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É importante destacar vida de pessoas pretas na periferia, diz artista

A comunidade Barro, zona oeste de Recife, Pernambuco, é o berço de tudo. Ali, Jefferson Alan Mendes Ferreira da Silva nasceu, cresceu e, como promete, vai ficar para sempre. Lá também, aos quatro anos, já fazia os primeiros desenhos. Pouco tempo depois, a inspiração deixou de ser os desenhos vistos na televisão que reproduziam, por exemplo, o Pokémon, passando a ser os amigos, pessoas das quebradas e das comunidades retratados nas suas telas.

Assim surgiu o artista plástico Jeff Alan, autor das 40 obras que compõem a mostra Comigo Ninguém Pode – A Pintura de Jeff Alan, no Centro Cultural da Caixa, no Passeio, região central do Rio de Janeiro, com entrada gratuita. Aberta de terça a sábado, das 10h às 20h, e aos domingos e feriados, das 11h às 18h. A exposição conta com legendas em braile e QR code com a audiodescrição das peças.

Antes de chegar ao Rio, a mostra esteve por pouco mais de dois meses no Centro Cultural da Caixa, no Recife, onde foi vista por 85 mil pessoas. A primeira apresentação dos trabalhos foi na Casa Estação da Luz, em Olinda, centro cultural do cantor e compositor Alceu Valença.

A mãe, a manicure Lucilene, de 53 anos, foi a grande incentivadora e ainda hoje Jeff pede opiniões dela quando está criando uma obra. “Minha mãe sempre foi uma inspiração para mim, não só artística, mas de ser humano mesmo”, revela. No início os trabalhos eram em preto e branco. Não era apenas uma tendência. Jeff não sabia, mas era daltônico.

A descoberta foi aos 20 e poucos anos, quando, segundo ele, “pagou alguns micos”. Na faculdade tinha feito um quadro com fundo rosa, que descreveu como vermelho. Os colegas apontaram que estava trocando as cores. Fez alguns testes e comprovou que tinha daltonismo.

Trabalhos de Jeff Alan podem ser vistos no Centro Cultural da Caixa  – Foto Cristina Indio do Brasil

Embora tenha começado com o preto e branco, já estava trabalhando com cores antes de saber que era daltônico. Jeff conta que costuma confundir o azul com verde, o verde com marrom ou cinza, laranja claro e rosa com vermelho. As trocas dependem das cores próximas. Nada disso é problema para o pintor. “A descoberta foi pagando alguns micos e algumas cores eu já tinha decorado. Tenho a minha paleta de trabalho reduzida, então, para mim foi tranquilo”, destaca.

As cores dos fundos das obras determinam a mensagem que o artista quer passar. O azul é o sonho, o vermelho a coragem e o amarelo o ouro, a conquista de um lugar. O nome da exposição que tem entrada grátis é uma referência também à planta Comigo ninguém pode, que o artista via em muitas ruas do Barro.

Em entrevista para a Agência Brasil, Jeff Alan comentou as características do seu trabalho, a vontade de destacar pessoas da periferia e reforçar o viver do povo preto.

“Eu quero elevar a auto estima do meu povo, quero ver a juventude vivendo os seus sonhos. Esse trabalho vem aqui para denunciar, reafirmar, reivindicar e para dizer que este espaço aqui é nosso. A gente não quer só ocupar, a gente quer estar. Muita gente fala em ocupar. Ocupar para mim é uma coisa temporária. A gente quer fazer parte do corpo. A gente quer gerir. A gente também quer ditar as regras do jogo”.

Origem

“A exposição Comigo Ninguém Pode surgiu no bairro do Barro, zona oeste do Recife, periferia na esquina do Bar do Beco, do meu tio Albérico Mendes da Silva, que faleceu há dois anos. O título é uma forma de trazer o meu tio, uma homenagem e também uma reafirmação dos fazeres do povo preto. Saber que com a gente ninguém pode. A exposição fala sobre coragem, muita luta, sobre sonhos, sobre o caminho da escola, sobre o caminho vermelho, esse desejo de descobrir o caminho azul. Costumo dizer que o vermelho é a cor de coragem e o azul de sonhos”, enfatiza o artista.

Comigo Ninguém Pode

“Em todas as ruas do meu bairro vai ter uma casa que tem [a planta] comigo ninguém pode e lá em Olinda fizemos instalações com a planta natural, buscamos soluções que a gente encontra na periferia. Usar um balde de tinta, uma lata de manteiga para trazer o que de fato a gente encontra. Eu tenho um autorretrato, acho que de 2020, que tem uma Comigo Ninguém Pode ao meu lado e também tenho uma foto minha aos seis anos que tem uma Comigo Ninguém Pode atrás. Eu não lembrava e encontrei a foto depois que fiz a pintura”, recorda.

Desde cedo

Jeff Alan prossegue: “eu pinto desde criança. Lembro que na escola, quando tinha trabalho em grupo, pediam para fazer a capa. Eu costumava fazer a capa. Eu gostava muito de estudar até a oitava série, mas o que era chato no ensino fundamental e ensino médio é que você é obrigado a estudar aquilo. Já na faculdade é outra coisa. Estuda uma parada que você escolheu e eu gostava muito de matemática. O meu sobrinho Guilherme, de seis anos, faz o mesmo.

Trajetória

O pintor lembra que decalcava, usava muito papel carbono e foi crescendo fazendo muito desenho que assistia na TV. “Cavaleiros do zodíaco, Dragon Ball Z, Pokémon. Folheando minhas pastas antigas de 20 anos atrás encontrei retratos de pessoas que não sabia quem era. Acho que foram estudos que contribuíram para chegar a este resultado. Em 2008, comecei a pichar, depois grafitar e a fazer intervenções urbanas. Comecei a conhecer os movimentos de arte urbana e de 2008 até 2014 consegui desenvolver o meu estilo que era abstrato. Uns traços orgânicos e fiquei conhecido por este trabalho que me criou uma zona de conforto. De 2014 para cá já estava na faculdade de Arquitetura e passei a ter muita relação com escritório de arquitetura de design de interiores. Esse meu trabalho abstrato é muito comercial. Eu sentia que este trabalho não ia me levar ao museu, a uma galeria, a uma exposição como essa”, diz.

Pandemia

Ele conta, a seguir, que quando a pandemia de covid-19 chegou ao Brasil, “eu tive que desacelerar e passei a olhar mais para dentro. Passei a me envolver mais com a minha família, me conectei mais com meus ancestrais. Aí eu fiz O que vai ser de mim? Em um quarto minúsculo, eu fico muito só no quarto quando não estou pintando, nasceu a série Olhar para Dentro. A primeira obra foi um jovem com uma garrafa de cola na mão. Essa obra nasceu a partir de um retrato que eu tinha no meu celular. Lembro de outra obra que foi de um retrato de uma avó com a netinha na comunidade Nossa Senhora do Pilar, no Recife antigo. Aquela foto eu fiz para o meu trabalho de conclusão de curso e fui fotografar cena e tem aquele caminhar da avó com a netinha. A foto – acho que foi em 2016 e em 2020 – eu fiz essa obra. Uma obra que eu fiz, eu estava em uma janela de ônibus e vi um rapaz com um fardamento azul e ele estava folheando alguma coisa. Lembro bem desse dia. Foi no bairro de Afogados, defronte à igreja do Largo da Paz. O ônibus parou exatamente naquele local. Lembro também de um poema de Miró da Muribeca [poeta urbano do Recife que morreu em 2022] que diz que a janela de ônibus é danada para botar a gente para pensar, principalmente quando a viagem é longa. É muito inspirador. Naquele momento fiz uma foto rápida. Não pude conversar com ele porque estava dentro do ônibus, mas o que me chamou atenção foi o fato dele estar com fardamento [que remetia ao pai] e estava folheando uma coisa e que provavelmente se estivesse em ambiente de trabalho seria chamado atenção e poderia perder o emprego por estar lendo, estudando, buscando um conhecimento. Aquele momento foi muito marcante para mim. Gostaria que aquela obra estivesse aqui, mas está muito longe [não revelou onde está] porque foi vendida. É uma obra muito importante. Um desenho em aquarela com lápis de cor sobre o papel”, acrescenta.

Histórias

O artista se diz “um contador de histórias. Não faria sentido algum eu chegar aqui, te receber e dizer que essa aqui é Ivana [Pires]. É uma pintura tinta acrílica sobre tela. Quem é Ivana? Ivana é uma jovem de Salvador. Modelo que está rodando o mundo com seu rosto estampado nas principais revistas de moda. Fazendo um grande trabalho, realizando seu sonho. O que foi que emocionou Ivana? Foi ver a foto dela na capa do catálogo. Ela publicou isso e disse para mãe que era capa de um livro, que é um catálogo de uma exposição. Acho que essa reação da Ivana após esse trabalho ser concluído é porque ela entende que o trabalho foi feito por um artista preto, que tem vivências parecidas com as dela. Um artista preto que vai dialogar com tantas outras meninas que querem estar nesses lugares que Ivana está alcançando.”

