Skip to content

188 search results for "falando"

Ondas de calor mostram que não podemos perder tempo, diz embaixador

 Seguidas ondas de calor, como a que fez moradores de Guaratiba, na zona oeste do Rio de Janeiro, enfrentarem sensação térmica de 62,3°C no último domingo (17), um recorde na cidade, são um alerta de que a comunidade internacional não pode mais perder tempo no combate ao aquecimento global. A afirmação é do embaixador André Aranha Corrêa do Lago, secretário de Clima, Energia e Meio Ambiente do Ministério das Relações Exteriores. Ele entende que “sentir na pele” os efeitos é um gatilho para o senso de urgência.

“Nós estamos experimentando fisicamente esses desafios. É óbvio que são péssimas notícias, mas, por outro lado, eu acho que elas têm um efeito psicológico muito importante para que todos nós comecemos a nos envolver mais em combater a mudança do clima”, afirmou o negociador-chefe do Brasil para mudança do clima em fóruns internacionais.

O embaixador concedeu entrevista à Agência Brasil nesta terça-feira (19), no Rio de Janeiro, onde participou de aula inaugural no Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-graduação e Pesquisa de Engenharia (Coppe), da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). A Coppe é o maior centro de pós-graduação em engenharia da América Latina.

Ao longo deste e dos próximos anos, Corrêa do Lago conduzirá negociações em ambientes como o G20 (Grupo dos 20, que reúne as principais economias do mundo), Brics+ (agrupamento de países emergentes liderados por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) e Cop (Conferência das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima).

Ponte entre países

O negociador-chefe acredita que uma das potencialidades do Brasil é ser um país que, por seu perfil socioeconômico, tem facilidade para figurar como uma ponte entre nações ricas e pobres.

“O Brasil entende todo mundo. O Brasil pode conversar com um país rico, ele entende os desafios da riqueza, e falando com um país pobre, ele entende os desafios da pobreza. O Brasil tem muito a aportar pelas suas experiências positivas, mas também tem muito a aprender por causa das várias coisas que ainda estão por melhorar no Brasil”.

Entre os pontos a serem melhorados, o embaixador reconhece que o país tem como um calcanhar de Aquiles a questão do desmatamento. Mas considera que o Brasil caminha para resolver o problema e se assemelhar aos demais países quando o assunto são fontes de emissão de gases poluentes.

“O desmatamento é uma característica que dá um perfil totalmente único ao Brasil, porque entre os países do G20, nenhum tem um perfil como brasileiro, ou seja, até o começo desse governo, o desmatamento era 50% das nossas emissões [de gases do efeito estufa]. Na medida em que vamos diminuir, como estamos diminuindo as emissões de desmatamento, vamos cada vez mais nos aproximar de um perfil de país normal, ou seja, no qual as principais emissões são, em geral, energia, agricultura e indústria”.

Biocombustíveis

Um elemento que posiciona o Brasil na vanguarda dos esforços internacionais para conter mudanças climáticas e conduzir a transição energética é o desenvolvimento, produção e uso de biocombustíveis. Os biocombustíveis são fontes de energia provenientes de matérias orgânicas renováveis e menos poluentes que combustíveis puramente fósseis, como o petróleo, carvão mineral e gás natural. Um grande exemplo de biocombustíveis de ampla escala nacional é o etanol, feito da cana de açúcar.

“O mundo está se dirigindo para a substituição do petróleo em várias áreas. A experiência que o Brasil acumulou nessa área de bioenergia e biocombustíveis nos dá uma posição muito especial”.

No entanto, Corrêa do Lago ressalta que o grande sucesso do Brasil na área resulta também em uma reação adversa de outros países, às vezes até barreira para a massificação do uso.

“Somos um pouco vítimas do nosso êxito, no sentido de que avançamos tanto nessa área que vários países ficam um pouco perplexos”, revelou. “Nós temos tantas vantagens na produção de biocombustíveis sustentáveis que é visto quase como um ameaça e, na realidade, os biocombustíveis não são uma solução única, são uma de várias soluções para descarbonização. A gente tem que mostrar que os biocombustíveis não são, de maneira nenhuma, ameaça para outras tecnologias”, disse o embaixador que promete levar a discussão para o G20.

Negociações

Corrêa do Lago já foi embaixador no Japão (2013-2018), na Índia (2018-2023) e, cumulativamente, no Butão (2019-2023). Como diplomata, já atuou em missões junto à União Europeia em Bruxelas (2005-2008), em Buenos Aires (1999-2001), Washington (1996-1999), Praga (1988-1991) e Madri (1986-1988). Na Rio+20, em 2012, foi negociador-chefe do Brasil para mudança do clima.

O embaixador destaca que os biocombustíveis têm condições de se desenvolverem melhor em países de clima tropical, mais notadamente no hemisfério sul, o que potencializa o chamado Sul Global (grupo de países emergentes). Ele pondera que posições de interesse do Sul Global não devem ser tratadas como adversas aos países desenvolvidos, como europeus e os Estados Unidos, e sim como uma concertação.

“Isso é uma coisa que o Brasil quer muito. É nesse sentido que o Brasil vai atuar no G20”, conclui.

Um ponto central nas discussões internacionais, segundo o embaixador brasileiro, é como financiar, ajudar países médios. Ele pontua que há financiamento para os países pobres, no entanto, não são os mais pobres responsáveis pela mudança do clima. Os mais relevantes em emissões de poluentes são os ricos e os médios, como Brasil, Índia e Indonésia.

Corrêa do Lago expõe que os ricos têm como se financiar, o que não é uma realidade para os países de média renda. “Há uma conjunção perversa que não favorece os países médios”.

Papel da ciência

A Coppe/UFRJ é dirigida por Suzana Kahn. Ela faz parte do grupo de cientistas que formam o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC, na sigla em inglês), vencedor do prêmio Nobel da Paz em 2007. Criado pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (ONU Meio Ambiente), o IPCC funciona como uma representação do conhecimento científico nos debates sobre meio ambiente.

Kahn defende a interconexão entre conhecimentos como forma de a academia e a ciência serem ferramentas eficazes na busca de soluções para problemas como o aquecimento global.

“A gente tem a obrigação, como instituto de pós-graduação, de formar nossos alunos já com essa nova visão de mundo que vai muito além das fronteiras tradicionais da engenharia. Atualmente, para solucionar os problemas que surgem, os desafios atuais e das próximas décadas, o olhar tem que ser muito mais abrangente, mais interdisciplinar, outros saberes que são importantes”, observa a diretora.

Atleta de vôlei de praia denuncia ataques homofóbicos durante jogo

O jogador de vôlei Anderson Melo sofreu ataques homofóbicos, na última quinta-feira (14), durante uma partida do Circuito Brasileiro de Vôlei de Praia, que ocorreu em Recife (PE). As falas foram proferidas pela torcida que acompanhava o jogo e foram registradas em vídeo. O atleta registrou boletim de ocorrência na 16ª delegacia, no Rio de Janeiro, onde mora.

Em vídeos postados pelo próprio atleta em sua rede social, é possível assistir e ouvir a série de falas criminosas. Ele relata também que chegou a pedir a paralisação da partida. Representantes da Confederação Brasileira de Vôlei, que estavam no local, foram acionados, mas o jogo seguiu. Os autores dos ataques homofóbicos não foram identificados.

Após o ocorrido, a Confederação Brasileira de Vôlei divulgou nota falando que lamenta o episódio. A entidade informou ainda que vai encaminhar o caso para o Ministério Público local e registrar um boletim de ocorrência em uma delegacia do Recife.

Desde a última sexta-feira (15), uma mensagem de áudio era veiculada antes das partidas da etapa recifense alertando que racismo, homofobia e outros atos discriminatórios são crime, e não podem fazer parte dos eventos do voleibol brasileiro. Durante os jogos das finais da etapa, a confederação realizou uma ação onde os atletas entraram na quadra segurando uma faixa com a frase “Homofobia é Crime” e outra de apoio a Anderson dizendo que “a luta é de todos”.

A Comissão Nacional de Atletas de Vôlei de Praia se manifestou em nota dizendo que repudia qualquer ato discriminatório e cobrou da Confederação Brasileira de Vôlei de Praia providências em relação ao caso.

Lava Jato destruiu 4,44 milhões de empregos, aponta estudo

A operação que prometia combater a corrupção no setor de petróleo e gás custou caro à economia e deixa o desafio da reconstrução de setores . A Lava Jato resultou na destruição de 4,44 milhões de empregos entre 2014 e 2017 e reduziu o Produto Interno Bruto (PIB) em 3,6% no mesmo período. De 2015 a 2018, as maiores construtoras brasileiras perderam 85% da receita.

As conclusões constam de dois estudos que analisaram o impacto econômico da Lava Jato, que completa 10 anos. O primeiro, do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), rastreou os efeitos de 2014 a 2017 dos setores afetados diretamente e indiretamente pela operação. O segundo, das universidades Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e Estadual do Rio de Janeiro (Uerj), mensurou as consequências sobre as construtoras e a indústria pesada.

O estudo da UFRJ e da Uerj estimou em R$ 142 bilhões as perdas nos setores de construção civil, indústria naval, engenharia pesada e indústria metalmecânica. Os efeitos, no entanto, vão além dos segmentos diretamente investigados pela operação e que tiveram de fechar delações premiadas e acordos de leniência.

Segundo o Dieese, dos 4,44 milhões de postos de trabalho perdidos, 2,05 milhões ocorreram nos setores e nas cadeias produtivas diretamente afetadas pela Lava Jato. Os 2,39 milhões de empregos restantes foram destruídos em setores prejudicados pela queda da renda e do consumo, como comércio, transporte e alimentação.

Menos emprego e renda se traduzem em investimentos menores. O estudo do Dieese estima que a Lava Jato reduziu os investimentos públicos e privados em R$ 172,2 milhões entre 2014 e 2017. O segmento mais atingido foi a construção civil, com perda de R$ 35,9 bilhões, seguido por comércio (R$ 30,9 bilhões); extração de petróleo e gás, inclusive setores de apoio (R$ 29,2 bilhões); atividades imobiliárias (R$ 22 bilhões); e intermediação financeira, seguros e previdência complementar (R$ 17,5 bilhões).

“Nosso estudo abordou o impacto em cadeia, porque os setores da economia são interligados e perdas em um segmento podem transbordar para toda a economia”, explica o diretor técnico do Dieese, Fausto Augusto Junior. A entidade usou a técnica de matriz insumo-produção, que registra os fluxos de bens e serviços e demonstra as relações intersetoriais dentro do sistema econômico de um país.

Impostos

Com a destruição de postos de trabalho, a massa salarial caiu R$ 85,4 bilhões de 2014 a 2017. Uma economia que emprega, investe e produz menos paga menos impostos. No período analisado, o governo deixou de arrecadar R$ 47,4 bilhões em tributos e R$ 20,3 bilhões em contribuições para a Previdência Social e o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS).

O diretor do Dieese acrescenta que os efeitos da Lava Jato não se manifestaram apenas no encadeamento dos setores, mas com a desestruturação de tecnologias na cadeia produtiva de petróleo e gás e na construção civil que fariam a economia brasileira evoluir no médio e no longo prazo. 

“No meio de tudo isso, a gente perdeu também o que chamamos de inteligência de engenharia. Os engenheiros não desapareceram, estão aí, mas as grandes equipes foram desmontadas. Mesmo com o investimento chegando, levará um tempo para reconstituir essas equipes. Talvez algumas nem sequer consigam ser remontadas porque a Lava Jato deixou um legado de desorganização da nossa indústria de infraestrutura”, diz.

Reconstrução

No décimo aniversário da Lava Jato, a reestruturação dos segmentos afetados pela operação representa o maior desafio. Mesmo com a recuperação da economia brasileira e com as promessas de investimento e de diversificação de atividades na Petrobras, a falta de investimentos nos últimos anos prejudicou a estatal.

“Por causa da Lava Jato, a Petrobras, a partir do governo [do ex-presidente] Michel Temer, concentrou-se na atividade primária, a extração de petróleo e gás, deixando de lado investimentos no refino e em tecnologia para privilegiar a maximização de lucro por acionista. A empresa passou a se orientar por uma perspectiva de gerar lucros no curto  prazo e distribuir para os acionistas”, explica o professor Luiz Fernando de Paula.

Segundo o professor da UFRJ e da Uerj, a Petrobras ainda tem chances de recuperar o planejamento de longo prazo, ao investir na transição ecológica enquanto busca retomar a construção da Refinaria Abreu e Lima, em Pernambuco, cujas obras foram interrompidas em 2015 por causa da Lava Jato.

“Uma coisa não impede a outra. A Petrobras pode modernizar o refino de combustível fóssil e pensar na transição para a energia limpa. A Petrobras está numa mudança, na forma de gestão, não acredito que vai haver um retorno ao modelo do primeiro governo Dilma [Rousseff], que nacionalizou as compras. Mas acho que dá para a empresa buscar um protagonismo maior dentro de uma perspectiva administrativa, na diversificação das suas atividades. Aí, tem um fator novo, importante”, diz.

Em relação à construção civil, o diretor do Dieese diz que o desmantelamento das maiores empreiteiras do país provocou danos permanentes para o setor. “É importante lembrar que os prejuízos para as empreiteiras não decorreram apenas de acordos de leniência e de bloqueios de bens, mas houve dano de imagem para todo um setor. A Odebrecht, por exemplo, quase faliu e mudou de nome”, ressalta.

A recente suspensão de acordos de leniência da Odebrecht, determinada pelo Supremo Tribunal Federal (STF), abre brecha para um processo de reerguimento da construção civil pesada, mas Fausto adverte que a reconstrução do setor levará décadas. “Esses acordos de leniência, em alguns casos, representaram uma pá de cal sobre várias dessas empresas. A suspensão de parte desses possibilita agora um processo de reconstrução, mas não é uma reconstrução simples”, avalia.

Os dois especialistas concordam que o grande problema da Lava Jato consistiu em não separar a punição de executivos das atividades das empresas investigadas. “A grande lição da Lava Jato é que não se pode expor pessoas e empresas midiaticamente da forma como aconteceu. Estamos falando de um processo jurídico, em que se devem guardar as devidas proporções porque as empresas foram muito mais punidas que as pessoas físicas, com as companhias tendo os nomes e as marcas jogadas no lixo”, critica Fausto.

“Na época da operação, não se dava a devida atenção para os efeitos econômicos, mas esses dados hoje estão bastante consolidados. As pessoas não se atentavam para os efeitos econômicos e sociais da Operação Lava Jato. A gente que tem de achar um jeito de punir os executivos, as pessoas, mas não castigar as empresas nem destruir empregos”, avalia Luiz Fernando, da UFRJ e da Uerj.

Gilmar Mendes: “Lava Jato terminou como uma organização criminosa”

Em seu gabinete, na cobertura do prédio anexo do Supremo Tribunal Federal (STF), o ministro Gilmar Mendes despacha cercado de fotos com jogadores e personalidades do futebol brasileiro. Os livros jurídicos dividem espaço nas paredes com bolas, troféus, medalhas e dezenas de camisetas de times autografadas. “Pelezista” declarado, o ministro também ostenta diversos quadros com fotos tiradas ao lado do eterno Camisa 10 da seleção brasileira.

Decano do STF, com 22 anos de toga, Mendes recebeu as equipes da Agência Brasil e da TV Brasil nesse espaço depois das 20h de uma terça-feira. Ainda terminava seu jantar, na mesma mesa de reuniões usada para o trabalho, mas não se perturbou ao perceber a entrada de jornalistas e da equipe de imagem. “Tudo bem, como vai?”, cumprimentou, antes de retomar a refeição.

O ministro Gilmar Mendes durante entrevista exclusiva em seu gabinete – Valter Campanato/Agência Brasil

Pouco avesso a sorrisos, como de costume, retirou-se para uma sala anexa após o jantar para, minutos depois, retornar para a entrevista. Sentou-se calmamente na cadeira de seu gabinete, já sabedor do tema da conversa.

A história acabou por lhe dar razão, após ser criticado nos primeiros anos de Operação Lava Jato. E foi assim que discorreu sobre o tema, com a tranquilidade de quem não se perturbou diante dos mitos e heróis sem capa surgidos durante esse período. Essas mesmas figuras seriam destronadas com o passar do tempo.

O início da operação completa dez anos neste domingo, dia 17 de março e, para o ministro, o balanço é “marcadamente negativo”. Em sua opinião, a única lição aprendida pelo país foi a de não combater o crime praticando outros crimes. Gilmar Mendes afirma ter sido ele a primeira voz a se levantar contra os abusos da operação, como as prisões alongadas em Curitiba e as delações inconsistentes.

O ministro estabelece uma relação contraditória entre a Lava Jato e as atividades que a operação buscava combater.

“Na verdade, a Lava Jato terminou como uma verdadeira organização criminosa, ela envolveu-se em uma série de abusos de autoridades, desvio de dinheiro, violação de uma série de princípios e tudo isso é de todo lamentável”.

Durante a operação, Gilmar Mendes foi figura central em decisões importantes para os rumos da Lava Jato. Entre elas, a que declarou a incompetência da 13ª Vara da Justiça Federal de Curitiba e anulou as ações penais contra Luiz Inácio Lula da Silva. O magistrado também votou para considerar o ex-juiz Sergio Moro parcial em processos da operação.

Confira os principais trechos da entrevista:  

Agência Brasil: Ministro, a Operação Lava Jato completa dez anos no dia 17 de março, o senhor acha que a Lava Jato foi boa ou ruim para o Brasil? Qual é o saldo?
Gilmar Mendes: Eu acho que a Lava Jato fez um mal enorme às instituições. Bem inspirada talvez, no início, ela acabou produzindo uma série de distorções no sistema jurídico político. Por isso, o meu balanço é marcadamente negativo. Mas é claro que nós aprendemos da história, inclusive dos fatos negativos na vida dos povos, na vida das nações. Então, alguém sempre poderá dizer algo positivo. Nós aprendemos como não fazer determinadas coisas. E, nesse sentido, se pode até extrair aspectos positivos. O que a gente aprendeu? Eu diria em uma frase: não se combate o crime cometendo crimes. Na verdade, a Lava Jato terminou como uma verdadeira organização criminosa, ela envolveu-se em uma série de abusos de autoridades, desvio de dinheiro, violação de uma série de princípios e tudo isso é de todo lamentável.

Agência Brasil: Hipoteticamente: temos uma suspeita de corrupção no Brasil. Como agir corretamente, como proceder?
Mendes: A primeira coisa é não inventar a roda, é fazer aquilo que se tem que fazer, deixar que as autoridades policiais façam as investigações, que o Ministério Público faça o seu acompanhamento. Hoje, o país dispõe de uma série de instrumentos para isso. E não imaginar que nós vamos ter heróis voadores, que vamos ter pessoas que resolvem com um milagre a questão da corrupção no país. E fazer as coisas com o devido processo legal. Acho que isso é extremamente importante. Investigações espetaculares, tonitruantes, a gente tem aí aos montões e depois nós temos apenas um resto de lixo em anulações, em não há aproveitamento de provas, como acabou ocorrendo aqui na Lava Jato. Acho que o que a Lava Jato vai ensinar ao sistema jurídico processual brasileiro é como não se fazer determinadas coisas e ensinar que nós devemos ser extremamente cautelosos em relação a essas questões, aos procedimentos jurídicos, para não produzirmos situações estapafúrdias.

Agência Brasil: A punição às empresas e às pessoas foi além da conta?
Mendes: Tudo o que é excessivo e tudo que é indevido, certamente, é além da conta. Nós vamos ter que discutir isso agora. Certamente, muitos vão dizer: ‘ah, tem réus confessos que estão sendo isentados de culpa por conta de falhas processuais’, mas é assim no Estado de Direito em qualquer lugar. Então, não há nenhuma surpresa em relação a isso e vamos ter que fazer também um exame caso a caso, isso não se resolve em um juízo completo, direto. E é isso que nós estamos fazendo e temos feito, tivemos o processo do Lula e outros. Então, me parece que nós fomos de uma euforia quase alcoólica a uma depressão, e os dois estados não são bons. É importante que nós estejamos atentos para fazermos o trabalho de maneira correta e acho que é isso que nós temos que inculcar nos agentes policiais, nos agentes de Receita, nos agentes investigadores todos, do Ministério Público e os próprios juízes.

Agência Brasil: Muito antes da Vaza Jato, o senhor já dizia que o STF teria um encontro marcado com a Operação Lava Jato, o que que havia? O que o senhor ouvia nas audiências com os advogados, qual era a percepção na época?
Mendes: Já se disse que o problema do diabo não é que ele seja o diabo, né? É que ele é velho, ele é experiente. Então, a gente aprende a fazer essas leituras e colhe também experiências. A primeira coisa que eu vi, acho que foi em 2015, foram as prisões alongadas de Curitiba. E, claro, os advogados passaram a dizer que as prisões alongadas eram utilizadas como uma forma de tortura para obter delações. E delações que muitas vezes se mostraram inconsistentes. Delações que muitas vezes se transformaram em acordos de leniência, por isso os questionamentos de agora. Então, nós tivemos toda a essa situação e eu fui talvez a primeira voz a levantar contra essa situação.

E depois ganhei a convicção de que não se tratava apenas de uma irregularidade procedimental ou processual e que na verdade nós estávamos diante de um movimento político, como depois se revelou no contexto geral: [Sergio] Moro [virou] o ministro da Justiça de Bolsonaro, Deltan Dallagnol, um ativista político. E a gente também descobriu, isso é uma coisa bastante peculiar, que o volume de dinheiro com o qual eles se envolviam também os estimulou a ter suas próprias empresas ou participar disso. Aí surge a tal Fundação Dallagnol lá em Curitiba. Aqui em Brasília surge também algo semelhante com a tal Operação Greenfield. A gente descobre que esses nossos ‘combatentes da corrupção’ gostavam muito de dinheiro, o que é uma contradição nos próprios termos. O ministro Salomão [Luis Felipe Salomão, corregedor Nacional de Justiça] está encerrando um trabalho sobre essa questão e diz que há uma quantia perto de R$ 1 bilhão que não se sabe para onde foi, do dinheiro que estava depositado na vara em Curitiba. Então, isso precisa ser esclarecido.

Agência Brasil: O senhor já disse anteriormente que todo o sistema político e o governo na época da Lava Jato foram ingênuos. Como o senhor avalia o comportamento do STF nesse período?
Mendes: A Operação Lava Jato não era uma operação puramente judicial, policial ou de investigação administrativa, eles fizeram uma força-tarefa e lograram um apoio público muito grande, um apoio de mídia. E eu tenho a impressão que esse apoio de mídia teve também um efeito inibitório sobre o Supremo Tribunal Federal. Eu acompanhei os primeiros habeas corpus desde 2014, que começaram a chegar, o ministro Teori  [ministro Teori Zavascki, relator da Lava Jato no STF] era o ministro relator e havia já essa força não só de Moro e de sua equipe, mas também da Procuradoria-Geral, Janot [Rodrigo Janot, então PGR]. E é capaz que o Tribunal naquele momento não tenha tido a leitura devida de todas as questões envolvidas do ponto de vista político, e isso demorou a se consolidar. Tanto é que quando eu mesmo assumo um papel de mais crítico do sistema fico também um pouco isolado e a mídia toda dizia: “essa decisão parece contrariar a Lava Jato”, como se a gente estivesse contrariando Roma ou falando mal do papa. Então, havia um domínio em relação a isso. E houve até operações que foram feitas nesse espírito, ainda que não conduzidas pela Lava Jato, por exemplo, aquela operação do Joesley [Batista, ex-presidente da JBS] vis-à-vis ao presidente da República Michel Temer em que, obviamente, o que o presidente disse foi uma coisa, o que foi divulgado foi outra. E isso foi divulgado pela Globo, portanto em uma combinação certamente do procurador-geral Janot com a direção da Globo ou setores de mando na instituição. Depois se viu que aquilo era falso.

Agência Brasil: Ministro, se a Vaza Jato não tivesse acontecido, qual teria sido desfecho da Operação Lava Jato, na sua avaliação?
Mendes: Eu tenho impressão, por exemplo, que no meu processo, que foi talvez um turning point nessa questão, que foi o processo do presidente Lula sobre a suspeição, eu até disse isso no voto: nós tínhamos uma perspectiva já de afirmação da suspeição com os elementos existentes nos autos. Acho que teríamos chegado ao mesmo resultado, mas é inegável que a Vaza Jato mostrou que o rei estava nu. Mostrou como eram feitos os pastéis e como eles eram malfeitos. Então, tudo aquilo que nós supúnhamos ou intuíamos foi confirmado.

Agência Brasil: Houve desvio, mas também houve muito prejuízo para dezenas de empresas que foram prejudicadas. Como combater a corrupção sem a derrocada da economia?
Mendes: Eu acho que esse também é um aprendizado. Naquele momento, me parece que o Brasil estava vivendo uma fase muito peculiar: o governo Dilma débil, fraco, vem o governo Temer também acusado, envolto naquelas mesmas circunstâncias. O sistema político estava no chão, e os procuradores e o próprio Moro eram como se déspotas esclarecidos, ou nem tanto, podiam fazer o que quisessem. Acho que é um modelo de difícil reaplicação hoje. Então, dificilmente todas essas circunstâncias históricas vão se consolidar para uma tal situação. Mas eu me pergunto se não é o caso de, de fato, nós mudarmos a legislação e eventualmente separarmos a empresa e pensarmos inclusive em modelos de direito comparado para eventualmente punirmos os agentes empresariais e separamos a empresa. Há empresas que empregavam 150 mil pessoas hoje empregam 14, empresas que foram destruídas. E há também todo um discurso de que isso também se fez atendendo a interesses internacionais. E nem isso a gente pode negar peremptoriamente.

*Colaborou Marcelo Brandão

Ministro comemora 13 milhões fora do mapa da fome

O ministro do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome, Wellington Dias, comemorou a queda de 13 milhões no número total de pessoas que passam fome no país. Dados do Instituto Fome Zero apontam que o total de pessoas em situação de insegurança alimentar grave no Brasil passou de 33 milhões em 2022 para 20 milhões em 2023.

“Tudo isso resultou numa orquestra positiva que comemoramos hoje. E temos que comemorar mesmo porque, historicamente, é a maior queda. Você tirar assim, em um ano de arrumação da casa, 13 milhões de pessoas do mapa da fome”, disse, em entrevista a emissoras de rádio durante o programa Bom Dia, Ministro, da Empresa Brasil de Comunicação (EBC).

“Essas pessoas estão nas cidades médias e grandes. Em situação de rua, que é ainda um quadro que estamos cuidando porque é muito grave”, destacou.  “Quando a gente fala de fome grave é fome que mata. Assim como matou Yanomami e morreram crianças. Estamos falando disso”, completou.

Wellington Dias destacou que, ao incluir a fome moderada, o estudo aponta que 20 milhões de pessoas saíram dessa condição em 2023 no Brasil. “Poder comemorar que já foi dado um passo grande, com 13 milhões a menos do mapa da fome, mostra o tamanho da nossa responsabilidade. Vamos seguir trabalhando para alcançar outros que ainda não chegamos”.

 

Viúva de Jango participa de ato pelos 60 anos do comício na Central

O comício da Central do Brasil do dia 13 de março de 1964, em que o então presidente da República, João Goulart, conhecido como Jango, anunciou reformas estruturais para o Brasil, completa 60 anos nesta quarta-feira (13). Para Maria Thereza Goulart, viúva de Jango (na foto em destaque, no dia do comício), foi um dos momentos mais marcantes de sua vida.  

“Primeiro, porque foi uma expectativa muito grande do que poderia acontecer; um momento em que me senti muito orgulhosa de estar do lado do meu marido; e a preocupação, o pânico, o pavor que eu sempre tive de multidão. Foram três coisas importantíssimas. Acho que foi um dos momentos mais marcantes da minha vida”, relembra, em entrevista à Agência Brasil.

Os 60 anos do comício serão lembrados em ato que ocorrerá nesta quarta-feira (13), na Associação Brasileira de Imprensa (ABI). Antes do ato, o Museu Virtual Rio Memórias abrirá, às 16h, a exposição virtual e física “Rio 64 – a capital do golpe” sobre o golpe de 1964, que resultou na implantação da ditadura militar no Brasil. A mostra contém imagens marcantes do período que precedeu o golpe militar que culminou na deposição do então presidente João Goulart, o Jango.

O presidente da ABI, Otávio Costa, destaca a importância de se celebrar o que chama de  “último grande ato do governo João Goulart”, o comício da Central do Brasil, quando o governo Jango “tenta dar uma demonstração de unidade das forças progressistas, das forças populares, e anuncia as reformas de base”.

Costa lembra que essas eram reformas amplas que abrangiam várias áreas como a reforma agrária, reforma do ensino, reforma urbana, reforma tributária. “Você tinha ali várias propostas do governo João Goulart, todas atendendo demandas populares também, porque eram demandas dos sindicatos, dos partidos políticos de esquerda, de movimentos populares, do Comando Geral dos Trabalhadores, que, inclusive, foi uma das entidades que saiu à frente na convocação do comício”.

Ato histórico

Durante o evento, que antecedeu em duas semanas o golpe militar que colocaria o Brasil por 21 anos em uma ditadura, Jango anunciou que enviaria ao Congresso projetos de reformas que previam mudanças profundas no país, a começar pela reforma agrária, com desapropriação de latifúndios com mais de 500 hectares, e a encampação de refinarias de petróleo privadas.  Os partidos de direita e setores conservadores da sociedade argumentaram que Jango queria implantar o comunismo no país, e o depuseram no dia 1º de abril de 1964. A família foi exilada do Brasil em seguida.

Segundo o presidente da ABI, o comício foi um sucesso, reunindo mais de 200 mil pessoas na Central do Brasil. “Nós estamos falando de um país que tinha 80 milhões de habitantes. Estamos falando do Rio de Janeiro, que tinha 3 milhões de habitantes. Você imagina que 200 mil pessoas na Central do Brasil atenderam à convocação. Houve falas do presidente da União Nacional dos Estudantes (UNE), José Serra; do ex-governador Leonel Brizola, que era deputado federal; o (sociólogo e político) Darcy Ribeiro falou”.

Otávio Costa considera o discurso final, do Jango, “excepcional”. “Ele faz uma abertura, falando da questão da democracia. Havia as forças reacionárias – militares, empresários, a própria igreja – que diziam que Jango ia levar o país ao comunismo, que era subversivo”. O ex-presidente faz então uma introdução sobre democracia e acentuando que não era subversivo, mas estava ali falando em nome do povo. “Estou na praça do povo, falando em nome do povo. Subversivo é quem quer dar um golpe em um governo constitucionalmente eleito”, relembra Costa. 

Subversivo, para o ex-presidente, era quem estava contra a vontade do povo. Costa salientou que a ABI escolheu celebrar o episódio por considerar que o comício foi um ato importante e histórico. “E uma tentativa de mostrar aos golpistas que as forças populares, que as forças progressistas, que a esquerda do Brasil estavam unidas contra o golpe. Daí a importância desse evento”.

O ato da ABI contará com a presença da viúva do ex-presidente João Goulart, a filha deles, Denize, e netas. Também estarão no evento Clodsmidt Riani Filho, cujo pai foi organizador do comício; parentes do ex-governador Leonel Brizola; entidades do movimento social como o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e Coalizão Brasil por Memória, Verdade, Justiça, Reparação e Democracia; parlamentares, sindicatos, lideranças estudantis; o conselheiro da ABI, professor Ivan Proença, histórico defensor da democracia, que atuou na resistência ao golpe de 1964; além de Gabriel do Vale, cantor e neto do ‘poeta do povo”, João do Vale, que fará uma participação especial.

História

Em entrevista à Agência Brasil, a viúva de Jango afirma que os fatos ocorridos depois do comício afetaram sua vida para sempre. “Perdemos a nossa pátria, nossos sonhos, os amigos. Eu perdi meu pai e minha mãe. Para mim, foi muito marcante. Sempre me lembro muito de meus pais porque, quando fui para o exílio, eu perdi minha mãe, com 58 anos de idade, depois meu pai”.

Durante o exílio imposto pelo governo militar, a família Goulart sofreu muitas perseguições. “Nossa vida foi muito controlada. Tinha pessoas que controlavam tudo: aonde nós andávamos, a nossa casa, a nossa vida. Tudo, tudo. Nós fomos realmente perseguidos em outro país”. Maria Thereza admitiu, no entanto, que  o Uruguai, onde a família ficou exilada, foi sua segunda pátria. “Para mim, foi muito importante, porque meus filhos eram muito pequenos e eu pude educá-los no colégio. Eles fizeram amizades que até hoje conservam. Então, teve essa parte também”.

Maria Thereza considera que a pior parte do exílio foi a tristeza e o abatimento do Jango. “O resto eu tratei de tocar minha vida, porque eu tinha tão pouca idade. Acho que quando a gente tem pouca idade, parece que tem mais força; a gente encara melhor as situações, mas a nossa vida foi muito controlada”.

A viúva de Jango ressalta que não consegue entender como ainda há quem defenda a volta da ditadura militar ao Brasil. “Acho horrível. Sinceramente, não entendo como as pessoas podem pensar dessa maneira, embora admito que cada pessoa tem o seu modo de pensar, de agir e de falar. Mas eu fico realmente impressionada como elas conseguem se adaptar nesse modelo de que não importa a ditadura. Eu não consigo acreditar”.

Para o Brasil de hoje, Maria Thereza espera um “milagre” para que o país tenha melhorias significativas. “Acho que cada um se acomoda no lugar e não acontece nada. Eu fico muito preocupada com a violência aqui no Brasil”. Quando retornou ao país após o exílio, ela teve a percepção de um ambiente violento,  pessoas nervosas e de pobreza permanente. 

Exposição

A exposição Rio 64 – a Capital do Golpe, que abarca o período compreendido entre 1º de janeiro de 1964 até 15 de abril do mesmo ano, quando o general Humberto Castelo Branco tomou posse como 26º presidente do Brasil e primeiro presidente do período da ditadura militar, tendo sido um dos articuladores do golpe ocorrido na madrugada do dia 1º de abril de 1964.

Fotorafia na exposição Rio 64 – a Capital do Golpe, aberta na ABI  – Rio Memórias/Divulgação

Idealizadora do Rio Memórias, Lívia Sá Baião disse à Agência Brasil que a mostra destaca outros acontecimentos históricos do período, como a fala de João Goulart durante reunião de sargentos no Automóvel Clube. No dia 30 de março de 1964; declarações do governador do então estado da Guanabara, Carlos Lacerda; entre outros fatos marcantes. “Tem todo o contexto cultural da época”, disse Lívia. “Foi o ano em que o surf chegou ao Rio, que a atriz francesa Brigitte Bardot veio ao Brasil, que os Beatles estavam fazendo muito sucesso, as músicas mais tocadas eram deles, a Bossa Nova ainda estava no auge. Enfim, todo o contexto histórico, cultural e intelectual também está na exposição”.

A exposição ficará em cartaz até o dia 13 de abril. Ela tem curadoria assinada por Heloisa Starling, escritora, historiadora, professora da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e coordenadora do Projeto República, e por Danilo Marques, doutor em história pela UFMG e pesquisador do Projeto República.

Simultaneamente à inauguração da exposição física, será lançada a versão virtual no site Rio Memórias , onde os visitantes já podem acessar na íntegra as memórias apresentadas na exposição física, além de outros acontecimentos.

Rio Memórias

O Rio Memórias é um museu virtual, fundado em 2019, que tem como missão registrar, valorizar e divulgar a história e a cultura do Rio de Janeiro. Além do museu virtual, o Rio Memórias promove atividades educativas em escolas públicas, exposições físicas e podcasts (programas de rádio que podem ser ouvidos na internet a qualquer hora) narrativos. As galerias do Rio Memórias são temáticas e narram a história da cidade sem seguir uma ordem cronológica, permitindo que os visitantes construam seus próprios roteiros pelas narrativas. Atualmente, o museu conta com 21 galerias. “Mais de mil “memórias” que são os textos narrativos com as imagens”, afirmou Lívia Sá Baião.

Navio de caridade espanhol dirige-se a Gaza

13 de março de 2024

 

Um navio de caridade espanhol transportando 200 toneladas de ajuda alimentar humanitária partiu de Chipre para Gaza na terça-feira, no mais recente esforço para alimentar dezenas de milhares de palestinos famintos enquanto os combates entre Israel e militantes do Hamas continuam.

A comida, recolhida pela World Central Kitchen, instituição de caridade fundada pelo famoso chef Jose Andres, estava numa barcaça rebocada por um navio pertencente ao grupo de ajuda espanhol Open Arms e dirigia-se para um local não revelado na costa de Gaza. A viagem de 400 quilômetros deveria durar de dois a três dias.

Um segundo navio estava sendo carregado em Chipre para em breve fazer a mesma viagem para ajudar os palestinos sitiados, disse o ministro das Relações Exteriores cipriota, Constantinos Kombos, à rádio estatal.

Falando mais tarde em Beirute, Kombos disse: “Estamos trabalhando para a chegada segura do primeiro carregamento e depois para a distribuição segura”.

“Se tudo correr conforme o planejado… já implementamos o mecanismo para uma segunda carga, muito maior, e então trabalharemos para tornar este exercício mais sistemático e com maiores volumes”, disse ele.

Andres disse que embora não houvesse certeza de que a entrega de alimentos seria bem-sucedida, “o maior fracasso será não tentar”.

“Poderíamos trazer milhões de refeições por dia”, disse Andres. “A população do norte [em Gaza] será alimentada!”

Os militares dos EUA enviaram um navio para o Mediterrâneo para construir um cais temporário na costa de Gaza para permitir a passagem de mais camiões de ajuda, mas dizem que o cais pode levar dois meses a ser concluído.

 

Campanha Março Azul prioriza a prevenção do câncer de intestino

Moradores de grupos de risco de 50 a 70 anos, da cidade ribeirinha de Óbidos (PA), de difícil acesso, onde só se chega de barco, fizeram exames de sangue oculto nas fezes por profissionais que participam da campanha Março Azul e aqueles cujo resultado foi positivo estão sendo submetidos agora a exames de colonoscopia, para prevenir o câncer de intestino. A campanha é resultado de parceria entre três entidades médicas que tratam de câncer do intestino: a Sociedade Brasileira de Endoscopia Digestiva (Sobed), a Sociedade Brasileira de Coloproctologia (SBCP) e a Federação Brasileira de Gastroenterologia (FBG). A campanha tem como lema “Médico e paciente: uma parceria que salva vidas! Juntos na prevenção do câncer de intestino.”

O presidente da SBCP, Hélio Moreira, informou nesta terça-feira (12) à Agência Brasil que “há expectativa de realizarmos em Óbidos 460 colonoscopias nessa população. Lembrando que são pessoas que não têm sintoma nenhum. O único fator de risco que foi levantado para definir o rastreamento foi a idade e, em seguida, presença de sangue oculto nas fezes ou não”. Já foram feitas em Óbidos mais de 170 colonoscopias. Nessas, diagnosticaram dois pacientes com câncer de intestino e cerca de 35% com diagnóstico de pólipos, ou lesões, que foram removidos e, consequentemente, tratados.”

O médico observou que, no câncer de intestino, a prevenção é mais eficiente. “Quando você fala de câncer de mama ou de próstata, a recomendação para realização de exames de prevenção, na verdade, tem objetivo de diagnosticar a doença em um estágio precoce. Ela já é um câncer. Já no câncer de intestino, o rastreamento é para detectar lesões que ainda não viraram câncer e, quando tratadas com a remoção dessas lesões, você evita de o indivíduo ter o câncer”.

Essas lesões, chamadas pólipos ou verrugas, nascem dentro do intestino. Com a colonoscopia, esses pólipos são tratados. Hélio Moreira esclareceu que embora aquele pólipo tenha sido tratado, a pessoa pode ter novos pólipos no futuro. Mas o tempo que decorre entre surgir um pólipo e ele virar um câncer varia de 8 até 10 ou 12 anos, destacou. “Não é uma coisa rápida”. Tirando esses pólipos agora, o médico pode recomendar a repetição desse exame para rastrear novos pólipos em um período longo, dando aos indivíduos a chance mínima deles terem um câncer de intestino com esse tipo de rastreamento.

Estimativa

Estimativa do Instituto Nacional de Câncer (Inca), vinculado ao Ministério da Saúde, são de 45.630 novos casos de câncer colorretal no Brasil, em cada ano do triênio 2023/2025, afetando potencialmente mais de 136 mil brasileiros. O Inca aponta um risco estimado de 21,10 casos por 100 mil habitantes, divididos entre 21.970 homens e 23.660 mulheres. Dados do Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM) do Datasus, referentes a 2020, indicam que 20.245 pessoas faleceram devido ao câncer de cólon, reto e ânus, ressaltando a urgência de ações preventivas e de conscientização.

“Para ter ideia de quanto isso é um problema importante e precisa ter uma sensibilidade maior do poder público para essa questão, em 2010, nós tivemos 23 mil casos de câncer de intestino no Brasil. Em dez anos, dobrou o número de casos de câncer de intestino. Hoje, é o segundo tipo de câncer mais frequente, tanto para homens, como para mulheres, na nossa população. E a incidência vem aumentando de forma alarmante”, assegurou Hélio Moreira.

O presidente da SBCP defendeu o estabelecimento de um programa nacional que seja parte do calendário do governo federal de rastreamento do câncer de intestino. Tanto a colonoscopia como a pesquisa de sangue oculto nas fezes são feitos no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS). “Mas é preciso organizar melhor o sistema, ampliar a quantidade de clínicas que possam oferecer esses exames, para poder atender a demanda que um programa de rastreamento de câncer de intestino vai gerar”.

Hélio Moreira admitiu que, em um primeiro momento, o programa demandará muitos recursos. “Mas no médio e longo prazo, vai se observar que uma quantidade imensa de pacientes que teriam câncer não terão mais. Serão tratados endoscopicamente, uma quantidade imensa de pacientes que são diagnosticados hoje em uma fase avançada de câncer, onde o tratamento envolve cirurgia, quimioterapia, radioterapia e, mesmo assim com taxas muito baixas de sobrevida dos pacientes.”

Moreira esclareceu que uma vez que se implementa um sistema de rastreamento, diminui os gastos com tratamento dos pacientes que têm câncer e melhora significativamente suas chances de cura. “Então, no médio e longo prazo, esse investimento inicial é amplamente justificado. Para salvar uma vida, qualquer gasto é justificado. Mas até no ponto de vista financeiro, é muito mais interessante a gente implementar um sistema de rastreamento do que deixar as coisas como estão hoje”, indicou.

Sintomas

Atualmente, no Brasil, mais de 70% dos casos de câncer de intestino são diagnosticados em fase avançada da doença. “É uma catástrofe”. Estamos falando aí de tratamentos caríssimos, prolongados, sofrimento imenso do paciente e da família, afastamento de trabalho, necessidade de uso de bolsas de colostomia, que poderiam ser evitados com um sistema de rastreamento adequado,” explicou.

Moreira reforçou que no diagnóstico do câncer de intestino na fase inicial, o sintoma mais comum é não ter sintoma. “Quando tem sintomas, normalmente já são casos mais avançados e é preciso que a população entenda que devem ser valorizados”. O principal sintoma é a presença de sangue vivo nas fezes. Outros aspectos importantes são o emagrecimento de causa desconhecida, o surgimento de uma anemia de causa indeterminada e a presença de uma alteração do hábito intestinal. Ou seja, de repente, o intestino, que funcionava de uma forma, começa a mudar o jeito de funcionar: ele prende, tem episódios de diarreia, depois prende de novo. “Quando isso acontece, valorize os sintomas e procure um médico especialista para que ele possa avaliar a necessidade de uma investigação mais aprofundada.”

Este é o quarto ano da campanha Março Azul. Até o final deste mês, serão realizadas ações em todas as capitais e em algumas cidades de médio e pequeno porte, com caminhadas, distribuição de panfletos, audições públicas, entrevistas, tudo com interesse maior de alertar a população sobre esse tema, tão importante para a saúde.

A cada ano, o mutirão de exames presenciais é feito em uma cidade específica. No ano passado, por exemplo, ocorreu em Cairu (BA) e, no ano retrasado, em Pilar (AL). “A gente vai escolhendo, normalmente, cidades de difícil acesso, com pouca oferta de exames de endoscopia para a região, onde realmente a campanha pode trazer um impacto gigantesco para aquela população”, disse o presidente da SBCP.

Fatores de risco

As três entidades que participam da campanha enfatizam que o tumor intestinal pode ser influenciado por diversos fatores de risco, incluindo histórico familiar de câncer, sobrepeso ou obesidade, idade igual ou superior a 50 anos, uma dieta rica em alimentos processados e carne vermelha, tabagismo, consumo excessivo de bebidas alcoólicas e a presença de doenças inflamatórias intestinais, como retocolite ulcerativa e doença de Crohn.

A prevenção do câncer de intestino está ligada a um estilo de vida saudável, que inclui prática regular de exercícios físicos, manutenção do peso ideal, abstenção do tabagismo e consumo moderado de bebidas alcoólicas. Além disso, recomenda-se a adoção de uma dieta rica em verduras, frutas, legumes, farelos e cereais integrais, beber cerca de dois litros de água por dia e limitar o consumo de carne vermelha e alimentos ultraprocessados e embutidos.

A Campanha Março Azul 2024, dedicada à conscientização sobre o câncer de intestino, está disponível no site,  onde podem ser encontradas informações sobre a doença, incluindo métodos de prevenção, fatores de risco, diagnóstico e opções de tratamento. A iniciativa conta com o apoio institucional da Associação Médica Brasileira (AMB) e do Conselho Federal de Medicina (CFM).

Jovem morre ao receber descarga elétrica durante festival no Rio

O jovem João Vinícius Ferreira Simões, de 25 anos, morreu eletrocutado na noite deste sábado (9) durante o festival de música I Wanna Be Tour, realizado no Riocentro, no Rio de Janeiro. Chovia forte quando João Vinícius encostou em um food truck energizado e recebeu uma descarga elétrica no corpo.

O estudante de arquitetura e urbanismo Vinicius Bragança estava perto do local do incidente. Ele disse à Agência Brasil que a parte da área estava alagada e caíam muitos raios nas proximidades. Ao chegar na praça de alimentação, ele ouviu funcionários gritando e viu João Vinícius caído, recostado na estrutura de um foodtruck, de braços cruzados e paralisado. 

A testemunha afirma que houve despreparo dos funcionários que socorreram a vítima e da empresa que organizou o evento, a produtora 30e. Segundo ele, faltaram medidas rápidas de ajuda ao jovem eletrocutado, isolamento da área, cuidado com o público e com outros funcionários.

“Chegaram três funcionários analisando o foodtruck, e comecei a gritar de desespero, falando que eles precisavam tirar todo mundo de perto de todos os foodtrucks. Todo mundo estava bem molhado, a região alagada, os fios expostos já estavam submersos. Acredito que foi esse o motivo da descarga elétrica que vitimou o jovem. Os funcionários pareciam não saber reagir diante da situação. Gritei e eles começaram a pedir para o pessoal se afastar do local. Usaram lixeiras do evento para isolar o perímetro. Só cerca de 15 a 20 minutos após a primeira gritaria, que a energia geral dos foodtrucks foi interrompida”, disse Vinicius. “Notei despreparo desde o início do incidente. Não vi equipe médica uniformizada ou com identificação, apenas funcionários de preto que pareciam cuidar da manutenção do evento”.

A direção do Hospital Municipal Lourenço Jorge, na Barra da Tijuca, informou que o paciente chegou na unidade em parada cardiorrespiratória e não resistiu.

Produtora

A produtora 30e, responsável pelo evento I Wanna Be Tour, publicou uma nota oficial há pouco nas redes sociais. Segundo a empresa, todos os protocolos de segurança foram seguidos quando a chuva se intensificou no evento. A nota diz que o sistema de segurança foi acionado para atendimento e socorro da vítima. Que houve pronto atendimento e todos os esforços pelas equipes médicas para ajudar João Vinícius.

“A 30e, produtora do evento, lamenta profundamente e está apurando o ocorrido junto às autoridades. Até então, informações obtidas atestam para a conformidade da operação do food truck. A produtora já estabeleceu um primeiro contato com a família do jovem para prestar solidariedade e dar toda a assistência necessária”.

Neurotecnologia avança; cientistas pedem proteção à privacidade mental

A psicóloga paulistana Carmen Galluzzi tinha completado 48 anos de idade quando começou a se sentir mais cansada que o habitual. Atribuindo o mal-estar ao estresse da tripla jornada de trabalho, estudo e cuidados com o lar, ela seguiu tentando ajustar sua rotina. Até começar a perder a força muscular e notar que seus movimentos estavam se tornando mais lentos e limitados. Só então ela se convenceu de que algo mais sério estava acontecendo.

Nos três anos seguintes, Carmem passou por vários especialistas e se submeteu a muitos exames. Até um neurologista lhe dar o diagnóstico definitivo: “Carmen, você tem Parkinson”, atestou o médico. “Foi impactante, mas, a partir daí, pude decidir o rumo a tomar. O médico me explicou que a doença era progressiva e incurável, mas que os sintomas iniciais podiam ser controlados com o tratamento adequado”, contou a psicóloga em entrevista à Agência Brasil.

Com a estimulação cerebral profunda, psicóloga Carmen Galluzzi conseguiu ter mais qualidade de vida – Carmem Galluzzi/Arquivo pessoal

Pouco após receber o diagnóstico, Carmen se aposentou por invalidez, deixou o trabalho e passou a se dedicar a cuidar da saúde. