões preventivas de membros das Forças Armadas. O Brasil não tem uma tradição de investigar e punir os militares por crimes contra a democracia”, afirma.

Na avaliação do professor João Roberto Martins Filho, da Universidade Federal de São Carlos (Ufscar), o ineditismo do julgamento de militares pela Justiça civil se diferencia de outro momento histórico, logo depois do golpe militar de 1964, quando houve prisões e demissões de mais de 6 mil militares. 

“Naquele episódio, esses militares, que tiveram posição contrária ao golpe, foram investigados e julgados pelos próprios militares, via IPM (Inquérito Policial Militar)”.

Ele destaca que a investigação de generais do Exército (a mais alta patente da Força) coloca o atual episódio em outro patamar.

Justiça

Integrante do Grupo de Estudos em Defesa e Segurança Internacional (Gedes), a professora Ana Amélia Penido destaca que são muito raros os casos em que oficiais com a patentes de general são condenados, mesmo na justiça militar. “Em geral, a justiça ‘funciona’ para as baixas patentes”, considera a professora da Universidade Estadual de São Paulo (Unesp).

Ela entende que a investigação passa uma “mensagem” para a sociedade de que supostos crimes cometidos por militares devem ser objetos de investigação, assim como acontece com civis. 

Para Juliana, da Unifesp, é muito importante que as investigações tenham ampla divulgação e é ainda mais fundamental a existência de “desfechos” dos processos para que não exista sensação de impunidade. Os especialistas recordam que, por conta da Lei de Anistia (1979), nenhum membro das Forças Armadas respondeu por crimes no período da ditadura. 

Imagem

Para os pesquisadores ouvidos pela Agência Brasil, ainda é cedo para se ter uma exata dimensão do impacto desses episódios na imagem das Forças Armadas.

“Historicamente, os militares são bem quistos pela população. Não pelas atribuições militares que eles têm, mas pelas atividades civis que eles acabam desempenhando”, afirma Ana Amélia. 

Ela recorda que os militares brasileiros ficaram bastante conhecidos por atividades como transportes de cesta básica e por outros serviços como garantir água para áreas de difícil acesso. Ela entende, porém, que os ataques antidemocráticos de 8 de janeiro de 2023 têm feito com que a opinião favorável venha caindo. 

O professor João Roberto Martins Filho entende que as Forças passam por uma crise de imagem e os atuais comandantes têm demonstrado intenção de que os últimos episódios sejam superados. “Houve os oficiais generais legalistas que ajudaram a evitar um golpe”. 

Com a deflagração da Operação Tempus Veritatis, no dia 8 de fevereiro, o Exército informou que estava acompanhando a Polícia Federal e que prestaria todas as informações necessárias para a investigação.

“Esse posicionamento foi adequado dentro de uma democracia”, afirmou Juliana Bigatão. Ela lembra que o Exército exonerou de cargos de comando militares que foram alvos da operação da Polícia Federal. “Os representantes dos altos escalões das Forças Armadas estão colaborando ou adotando uma posição de que se investigue o que foi feito. É uma sinalização muito importante e é a atitude esperada dentro de um regime democrático”, considerou.

Para Ana Amélia, os militares que resistiram ao dia 8 de janeiro e à suposta tentativa de um golpe de Estado tiveram postura institucional. “Eu acho que a gente precisa encontrar medidas para arejar a caserna. Para tornar o quartel mais parecido com o que acontece com a sociedade.”

Riscos da politização

A raiz do problema, na avaliação de Juliana, esteve na politização das Forças Armadas durante o governo de Jair Bolsonaro. “Tinham mais militares em postos governamentais do que na época do próprio regime militar”, recorda.  

Já Ana Penido defende a necessidade de mudança no cenário de isolamento dos militares nos quartéis. Para ela, é necessária integração dos mundos civil e militar tanto na formação militar quanto no setor de inteligência, da justiça e também do orçamento. Ela explica que a politização não foi um episódio especificamente brasileiro. 

“Em outros países também costuma acontecer esse grau de politização em operações, em tropas mais vinculadas a operações especiais. Não é uma novidade”. 

Para o professor João Roberto Martins Filho, um exemplo importante é o da Alemanha que não admite vinculação das Forças Armadas a partidos políticos, como ocorreu em período nazista. “Hoje, lá, as Forças são mais abertas culturalmente e democráticas”.

Consultado pela reportagem, o Ministério da Defesa não respondeu aos pedidos de comentários sobre as avaliações dos pesquisadores a respeito do momento de desgaste de imagem das Forças Armadas.  

Professores de SP apontam importância de combate à dengue nas escolas

Nesta quinta-feira (15), começa o ano letivo para 3 milhões de alunos da rede estadual de ensino em São Paulo, em mais de 5 mil escolas. No entanto, segundo o Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo (Apeoesp), mesmo com o aumento do número de casos de dengue, os professores não receberam orientação específica sobre a doença.

Questionado sobre ações de prevenção à dengue o governo do estado não informou medidas a serem implementadas nas unidades na volta às aulas.

A segunda presidenta da entidade Maria Izabel Azevedo Noronha diz que o sindicato vai trabalhar na perspectiva de cobrar. “Vou fazer um requerimento para o governador, a Secretaria da Saúde, para que lance essa campanha educativa e também a devida fiscalização nas escolas, porque as escolas não têm condições, tem muita água parada. Fora a questão de saúde pública, também tem o abandono das escolas, que deixa muito mato, muito buraco”.

Além de levantar os casos de dengue na categoria, ela afirma que o sindicato vai atuar para que a escola seja um polo de combate à dengue. “O professor pode trabalhar com a [orientação da] população, nós somos agentes multiplicadores”, acrescentou.

Melhor forma de combater a dengue é impedir a reprodução do mosquito – Arte/EBC

Mortes

O governo do estado confirmou a morte de 11 pessoas pela doença apenas neste ano e outras 16 estão em investigação.

Os casos prováveis de dengue em São Paulo desde o início de 2024 mais que triplicou, de acordo com painel de monitoramento de arboviroses do Ministério da Saúde. Neste ano, o estado já registra 85.661 casos prováveis da doença, enquanto, no mesmo período do ano passado, eram 27.689. Os casos prováveis são aqueles notificados, excluindo os casos descartados.

Aumento nas internações

Pesquisa divulgada na sexta-feira (9) pelo Sindicato dos Hospitais, Clínicas e Laboratórios do Estado de São Paulo (SindHosp) mostrou que 80% dos hospitais privados do estado de São Paulo registraram aumento nas internações por dengue.

A pesquisa ouviu 91 hospitais privados paulistas entre os dias 29 de janeiro e 7 de fevereiro e constatou ainda que a maior parte dos pacientes internados com dengue está na faixa etária entre 30 e 50 anos.

Artistas apontam uso indevido de obras visuais em desfile da Portela

 

Dois artistas visuais usaram as redes sociais nesta quarta-feira de cinzas (14) para apontar que a escola de samba Portela usou obras criadas por eles sem a devida autorização. A azul e branca de Madureira, bairro do subúrbio do Rio, levou para o sambódromo da Marques de Sapucaí o enredo “Um defeito de cor”, baseado no livro homônimo de Ana Maria Gonçalves.

No romance, Kehinde, mulher escravizada na África, que viveu boa parte da vida no Brasil, procura um filho perdido, que seria Luiz Gama, abolicionista, jornalista, poeta e advogado brasileiro.  

O artista visual Tiago Sant’Ana fez uma publicação no Instagram  em que afirma ter sido surpreendido ao notar uma escultura semelhante ao seu trabalho “Fluxo e refluxo (barco de açúcar)”. 

“Não pude deixar de observar, com surpresa, num dos tripés da escola de samba, uma composição escultórica semelhante ao meu trabalho. Não há nenhum registro formal por parte da escola de se tratar de uma citação/referência/inspiração à minha obra”, escreveu.

Publicação do artista Tiago Sant’Ana. Foto:  Tiago Sant’Ana/Instagram

“Nem mesmo no livro Abre Alas, publicação onde os carnavalescos descrevem as suas concepções para os desfiles, há qualquer menção”, complementa.

Sant’Ana lembra ainda que o trabalho artístico em questão fez parte de uma exposição de fantasias da Portela exposta no Museu de Arte do Rio (MAR). O artista afirma na publicação que o trabalho “Fluxo e refluxo (barco de açúcar)” foi criado em dezembro de 2020 e executado em 2021, no ateliê dele, em Salvador, para a exposição “Irmãos de barco”.

Ele detalha que para criar a obra optou por “um fundo em um azul profundo e denso que desse conta do sentimento de monotonia e de incerteza de uma travessia atlântica forçada e violenta”.

“Ao centro, a figura, se vê o equilíbrio na cabeça de um homem um barco branco composto de açúcar (material que possui em sua composição uma força narrativa para tratar das mazelas raciais na diáspora africana) e em sua base um torso feito em tecido também branco com renda (muito utilizado nas comunidades de terreiro)”, completa a descrição.

Ao fim da publicação, Sant’Ana justifica o registro: “A missão de uma pessoa artista perpassa muitas vezes também pelo ato de registrar e salvaguardar memórias. Se você não dá nome as coisas, darão por você”.

“Mãe”

A fantasia com a Obra Mãe, do artista Emerson Rocha. Foto- de.saturno/Instagram

O artista Emerson Rocha também publicou uma série de stories no Instagram  em que conta ter ficado sabendo por terceiros que a obra dele, “Mãe”, estava sendo utilizada pela Portela.

“Num certo dia do ano passado eu fui surpreendido com diversas menções e muitas mensagens sobre como a fantasia da Portela com a minha arte era bonita e imponente. Que fantasia e que arte? Foi aí que descobri que estavam em exposição, no Museu de Arte do Rio, algumas fantasias do desfile da Portela que viria acontecer no ano seguinte”, lembra.

“Até então eu não tinha recebido qualquer contato da escola acerca da permissão de uso da arte, sobre os trâmites de direito autoral etc.”, pontua.

Emerson conta que, tempos depois, um dos carnavalescos da escola entrou em contato apenas o notificando de que o trabalho estava sendo usado em uma fantasia e que poderia, eventualmente, ser utilizado em uma alegoria também.

O artista diz ainda que recebeu a promessa de receber convites para participar do desfile, mas que só os recebeu na segunda-feira de carnaval (12), uma hora antes do início da apresentação.

“Não compareci ao desfile e fiquei extremamente chateado com a escola, com os carnavalescos e com a forma que fui tratado”, desabafa. “Foram desrespeitosos comigo e com minha arte”.

A despeito da insatisfação, Emerson Rocha elogiou o desfile da escola. “Foi muito, muito bonito. Enredo forte, fantasias bonitas e bem acabadas”.

“Pena que algo tão grandioso e importante vai ser relembrado por mim como um dos dias em que eu me senti mais desrespeitado como um artista preto contemporâneo e independente”, lamenta.

“Defendendo minha arte como uma mãe defende um filho”, finaliza.

Portela

A Agência Brasil pediu à Portela comentários sobre as publicações dos artistas, mas não recebeu resposta até a publicação da reportagem.

Pela rede social X (antigo Twitter), um dos carnavalescos da azul e branca, André Rodrigues, comentou sobre o uso de obras de Emerson Rocha. “Ele está coberto de razão. Desde o lançamento da primeira roupa que tinha sua arte, combinamos sobre sua participação no desfile. Houve falhas de comunicação e não conseguimos dar conta de todas, inclusive essa. Enviamos um pedido de desculpa e uma mensagem procurando de que maneira ele se sentiria mais confortável para afagar esse desencontro”.

O carnavalesco acredita que a possível classificação para o Desfile das Campeãs no próximo sábado (17), quando as seis escolas mais bem colocadas voltam à Marquês de Sapucaí, pode ser uma forma de reparar a falha. “Esperamos voltar nas campeãs para que ele e outros agentes importantes para o desfile possam se divertir e gozar deste momento. Ninguém merece ficar de fora”.

André acrescenta que aderecistas da agremiação também tiveram problemas para receber os convites para o desfile da segunda-feira passada. “Respeitamos e admiramos o trabalho de todos e ficamos tristes pela correria dos últimos dias não nos permitir solucionar todos os problemas”.

Rodrigues acrescentou que a escola tem o plano de publicar na internet “o projeto com todas as referências, inclusive para demonstrar como funciona o processamento de informações para se transformar em imagem de carnaval”, termina.

Ataques do 8/1 revelaram ódio ao STF, apontam especialistas

Duas virtudes, entre muitas que um jornalista deve ter, são curiosidade e iniciativa. Foram eles que motivaram o repórter da Agência Brasil Alex Rodrigues. Ele interrompeu sua folga de domingo – por vontade própria, sem ter recebido ordem – para saber o que se passava na Esplanada dos Ministérios no dia 8 de janeiro de 2023.

Após ter visto pela televisão as cenas de invasão e destruição do Congresso Nacional, do Palácio do Planalto e do Supremo Tribunal Federal, o repórter suspendeu seu descanso, pegou sua caderneta de anotações, uma caneta, o crachá e dois celulares, e se deslocou para a Praça dos Três Poderes.

Rodrigues conseguiu acessar o local por uma escada do anexo do STF em momento que a polícia já havia expulsado os vândalos de dentro da sede da Suprema Corte, mas ainda tinha de atuar contra os que permaneciam nas cercanias do prédio. Essas pessoas atacavam os policiais, mas quando o batalhão avançava e ameaçava disparar, os manifestantes radicais se ajoelhavam com os braços estendidos fazendo orações ou cantando o hino nacional.

Após os guardas anunciarem que atirariam se as pessoas não seguissem recuando, Rodrigues, que estava próximo aos manifestantes, se identificou como repórter para não ser alvejado, gritando e mostrando seu crachá de jornalista. Ao dizer que trabalhava para a imprensa, um bolsonarista tentou tomar sua identificação.

O que jornalista da Agência Brasil reteve na memória daquele instante foi que seu agressor parecia não compreender o que estava fazendo, não o ouvia. “Eu falava com ele e ele não olhava para mim. A impressão é que ele não estava entendendo o que estava acontecendo ali”, descreve Rodrigues, que também é psicólogo. “Me chamou atenção uma certa raiva, um ódio, diferente do que estávamos acostumados a ver.”

O repórter Alex Rodrigues foi o primeiro jornalista a entrar no STF após a retirada dos vândalos – Alex Rodrigues/Agência Brasil

Depois de resgatar o crachá, o repórter foi para trás da barreira policial e se dirigiu à sede do STF. Ele foi o primeiro jornalista a entrar no prédio, tirar fotos e fazer imagens da destruição deixada. O ar cheirava a gás lacrimogênio e o chão estava encharcado. “Saí de lá com o tênis todo molhado”, recorda-se.

>> Ouça o podcast Histórias em pauta: grades de janeiro

Alvo prioritário

A destruição do STF, cujo prédio é menor que o do Palácio do Planalto e o Congresso Nacional, causou mais prejuízo aos cofres públicos. Conforme o relatório da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) dos Atos do Dia 8 de janeiro de 2023, os danos ao prédio do Supremo, incluindo equipamentos, mobiliário, obras de arte, relíquias e outros objetos, custaram R$ 11,41 milhões – bem acima do verificado no Senado Federal (R$ 3,5 milhões), na Câmara dos Deputados (R$ 3,55 milhões) e no Palácio do Planalto (R$ 4,3 milhões).

Ao pensar no estrago que presenciou no Supremo Tribunal Federal e do que, posteriormente, soube do acontecido no Planalto e no Congresso, Alex Rodrigues assinala que havia “ódio indiscriminado contra todos os Poderes.” Ele pondera, no entanto, que “o STF era, naquele momento, um alvo prioritário”. Em sua análise, os manifestantes viam o Supremo como legitimador da vitória do PT. “Para eles, foi quem permitiu essa situação, anulando as condenações de Lula e não invalidando os resultados das urnas.”

Para o também jornalista Felipe Recondo – diretor de conteúdo do portal Jota (especializado no Poder Judiciário), autor e coautor de três livros sobre o STF – os ataques dirigidos à Corte têm lastro nos quatro anos de confrontações provocadas pelo ex-presidente Jair Bolsonaro. “Ele construiu uma retórica que muita gente repetia, de que o Supremo não deixava o seu projeto de governo seguir. Acho que isso ficou galvanizado na cabeça das pessoas, e explica tamanho ódio que expunham.”

Recondo pontua que os embates entre o Poder Executivo e o Poder Judiciário não aconteceram apenas no Brasil. “Não me parece que seja uma novidade só do Brasil. Muito pelo contrário, né? A gente vê esses exemplos em outros países do mundo que passam por esse fenômeno do populismo autoritário”, disse tendo em mente casos recentes de Israel e do México.

Avaliação do jornalista Felipe Recondo é de que os discursos do então presidente Jair Bolsonaro ao longo do seu mandato convergiram para a destruição do prédio do Supremo. – Marcelo Camargo/Agência Brasil

“Pílulas envenenadas”

De acordo com Recondo, cientistas sociais no México descrevem que chefes de governo “oferecem pílulas envenenadas às cortes supremas” em medidas, decretos e leis “escancaradamente inconstitucionais”, já tendo certeza de que a reação será negativa. “Isso cria um antagonismo evidente. E os apoiadores desse presidente, geralmente popular, passam a olhar o a corte suprema do seu país como inimigo.”

Por vezes, “a inação” do presidente da República também provocava o Poder Judiciário como aconteceu no Brasil. “O Supremo se via obrigado a agir e, com isso, angariava as críticas de parte da sociedade, dos apoiadores do presidente Bolsonaro”, descreve Recondo. Ele se referiu, por exemplo, à determinação de vacinação compulsória contra a covid-19 (dezembro de 2020) e à ordem para realizar o censo demográfico (maio de 2021).

Apesar dos embates com Bolsonaro, que culminaram nos ataques de 8 de janeiro, Recondo pontua que “foi a primeira vez na história que o tribunal se manteve de pé diante de uma crise com o Executivo”.

Histórico de embates

Em outros momentos, a Corte sofreu reveses. Como aconteceu, em 1892, quando o STF, após ameaças do “Marechal de Ferro”, recusou a concessão de habeas corpus de detidos durante estado de sítio; e durante a vigência do Estado Novo (1937-1945) e da ditadura militar (1964-1985), quando ministros foram cassados pelos regimes de exceção.

O jornalista aponta que, apesar da vitória institucional, “o STF vai ter que trabalhar para recompor sua imagem, sua legitimidade e tentar convencer essa parcela da sociedade de que não é aquele Supremo que foi pintado pelo bolsonarismo.”

Crimes graves

O desafio se coloca quando o STF tem pela frente a continuação dos julgamentos de pessoas envolvidas no 8 de janeiro. Para o cientista político Antônio Lavareda, o STF deve fazer punição rigorosa. “Tem condições, sim, e deve fazê-lo sob pena e risco de se apequenar dentro de conjunturas políticas. O Supremo tem de cumprir o seu papel. Ele é o guardião final da Constituição. Esses crimes são extremamente graves e contra a natureza da Nova República.”

Para Lavareda, há cinco categorias de responsáveis pelo 8 de janeiro. “Primeiro são os autores materiais dos atentados. Aqueles milhares de personagens que invadiram a Praça dos Três Poderes. Em segundo lugar, obviamente, os promotores e organizadores daqueles atos.” Ou seja, propagandistas pelas redes sociais e quem concebeu e planejou os ataques. “Aquilo teve uma lógica, não foram manifestações espontâneas”, ressalta.