Conhecer personagens

Sobre os seus trabalhos, ele diz: “muitas obras que estão aqui são de pessoas que eu conheci e me conectei, como estou me conectando com você [repórter] e tive uma troca. Facilita o meu trabalho. Aqui também tem obras de pessoas que eu não conheço, referências de filmes, de alguma coisa que vi em uma rede social, de uma pessoa que cruzou o meu caminho de forma virtual, aí vou misturando. Mas muitas obras também são autorretratos. Ao passar o tempo está cada vez mais difícil pintar pessoas que eu não conheço, por isso não aceito encomenda, porque não conseguiria apresentar uma obra sem conhecer a história daquela pessoa. Ao longo da exposição há obras que consigo me debruçar e passar horas e horas apresentando aquele trabalho, porque eu conheço aquela pessoa que está viva e em processo de mudanças. Muitas obras estão em andamento, mas o que define que uma obra está concluída e se são pessoas reais? Hoje sou uma pessoa e amanhã posso ser outra. Registrei o momento”.

Recomeço

Jeff Alan explica que, “ao longo da exposição, a gente vai ver que aparece um céu estrelado, diferente da maioria das obras, aquele desejo de poder contemplar o céu em paz, de ver as estrelas. Acho que, quando a gente olha, o céu reacende a vontade de sonhar, quando falo muito de céu eu lembro de muitas memórias da minha infância quando eu deitava no chão e ficava olhando o céu, as nuvens e ficava brincando com aquilo e desenhando. Acredito que esse sonho azul é o céu de sonhos, é o céu do recomeço. Tem uma obra minha que se chama Recomeçar, que não está aqui, mas estava no Recife, ela fala sobre um jovem que está no Casem, que é a casa de semiliberdade da Funase [Fundação de Atendimento Socioeducativo do Recife], que eu conheci durante uma atividade eu fui fazer lá. Esse jovem se encontra em dois lugares. No Casem e no museu. E aí nas visitas mediadas acontecem muitas provocações e lá [alguém] perguntava. ‘Quem foi conhecer a história desse jovem no Casem?’. Ninguém, mas vocês estão vindo aqui ao museu. Será que é preciso colocar uma obra dentro de um museu para que vocês conheçam esses jovens? Para que entendam que esses jovens existem, têm sonhos e queriam estar agora aqui conosco? Então, esse azul dessa obra é de recomeço”.

Novidade

O artista explica que “a obra de Caíque é a grande novidade dessa exposição no Centro Cultural da Caixa, no Rio. O retrato tem escrito coragem atrás com uma parede vermelha manchada. Esse vermelho que eu falei ser de coragem muitas vezes é um caminho de sangue. É o caminho que a gente atravessa, seja no caminho para a escola, para o trabalho e até para o lazer. Como é atravessar esse caminho sangrento e não perder a vontade de sonhar e viver de seus sonhos? É muito desafiador a vida do jovem, não só do jovem, mas do povo periférico, do povo preto. Então, vejo o Caíque atravessando esse caminho vermelho em busca do sonho dele de ser jogador de futebol, que é o que ele quer agora. Ele já joga, mas que ele seja o que quiser e tenha liberdade de sonhar e ver os seus sonhos, como a gente está vendo aqui em outra obra onde está escrito em uma bolsa Sonhos Vivos e aparece com o fardamento [uniforme] azul da rede pública do Recife. O que eu quero dizer com isso? Que o caminho da escola para mim foi de sonhos, de descobertas. Foi no caminho da escola que comecei a pichar, fazer grafites, foi onde comecei a me entender enquanto artista e qual o lugar quero ocupar dentro da cidade”.

Invisibilidade

O pintor pernambucano pergunta: “quem se preocupa com os sonhos da população de rua? Muitas das obras falam da vontade de sonhar, de viver os seus sonhos e em paz, não mais um caminho vermelho de sangue, mas de amor. Na infância me ensinaram que vermelho era amor. Eu cresci e fui vendo que vermelho é a cor que interrompe muitos sonhos da nossa juventude. Que vermelho é a cor dos nossos corpos estirados no chão. É uma mancha na parede na casa de Douglas, de Caíque, da minha casa e de tantas outras que vivem nesse caos. A gente não quer mais falar nesse vermelho amor. Espero que, no próximo encontro, a gente possa falar sobre conquistas, afeto. Aqui as obras não aparecem sorrindo. É todo mundo muito atento, meio que penetra. Acho que isso vem muito do estranhamento de visitar ambientes de cultura e não me ver representado ao longo de todos esses anos. Hoje a coisa já está mudando. Pronto, aqui mesmo no Rio a gente tem o MAR [Museu de Arte do Rio], acredito que é um museu que tem a cara do povo. Esse diálogo que trago aqui nesta exposição já acontece no MAR e em outros equipamentos de cultura do Brasil todo. Demorou muito para que a gente tivesse este espaço, mas a gente vai escrever uma outra história que não vai desrespeitar o que nossos ancestrais fizeram”.

Reflexo da vida

“Tudo que acontece nesta exposição, acontece nas ruas, então, não fará sentido algum se as pessoas que vierem aqui continuarem ignorando as pessoas nas calçadas, no caminho da escola. Essas pessoas existem. São pessoas que têm sonhos e vontade de viver. Estou muito feliz de estar aqui e otimista com as relações que a gente vai construir ao longo dessa exposição. O espaço está aberto para receber, principalmente, gente de quebrada, de favela, maloqueiro e que essas obras sejam vistas como espelho. Não fará sentido algum essa exposição aqui para um público branco contemplar. Não que seja um problema, mas antes de tudo é importante que as pessoas se vejam e se identifiquem nestas obras. Que sejam espelhos” observa.

Público

Pensando na capital pernambucana, Jeff diz que “lá no Recife ganhei mais de cinco mil seguidores. Tem um depoimento de uma senhora de 56 anos. Ela falou: ‘Essa é a primeira vez que venho a um museu. Sempre achei que era lugar de patrão’. Ela é trabalhadora doméstica e escutava muita história dos patrões indo viajar. Ela ganhou um convite. A gente buscou esse público que nunca tinha ido a um museu, porque, do contrário, fica sempre dentro da mesma bolha. A gente chamou pessoas que estavam atravessando a rua, comerciantes, pessoas em situação de rua. Pessoas que são a cara da exposição. Isso eleva muito a auto estima. Depois que foi lá, foi de novo e passou a entender que arte também é para ela”.

Caminhos

Ele enfatiza que há “caminhos vermelho, azul e amarelo. Tem composição com amarelo. O que é esse amarelo? Eu sou daltônico, então a minha paleta é muito reduzida. As cores se repetem muito e são cores que me apresentaram na infância. Uso muito o azul, que vem muito do fardamento [macacão] que meu pai usava [ele era mecânico da CBTU – Companhia Brasileira de Trens Urbanos]. A memória que tenho do azul vem muito disso. O amarelo, nesses brincos que se repetem em muitas obras e mudam de tamanho, representa o ouro. Em algum momento eu disse que ia substituir esse amarelo por uma folha de ouro, deixei levar e meio que se criou identidade e eu mantive. O amarelo é para representar o ouro que é nosso, que foi roubado e a gente quer de volta. A gente quer portar ouro, prata, enfim, portar joias. Em algumas obras aparecem acessórios, búzios”.

Vermelho nos olhos

Ainda sobre cores, o artista afirma que “o vermelho nos olhos vem muito da expressão sangue nos olhos. Parte de muita indignação que resultou nesta exposição. Posso dizer que fiquei muito tempo com sangue nos olhos, por falta de visibilidade, falta de espaço, por não me sentir representado. Isso tem muito de indignação. Eu pinto muito quando estou triste, mas pinto muito mais quando estou feliz. Acho que essa necessidade de pintar em um momento de tristeza é para colocar para fora o que eu tenho de melhor, para me sentir vivo, me sentir útil. Essas obras são resultado de muitas emoções, de muita revolta e também de muita alegria e de muitos sonhos”, confessa.

Família

Em outro ponto da entrevista, o artista diz que, “pela primeira vez a minha família viajou para o Rio de Janeiro [veio para a abertura da exposição na quarta-feira (21)]. Minha mãe, dona Lucilene, na primeira vez que andou de avião foi para ver a exposição do filho dela e com dinheiro de arte. Minhas irmãs estão aqui, meu sobrinho com seis anos de idade fez a primeira viagem de avião. Eu fiz quando já estava com mais de 20 anos. Poder proporcionar isso para minha família, vivendo do meu sonho, é algo que eu sempre quis. Desde criança quis viver de arte. Até os 15 anos ficava dividido entre futebol e artes visuais, mas nunca deixei de pintar”.

