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COP29: organizações sociais apontam falhas em regras de financiamento

A gestão dos riscos climáticos e socioambientais nos financiamentos de projetos no Brasil foi tema de debate na 29ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP29), em Baku, no Azerbaijão. Durante um painel realizado na programação oficial, organizações sociais defenderam o alinhamento das regras para todo sistema financeiro, de forma que o acesso ao capital e aos seguros seja restrito às iniciativas comprometidas com a sustentabilidade.

“Quando se pensa em mudanças climáticas, eu afirmo sem medo de errar que o sistema financia muito mais o agravamento que a mitigação e a adaptação”, afirma Luciane Moessa, diretora executiva e técnica da Associação Soluções Inclusivas Sustentáveis.

A especialista foi a responsável por apresentar a proposta de alinhamento das regras para acesso aos recursos do mercado de capital, seguros e até mesmo das demais operações de crédito, ao modelo adotado pelo país na concessão de crédito rural. Para Luciene, esse modelo traz vantagens como a definição clara sobre as transações que precisam passar por avaliação de risco socioambiental e climático, maior transparência na base de dados alimentada por órgãos públicos, além de definir sanções para o descumprimento das regras.

De acordo com o chefe do Departamento de Crédito Rural do Banco Central do Brasil, Claudio Filgueiras, uma base de dados completa associada a um sistema de monitoramento dos imóveis rurais, permite um conhecimento amplo dos imóveis rurais candidatos a receberem crédito. Segundo o gestor, somente em 2024 mais de US$1 bilhão em financiamento foram bloqueados em razão de terem sido encontradas irregularidades sociais ou ambientais.

A ideia é que o modelo alcance reguladores financeiros distintos, servido como norma tanto para o Banco Central, que é o regulador bancário; quanto para a Comissão de Valores Mobiliários, que regula o mercado de capitais; a Superintendência de Seguros Privados, reguladora de seguros e previdência complementar aberta; até a Superintendência Nacional de Previdência Complementar, reguladora de entidades de previdência complementar fechada.

Para o diretor adjunto do Instituto Democracia e Sustentabilidade, Marcos Woortmann as normas atuais, com exceção do crédito rural, deixam muitas brechas para que a avaliação dos riscos climáticos e socioambientais seja efetiva, já que não há definição sobre periodicidade, forma e abrangência do monitoramento, nem como os riscos identificados podem ser mitigados. Também não há uma definição sobre em que casos o crédito, investimento ou seguro deve claramente ser negado.

“Atualmente uma empresa ou produtor rural que tem negado acesso a capital ou seguros por razões socioambientais ou climáticas pode buscar outro caminho no próprio setor financeiro, devido à falta de alinhamento existente”, explica Woortmann.

A secretária nacional de mudanças do Clima, do Ministério do Meio Ambiente, Ana Toni, considerou produtiva a proximidade do setor financeiro com a área ambiental. A gestora ressaltou ainda que a definição de instrumentos que reforcem o acesso urgente aos recursos necessários para enfrentar as mudanças climáticas também é parte das negociações sobre financiamento que pautam esta COP29.

Herdeiros de Bernadete e pesquisadores apontam prioridades para negros

Ativistas e pesquisadores entendem que há um longo caminho para enfrentar o racismo estrutural e todos os tipos de violência a que são submetidas as pessoas negras no país, que formam a maior parte da população brasileira (45,3% pessoas pardas, e 10,2% pretas).

Entrevistados pela Agência Brasil valorizam o fato do dia 20 de novembro tornar-se feriado nacional, mas também elencam prioridades que podem ser caminhos de enfrentamento contra as desigualdades e violações de direitos, que devem ir além de uma data.   

Uma das lideranças jovens brasileiras é Wellington Pacífico, de 23 anos, um dos representantes da comunidade quilombola de Pitanga dos Palmares, em Simões Filho (BA). Ele sofreu nos últimos anos com os assassinatos do pai (Flávio Pacífico, de 36 anos, em 2017) e da avó (Maria Bernadete Pacífico, de 72 anos, em 2023), que lutavam por políticas públicas e pelos direitos das 2.638 pessoas de 598 famílias que formam a comunidade. 

Casa da Mãe Bernadete, liderança do Quilombo Pitanga dos Palmares, assassinada na Bahia. Foto – Janaína Neri.

Wellington entende que uma prioridade importante deveria ser efetivada pelo caminho da educação. “A prioridade da população negra no país é trabalhar para o avanço da Lei 10.639 (que tornou, em 2003,  obrigatória a temática da história e cultura afro-brasileira nas escolas), para que a gente possa ver em cada sala de aula do Brasil essa lei funcionando e os alunos possam construir sua identidade a partir de ancestrais”, defendeu. 

Ele entende que é necessário divulgar que os antepassados foram pessoas que lutaram contra a escravidão. “A gente tem que abrir caminho para a construção da identidade de cada jovem preto que habita esse País”, afirmou Wellington.

O rapaz explica que a maioria dos jovens pretos não herdou privilégios, mas sim uma luta que é contínua. “A gente herdou uma herança de desigualdade e de violência, na qual esse racismo estrutural coloca a gente, como os dominados”. Por isso, ele entende que é necessário responsabilidade de contribuir para a luta. “Nosso objetivo não é esperar. Essa prerrogativa é dos privilegiados (…) A população preta, jovem, tem que pensar e agir”. 

Outro herdeiro da luta de mãe Bernadete é o filho dela, Jurandir Pacífico, de 44 anos, também liderança da comunidade quilombola. Atualmente, ele está sob programa de proteção do Estado brasileiro em função das ameaças que recebe. 

Jurandir Pacífico, filho da Maria Bernadete, líder quilombola assassinada na Bahia. Foto: Arquivo pessoal/Divulgação 

Ele diz que os desafios do momento incluem o enfrentamento ao racismo estrutural, à desigualdade econômica, à violência policial e à falta de representatividade negra em espaços de poder. Por isso, ele defende que são necessárias ações e políticas públicas efetivas. “É importante lembrar que a luta pela igualdade racial é contínua e exige esforços conjuntos de todos os setores da sociedade. O legado continua”, afirmou. 

Colocada à margem

O professor Ivanir dos Santos, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), reitera que a maior parte da população negra não é tratada como cidadã e foi colocada à margem da sociedade, com menos acesso à saúde e educação, além de mais exposta às violências, inclusive policiais. 

“As instituições brasileiras ainda têm uma visão colonial e imperial na compreensão da participação e do direito dessa população. Isso tem que ser tratado de forma ainda muito séria e de uma forma muito forte no Brasil”, avalia o pesquisador em direitos humanos, racismo e intolerância religiosa. 

O professor acredita que houve conquistas nos últimos anos graças também à participação de representantes do movimento negro na Constituição de 1988. “O movimento negro teve um papel fundamental ao incluir o racismo como crime inafiançável”. Ele recorda ainda que os ativistas, em 1995, levaram ao governo federal uma pauta de reivindicações que acabaram tendo como consequências as primeiras políticas de ação afirmativa, e também nos anos 2000, com as cotas e avanços na educação. 

“O que se observa é que há sempre uma engenharia racista que acaba burlando ou desqualificando esses direitos. Mas, nós vamos ter pela primeira vez esse ano o dia 20 como feriado nacional, que é uma vitória importante. Zumbi é o primeiro heroi construído de baixo para cima no Brasil”, avalia o professor Ivanir dos Santos, que é Babalawô, sacerdote de religião de matriz africana. 

Representatividade

Outra pesquisadora, a professora Waldicéia de Moraes Teixeira da Silva, que é pastora evangélica Wall Moraes, em Brasília, também valorizou a data do 20 de novembro como feriado nacional. Ela diz que a tentativa de golpe de 8 de janeiro de 2023 levantou um alerta para ativistas políticas sociais do movimento social negro do Brasil: ir além de conquistar políticas públicas por decretos, leis e portarias, mas também criar condições para efetivamente para aumentar a representatividade política. 

Ela lamenta que a maioria das pessoas negras candidatas não consegue se eleger porque não receberam o fundo eleitoral condizente. “Um dos objetivos é sensibilizar, conscientizar e formar pessoas filiadas para se candidatar em condições de ganhar eleições”. 

“Contra o genocídio”

A professora Iêda Leal, de Goiás, militante do Movimento Negro Unificado (MNU) defende que, de fato, ouidado com os jovens, vítimas permanente de violência, deve ser uma prioridade, e também das mulheres negras. 

Ela também acrescenta que é necessário pensar a criação das cidades antirracistas, colocando como meta a segurança pública, a educação, o trabalho e a geração de renda. “É uma vitória a gente ter um feriado, mas o feriado tem que ser traduzido para toda a população como uma vitória para que a gente possa ter cidades construídas nessa vertente do respeito aos seres humanos”.

Integrante da Articulação Nacional de Mulheres Negras, a jornalista Juliana Gonçalves, avalia que os problemas estruturais dizem respeito à construção política social do Brasil. Isso se revela, segundo contextualiza, com a exploração do trabalho de pessoas negras e também nas violências. “O combate ao que nós chamamos de genocídio do povo negro segue sendo a principal pauta do movimento negro”. 

Ela cita o homicídio de jovens negros pela violência policial e do Estado, como um todo. “A violência vai também se desdobrar no encarceramento, por exemplo, da população negra. “Nós vivemos também um cenário muito negativo quando a gente fala sobre direito das mulheres. sobre combate a políticas que vão fortalecer o feminicídio, o lesbocídio e o transfeminicídio”, aponta.

Também ativista, a diretora do grupo cultural Afroreggae, do Rio de Janeiro, a assistente social Karla Soares diz que ainda é necessário lutar pelo básico. “O básico fundamental que são as nossas garantias de direito da população negra, como a educação de qualidade, oportunidades de trabalho digno e de políticas públicas que promovam a equidade racial”. 

Ela lamenta que unidades educacionais nas favelas chegam a ficar semanas sem ter aulas por causa de operações policiais. “A população que mora dentro dessas áreas de risco é a população negra. A gente sabe como é difícil combater o racismo estrutural e criar caminhos que valorizem a identidade da cultura negra”. Ela acrescenta que a sociedade  não pode tolerar discursos ou práticas que minimizem a gravidade do racismo.

Herdeiros de Bernadete e pesquisadores apontam prioridades para negros

Ativistas e pesquisadores entendem que há um longo caminho para enfrentar o racismo estrutural e todos os tipos de violência a que são submetidas as pessoas negras no país, que formam a maior parte da população brasileira (45,3% pessoas pardas, e 10,2% pretas).

Entrevistados pela Agência Brasil valorizam o fato do dia 20 de novembro tornar-se feriado nacional, mas também elencam prioridades que podem ser caminhos de enfrentamento contra as desigualdades e violações de direitos, que devem ir além de uma data.   

Uma das lideranças jovens brasileiras é Wellington Pacífico, de 23 anos, um dos representantes da comunidade quilombola de Pitanga dos Palmares, em Simões Filho (BA). Ele sofreu nos últimos anos com os assassinatos do pai (Flávio Pacífico, de 36 anos, em 2017) e da avó (Maria Bernadete Pacífico, de 72 anos, em 2023), que lutavam por políticas públicas e pelos direitos das 2.638 pessoas de 598 famílias que formam a comunidade. 

Casa da Mãe Bernadete, liderança do Quilombo Pitanga dos Palmares, assassinada na Bahia. Foto – Janaína Neri.

Wellington entende que uma prioridade importante deveria ser efetivada pelo caminho da educação. “A prioridade da população negra no país é trabalhar para o avanço da Lei 10.639 (que tornou, em 2003,  obrigatória a temática da história e cultura afro-brasileira nas escolas), para que a gente possa ver em cada sala de aula do Brasil essa lei funcionando e os alunos possam construir sua identidade a partir de ancestrais”, defendeu. 

Ele entende que é necessário divulgar que os antepassados foram pessoas que lutaram contra a escravidão. “A gente tem que abrir caminho para a construção da identidade de cada jovem preto que habita esse País”, afirmou Wellington.

O rapaz explica que a maioria dos jovens pretos não herdou privilégios, mas sim uma luta que é contínua. “A gente herdou uma herança de desigualdade e de violência, na qual esse racismo estrutural coloca a gente, como os dominados”. Por isso, ele entende que é necessário responsabilidade de contribuir para a luta. “Nosso objetivo não é esperar. Essa prerrogativa é dos privilegiados (…) A população preta, jovem, tem que pensar e agir”. 

Outro herdeiro da luta de mãe Bernadete é o filho dela, Jurandir Pacífico, de 44 anos, também liderança da comunidade quilombola. Atualmente, ele está sob programa de proteção do Estado brasileiro em função das ameaças que recebe. 

Jurandir Pacífico, filho da Maria Bernadete, líder quilombola assassinada na Bahia. Foto: Arquivo pessoal/Divulgação 

Ele diz que os desafios do momento incluem o enfrentamento ao racismo estrutural, à desigualdade econômica, à violência policial e à falta de representatividade negra em espaços de poder. Por isso, ele defende que são necessárias ações e políticas públicas efetivas. “É importante lembrar que a luta pela igualdade racial é contínua e exige esforços conjuntos de todos os setores da sociedade. O legado continua”, afirmou. 

Colocada à margem

O professor Ivanir dos Santos, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), reitera que a maior parte da população negra não é tratada como cidadã e foi colocada à margem da sociedade, com menos acesso à saúde e educação, além de mais exposta às violências, inclusive policiais. 

“As instituições brasileiras ainda têm uma visão colonial e imperial na compreensão da participação e do direito dessa população. Isso tem que ser tratado de forma ainda muito séria e de uma forma muito forte no Brasil”, avalia o pesquisador em direitos humanos, racismo e intolerância religiosa. 