Em terceiro lugar, Lavareda aponta para quem custeou os ataques. “Os financiadores são, em geral, empresários. Pessoas que investiram dinheiro e participaram desse projeto.” O cientista político ainda assinala a necessidade de punir “aqueles elementos que foram uma espécie de garantidores, gente que forneceu infraestrutura e suporte para quem estava na frente dos quartéis. Nesse contingente há muitos militares reformados e muitos militares dentro dos quartéis.”

Por fim, ele espera que o julgamento atinja “o autor intelectual dos atentados”. Segundo ele, para isso, “não precisa fazer aquela apresentação em PowerPoint do [Deltan] Dallagnol, né? Basta uma seta apontando para o Bolsonaro”, opina.

Unidade institucional

Para o jornalista Felipe Recondo, episódio de 8/1/23 uniu os ministros da Corte como pouco havia se visto. Eles deixaram suas diferenças de lado para responder a ameaça sofrida. Foto: Jose Cruz/Agência Brasil

“Os responsáveis devem ser punidos de forma exemplar. A punição não tem só o efeito de reparação. Aos olhos da sociedade, esse é o efeito principal dela, é o efeito dissuasório. É desestimular que atos semelhantes venham ocorrer no futuro”, pontua.

Conforme noticiou a Agência Brasil, o ministro do STF, Alexandre de Moraes, relator das investigações do 8 de janeiro, assegurou que haverá punição para todas as categorias de envolvidos.

“Todos, absolutamente todos aqueles que pactuaram covardemente com a quebra da democracia e a tentativa de instalação de um Estado de exceção, serão devidamente investigados, processados e responsabilizados na medida de suas culpabilidades”, garantiu em discurso ontem (8), durante o ato em defesa da democracia, no Congresso Nacional.

Felipe Recondo acredita que haverá condenação e castigo no inquérito sobre o 8 de janeiro. “A questão pra mim é só tempo.” Ele acredita que o Supremo terá “instrumento total”, inclusive para chegar à classe política.

O jornalista ainda sublinha que os ataques de Jair Bolsonaro contra a Corte e a Constituição durante todo o mandato, bem como os incidentes do 8 de janeiro, tiveram por efeito colateral unir os ministros do STF, sempre apontados como onze ilhas isoladas de decisão.

“Isso refluiu bastante e os ministros passaram inclusive a conversar sobre reações institucionais. Fizeram reuniões formais e informais pra saber como reagiriam aquelas ameaças e mantiveram, durante esses quatro anos, uma unidade institucional que a gente pouco viu no passado”, revela o jornalista que cobre o STF “diuturnamente há 18 anos.”

Especialistas apontam intenções por trás da tentativa de golpe em 8/1

A Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) que investigou os ataques antidemocráticos de 8 de janeiro aprovou em outubro de 2023 o relatório final da senadora Eliziane Gama (PSD-MA). O documento pediu o indiciamento de 61 pessoas por crimes como associação criminosa, violência política, abolição do Estado Democrático de Direito e golpe de Estado. Entre elas, o ex-presidente Jair Bolsonaro e ex-ministros como Walter Braga Neto, da Defesa, Augusto Heleno, do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), e Anderson Torres, da Justiça.

Senadora Eliziane Gama durante leitura do relatório final da CPMI do Golpe. Foto Lula Marques/ Agência Brasil – Lula Marques/ Agência Brasil

Para a senadora Eliziane Gama, o ex-presidente Jair Messias Bolsonaro, “foi autor intelectual e moral” dos ataques perpetrados contra as instituições que culminaram no dia da intentona da extrema direita. Conforme a parlamentar apresenta nas conclusões do relatório da CPMI, o ex-mandatário “usou seus seguidores” para tentar “escapar aos próprios crimes”.

A intenção de Bolsonaro seria estimular “uma insurreição que deixasse os poderes constituídos de joelhos; uma rebelião que enfraquecesse o governo que apenas começava e que espalhasse o caos; um processo anárquico que disseminasse o medo e que inspirasse, aos setores mais moderados da sociedade, o desejo de contemporização. Seria este o caminho da anistia e da reabilitação popular: produzir a desordem, para vender a conciliação, ao preço dos indultos e das graças constitucionais.”