Mostra é rica em cores e expressão – Foto Cristina Indio do Brasil

Sonho

O artista finaliza o seu depoimento falando de sonhos. “Um dos meus principais sonhos é construir uma Escola de Arte no meu bairro. Não só uma escola de arte, mas uma escola para potencializar sonhos. Venho juntando recursos para realizar e viver esse sonho. [Vamos perguntar] Qual é teu sonho? ‘Ser jogador de futebol’. Como podemos ajudar a concretizar isso? Bora fazer vídeos teus jogando. Se quer ser costureira bora fazer parcerias com grandes marcas. Isso que estou vivendo há muitos anos é muito gostoso. É muito prazeroso viver dos sonhos. É muito bom”.

É importante destacar vida de pessoas pretas na periferia, diz artista

A comunidade Barro, zona oeste de Recife, Pernambuco, é o berço de tudo. Ali, Jefferson Alan Mendes Ferreira da Silva nasceu, cresceu e, como promete, vai ficar para sempre. Lá também, aos quatro anos, já fazia os primeiros desenhos. Pouco tempo depois, a inspiração deixou de ser os desenhos vistos na televisão que reproduziam, por exemplo, o Pokémon, passando a ser os amigos, pessoas das quebradas e das comunidades retratados nas suas telas.

Assim surgiu o artista plástico Jeff Alan, autor das 40 obras que compõem a mostra Comigo Ninguém Pode – A Pintura de Jeff Alan, no Centro Cultural da Caixa, no Passeio, região central do Rio de Janeiro, com entrada gratuita. Aberta de terça a sábado, das 10h às 20h, e aos domingos e feriados, das 11h às 18h. A exposição conta com legendas em braile e QR code com a audiodescrição das peças.

Antes de chegar ao Rio, a mostra esteve por pouco mais de dois meses no Centro Cultural da Caixa, no Recife, onde foi vista por 85 mil pessoas. A primeira apresentação dos trabalhos foi na Casa Estação da Luz, em Olinda, centro cultural do cantor e compositor Alceu Valença.

A mãe, a manicure Lucilene, de 53 anos, foi a grande incentivadora e ainda hoje Jeff pede opiniões dela quando está criando uma obra. “Minha mãe sempre foi uma inspiração para mim, não só artística, mas de ser humano mesmo”, revela. No início os trabalhos eram em preto e branco. Não era apenas uma tendência. Jeff não sabia, mas era daltônico.

A descoberta foi aos 20 e poucos anos, quando, segundo ele, “pagou alguns micos”. Na faculdade tinha feito um quadro com fundo rosa, que descreveu como vermelho. Os colegas apontaram que estava trocando as cores. Fez alguns testes e comprovou que tinha daltonismo.

Trabalhos de Jeff Alan podem ser vistos no Centro Cultural da Caixa  – Foto Cristina Indio do Brasil

Embora tenha começado com o preto e branco, já estava trabalhando com cores antes de saber que era daltônico. Jeff conta que costuma confundir o azul com verde, o verde com marrom ou cinza, laranja claro e rosa com vermelho. As trocas dependem das cores próximas. Nada disso é problema para o pintor. “A descoberta foi pagando alguns micos e algumas cores eu já tinha decorado. Tenho a minha paleta de trabalho reduzida, então, para mim foi tranquilo”, destaca.

As cores dos fundos das obras determinam a mensagem que o artista quer passar. O azul é o sonho, o vermelho a coragem e o amarelo o ouro, a conquista de um lugar. O nome da exposição que tem entrada grátis é uma referência também à planta Comigo ninguém pode, que o artista via em muitas ruas do Barro.

Em entrevista para a Agência Brasil, Jeff Alan comentou as características do seu trabalho, a vontade de destacar pessoas da periferia e reforçar o viver do povo preto.

“Eu quero elevar a auto estima do meu povo, quero ver a juventude vivendo os seus sonhos. Esse trabalho vem aqui para denunciar, reafirmar, reivindicar e para dizer que este espaço aqui é nosso. A gente não quer só ocupar, a gente quer estar. Muita gente fala em ocupar. Ocupar para mim é uma coisa temporária. A gente quer fazer parte do corpo. A gente quer gerir. A gente também quer ditar as regras do jogo”.

Origem

“A exposição Comigo Ninguém Pode surgiu no bairro do Barro, zona oeste do Recife, periferia na esquina do Bar do Beco, do meu tio Albérico Mendes da Silva, que faleceu há dois anos. O título é uma forma de trazer o meu tio, uma homenagem e também uma reafirmação dos fazeres do povo preto. Saber que com a gente ninguém pode. A exposição fala sobre coragem, muita luta, sobre sonhos, sobre o caminho da escola, sobre o caminho vermelho, esse desejo de descobrir o caminho azul. Costumo dizer que o vermelho é a cor de coragem e o azul de sonhos”, enfatiza o artista.

Comigo Ninguém Pode

“Em todas as ruas do meu bairro vai ter uma casa que tem [a planta] comigo ninguém pode e lá em Olinda fizemos instalações com a planta natural, buscamos soluções que a gente encontra na periferia. Usar um balde de tinta, uma lata de manteiga para trazer o que de fato a gente encontra. Eu tenho um autorretrato, acho que de 2020, que tem uma Comigo Ninguém Pode ao meu lado e também tenho uma foto minha aos seis anos que tem uma Comigo Ninguém Pode atrás. Eu não lembrava e encontrei a foto depois que fiz a pintura”, recorda.

Desde cedo

Jeff Alan prossegue: “eu pinto desde criança. Lembro que na escola, quando tinha trabalho em grupo, pediam para fazer a capa. Eu costumava fazer a capa. Eu gostava muito de estudar até a oitava série, mas o que era chato no ensino fundamental e ensino médio é que você é obrigado a estudar aquilo. Já na faculdade é outra coisa. Estuda uma parada que você escolheu e eu gostava muito de matemática. O meu sobrinho Guilherme, de seis anos, faz o mesmo.

Trajetória

O pintor lembra que decalcava, usava muito papel carbono e foi crescendo fazendo muito desenho que assistia na TV. “Cavaleiros do zodíaco, Dragon Ball Z, Pokémon. Folheando minhas pastas antigas de 20 anos atrás encontrei retratos de pessoas que não sabia quem era. Acho que foram estudos que contribuíram para chegar a este resultado. Em 2008, comecei a pichar, depois grafitar e a fazer intervenções urbanas. Comecei a conhecer os movimentos de arte urbana e de 2008 até 2014 consegui desenvolver o meu estilo que era abstrato. Uns traços orgânicos e fiquei conhecido por este trabalho que me criou uma zona de conforto. De 2014 para cá já estava na faculdade de Arquitetura e passei a ter muita relação com escritório de arquitetura de design de interiores. Esse meu trabalho abstrato é muito comercial. Eu sentia que este trabalho não ia me levar ao museu, a uma galeria, a uma exposição como essa”, diz.

Pandemia

Ele conta, a seguir, que quando a pandemia de covid-19 chegou ao Brasil, “eu tive que desacelerar e passei a olhar mais para dentro. Passei a me envolver mais com a minha família, me conectei mais com meus ancestrais. Aí eu fiz O que vai ser de mim? Em um quarto minúsculo, eu fico muito só no quarto quando não estou pintando, nasceu a série Olhar para Dentro. A primeira obra foi um jovem com uma garrafa de cola na mão. Essa obra nasceu a partir de um retrato que eu tinha no meu celular. Lembro de outra obra que foi de um retrato de uma avó com a netinha na comunidade Nossa Senhora do Pilar, no Recife antigo. Aquela foto eu fiz para o meu trabalho de conclusão de curso e fui fotografar cena e tem aquele caminhar da avó com a netinha. A foto – acho que foi em 2016 e em 2020 – eu fiz essa obra. Uma obra que eu fiz, eu estava em uma janela de ônibus e vi um rapaz com um fardamento azul e ele estava folheando alguma coisa. Lembro bem desse dia. Foi no bairro de Afogados, defronte à igreja do Largo da Paz. O ônibus parou exatamente naquele local. Lembro também de um poema de Miró da Muribeca [poeta urbano do Recife que morreu em 2022] que diz que a janela de ônibus é danada para botar a gente para pensar, principalmente quando a viagem é longa. É muito inspirador. Naquele momento fiz uma foto rápida. Não pude conversar com ele porque estava dentro do ônibus, mas o que me chamou atenção foi o fato dele estar com fardamento [que remetia ao pai] e estava folheando uma coisa e que provavelmente se estivesse em ambiente de trabalho seria chamado atenção e poderia perder o emprego por estar lendo, estudando, buscando um conhecimento. Aquele momento foi muito marcante para mim. Gostaria que aquela obra estivesse aqui, mas está muito longe [não revelou onde está] porque foi vendida. É uma obra muito importante. Um desenho em aquarela com lápis de cor sobre o papel”, acrescenta.

Histórias

O artista se diz “um contador de histórias. Não faria sentido algum eu chegar aqui, te receber e dizer que essa aqui é Ivana [Pires]. É uma pintura tinta acrílica sobre tela. Quem é Ivana? Ivana é uma jovem de Salvador. Modelo que está rodando o mundo com seu rosto estampado nas principais revistas de moda. Fazendo um grande trabalho, realizando seu sonho. O que foi que emocionou Ivana? Foi ver a foto dela na capa do catálogo. Ela publicou isso e disse para mãe que era capa de um livro, que é um catálogo de uma exposição. Acho que essa reação da Ivana após esse trabalho ser concluído é porque ela entende que o trabalho foi feito por um artista preto, que tem vivências parecidas com as dela. Um artista preto que vai dialogar com tantas outras meninas que querem estar nesses lugares que Ivana está alcançando.”