O professor acredita que houve conquistas nos últimos anos graças também à participação de representantes do movimento negro na Constituição de 1988. “O movimento negro teve um papel fundamental ao incluir o racismo como crime inafiançável”. Ele recorda ainda que os ativistas, em 1995, levaram ao governo federal uma pauta de reivindicações que acabaram tendo como consequências as primeiras políticas de ação afirmativa, e também nos anos 2000, com as cotas e avanços na educação. 

Professor Ivanir dos Santos. Foto: Arquivo pessoal/Instagram

“O que se observa é que há sempre uma engenharia racista que acaba burlando ou desqualificando esses direitos. Mas, nós vamos ter pela primeira vez esse ano o dia 20 como feriado nacional, que é uma vitória importante. Zumbi é o primeiro heroi construído de baixo para cima no Brasil”, avalia o professor Ivanir dos Santos, que é Babalawô, sacerdote de religião de matriz africana. 

Representatividade

Outra pesquisadora, a professora Waldicéia de Moraes Teixeira da Silva, que é pastora evangélica Wall Moraes, em Brasília, também valorizou a data do 20 de novembro como feriado nacional. Ela diz que a tentativa de golpe de 8 de janeiro de 2023 levantou um alerta para ativistas políticas sociais do movimento social negro do Brasil: ir além de conquistar políticas públicas por decretos, leis e portarias, mas também criar condições para efetivamente para aumentar a representatividade política. 

Ela lamenta que a maioria das pessoas negras candidatas não consegue se eleger porque não receberam o fundo eleitoral condizente. “Um dos objetivos é sensibilizar, conscientizar e formar pessoas filiadas para se candidatar em condições de ganhar eleições”. 

“Contra o genocídio”

A professora Iêda Leal, de Goiás, militante do Movimento Negro Unificado (MNU) defende que, de fato, ouidado com os jovens, vítimas permanente de violência, deve ser uma prioridade, e também das mulheres negras. 

Pofessora Iêda Leal é militante do Movimento Negro Unificado. Foto: Iêda Leal/Instagram

Ela também acrescenta que é necessário pensar a criação das cidades antirracistas, colocando como meta a segurança pública, a educação, o trabalho e a geração de renda. “É uma vitória a gente ter um feriado, mas o feriado tem que ser traduzido para toda a população como uma vitória para que a gente possa ter cidades construídas nessa vertente do respeito aos seres humanos”.

Integrante da Articulação Nacional de Mulheres Negras, a jornalista Juliana Gonçalves, avalia que os problemas estruturais dizem respeito à construção política social do Brasil. Isso se revela, segundo contextualiza, com a exploração do trabalho de pessoas negras e também nas violências. “O combate ao que nós chamamos de genocídio do povo negro segue sendo a principal pauta do movimento negro”. 

Ela cita o homicídio de jovens negros pela violência policial e do Estado, como um todo. “A violência vai também se desdobrar no encarceramento, por exemplo, da população negra. “Nós vivemos também um cenário muito negativo quando a gente fala sobre direito das mulheres. sobre combate a políticas que vão fortalecer o feminicídio, o lesbocídio e o transfeminicídio”, aponta.

Também ativista, a diretora do grupo cultural Afroreggae, do Rio de Janeiro, a assistente social Karla Soares diz que ainda é necessário lutar pelo básico. “O básico fundamental que são as nossas garantias de direito da população negra, como a educação de qualidade, oportunidades de trabalho digno e de políticas públicas que promovam a equidade racial”. 

Ela lamenta que unidades educacionais nas favelas chegam a ficar semanas sem ter aulas por causa de operações policiais. “A população que mora dentro dessas áreas de risco é a população negra. A gente sabe como é difícil combater o racismo estrutural e criar caminhos que valorizem a identidade da cultura negra”. Ela acrescenta que a sociedade  não pode tolerar discursos ou práticas que minimizem a gravidade do racismo.

Herdeiros de Bernadete e pesquisadores apontam prioridades para negros

Ativistas e pesquisadores entendem que há um longo caminho para enfrentar o racismo estrutural e todos os tipos de violência a que são submetidas as pessoas negras no país, que formam a maior parte da população brasileira (45,3% pessoas pardas, e 10,2% pretas).

Entrevistados pela Agência Brasil valorizam o fato do dia 20 de novembro tornar-se feriado nacional, mas também elencam prioridades que podem ser caminhos de enfrentamento contra as desigualdades e violações de direitos, que devem ir além de uma data.   

Uma das lideranças jovens brasileiras é Wellington Pacífico, de 23 anos, um dos representantes da comunidade quilombola de Pitanga dos Palmares, em Simões Filho (BA). Ele sofreu nos últimos anos com os assassinatos do pai (Flávio Pacífico, de 36 anos, em 2017) e da avó (Maria Bernadete Pacífico, de 72 anos, em 2023), que lutavam por políticas públicas e pelos direitos das 2.638 pessoas de 598 famílias que formam a comunidade. 

Casa da Mãe Bernadete, liderança do Quilombo Pitanga dos Palmares, assassinada na Bahia. Foto – Janaína Neri.

Wellington entende que uma prioridade importante deveria ser efetivada pelo caminho da educação. “A prioridade da população negra no país é trabalhar para o avanço da Lei 10.639 (que tornou, em 2003,  obrigatória a temática da história e cultura afro-brasileira nas escolas), para que a gente possa ver em cada sala de aula do Brasil essa lei funcionando e os alunos possam construir sua identidade a partir de ancestrais”, defendeu. 

Ele entende que é necessário divulgar que os antepassados foram pessoas que lutaram contra a escravidão. “A gente tem que abrir caminho para a construção da identidade de cada jovem preto que habita esse País”, afirmou Wellington.

O rapaz explica que a maioria dos jovens pretos não herdou privilégios, mas sim uma luta que é contínua. “A gente herdou uma herança de desigualdade e de violência, na qual esse racismo estrutural coloca a gente, como os dominados”. Por isso, ele entende que é necessário responsabilidade de contribuir para a luta. “Nosso objetivo não é esperar. Essa prerrogativa é dos privilegiados (…) A população preta, jovem, tem que pensar e agir”. 

Outro herdeiro da luta de mãe Bernadete é o filho dela, Jurandir Pacífico, de 44 anos, também liderança da comunidade quilombola. Atualmente, ele está sob programa de proteção do Estado brasileiro em função das ameaças que recebe. 

Jurandir Pacífico, filho da Maria Bernadete, líder quilombola assassinada na Bahia. Foto: Arquivo pessoal/Divulgação 

Ele diz que os desafios do momento incluem o enfrentamento ao racismo estrutural, à desigualdade econômica, à violência policial e à falta de representatividade negra em espaços de poder. Por isso, ele defende que são necessárias ações e políticas públicas efetivas. “É importante lembrar que a luta pela igualdade racial é contínua e exige esforços conjuntos de todos os setores da sociedade. O legado continua”, afirmou. 