Gama avalia, no texto aprovado pela comissão, que do ponto de vista dos terroristas “a invasão e a depredação dos prédios públicos seriam apenas o estopim. A anarquia se espalharia. O Brasil se contagiaria. A República cairia”.

Avaliações de acadêmicos e pesquisadores de diferentes formações ouvidos pela Agência Brasil apontam nuances às razões descritas pela CPMI para o conluio e o ataque contra a democracia.

Para Tales Ab´Sáber, psicólogo, escritor, cineasta e professor de filosofia da psicanálise no curso de Filosofia da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), o 8 de janeiro “foi uma insurgência de extrema direita que contava com conexão mágica e imaginária com as Forças Armadas, que viriam salvar o Brasil”.

Tales Ab´Saber, professor de Filosofia da Psicanálise no curso de Filosofia da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). USP Pensa Brasil/Divulgação

Segundo ele, o Exército mantém um “comportamento ambíguo” em relação aos apelos antidemocráticos e é visto por parte da sociedade como “uma força que pode intervir no caos brasileiro.”

Os apelos autoritários têm lastro histórico e estão registrados nas manifestações nas redes sociais de 2015 e 2016, antes do impeachment de Dilma Rousseff, quando “essa extrema direita estava radicalizando na internet e já propunha a queda de Brasília e intervenção do Exército”.

As manifestações golpistas nas redes sociais são parte do material recolhido para a produção do documentário “Intervenção – Amor não quer dizer grande coisa”, dirigido por Ab’Saber, Rubens Rewald e Gustavo Aranda. O filme disponível na internet foi exibido na mostra paralela da 50ª edição Festival de Brasília do Cinema Brasileiro (2017).

Golpe de vista

O antropólogo Piero Leirner, professor titular da Universidade Federal de São Carlos e estudioso de questões militares, guerra e Estado, considera que além do autoritarismo de parte da sociedade registrada em filme e das intenções do ex-presidente apontadas na CPMI, havia mais interesses em jogo.

Segundo Leiner, os militares forneceram água, luz, banheiro e segurança no acampamento dos bolsonaristas diante do Quartel General do Exército em Brasília e “estavam totalmente conscientes do que acontecia ali.”  O professor lembra: “eles não permitiram desmobilizar o acampamento”.

Antropólogo Piero Leirner, professor titular da Universidade Federal de São Carlos e estudioso de questões militares, guerra e Estado. Piero Leiner/Arquivo Pessoal

Na opinião do especialista, os militares fizeram “um de golpe de vista” e, tendo como “roteiro” o que havia acontecido no levante contra o Capitólio em Washington (Estados Unidos) em 6 de janeiro de 2021, “produziram uma espécie de ilusão golpista”.

A quimera da insurreição foi funcional aos militares para “entrar no novo governo, numa posição de vantagem” e manter sob seu controle áreas de interesse, como a Secretaria de Segurança Institucional, a circulação nas fronteiras, portos e aeroportos – como inclusive estabelece a missão de Garantia da Lei e da Ordem (GLO), desde novembro de 2023, para os aeroportos e portos do Rio de Janeiro e São Paulo.

Thiago Trindade, professor adjunto e atual vice-diretor do Instituto de Ciência Política da Universidade de Brasília, concorda com o diagnóstico de Piero Leirner quanto à leniência com o acampamento ilegal diante do Quartel General de Brasília e quanto ao posicionamento dos militares para defender interesses estratégicos.

O cientista político, no entanto, pondera que há uma distinção fundamental entre o 6 de janeiro em Washington (EUA) e o 8 de janeiro em Brasília. “A grande diferença é justamente a participação dos militares no Brasil.”

Para Trindade, o “evento” em nossa capital federal funcionou como “uma espécie de advertência. Uma espécie de um aviso dizendo o seguinte, ‘olha as regras do jogo agora mudaram’. Não é mais aquela disputa que estava colocado ali na lógica PT e PSDB. A briga passou a ser com a extrema direita”.