Conhecer personagens

Sobre os seus trabalhos, ele diz: “muitas obras que estão aqui são de pessoas que eu conheci e me conectei, como estou me conectando com você [repórter] e tive uma troca. Facilita o meu trabalho. Aqui também tem obras de pessoas que eu não conheço, referências de filmes, de alguma coisa que vi em uma rede social, de uma pessoa que cruzou o meu caminho de forma virtual, aí vou misturando. Mas muitas obras também são autorretratos. Ao passar o tempo está cada vez mais difícil pintar pessoas que eu não conheço, por isso não aceito encomenda, porque não conseguiria apresentar uma obra sem conhecer a história daquela pessoa. Ao longo da exposição há obras que consigo me debruçar e passar horas e horas apresentando aquele trabalho, porque eu conheço aquela pessoa que está viva e em processo de mudanças. Muitas obras estão em andamento, mas o que define que uma obra está concluída e se são pessoas reais? Hoje sou uma pessoa e amanhã posso ser outra. Registrei o momento”.

Recomeço

Jeff Alan explica que, “ao longo da exposição, a gente vai ver que aparece um céu estrelado, diferente da maioria das obras, aquele desejo de poder contemplar o céu em paz, de ver as estrelas. Acho que, quando a gente olha, o céu reacende a vontade de sonhar, quando falo muito de céu eu lembro de muitas memórias da minha infância quando eu deitava no chão e ficava olhando o céu, as nuvens e ficava brincando com aquilo e desenhando. Acredito que esse sonho azul é o céu de sonhos, é o céu do recomeço. Tem uma obra minha que se chama Recomeçar, que não está aqui, mas estava no Recife, ela fala sobre um jovem que está no Casem, que é a casa de semiliberdade da Funase [Fundação de Atendimento Socioeducativo do Recife], que eu conheci durante uma atividade eu fui fazer lá. Esse jovem se encontra em dois lugares. No Casem e no museu. E aí nas visitas mediadas acontecem muitas provocações e lá [alguém] perguntava. ‘Quem foi conhecer a história desse jovem no Casem?’. Ninguém, mas vocês estão vindo aqui ao museu. Será que é preciso colocar uma obra dentro de um museu para que vocês conheçam esses jovens? Para que entendam que esses jovens existem, têm sonhos e queriam estar agora aqui conosco? Então, esse azul dessa obra é de recomeço”.

Novidade

O artista explica que “a obra de Caíque é a grande novidade dessa exposição no Centro Cultural da Caixa, no Rio. O retrato tem escrito coragem atrás com uma parede vermelha manchada. Esse vermelho que eu falei ser de coragem muitas vezes é um caminho de sangue. É o caminho que a gente atravessa, seja no caminho para a escola, para o trabalho e até para o lazer. Como é atravessar esse caminho sangrento e não perder a vontade de sonhar e viver de seus sonhos? É muito desafiador a vida do jovem, não só do jovem, mas do povo periférico, do povo preto. Então, vejo o Caíque atravessando esse caminho vermelho em busca do sonho dele de ser jogador de futebol, que é o que ele quer agora. Ele já joga, mas que ele seja o que quiser e tenha liberdade de sonhar e ver os seus sonhos, como a gente está vendo aqui em outra obra onde está escrito em uma bolsa Sonhos Vivos e aparece com o fardamento [uniforme] azul da rede pública do Recife. O que eu quero dizer com isso? Que o caminho da escola para mim foi de sonhos, de descobertas. Foi no caminho da escola que comecei a pichar, fazer grafites, foi onde comecei a me entender enquanto artista e qual o lugar quero ocupar dentro da cidade”.

Invisibilidade

O pintor pernambucano pergunta: “quem se preocupa com os sonhos da população de rua? Muitas das obras falam da vontade de sonhar, de viver os seus sonhos e em paz, não mais um caminho vermelho de sangue, mas de amor. Na infância me ensinaram que vermelho era amor. Eu cresci e fui vendo que vermelho é a cor que interrompe muitos sonhos da nossa juventude. Que vermelho é a cor dos nossos corpos estirados no chão. É uma mancha na parede na casa de Douglas, de Caíque, da minha casa e de tantas outras que vivem nesse caos. A gente não quer mais falar nesse vermelho amor. Espero que, no próximo encontro, a gente possa falar sobre conquistas, afeto. Aqui as obras não aparecem sorrindo. É todo mundo muito atento, meio que penetra. Acho que isso vem muito do estranhamento de visitar ambientes de cultura e não me ver representado ao longo de todos esses anos. Hoje a coisa já está mudando. Pronto, aqui mesmo no Rio a gente tem o MAR [Museu de Arte do Rio], acredito que é um museu que tem a cara do povo. Esse diálogo que trago aqui nesta exposição já acontece no MAR e em outros equipamentos de cultura do Brasil todo. Demorou muito para que a gente tivesse este espaço, mas a gente vai escrever uma outra história que não vai desrespeitar o que nossos ancestrais fizeram”.

Reflexo da vida

“Tudo que acontece nesta exposição, acontece nas ruas, então, não fará sentido algum se as pessoas que vierem aqui continuarem ignorando as pessoas nas calçadas, no caminho da escola. Essas pessoas existem. São pessoas que têm sonhos e vontade de viver. Estou muito feliz de estar aqui e otimista com as relações que a gente vai construir ao longo dessa exposição. O espaço está aberto para receber, principalmente, gente de quebrada, de favela, maloqueiro e que essas obras sejam vistas como espelho. Não fará sentido algum essa exposição aqui para um público branco contemplar. Não que seja um problema, mas antes de tudo é importante que as pessoas se vejam e se identifiquem nestas obras. Que sejam espelhos” observa.

Público

Pensando na capital pernambucana, Jeff diz que “lá no Recife ganhei mais de cinco mil seguidores. Tem um depoimento de uma senhora de 56 anos. Ela falou: ‘Essa é a primeira vez que venho a um museu. Sempre achei que era lugar de patrão’. Ela é trabalhadora doméstica e escutava muita história dos patrões indo viajar. Ela ganhou um convite. A gente buscou esse público que nunca tinha ido a um museu, porque, do contrário, fica sempre dentro da mesma bolha. A gente chamou pessoas que estavam atravessando a rua, comerciantes, pessoas em situação de rua. Pessoas que são a cara da exposição. Isso eleva muito a auto estima. Depois que foi lá, foi de novo e passou a entender que arte também é para ela”.

Caminhos

Ele enfatiza que há “caminhos vermelho, azul e amarelo. Tem composição com amarelo. O que é esse amarelo? Eu sou daltônico, então a minha paleta é muito reduzida. As cores se repetem muito e são cores que me apresentaram na infância. Uso muito o azul, que vem muito do fardamento [macacão] que meu pai usava [ele era mecânico da CBTU – Companhia Brasileira de Trens Urbanos]. A memória que tenho do azul vem muito disso. O amarelo, nesses brincos que se repetem em muitas obras e mudam de tamanho, representa o ouro. Em algum momento eu disse que ia substituir esse amarelo por uma folha de ouro, deixei levar e meio que se criou identidade e eu mantive. O amarelo é para representar o ouro que é nosso, que foi roubado e a gente quer de volta. A gente quer portar ouro, prata, enfim, portar joias. Em algumas obras aparecem acessórios, búzios”.

Vermelho nos olhos

Ainda sobre cores, o artista afirma que “o vermelho nos olhos vem muito da expressão sangue nos olhos. Parte de muita indignação que resultou nesta exposição. Posso dizer que fiquei muito tempo com sangue nos olhos, por falta de visibilidade, falta de espaço, por não me sentir representado. Isso tem muito de indignação. Eu pinto muito quando estou triste, mas pinto muito mais quando estou feliz. Acho que essa necessidade de pintar em um momento de tristeza é para colocar para fora o que eu tenho de melhor, para me sentir vivo, me sentir útil. Essas obras são resultado de muitas emoções, de muita revolta e também de muita alegria e de muitos sonhos”, confessa.

Família

Em outro ponto da entrevista, o artista diz que, “pela primeira vez a minha família viajou para o Rio de Janeiro [veio para a abertura da exposição na quarta-feira (21)]. Minha mãe, dona Lucilene, na primeira vez que andou de avião foi para ver a exposição do filho dela e com dinheiro de arte. Minhas irmãs estão aqui, meu sobrinho com seis anos de idade fez a primeira viagem de avião. Eu fiz quando já estava com mais de 20 anos. Poder proporcionar isso para minha família, vivendo do meu sonho, é algo que eu sempre quis. Desde criança quis viver de arte. Até os 15 anos ficava dividido entre futebol e artes visuais, mas nunca deixei de pintar”.