Colocada à margem

O professor Ivanir dos Santos, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), reitera que a maior parte da população negra não é tratada como cidadã e foi colocada à margem da sociedade, com menos acesso à saúde e educação, além de mais exposta às violências, inclusive policiais. 

“As instituições brasileiras ainda têm uma visão colonial e imperial na compreensão da participação e do direito dessa população. Isso tem que ser tratado de forma ainda muito séria e de uma forma muito forte no Brasil”, avalia o pesquisador em direitos humanos, racismo e intolerância religiosa. 

O professor acredita que houve conquistas nos últimos anos graças também à participação de representantes do movimento negro na Constituição de 1988. “O movimento negro teve um papel fundamental ao incluir o racismo como crime inafiançável”. Ele recorda ainda que os ativistas, em 1995, levaram ao governo federal uma pauta de reivindicações que acabaram tendo como consequências as primeiras políticas de ação afirmativa, e também nos anos 2000, com as cotas e avanços na educação. 

Professor Ivanir dos Santos. Foto: Arquivo pessoal/Instagram

“O que se observa é que há sempre uma engenharia racista que acaba burlando ou desqualificando esses direitos. Mas, nós vamos ter pela primeira vez esse ano o dia 20 como feriado nacional, que é uma vitória importante. Zumbi é o primeiro heroi construído de baixo para cima no Brasil”, avalia o professor Ivanir dos Santos, que é Babalawô, sacerdote de religião de matriz africana. 

Representatividade

Outra pesquisadora, a professora Waldicéia de Moraes Teixeira da Silva, que é pastora evangélica Wall Moraes, em Brasília, também valorizou a data do 20 de novembro como feriado nacional. Ela diz que a tentativa de golpe de 8 de janeiro de 2023 levantou um alerta para ativistas políticas sociais do movimento social negro do Brasil: ir além de conquistar políticas públicas por decretos, leis e portarias, mas também criar condições para efetivamente para aumentar a representatividade política. 

Ela lamenta que a maioria das pessoas negras candidatas não consegue se eleger porque não receberam o fundo eleitoral condizente. “Um dos objetivos é sensibilizar, conscientizar e formar pessoas filiadas para se candidatar em condições de ganhar eleições”. 

“Contra o genocídio”

A professora Iêda Leal, de Goiás, militante do Movimento Negro Unificado (MNU) defende que, de fato, ouidado com os jovens, vítimas permanente de violência, deve ser uma prioridade, e também das mulheres negras. 

Pofessora Iêda Leal é militante do Movimento Negro Unificado. Foto: Iêda Leal/Instagram

Ela também acrescenta que é necessário pensar a criação das cidades antirracistas, colocando como meta a segurança pública, a educação, o trabalho e a geração de renda. “É uma vitória a gente ter um feriado, mas o feriado tem que ser traduzido para toda a população como uma vitória para que a gente possa ter cidades construídas nessa vertente do respeito aos seres humanos”.

Integrante da Articulação Nacional de Mulheres Negras, a jornalista Juliana Gonçalves, avalia que os problemas estruturais dizem respeito à construção política social do Brasil. Isso se revela, segundo contextualiza, com a exploração do trabalho de pessoas negras e também nas violências. “O combate ao que nós chamamos de genocídio do povo negro segue sendo a principal pauta do movimento negro”. 

Ela cita o homicídio de jovens negros pela violência policial e do Estado, como um todo. “A violência vai também se desdobrar no encarceramento, por exemplo, da população negra. “Nós vivemos também um cenário muito negativo quando a gente fala sobre direito das mulheres. sobre combate a políticas que vão fortalecer o feminicídio, o lesbocídio e o transfeminicídio”, aponta.

Também ativista, a diretora do grupo cultural Afroreggae, do Rio de Janeiro, a assistente social Karla Soares diz que ainda é necessário lutar pelo básico. “O básico fundamental que são as nossas garantias de direito da população negra, como a educação de qualidade, oportunidades de trabalho digno e de políticas públicas que promovam a equidade racial”. 

Ela lamenta que unidades educacionais nas favelas chegam a ficar semanas sem ter aulas por causa de operações policiais. “A população que mora dentro dessas áreas de risco é a população negra. A gente sabe como é difícil combater o racismo estrutural e criar caminhos que valorizem a identidade da cultura negra”. Ela acrescenta que a sociedade  não pode tolerar discursos ou práticas que minimizem a gravidade do racismo.

Representantes da África apontam liderança do Brasil no combate à fome

Representantes da África que participam do G20 Social, no Rio de Janeiro, afirmaram nesta sexta-feira (15) que o Brasil é uma das principais lideranças mundiais em iniciativas e conhecimento para combater a fome, sendo o programa Bolsa Família uma política pública que serve de inspiração para outros países.  

A África é uma das regiões do planeta que mais sofrem com a insegurança alimentar. Segundo a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), entre 713 milhões e 757 milhões de pessoas podem ter enfrentado a fome em 2023, uma em cada 11 pessoas no mundo, e uma em cada cinco na África.  

Ainda de acordo com a FAO, a quantidade de pessoas com fome no Brasil caiu em 2023. Em 2022, a insegurança alimentar severa afligia mais de 17 milhões de brasileiros. No ano passado, esse número passou a ser 2,5 milhões, ou seja, uma redução de 85%. A porcentagem da população brasileira que vivia nessa situação passou de 8% para 1,2%.

O G20 Social é uma iniciativa da presidência temporária do Brasil no G20 – as 19 maiores economias do mundo mais as Uniões Europeia e Africana – e permite articulação entre a sociedade civil organizada, ao mesmo tempo que proporciona aproximação com autoridades e líderes mundiais.  

O evento acontece no Boulevard Olímpico, zona portuária do Rio de Janeiro, onde foi realizada nesta sexta-feira uma plenária aberta ao público sobre combate à fome, pobreza e desigualdades.  

Na mesa de oradores estavam o ministro do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome, Wellington Dias; a presidente do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea), Elisabeta Recine, além de dois representantes africanos, Nosipho Nausca-Jean Jezile, embaixadora da África do Sul junto a FAO; e Ibrahima Coulibaly, do Mali, presidente da Organização Pan-Africana de Agricultores. 

O encontro aconteceu no mesmo dia em que foram anunciadas informações sobre o alcance inicial da Aliança Global contra a Fome e a Pobreza, uma das prioridades do Brasil como presidente temporário do G20.

Compromissos já assumidos permitem estimar que a iniciativa internacional tem capacidade de alcançar 500 milhões de pessoas com programas de transferências de renda e sistemas de proteção social em países de baixa e média baixa renda até 2030.

Elogios

Em entrevista à Agência Brasil após a plenária, a sul-africana Nosipho Nausca-Jean Jezile elogiou a iniciativa brasileira de aliança internacional, que está aberta para a adesão de outros países além dos que formam o G20. 