Democracia

Colega de Thiago Trindade no Instituto de Ciência Política da UnB, o professor Lucio Rennó descreve que “o 8 de janeiro é o ponto mais alto de um processo continuado de crise da democracia no Brasil. De mudança das expectativas da população sobre o funcionamento do regime democrático”.

Rennó acredita que a polarização é elemento do processo de crise com a democracia, com a qual se constroem visões de mundo autoritárias que dificultam o diálogo e a convivência entre antagonistas. “Existe um clima de que há pessoas certas na política e pessoas erradas, e as pessoas [supostamente] erradas precisam ser combatidas.”

Esse seria o caso do “núcleo duro do bolsonarismo que é a favor de golpe, da derrubada do regime democrático”. Conforme o professor, “essa parcela é a que foi às ruas de forma violenta no 8 de janeiro.”

Lucio Remuzat Rennó Junior, professor do Instituto de Ciência Política da Universidade de Brasília. UNB/Divulgação

Para o acadêmico que observa o comportamento da opinião pública no Brasil desde 2018, o ex-presidente Jair Bolsonaro soube aproveitar os sentimentos de frustração com a democracia e propor “uma agenda também conservadora de costumes, liberal economicamente – muito alinhada com movimentos de outras partes do mundo.”

A pauta liberal – neoliberal ou ultraliberal segundo cientistas sociais e economistas – encampada pela extrema direita no Brasil e outros países, mobiliza setores da opinião pública e de atividade empresarial em favor de medidas de ajuste econômico.

Em alguns casos de reforma econômica – aquelas que causam recessão, desemprego, diminuição de renda e redução de direitos trabalhistas – pode haver polarização política entre defensores das medidas e seus contestadores. Acirrado, o antagonismo político leva à perda de garantias civis e individuais.

A polarização política no Brasil, que culminou no 8 de janeiro, não resultou na interrupção do regime democrático ou situação política que favorecesse a adoção de política econômica recessiva com controle da oposição. Mas os setores econômicos que repelem a fiscalização do trabalho, a proteção ambiental e os direitos de minorias (como os indígenas) – além daqueles que atuaram por isenções tributárias específicas – se beneficiaram durante o governo Bolsonaro.

A lembrança é do economista André Roncaglia, professor Unifesp, que evita “fazer generalizações”, porque os grupos econômicos no Brasil “são bastante heterogêneos.” Ele afirma, todavia, que “é indiscutível que um endurecimento do regime, um processo de autocratização do governo Bolsonaro beneficiaria alguns grupos.”

“Quando o Estado atua de maneira democrática, ou seja, com seus órgãos de fiscalização atuantes, identificando as atividades que são contrárias à Constituição e contrárias à legislação, é evidente que esses setores eles têm menos chance de prosperar”, sentencia o economista.

Não há garantia histórica de que os regimes democráticos são mais exitosos no crescimento econômico e no desenvolvimento social. Roncaglia pondera que no caso do Ocidente, “os países evidentemente que tem um desempenho [econômico] melhor, e que conseguem sustentar um ritmo de desenvolvimento mais sustentável estão em média associados a arranjos democráticos em que o povo, as pessoas, conseguem expressar as suas vontades.”

Os empresários financiadores, alguns que têm o nome listado no relatório da CPMI de 8 de janeiro, devem ser punidos assim como os mentores, instigadores e executores do atentado como conclui o documento. O texto aprovado da senadora Eliziane Gama também traz recomendações de mudança na lei para “a correção das falhas de Estado que permitiram que o 8 de janeiro ocorresse ou que dificultaram esta investigação”.

Por fim, a relatora assinala a necessidade de todos os brasileiros refletirem sobre a atuação da extrema direita, a intentona bolsonarista e a necessidade de pôr fim do golpismo contra a democracia. “É antes um convite para que a sociedade brasileira, em cada um dos seus mais diversos segmentos, aprofunde o estudo das causas que tornaram o 8 de janeiro possível, e que proponha as soluções para que este ciclo seja encerrado”.