Mostra é rica em cores e expressão – Foto Cristina Indio do Brasil

Sonho

O artista finaliza o seu depoimento falando de sonhos. “Um dos meus principais sonhos é construir uma Escola de Arte no meu bairro. Não só uma escola de arte, mas uma escola para potencializar sonhos. Venho juntando recursos para realizar e viver esse sonho. [Vamos perguntar] Qual é teu sonho? ‘Ser jogador de futebol’. Como podemos ajudar a concretizar isso? Bora fazer vídeos teus jogando. Se quer ser costureira bora fazer parcerias com grandes marcas. Isso que estou vivendo há muitos anos é muito gostoso. É muito prazeroso viver dos sonhos. É muito bom”.

Peça, documentário e música homenageiam mortos da Vila Socó

“Não devemos esquecer os nossos irmãos da Vila Socó, transformados em cinzas, lixo em pó. A tragédia da Vila Socó mostra como o trabalhador é explorado, esmagado sem nenhum dó”.

Foi assim que, em 1984, o compositor Gilberto Mendes (1922-2016) descreveu a peça que compôs para coro chamada Vila Socó Meu Amor. A peça foi sua forma de homenagear as vítimas do incêndio ocorrido na madrugada dos dias 24 e 25 de fevereiro de 1984, em Cubatão, e que devastou a população que vivia no bairro.

Em depoimento ao pianista, professor e amigo José Eduardo Martins, publicado na edição de dezembro de 1991 da revista Estudos Avançados, da Universidade de São Paulo (USP), Gilberto Mendes destacou ter escrito a música não só como uma homenagem, mas também como denúncia. “O descaso não tem fim”, escreveu o compositor na época.

“Com minha música, pretendi ter feito alguma coisa in memoriam dos mortos por aquela verdadeira bomba de Hiroshima que foi a explosão da Vila Socó. Por isso a lembrança, no título, do [diretor francês] Alain Resnais, da imensa piedade pelo destino dos homens, que seu extraordinário filme [Hiroshima meu amor] comunica. Meu colega Celso Delneri dirigia um coral feminino no Departamento de Música da Escola de Comunicações e Artes da USP e me havia pedido uma música. O horror diante da terrível notícia deu-me o impulso”, comentou Mendes.

Vila Socó Meu Amor não é a única expressão cultural que procura manter viva a memória daquele incêndio que, oficialmente, vitimou 93 pessoas, mas pode ter realmente matado 508. Outras manifestações culturais como o teatro e o cinema também têm buscado resgatar essa memória.

Teatro

Esse é o caso, por exemplo, da peça Vila Socó, do coletivo 302, que estreará ainda neste ano. A peça é parte de uma trilogia industrial sobre a cidade de Cubatão, que teve início com uma peça sobre a Vila Parisi, passou pela Vila Fabril e que se encerra com a Vila Socó. “Essa história representa a gente contar um pouco sobre nossos antepassados, sobre nossa cidade e entender como chegamos nesse ponto em que estamos hoje na cidade de Cubatão. Para nós, artistas, é uma maneira de se fazer Justiça nessa cidade e sermos contemporâneos de teatro”, explicou Matheus Lípari, 29 anos, performer e iluminador da peça.

Essa memória vem sendo reavivada há mais de um ano pelo coletivo por meio de pesquisas e depoimentos de pessoas que viveram o incêndio. E contará até mesmo com uma experiência pessoal. Um dos atores e diretores do coletivo, Douglas Lima, 34 anos, por exemplo, nasceu pouco tempo depois do incêndio e passou sua infância na Vila Socó. “Minha mãe e meu pai moravam na Vila São José (antiga Vila Socó) na época do incêndio. São sobreviventes”, contou ele à Agência Brasil.

Cinema

Antes da peça, o curta documental Uma Tragédia Anunciada, dirigido pelo produtor audiovisual Diego Moura e que pode ser assistido gratuitamente no YouTube, já buscava reavivar as lembranças e consequências daquele incêndio. Exibido pela primeira vez em 2014, quando a tragédia completou 30 anos, Uma Tragédia Anunciada entrevista diversas pessoas que presenciaram o incêndio.

“Eu cresci no bairro de Vila São José, a poucos metros de onde a tragédia aconteceu. Então, eu cresci ouvindo histórias, vendo vídeos registrados nas antigas fitas VHS e, em 2010, ingressei na faculdade de cinema. Com o tempo, percebi que a memória dessa lembrança estava se perdendo, os jovens não conheciam a história. O curta fez parte inicialmente de um mero trabalho para faculdade, mas acabou se tornando o impulsor para que a memória das vítimas da tragédia e da cidade fossem relembrados e, mais do que isso, para que fosse aberta uma nova discussão sobre os efeitos da industrialização desenfreada que aconteceu na cidade de Cubatão, nas décadas de 60 e 70, e que culminou nessa tragédia na década de 80”, disse Moura, à Agência Brasil.

Durante a produção do documentário, Moura se surpreendeu com os depoimentos das vítimas do incêndio. “Durante as gravações, conheci muitas histórias impactantes e, se há algo que me revolta até hoje, foi como esse processo foi conduzido na época da tragédia. Houve omissão total das autoridades: nos dados oficiais dizem que morreram ‘apenas 93 vítimas’, porém os relatos das pessoas do local dizem que foi muito mais que isso”, aponta.

Conhecer o passado

A intenção da música, da peça e do documentário para cinema sobre a Vila Socó é impedir o apagamento de um incêndio que pode ter sofrido uma tentativa de abafamento durante a ditadura militar. “Reduzir o impacto da tragédia tinha três objetivos básicos: evitar a repercussão nacional e internacional para a empresa [Petrobras], reduzir o custo das indenizações e garantir a impunidade. E isso tudo foi feito”, avaliou o advogado e jornalista Dojival Vieira, durante depoimento à Comissão Estadual da Verdade de São Paulo, em 2014.

Brasília (DF) 22/02/2024 – Vila Socó (hoje Vila São José), em Cubatão. O incêndio foi causado por vazamento de combustíveis de oleodutos que ligavam a Refinaria Presidente Bernardes de Cubatão (RPBC) ao terminal portuário da Alemoa. Foto: Biblioteca Municipal de Cubatão/Divulgação – Biblioteca Municipal de Cubatão/Divulgação

Mas levar a Vila Socó para os palcos e para a tela grande é também uma forma de buscar entender o passado e evitar sua repetição no futuro. “O papel da arte em contar uma história é, para mim, sempre trazer à tona as histórias em si para que elas não sejam esquecidas, para que o apagamento não aconteça. O papel da arte é fazer com que essa história não seja esquecida e para que as futuras gerações possam lembrar disso e saber sobre o que aconteceu, de fato, nesse dia. Com essa história, vamos tentar resgatar memórias, resgatar a ancestralidade e fazer com que isso não seja esquecido e para que não aconteça nunca mais”, disse Sandy Andrade, 30 anos, atriz e produtora da peça teatral.

“Cada vez mais, a arte e o cinema são usados para trazer para a atualidade temas que foram deixados de lado. Cada vez mais são produzidos conteúdos sobre nosso passado. E especialmente nesse caso da Vila Socó, o cinema foi a ferramenta que tínhamos para trazer essa memória tão desagradável. Eu acho que as vítimas mereciam isso, como uma forma de homenagem. Essas mesmas vítimas que foram esquecidas e negligenciadas pelas autoridades. Acredito que um dos papéis da arte é esse: mostrar e lembrar os nossos erros para que não sejam cometidos novamente”, acrescentou Moura.

Motoboy negro agredido com faca é indiciado por agressão

O motoboy Éverton Henrique Goandete da Silva, de 40 anos, foi indiciado por lesão corporal leve e desobediência policial pela Polícia Civil do Rio Grande do Sul após o episódio em que ele próprio foi agredido com um canivete no pescoço pelo aposentado Sérgio Kupstaitis, de 71 anos, no bairro Rio Branco, em Porto Alegre (RS). O caso ocorreu no último sábado (17) e gerou revolta na internet, no dia seguinte, com a repercussão das imagens.

De acordo com manifestações de testemunhas e vídeos postados nas redes sociais, policiais da Brigada Militar prenderam o motoboy que havia chamado a polícia após ter sofrido tentativa de homicídio, por parte do idoso, uma pessoa branca, que portava a faca usada no crime. Enquanto prendia o motoboy, o agressor conversava tranquilamente com os policiais.

Sérgio Kupstaitis também deve responder na Justiça, mas apenas pelo crime de lesão corporal leve. De acordo com a investigação, cujos resultados foram divulgados nesta sexta-feira (23), em uma coletiva de imprensa, os dois envolvidos tinham desavenças desde o ano passado e que o episódio foi uma agressão mútua. O caso foi remetido ao Poder Judiciário, que decidirá sobre oferecer ou não denúncia contra os indiciados.