“É uma importante aliança que une sociedade civil com governos para implementar política pública que transformará vidas de pessoas no mundo. A Aliança contra a Fome é o principal legado da presidência brasileira”, declarou. 

A embaixadora na FAO destacou também a importância de agricultores familiares e comunidades tradicionais, como indígenas, na produção de alimentos. “É um elemento crítico para avançar em direção à segurança alimentar”, afirmou . 

Durante a plenária, Nosipho Jezile já tinha dito que o Brasil “tem sido capaz de entender quais são os elementos que devem ser levados em consideração para a tomada de ações contra a fome, baseando-se em evidências para buscar respostas”. 

Entre as medidas apontadas como caminho para a garantia de segurança alimentar estão os programas de transferência de renda, como o Bolsa Família, alimentação infantil em creches e escolas, programas de cozinha solidária e apoio a pequenos produtores. 

Nosipho Jezile apontou que a África do Sul tem política de transferência de renda similar ao Bolsa Família. “É um programa que nos inspira e pode fazer diferença na inclusão econômica e social”, disse. 

De acordo com o representante do Programa Mundial de Alimentos (PMA) da Organização das Nações Unidas (ONU) no Brasil, Daniel Balaban, que também esteve no G20 Social, o Bolsa Família é um programa de transferência de renda replicado internacionalmente.  

“Vários países do mundo já têm programas de transferência de renda baseados e, muito particularmente, parecidos com o Bolsa Família”.  

Balaban acrescentou que o próprio PMA das Nações Unidas faz uso de cartões de transferência de dinheiro. “Para que as pessoas comprem localmente e não somente através de [doação de] comida. É muito caro transportar comida. Então naqueles locais onde têm comércio local, é muito melhor você trabalhar com cartões, é muito mais efetivo”. 

O representante brasileiro no PMA ressaltou que é “muito mais barato para qualquer país do mundo investir em programas de combate à extrema pobreza, como é o caso do Bolsa Família, do que ter que arcar com os custos provenientes da fome e da extrema pobreza”.  

Na mesma linha de raciocínio, o ministro do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome, Wellington Dias, afirma que é seis vezes mais custoso cuidar do problema da fome e da pobreza. “Quem diz isso não sou eu, é a ONU”. Dias reforçou que o governo espera tirar o Brasil do mapa da fome até 2026. 

O presidente da Organização Pan-Africana de Agricultores, Ibrahima Coulibaly, do Mali, país na África Ocidental, com 23 milhões de habitantes, disse à plateia composta por movimentos sociais que “o Brasil tem que assumir a liderança central” do combate à fome no mundo.  

“Isso é essencial. Achamos que a estabilidade mundial depende dessa atenção que as classes políticas e os governos vão dedicar a garantir alimentos para todos”, completou. 

Coulibaly defende a necessidade de a população que produz alimentos no campo ser escutada e apoiada. “Precisamos de políticas públicas coerentes”. E ao público presente reforçou: “transmitam a mensagem ao presidente Lula, apoiamos que ele continue assumindo essa liderança contra a fome”. 

Após a participação dos oradores, a plateia presente na plenária se dividiu em grupos que vão revisar o capítulo sobre fome que fará parte de um documento final do G20 Social. Eles vão sugerir retirar, manter ou complementar trechos. A versão final será aclamada neste sábado (16), para ser entregue ao presidente Lula e ao governo da África do Sul, próximo presidente do G20. 

A presidente do Consea, Elisabeta Recine, lembrou que o presidente Lula se comprometeu a entregar a carta final aos líderes do G20, no começo da próxima semana. Ela defendeu que o G20 precisa “se abrir” para o que “os povos sabem, querem e priorizam”.  

“As transformações só vão ser alcançadas se os governos tiverem sustentação popular”, cravou. 

Cúpula de líderes 

O ponto derradeiro da presidência brasileira temporária no G20 será a reunião de cúpula de chefes de Estado e de governo, nos dias 18 e 19 de novembro, no Rio de Janeiro.  

O G20 é composto por 19 países: África do Sul, Alemanha, Arábia Saudita, Argentina, Austrália, Brasil, Canadá, China, Coreia do Sul, Estados Unidos, França, Índia, Indonésia, Itália, Japão, México, Reino Unido, Rússia e Turquia, além da União Europeia e da União Africana.

Os integrantes do grupo representam cerca de 85% da economia mundial, mais de 75% do comércio global e cerca de dois terços da população do planeta.

SP: vereadores apontam falta de transparência na gestão de cemitérios

Após denúncias de irregularidades e descumprimento dos contratos de concessão dos cemitérios municipais de São Paulo, o representante da concessionária Consolare prestou informações na Câmara Municipal de São Paulo, nesta terça-feira (12). Até o momento, depois de 21 notificações dos fiscais da prefeitura, a empresa pagou apenas uma das multas, no valor de R$ 9 mil.

A multa é referente a um caso de março do ano passado, em que a família de um natimorto passou dois dias tentando o sepultamento gratuito, mas seu Cadastro Único estava desatualizado. Segundo os pais, ao procurar a concessionária, eles foram mal orientados. A situação foi resolvida após o caso ser divulgado pela imprensa.

O diretor-presidente da Consolare, Mauricio Costa, informou que as notificações se tratam, na maioria, de problemas relacionados à zeladoria, a extintores e aos valores cobrados. Do total de notificações, quatro se converteram em multas, sendo que a empresa está recorrendo das três restantes.

O preço dos serviços funerários repassados à população foi assunto central na reunião extraordinária realizada pela Comissão de Política Urbana, Metropolitana e Meio Ambiente da Câmara.

A Consolare é responsável pela administração dos cemitérios da Consolação, Quarta Parada, Santana, Tremembé, Vila Mariana e Vila Formosa I e II.

Desde o início da concessão, a Consolare informou que atendeu 33.382 serviços funerários, 28.881 sepultamentos e 9.542 serviços gratuitos. 

“O que a gente percebe é que é um grande comércio”, ressaltou a vereadora Sonaira Fernandes (PL), no início da reunião. Ela relatou que, quando acompanhou alguns dos casos nos cemitérios, os atendentes não informaram, em nenhuma das ocasiões, sobre a possibilidade de emissão de boleto para pagamento em 60 dias para que as pessoas pudessem comprovar baixa renda”.

O diretor afirmou que todas as agências e cemitérios têm uma tabela de valores fixada e de fácil acesso. No entanto, os vereadores apontaram que não há clareza em relação ao que seria serviço essencial e serviço opcional, além do benefício de gratuidade e do valor social.