“Caso o Ministério Público ou o próprio Poder Judiciário entenda que houve um crime mais grave, o inquérito policial retorna à delegacia para novas diligências. Porém, entendemos que o fato está devidamente elucidado por parte da Polícia Civil”, afirmou o subchefe da Polícia Civil do Rio Grande do Sul, delegado Heraldo Chaves Guerreiro.

A repercussão do caso mobilizou autoridades. O ministro dos Direitos Humanos e da Cidadania, Silvio Almeida, afirmou que o caso retrata o racismo institucionalizado ainda presente no país, e criticou a ação da Brigada Militar. Já o governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite, determinou abertura de sindicância, concluída nesta sexta.

Ação da Brigada Militar

Já o resultado da sindicância da Brigada Militar não apontou indícios de crime militar ou de crime comum de parte dos policiais militares envolvidos na ocorrência. Em apresentação aos jornalistas, o corregedor-geral da BM, coronel Vladimir da Rosa, explicou as conclusões.

“Não houve agressão física perpetrada pelos policiais militares. Todas as 21 testemunhas que foram trazidas voluntariamente ou se apresentaram ratificaram que não houve nenhum tipo de agressão física por parte dos policiais em relação aos presos e que não houve qualquer agressão verbal, nem qualquer tipo de discriminação”, disse o coronel.

No entendimento da Corregedoria, houve uma “transgressão da disciplina militar” porque os policiais não acompanharam Sérgio Kupstaitis até sua casa para vestir uma camiseta e buscar documento. O autor da agressão com canivete também não foi conduzido à delegacia em um camburão, mas no banco de trás da viatura, diferentemente do motoboy.  

Agora, a Corregedoria tem oito dias para notificar os quatro policiais do resultado da sindicância. Uma vez notificados, eles têm o prazo de 15 dias para apresentar as defesas. Depois disso, conforme o entendimento da Corregedoria, eles poderão cumprir um período de detenção. Como não houve indiciamento pela abordagem realizada pelos policiais, o caso não será remetido à Justiça comum ou à Justiça Militar.

Se for do entendimento dos seus comandos, os PMs podem voltar imediatamente ao trabalho nas ruas. Dois deles haviam sido deslocados para trabalhos administrativos até o final da sindicância, informou a BM.

Masp inaugura duas exposições que terão diversidade como tema

Com duas novas mostras, o Museu de Arte de São Paulo (Masp) inaugura neste mês de fevereiro o seu ano dedicado ao tema Histórias da Diversidade. As duas mostram estão à disposição do público nesta sexta-feira (23).

A primeira delas é Gran Fury: arte não é o bastante, que apresenta trabalhos do coletivo norte-americano que estarão pela primeira vez na América Latina. A exposição, que acontece no primeiro subsolo do museu e fica em cartaz até o dia 9 de junho, reúne 77 obras do Gran Fury e que discutem a crise da Aids nos Estados Unidos entre as décadas de 80 e 90. A curadoria é de André Mesquita, com assistência de David Ribeiro.

“O Gran Fury é um coletivo formado em 1988 na cidade de Nova York, que produziu até mais ou menos 1995. Esse é um coletivo que emergiu a partir de uma organização ativista chamada Act Up (Aids Coalition to Unleash Power), que em tradução livre seria algo como Coalizão da Aids para Libertar o Poder. Essa organização era não partidária, formada em março de 1987, em Nova York, no contexto da chamada crise da Aids nos Estados Unidos”, explicou o curador André Mesquita.

Essa organização começou a ser formada, destacou Mesquita, em um momento em que a comunidade gay e lésbica (denominação que era adotada naquela época) via seus amigos, familiares e companheiros morrerem rapidamente por causa da Aids, sem um tratamento eficaz ou medicação adequada. “Então, essas pessoas se organizaram para a conscientização em relação ao HIV e à Aids, para criticar e demandar ações por parte do governo em termos de políticas públicas e combater o preconceito que existia e que persiste em relação a pessoas com HIV”, disse Mesquita.

E foi dentro dessa organização que surgiu o Gran Fury, um dos coletivos mais importantes e referência para o que se chama de ativismo artístico. “Dentro da organização surgiu um grupo de pessoas interessadas em produzir ações e campanhas gráficas através de cartazes, fotografias e vídeos, para mudar a percepção pública em relação ao HIV. Essas ações também colocaram em discussão a falta de ação do governo dos Estados Unidos, a posição conservadora da Igreja Católica e o discurso hegemônico da mídia, que era muitas vezes preconceituoso e com muita desinformação”, falou Mesquita, em entrevista à Agência Brasil.

Em boa parte de sua trajetória, o Gran Fury contou, em sua formação, com Avram Finkelstein, Donald Moffett, John Lindell, Loring McAlpin, Mark Simpson, Marlene McCarty, Michael Nesline, Richard Elovich, Robert Vazquez-Pacheco e Tom Kalin. O grupo se autodescrevia como “um bando de indivíduos unidos na raiva e comprometidos a explorar o poder da arte para acabar com a crise da Aids”.

O tema da exposição, Arte não é o Bastante, se inspira na frase With 42,000 Dead, Art Is Not Enough [Com 42 mil mortos, arte não é o bastante], de autoria do coletivo. “O que eles estão trazendo nessa frase é o seguinte: só fazer arte não adianta, não é o suficiente. A gente tem que se engajar coletivamente para agir contra uma crise”, disse o curador.

Entre as obras em exposição estará Kissing Doesn’t Kill [Beijar não mata], onde o grupo subverte as campanhas da empresa italiana de roupas Benetton para exibir fotografias de três casais inter-raciais se beijando. O pôster foi instalado como um painel nas laterais de ônibus e nas estações de metrô em São Francisco, Chicago, Nova York e Washington DC, nos Estados Unidos. A proposta aqui não era vender um produto, como fazia a Benetton, mas mostrar que um beijo não era um comportamento de risco, como se dizia à época.

“Acho que essa exposição traz a possibilidade de diálogo com o público e da possibilidade de poder conversar publicamente sobre essas questões, que têm a ver com saúde pública, que têm a ver com discriminação, que têm a ver com tratamento igualitário”, falou o curador.

Sala de vídeo

Já a sala de vídeo do Masp irá apresentar três vídeos produzidos pela artista argentina Masi Mamani/Bartolina Xixa, que ficam em cartaz até o dia 14 de abril. A curadoria é de Matheus de Andrade.

Masi Mamani é uma bailarina, performer e artesã que faz parte da comunidade LGBTQIA+ na região de Jujuy, nos Andes argentinos. “Essa é a primeira sala de vídeo do ano dedicado às Histórias da Diversidade LGBTQIA+, que é o eixo temático que vai nortear toda a programação pública do museu durante 2024. Masi Mamani é uma artista argentina que trabalha com a linguagem drag e vem dando vida e interpretando uma drag folk, como ela mesmo descreve, que se chama Bartolina Xixa”, explicou o curador, em entrevista à reportagem.

Bartolina Xixa é inspirada em Bartolina Sisa Vargas, uma heroína indígena aymara, que liderou inúmeras revoltas pela liberdade do seu povo e foi brutalmente assassinada pelos colonizadores espanhóis no século 18. Para Bartolina Xixa, a artista decidiu incorporar elementos tradicionais culturais da cultura indígena andina e assumir a identidade de chola, termo de origem quéchua e aymara inicialmente utilizado para designar mulheres mestiças e atualmente associado às mulheres andinas que adotam vestimentas e adereços tradicionais. Com isso, Masi faz de sua arte um manifesto de resistência, reafirmando sua identidade cultural ancestral.

“Quando pensa o corpo ou o gênero, a artista vai perceber que a colonização é responsável pelo enraizamento de um certo tipo de padrão social e normativa social. Como que eram esses corpos antes da chegada dos colonizadores? Isso é algo que ela se propõe a pensar”, explicou o curador.

Um dos vídeos em exibição é Ramita Seca, la colonialidad permanente, que foi gravado em um lixão em Hornillos. “É uma região culturalmente muito rica, mas, em contrapartida, economicamente muito pobre, socialmente com muitos problemas. É uma região de extrema exploração mineral e de lítio, entre outras coisas. Então, tudo isso impacta diretamente nas populações que existem ali, que são populações indígenas. Nesse vídeo ela vai denunciando a exploração do ambiente e essa perseguição que as populações indígenas sofrem desde que os colonizadores chegaram”, disse o curador.

O segundo vídeo é um documentário, chamado Bartolina Xixa, una drag de La Puna. “Nesse vídeo ela dá uma entrevista, enquanto está se montando como Bartolina X, falando do processo de criação dessa personagem”.

Já no terceiro vídeo, chamado Crudo, ela faz críticas aos espaços institucionais. “O título faz essa referência a algo que é crudo, que está ali para ser preparado e consumido, como o cru, uma comida mesmo, algo para ser um produto de consumo. Ela faz uma crítica à exotização dos corpos e também das identidades indígenas que os museus às vezes fazem. É um vídeo de alerta, de crítica”.

Ano da diversidade

Neste ano em que celebrará as Histórias da Diversidade LGBTQIA+, o Masp apresentará uma série de exposições relacionadas ao tema. Além dessas duas que inauguram o ano, o museu também apresentará mostras, por exemplo, de Francis Bacon, Mário de Andrade, Tourmaline, Leonilson e uma grande exposição coletiva no final do ano.

O museu também vai promover uma série de atividades como cursos, palestras, oficinas, seminário e publicações que abordam e debatem temas como o ativismo e a representatividade LGBTQIA+.

Desde 2016 o Masp, a cada ano, vem dedicando suas exposições às histórias, que são narrativas mais abertas e que abordam não só uma interpretação oficial, mas pessoais e ficcionais. Em 2016, o Masp abordou as Histórias da Infância. No ano seguinte, foram as Histórias da Sexualidade. Em seguida, Histórias Afro-atlânticas (2018), Histórias das mulheres, histórias feministas (2019), Histórias da dança (2020), Histórias brasileiras (2021 e 2022) e Histórias indígenas (2023).

O Masp tem entrada gratuita às terças-feiras. As primeiras quintas-feiras de cada mês também tem entrada gratuita. Mais informações sobre a mostra e sobre o museu podem ser acessadas no site.

Polo ItalianoRio celebra 150 anos da imigração italiana no Brasil

O Rio de Janeiro ganha nesta quinta-feira (22) um novo centro cultural. Trata-se do Polo Cultural ItalianoRio – arte, design e inovação, que nasce como projeto interinstitucional entre o Consulado Geral da Itália no Rio, o Instituto Italiano de Cultura e o Instituto Europeu de Design (IED. O centro chega para requalificar o térreo da Casa d’Italia e transformá-lo em um espaço multifuncional, revitalizar a Praça Itália, adjacente ao prédio, e a dinamizar a região por meio de uma programação cultural acessível.

O polo será inaugurado, às 7h30, na celebração do Dia Nacional do Imigrante Italiano no Brasil. A imigração italiana no país comemora 150 anos em 2024. As informações foram dadas à Agência Brasil pelo diretor do Instituto Italiano de Cultura, Marco Marica. A visitação será gratuita e aberta para o público de segunda a sexta-feira, das 7h30 às 16h30.

O novo polo de cultura está localizado na região central da capital fluminense, próximo à Cinelândia e ao Aeroporto Santos Dumont, com área de quase 500 metros quadrados. O espaço foi projetado para abrigar exposições de arte, moda e design, além de eventos de gastronomia, tecnologia e inovação. Serão oferecidos também cursos, seminários, ciclos de palestras, entre outras programações. Visando reforçar e estabelecer laços culturais e científicos, estão previstas parcerias com outras instituições.

Marco Marica disse que os cursos e oficinas são abertos para qualquer pessoa interessada, independentemente de serem italianos, descendentes ou não. “Acreditamos na promoção da língua e cultura italiana para todos, e a maior parte do nosso público é composta por brasileiros que compartilham interesse na língua italiana, bem como na rica cultura italiana, abrangendo áreas como arte, música, gastronomia, moda, entre outras. Estamos entusiasmados em receber uma comunidade diversificada e proporcionar uma experiência enriquecedora para todos os interessados”, manifestou o diretor.

Documentos de primeiros imigrantes italianos – Vera Donato/Divulgação

Amizade e conexão

Abrindo a agenda anual de exposições temporárias, o Polo Cultural ItalianoRio apresenta a mostra 1874-2024: 150 anos de amizade e conexão entre Itália e Brasil, juntos rumo ao futuro. Um painel de 42 m², grafitado pelo artista Bruno Big, retrata a chegada dos imigrantes e a contribuição deles no cultivo do café, além de vídeos e painéis temáticos sobre sua influência na formação sociocultural da sociedade carioca e brasileira. Marco Marica informou que a proposta é essa exposição permanecer aberta ao público no térreo do Polo até o final do ano. “Haverá também uma vitrine com documentos antigos do acervo do Consulado Geral e a apresentação da logo dos 150 anos da imigração italiana no Brasil, escolhida por meio de um concurso lançado pela embaixada da Itália em Brasília, envolvendo escolas italianas paritárias no Brasil”.

O projeto vencedor é de autoria de Joshua Azze Distel, de 17 anos, aluno do 4º ano do Liceu Científico da Fondazione Torino. O logotipo representa um navio, que foi o meio de transporte utilizado por milhões de imigrantes que se lançavam em longas travessias oceânicas em direção ao “novo mundo”, em busca de melhores condições de vida. Em um jogo de encaixes formados por linhas minimalistas, o número 150 é inserido no desenho do navio: o “zero” representa, ao mesmo tempo, o número e um semicírculo, como um horizonte, e um céu comum, composto pelas cores das bandeiras dos dois países, simboliza a ligação histórica e cultural entre Brasil e Itália.

Na arquitetura

Será inaugurada no mezanino também a mostra Dell’Architettura – presença italiana na paisagem carioca, com cerca de 40 imagens de mestres da arquitetura, captadas pelo fotógrafo, professor e artista visual Aristides Corrêa Dutra. Ricardo Buffa, Luigi Fossati, Raffaele Rebecchi, Antonio Virzi, Mario Vodret e Antonio Jannuzzi estão entre os grandes nomes da arquitetura italiana que deixaram seu legado na cidade do Rio de Janeiro e que integram a mostra. A exposição é realizada pelo Instituto Italiano de Cultura do Rio e poderá ser visitada até 26 de abril. Aristides Corrêa Dutra também assina a curadoria e os textos das fotografias, destacando-se entre elas o Edifício Lage (1924–1925), na Glória; o Edifício Seabra (1931), na Praia do Flamengo; o Edifício Unidos (1937), no centro; o Hospital Nossa Senhora das Dores (1910–1914), em Cascadura; a Igreja Matriz de São Geraldo (1931), em Olaria; a Torre da Antiga Sé (1905–1913), no centro; a Vila Maurina (1915), em Botafogo; a casa Villino Silveira (1915), na Glória.

Presença italiana na arquitetura carioca – Vera Donato/Divulgação

Marco Marica informou ainda que as comemorações pelos 150 anos da imigração italiana para o Brasil continuarão ao longo do ano, abrangendo todo o país. “Durante o mês de março, teremos uma série de apresentações ao público sobre intercâmbios universitários e bolsas de estudo”.

Estão previstas algumas solenidades que reunirão autoridades dos dois países em comemoração aos 150 anos da imigração italiana para o Brasil. Marica ressaltou que o Rio de Janeiro sediará o G20 este ano, intensificando ainda mais as conexões entre as duas nações. Além das celebrações no Rio, ‘toda a rede diplomático consular italiana no Brasil estará envolvida em diversas atividades, especialmente nos estados com forte presença de descendentes, como o Espírito Santo e o sul do país”.

Governo quer mobilizar 25 milhões de estudantes para combater a dengue

Com a retomada das aulas na rede pública após o carnaval, os ministérios da Saúde e da Educação iniciaram nesta terça-feira (21) uma campanha de mobilização contra a dengue nas escolas.

A proposta é ampliar o combate ao mosquito Aedes aegypti e conscientizar a população sobre o aumento dos casos de dengue no país. A ação faz parte do Programa Saúde na Escola, reestruturado no ano passado.

Ao todo, serão 20 semanas de atividades em meio à comunidade escolar. A expectativa é de que 25 milhões de estudantes sejam orientados sobre o combate a arboviroses em mais de 102 mil instituições públicas de ensino.

Ao longo dos próximos meses, as escolas vão realizar atividades lúdicas sobre o tema, com gincanas, teatros educativos, oficinas criativas, palestras, murais da prevenção e concursos para engajar crianças, adolescentes e jovens no combate à dengue. O programa vai divulgar ainda guias educativos, podcasts, vídeos e lives com especialistas.

“Para que a gente possa, juntos, enfrentar algo que é grave e que afeta a vida das pessoas que é o problema da dengue”, destacou o ministro da Educação, Camilo Santana, durante o lançamento da ação em uma escola na região administrativa de Ceilândia, a 35 quilômetros do centro de Brasília.

“Essas ações precisam começar nas escolas”, completou, ao citar que “a força de mobilização dessa turma é muito forte”.

Problema histórico

“A dengue preocupa muito. É uma doença que nos afeta há mais de 40 anos. É um problema histórico no Brasil e em toda a América Latina”, avaliou a ministra da Saúde, Nísia Trindade.

“Este ano, temos vários sorotipos da dengue circulando, o que aumenta o número de casos, além do aumento do mosquito com as mudanças climáticas, calor excessivo, mudança nas chuvas e tudo o que estamos vivendo.”

“As causas são conhecidas. O que precisamos fazer é mostrar que somos capazes de enfrentar esse desafio e vencer, com essa grande mobilização nacional”, reforçou Nísia.

Segundo a ministra, a pasta reuniu nesta segunda-feira (20) mais de 4 mil agentes de endemias e agentes comunitários de saúde para discutir ações emergenciais para combate à doença. “Falo que os agentes são mensageiros da saúde, mas eles são, sobretudo, agentes. Levam a mensagem, mas estão atuando junto conosco.”  

Dados do 3º Levantamento Rápido de Índice de Infestação por Aedes aegypti (LIRAa) e do Levantamento de Índice Amostral (LIA) mostram que 75% dos criadouros do mosquito estão nos domicílios, como em vasos e pratos de plantas, garrafas retornáveis, pingadeiras, recipientes de degelo em geladeiras, bebedouros em geral, pequenas fontes ornamentais e materiais em depósitos de construção.

 

Vacinação

Durante o evento, Nísia lembrou que crianças de 10 e 11 anos já podem ser imunizadas contra a dengue em algumas localidades do país onde a vacinação foi iniciada. Ao todo, 521 municípios foram selecionados pela pasta para receber as doses e distribuí-las entre crianças e adolescentes com idade entre 10 e 14 anos ao longo de todo o ano de 2024.

“Para as crianças que estão sendo vacinadas neste momento contra a dengue, estamos falando com os responsáveis e com toda a sociedade para que nós atualizemos a caderneta de vacinação das nossas crianças.”

“Não é só a dengue”, disse. “Temos muitas doenças que as vacinas evitam. Junto com o ministro Camilo, vamos estar em uma ação também de campanha pela vacinação e as escolas fazem parte desse trabalho”, concluiu.

>> Tire as principais dúvidas sobre a vacinação contra dengue

 

 

STF torna ré e mantém presa cúpula da PMDF nos atos de 8 de janeiro

Por unanimidade, a Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu tornar réus sete oficiais da antiga cúpula da Polícia Militar do Distrito Federal (PMDF), todos suspeitos de omissão durante os atos antidemocráticos de 8 de janeiro do ano passado, quando as sedes dos Três Poderes foram invadidas e depredadas.

Os ministros também decidiram pela manutenção da prisão preventiva de todos os policiais militares, de modo a não colocar em risco as investigações.

Os ministros Cristiano Zanin, Cármen Lúcia e Luiz Fux seguiram o voto do relator, ministro Alexandre de Moraes. O recebimento da denúncia foi julgado pela Primeira Turma, atualmente formado por quatro ministros, por ambiente virtual, modalidade em que os votos são computados por via eletrônica, sem debate. A sessão de julgamentos terminou às 23h59 de terça-feira (20).

Os oficiais da PMDF foram denunciados pela Procuradoria-Geral da República (PGR) por omissão durante os atos golpistas. Pela peça de acusação, eles teriam conspirado desde o ano anterior em favor de um levante popular pró-Bolsonaro, e no 8 de janeiro deixaram deliberadamente que os crimes fossem cometidos.

A denúncia menciona a troca de mensagens entre os acusados em que demonstram inconformismo com a vitória do presidente Luiz Inácio Lula da Silva na eleição e a expectativa de uma intervenção militar para impedir sua posse. A PGR apresentou ainda vídeos demonstrando a inação dos policiais militares.

Todos foram denunciados pelos crimes de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, golpe de Estado, dano qualificado contra patrimônio da União, deterioração de patrimônio tombado e por violações à Lei Orgânica da PMDF.

Em seu voto, Moraes afastou alegações das defesas de que o Supremo não teria a competência para julgar a alta cúpula da PM. O ministro frisou decisão do plenário da Corte que atestou a competência do STF no caso.

O relator também rechaçou a inépcia da denúncia, alegada por todas as defesas. Os advogados argumentaram que a PGR não teria tido sucesso em delinear as condutas supostamente ilegais.

Outro argumento de todas as defesas é o de que os policiais não tinham conhecimento sobre a possibilidade de atos violentos durante o 8 de janeiro, hipótese que também foi afastada por Moraes.

O ministro escreveu haver “significativos indícios que os denunciados detinham conhecimento das circunstâncias fáticas do perigo, conforme amplamente demonstrado pela extensa atividade de inteligência desempenhada pela Polícia Militar do Distrito Federal, de modo que todos os altos oficiais denunciados tomaram conhecimento antecipado dos riscos inerentes aos atentados de 8 de janeiro de 2023″.

Moraes concluiu que os “denunciados, conforme narrado na denúncia, integravam o núcleo de autoridades públicas investigadas por omissão imprópria, que possibilitou a execução dos atentados materiais contra as sedes dos Três Poderes”.

Os militares denunciados são:

Coronel Klepter Rosa Gonçalves, ex-comandante-geral da PMDF;

Coronel Fábio Augusto Vieira, ex-comandante-geral da PMDF;

Coronel Jorge Eduardo Naime Barreto, ex-comandante do Departamento de Operações da PMDF;

Coronel Paulo José Ferreira de Sousa, ex-comandante interino do Departamento de Operações da PMDF;

Coronel Marcelo Casimiro Vasconcelos, ex-chefe do 1º Comando de Policiamento Regional da PMDF;

Major Flávio Silvestre de Alencar, PM que estava trabalhando durante o 8 de Janeiro;

Tenente Rafael Pereira Martins, PM que estava trabalhando durante o 8 de Janeiro.

Ministros de Lula se unem em vídeo para combate à dengue no Brasil

Vinte e dois ministros do governo federal, se uniram em vídeo para tentar sensibilizar a população sobre o enfrentamento da dengue e de outras arboviroses causadas pelo mosquito Aedes aegypti. Os titulares da Economia, Fernando Haddad; da Justiça e Segurança Pública, Ricardo Lewandowski; da Educação, Camilo Santana; e da Igualdade Racial, Anielle Franco, dentre outros, além da própria ministra da Saúde, Nísia Trindade, estrearam a campanha Brasil Unido Contra a Dengue.

De acordo com o Ministério da Saúde, a ação consiste em uma série de vídeos exibidos nos perfis oficiais do governo nas redes sociais com dicas para a eliminação de criadouros do mosquito. O conteúdo sugere ao cidadão que separe dez minutos por semana para o combate à dengue, já que cerca de 75% dos criadouros estão nos domicílios, sobretudo em vasos e pratos de plantas, garrafas retornáveis, pingadeiras, recipientes de degelo em geladeiras, bebedouros, fontes ornamentais e materiais em depósitos de construção.

Recursos

Na última sexta-feira (9), a Saúde anunciou uma ampliação para R$ 1,5 bilhão dos recursos reservados para apoiar estados e municípios no enfrentamento de emergências, como a explosão de casos de dengue registrada no país. Em 2023, a pasta havia reservado R$ 256 milhões para esse fim. Em portaria, o ministério também anunciou uma otimização para acelerar a liberação de recursos para estados e municípios que decretarem emergência por dengue e/ou outras arboviroses.

“O apoio financeiro será destinado para medidas de prevenção, controle e contenção de riscos, danos e agravos à saúde pública em situações que podem ser epidemiológicas, de desastres, ou de desassistência à população. Para receber o recurso, o estado ou município deve enviar ao governo federal um ofício com a declaração de emergência em saúde. Os repasses serão mensais durante a vigência do decreto de emergência”, informou a pasta.

Vacinação

Na última sexta-feira (9), a vacinação de crianças de 10 a 11 anos contra a dengue pelo Sistema Único de Saúde (SUS) foi iniciada. O Brasil é o primeiro país do mundo a oferecer a dose no sistema público de saúde. A vacina foi aprovada para uso no país pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) em março de 2023. O público-alvo, crianças e adolescentes de 10 a 14 anos, foi acordado seguindo a recomendação da Câmara Técnica de Assessoramento em Imunização e da Organização Mundial de Saúde (OMS).

Números

Dados do painel de arboviroses do ministério apontam que o país registrou, desde o início de 2024, 532.921 casos prováveis de dengue, além de 90 óbitos pela doença. Os números mostram ainda que outras 348 mortes estão em investigação. O coeficiente de incidência da dengue no Brasil, neste momento, é de 262,4 casos para cada grupo de 100 mil habitantes. Mulheres concentram a maioria dos casos (54,9%), contra 45,1% entre homens. A faixa etária mais atingida é a de pessoas entre 30 e 39 anos, seguida do grupo com idade entre 40 e 49 anos.

Saúde oferece curso grátis sobre arboviroses

Em meio a um cenário de explosão de casos de dengue, profissionais de saúde de todo o país podem ter acesso a um curso gratuito de capacitação sobre arboviroses. O material foi disponibilizado pelo Ministério da Saúde em parceria com o Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde (Conasems). 

De acordo com a pasta, o curso, voltado sobretudo para médicos, apresenta informações sobre diagnóstico, manejo clínico e reconhecimento de sinais de alarme de doenças causadas pelo mosquito Aedes aegypti – incluindo dengue, Zika e chikungunya – a fim de evitar casos graves.

Composto por três vídeos com duração de cerca de 40 minutos cada um, o curso, segundo o ministério, é baseado em protocolos atuais, que podem ser acessados pelo link do QR Code que aparece na tela ao final de cada aula.

A iniciativa tem participação do professor da Universidade Federal de Pernambuco Carlos Brito e das infectologistas Thaysa Drummond e Melissa Barreto Falcão. As inscrições podem ser feitas aqui.