Os vereadores citaram o atendimento aos clientes pelo WhatsApp, que, segundo denúncias, não enviam a tabela completa e detalhada das tarifas, apenas do pacote mais caro. “Eu estou aqui com uma mensagem da Consolare falando de sepultamento em Vila Formosa: ‘todos os serviços descritos, valor em média de R$ 3,8 mil, forma de pagamento em até seis vezes no cartão, transferência bancária ou pix’”, relatou a vereadora Silvia da Bancada Feminista (Psol) sobre uma das denúncias recebidas pelos parlamentares.

“Vocês estão falhando na comunicação. Não basta vocês fixarem as tabelas lá no cemitério, vocês precisam, quando forem comunicar com a população, informar todos os valores de todos os serviços, desde o serviço mais barato até o serviço mais caro”, criticou, acrescentando que o caso contraria qualquer princípio ético de atendimento ao consumidor.

Na reunião, houve críticas também em relação à infraestrutura e à manutenção dos cemitérios administrados pela Consolare. Segundo o diretor-presidente, conforme o cronograma de investimentos da concessão, a empresa tem até 2027 para fazer todas as intervenções nos cemitérios sob sua gestão.

Ele afirmou que, até o momento, os gastos incluem R$ 155 milhões na outorga fixa do leilão; R$ 6,5 milhões de outorga variável, que é o percentual sobre a receita; e R$ 55,79 milhões em melhorias em todas as unidades administradas.

A previsão é de que até 2027 sejam investidos R$ 200 milhões nos cemitérios. Ainda segundo o diretor, até o momento, a Consolare registrou um prejuízo operacional de R$ 29 milhões.

“Então, não há o que se falar aqui que as empresas não investem e nem que têm lucros abusivos”, disse Mauricio Costa. Ele citou o investimento de R$ 10 milhões no cemitério Quarta Parada, que passou por reformas.

O diretor disse ainda que o cemitério Vila Formosa teve R$ 19 milhões de investimento, incluindo reforma nas salas de velório, sanitários e bebedouros, além da construção de 11 mil gavetas em concreto. 

Questionado pelo vereador Rubinho Nunes (União Brasil), presidente da Comissão de Política Urbana, Metropolitana e Meio Ambiente, sobre a qualidade das unidades geridas pela Consolare, o diretor avaliou como “bom, caminhando para ótimo”, em uma escala de péssimo a ótimo.

Nunes foi o autor dos requerimentos para convocação dos representantes das concessionárias Consolare e Grupo Mayara, além do convite à SP Regula, agência reguladora de serviços públicos da capital paulista.

O vereador rebateu as informações com fotos que mostravam problemas de zeladoria do cemitério Vila Formosa, como falta de pavimentação e buracos nas vias internas de circulação, mato alto e sujeira. “Eu acredito que seria uma série de autuações que a empresa do senhor sofreria e talvez uma penalidade se houvesse um pouco de rigor por parte da SP Regula”, disse Nunes, acrescentando que a situação demonstra total descaso com o cemitério.

Apagão: especialistas apontam falência do modelo de privatização

Especialistas ouvidos pela Agência Brasil apontam a falência do modelo de privatização do setor de distribuição elétrica no Brasil e a falta de planejamento da empresa concessionária Enel e da prefeitura como determinantes na demora da restauração da energia elétrica na capital paulista. Um apagão, iniciado na última sexta-feira (11), ainda atinge parte da capital paulista nesta quarta-feira (16).

De acordo com o engenheiro eletricista Ikaro Chaves, a deterioração da qualidade da prestação de serviço na distribuição de energia elétrica, como observada em São Paulo, evidencia a falência do modelo do setor elétrico brasileiro, baseado na privatização e na regulação estatal do setor.

“Ano que vem, faz 30 anos que a primeira distribuidora foi privatizada, que foi a distribuidora do Espírito Santo. Já é tempo suficiente para a gente fazer uma avaliação desse modelo, se deu certo ou se não deu. E eu acho que está mais do que provado que ele não tem funcionado”, destacou Chaves.

“A questão principal aqui é que o modelo faliu. E por que o modelo faliu? Na verdade, porque é evidente: você está falando de um setor monopolista. Não é possível que a concorrência atue do ponto de vista de beneficiar o consumidor”, acrescentou.

O engenheiro ressalta que a regulação do setor, executada por uma agência reguladora – que tem como função defender o interesse público no modelo privatizado do setor – também tem se mostrado falha.

“O custo com mão de obra não pode ser incorporado à tarifa. Esse é um custo que tem de ser administrado pela empresa. E, pelo menos, a justificativa que a própria Aneel [Agência Nacional de Energia Elétrica] coloca é que isso visa a aumentar a eficiência. E como a concessionária vai aumentar a margem de lucro? Ela só pode aumentar reduzindo despesa. Ela vai reduzir a despesa no pessoal”, diz Chaves. 

De acordo com o Sindicato dos Eletricitários de São Paulo, nos últimos seis meses a Enel desligou 227 empregados da área de manutenção, responsáveis pelo religamento da rede de energia. 

“Esse modelo não tem funcionado. É um modelo que vai sempre no sentido da precarização do trabalho. E as pessoas esquecem que a manutenção é feita necessariamente por pessoas. Então, a manutenção preventiva, como a troca dos equipamentos, limpeza de isoladores, com a verificação, com termografia, enfim, toda manutenção preventiva é feita por pessoas”, diz Ikaro Chaves.

Para o professor do Departamento de Engenharia de Energia e Automação Elétrica da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo, José Aquiles Baesso Grimoni, a demora na religação da rede elétrica da capital paulista está relacionada principalmente à falta de coordenação entre a concessionária e a prefeitura.

Segundo ele, o comitê de crise da cidade de São Paulo não funcionou. “À medida que a árvore cai e atinge a rede elétrica, pode ocasionar desligamento e aí você tem que retirar a árvore primeiro para poder fazer a recomposição da rede e energizar todas as casas. Faltou um pouco de coordenação, talvez o comitê de crise. É uma situação emergencial, então todos os envolvidos têm que sentar, conversar, planejar e agilizar a recomposição”. 

O professor ressalta que a solução apontada para os problemas de queda recorrentes de energia enfrentados na capital paulista é o enterramento da rede. No entanto, para realizar esse tipo de alteração, será necessário a atuação federal, estadual e municipal. 

“Tem que ter investimento da prefeitura, do estado e do governo federal para fazer esse enterramento, porque se deixar para a distribuidora de energia, ela vai querer repassar esses custos para os consumidores”, disse.

Grimoni ressalta que a decisão pelo enterramento da rede elétrica pode enfrentar problemas de ordem política e econômica, já que o procedimento tem custo elevado e não ganha grande visibilidade.

“O problema todo é um pouco essa questão de estar enterrado, não dá voto isso, você não vê, não inaugura. Então, tem um lado político também. O cobertor é curto, como dizem. Mas eu acho que o problema não é técnico. O problema é político e econômico”.

Empoderamento econômico negro aumentaria PIB, apontam especialistas

O Brasil poderia ter economia 30% maior se fosse menos desigual e se os negros, que representam 52% da população, tivessem as mesmas oportunidades das pessoas brancas, como estudar por mais anos, ocupar melhores postos de trabalho, dispor de crédito para empreender e viver sob melhores condições materiais.

O diagnóstico é compartilhado por pesquisadores, ativistas, representantes de organismo internacional, técnicos e dirigentes do governo que participaram de seminário Empoderamento Econômico da População Afrodescendente, realizado nesta segunda-feira (9) na sede em Brasília do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).

“Fazer o empoderamento econômico da população negra não é uma opção, é uma necessidade. Se não fizermos isso, não vamos nos tornar um país desenvolvido”, apontou a presidenta do instituto, Luciana Mendes Santos Servo.

“Se não fizermos efetivo investimento para que essa população se veja como possibilidade de futuro, não vamos gerar o desenvolvimento que a gente precisa. Não vai gerar aumento de produtividade, não vai gerar ganho de produto interno bruto”, complementou.

A diretora Socioambiental do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), Tereza Campello, também considera a desigualdade que exclui boa parte da população negra “um obstáculo ao crescimento do país”.

Para ela, a questão vai além da reparação histórica. “Se o Brasil não superar a brutal desigualdade, nós não vamos conseguir transformar a própria economia.”

“Do ponto de vista do consumo, estamos perdendo a possibilidade de melhorar nosso mercado interno. Do ponto de vista das capacidades e das potencialidades, do que estamos deixando de contar com a inovação, com capacidade de trabalho, com capacidade de criação, temos uma perda violenta”, lamentou.

Perda de consumo

Na opinião de Ana Carolina Querino, representante adjunta da ONU Mulheres no Brasil, desigualdade e exclusão atrapalham o capitalismo no Brasil. “Como pensar o capitalismo a partir dos seus princípios do ganho, se você não olha para quem pode gerar esse ganho, quem pode consumir a partir desse ganho?”

Carolina Almeida, assessora internacional da ONG Geledés – Instituto da Mulher Negra considera que o racismo institucional no Brasil funciona como “estratégia de exploração” que “favorece e privilegia alguns e retira vantagens de outra parte da população.”

Do seu ponto de vista é preciso pensar em políticas públicas de geração de renda. “Nós não queremos um empreendedorismo de sobrevivência, que já acontece, não queremos um empreendedorismo que venha de uma situação de precariedade e que sirva para que a pessoa empreendedora se mantenha por um mês. Nós queremos um empreendedorismo sustentável, nós queremos também um desenvolvimento sustentável.”

“Sem resolvemos o problema racial, não realizaremos o imenso potencial econômico do Brasil”, salientou José Henriques Júnior, economista do Ministério da Fazendo e coordenador da Trilha de Finanças do G20. Para ele, bancos multilaterais e de fomento, como o BNDES, “têm papel de alavancar políticas públicas.”

Luciana Mendes, do Ipea, avalia que é ainda um “desafio” o país perceber que “a discriminação é um malefício não só para quem sofre diretamente com ela, mas também para toda a sociedade”. Para ela, a compreensão é necessária para que o tema do empoderamento da população negra se torne “agenda central”.

Pesquisadores apontam dificuldade de acesso ao aborto legal no SUS

A Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca (ENSP), vinculada à Fiocruz, promoveu nesta quarta-feira (3), no Rio de Janeiro, o debate Acesso ao aborto legal no SUS: Como acolher e garantir direitos?. A coordenação foi do grupo Observatório do SUS.

Pesquisadores e especialistas presentes no evento apontaram as principais dificuldades das mulheres ao acessar o procedimento no sistema público de saúde.

O encontro tem como referência a proposta do Projeto de Lei 1904/2, que prevê autorização para abortos legais até 22 semanas de gestação, mesmo em casos de violência sexual. Também aumenta pena máxima para quem fizer o procedimento, igualando a interrupção da gravidez ao homicídio.

“Não existe estuprada que, por maldade, vai levar a gestação até 22 semanas por que quer ver o feto nascer prematuro, sofrer, ir para a UTI e ficar sequelado. Não existe essa maldade. Não atrasou porque foi culpa dela. Ela deixou chegar até esse ponto por causa do Estado brasileiro, que fechou todas as portas”, disse Olímpio Moraes, diretor médico da Universidade de Pernambuco (UPE).

Debora Diniz, antropóloga, professora da Universidade de Brasília e defensora dos direitos reprodutivos das mulheres, entende que a repercussão do projeto de lei foi pior do que a esperada pelos grupos que a defendiam. Por isso, segundo ela, o momento é de avançar na luta por uma justiça social reprodutiva, sem abdicar dos conhecimentos científicos.

“A questão do aborto, como outras em saúde pública, não é matéria de contra ou a favor. Não é matéria para confundir e não falarmos sobre ciência. As religiões têm que ser respeitadas, mas não são elas que determinam a vida pública e o bem comum. Que tal trazermos, a partir das semanas intensas de aprendizado sobre esse brutal projeto de lei, um exercício de reflexão e ponderação sobre como nós podemos falar e como devemos continuar o debate público sobre a urgência da descriminalização do aborto? Descriminalizar não é legalizar. Temos evidências sólidas que pode levar à redução do número de abortos”, defendeu Debora Diniz.

Elda Bussinguer, presidenta da Sociedade Brasileira de Bioética (SBB), disse que para além da pressão pelo cumprimento atual da lei, é preciso organizar uma reação pública da sociedade civil, por entender que o projeto vai além de uma questão moral ou religiosa.

“Esse é um projeto de poder sobre os corpos femininos, de silenciamento das mulheres. De coisificação dos corpos femininos. Precisamos quebrar o pacto de silêncio que mantém milhares de meninas espalhadas por esse país sendo violentadas todos os dias. Por seus pais, tios, irmãos, primos e mesmo religiosos, que rompem com todos os princípios que dizem defender e mantém mulheres violentadas e silenciadas”, disse Elda.

Aborto Legal

A legislação em vigor no país prevê que a mulher tem direito ao aborto nos casos de gravidez decorrente de estupro, se a gestação representar risco de vida à mulher e se for caso de anencefalia fetal. Mas o fato de haver essa previsão legal não garante que as mulheres consigam alcançar seus direitos da forma como deveriam.

“É uma política escondida. Dependendo do gestor no comando, ela desaparece, fica escondida. Se vocês procurarem no Brasil onde tem acesso a aborto previsto em lei, vão ter muita dificuldade pela internet. Eu consigo saber onde tem quimioterapia, pré-natal de alto risco, doação de órgãos, mas abortamento não é dado à população o direito de informação. Três vírgula seis por cento dos municípios têm um serviço de violência a abortamento previsto em lei. É muito pouco”, disse Olímpio Moraes.

O diretor médico da Universidade de Pernambuco (UPE) lembrou que somente 6 das 27 unidades federativas disponibilizam informação pública sobre aborto nos sites das secretarias de saúde. E que uma gestante pode demorar, em média, de dois a três meses até achar um programa que a acolha. Além disso, reforçou que as principais prejudicadas nesse cenário são mulheres jovens, pobres e negras.

Olímpio Moraes endossou que os médicos obstetras precisam cumprir o que diz a legislação, principalmente porque a formação profissional deles já prevê aprendizados relacionados ao aborto legal.

“Objeção de consciência é um direito, mas quando você é recrutado. Médicos do SUS não estão aí para defender crenças. O nosso patrão é o Estado brasileiro. Para todos os obstetras que vão fazer obstetrícia agora tem as EPAs [competências de determinada prática médica]. Há 21 competências que o médico tem que aprender para dizer que é obstetra. E ligar com casos de violência contra a mulher e abortamento está entre elas. Ele vai ser treinado para isso. Não pode dizer que tem objeção de consciência. Se tem isso, vai fazer dermatologia. Quem paga é o SUS. Estamos trabalhando para que não haja essa desculpa, que não é aceitável”, disse Olímpio.

Iniciativas apontam soluções eficientes para resíduos urbanos

Imagine o que pode ter em comum uma escola pública com mais de 600 estudantes e docentes na cidade de São José, em Santa Catarina, e um festival de música que movimenta 300 mil pessoas em uma praia artificial criada às margens do Lago Paranoá, em Brasília?

Ambos são considerados Lixo Zero, um título concedido às iniciativas que cumpriram o desafio de reduzir acima de 90% a produção de resíduos sólidos e dos impactos ambientais causados por eles.

Em São José, no ano de 2019, a professora da Escola de Educação Básica Aldo Câmara da Silva, Fabiana Nogueira Mina, decidiu propor o tema dos resíduos urbanos para uma aula de Língua Portuguesa sobre artigo de opinião. Munida de materiais como vídeos sobre o consumo, uso de sacolas plásticas e impactos desse material nos oceanos e ecossistemas, a educadora conseguiu impactar tão efetivamente os estudantes, que o debate foi além daquela aula.

Catadores coletam material para reciclagem na Avenida Nove de Julho, região central. – Rovena Rosa/Agência Brasil

Mais estudantes foram alcançados por meio de um seminário na escola, no qual o desafio fez com que toda a comunidade se engajasse em transformar as ideias debatidas em ações e que o local visse a ser a primeira escola Lixo Zero do país.

“Fomos testando, e a escola virou um grande laboratório. Enquanto tentávamos traçar um caminho para a redução de 90% do que era enviado para o aterro sanitário nós também tivemos erros”, lembra a professora.

A cada desafio, pesquisa e engajamento resultavam em inovações, como o residuário, que era um armário onde os materiais são higienizados e organizados pelos próprios estudantes por grupos para destinação.

“A utilização dos coletores e as lixeiras coloridas não deram certo, então criamos uma solução.”

Os outros educadores foram contagiados e passaram a tratar do tema de forma transversal nas demais disciplinas. Ao final do ano, com a compostagem dos resíduos orgânicos na própria escola e a doação do material reciclável a cooperativas, o desvio de resíduos atingiu 94% e a escola foi certificada.

“O engajamento dos estudantes foi crescendo e a minha curiosidade também. Eu fui entendendo que se o engajamento deles apontava aquele caminho era por ele que eu deveria seguir”, afirmou Fabiana.

Relatório

O relatório Global Waste Management Outlook 2024 (GWMO 2024), elaborado pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA), indica que 80 milhões de toneladas de resíduos sólidos domiciliares foram gerados no Brasil em 2022, Do total, quase 30 milhões de toneladas tiveram a destinação inadequada, indo parar em lixões, por exemplo, e 5 milhões de toneladas foram descartadas no meio ambiente.

Preocupados com o impacto deste problema no planeta e na saúde das pessoas, os produtores de um festival em Brasília, que ocorre anualmente, por três meses, às margens do Lago Paranoá – principal corpo hídrico da capital federal – resolveram criar um  lixo zero, em 2017. Na época, identificaram que esse tipo de festa chegava a gerar cerca de 400 toneladas de resíduo.

“Nós queríamos deixar um legado para Brasília, ressignificar a nossa relação com o Lago Paranoá, com a cultura da cidade, e, porque não usar essa plataforma de comunicação, de engajamento e transformá-la em uma plataforma de mudança do mundo”, lembra Kallel Koop, diretor de sustentabilidade do projeto.

A partir daí o projeto foi todo desenvolvido na lógica de consumo consciente e na redução da pegada ambiental, com a eliminação de itens não essenciais, a substituição de materiais convencionais por outros mais sustentáveis e a destinação adequado do resíduo gerado. Da mesma forma que os estudantes da escola de São José, os produtores também enfrentaram desafios pelo caminho.

“Tivemos que construir um ecossistema para a destinação de determinados resíduos que ainda não possuíam essa cadeia em Brasília. Até 2017, por exemplo, a gente não tinha um destinador de vidro e nossos patrocinadores principais são marcas de bebida, gerando uma quantidade imensa de garrafas de vidro.”

A solução veio com inicialmente com o envio desse resíduo para São Paulo, onde a reciclagem já era realizada. Em 2018, a mobilização dos produtores viabilizou o início de um empreendimento nesse ramo de reciclagem de vidro. O mesmo aconteceu em relação aos resíduos orgânicos, que no primeiro ano foi compostado pela organização do evento e nos anos seguintes por uma empresa de Brasília.

“A gente foi buscando os caminhos e várias soluções, várias tecnologias foram desenvolvidas para conseguir gerir resíduos.”

Com todo o empenho, o evento alcançou uma média de desvio dos resíduos de aterro sanitário de 95%, chegando a atingir 98,2% e passando a ser o primeiro festival lixo zero do país. Somado aos benefícios ambientais, o evento ainda gerou renda e criou novas cadeias produtivas para a região.

“Nós remuneramos as cooperativas para fazerem a separação dos resíduos e doamos 100% para que tenham uma remuneração maior. No final do cálculo, mesmo remunerando direitinho e não recebendo a renda dos recicláveis, o nosso custo operacional ainda é mais barato do que se que tivesse mandando para o aterro”, destaca o diretor.

Boas práticas como as da escola e do festival serão debatidas no Congresso Internacional Cidades Lixo Zero, que começa nesta terça-feira, em Brasília. Por três dias, gestores de negócios e cidades se reunião no Museu Nacional da República para trocar experiências sobre o tema, em busca de soluções sustentáveis.

De acordo com o presidente do Instituto Lixo Zero, Rodrigo Sabatini, a ideia é que bons exemplos possam motivar mais iniciativas que somem em uma transformação cultural e social por cidades mais limpas, resilientes e equitativas.

“Estamos falando de um acordo social, onde comunidades colaboram para o bem comum. Este acordo é a chave para reduzir nosso impacto ambiental, promover uma economia mais sustentável, reduzir disparidades sociais e incentivar a inovação”, conclui.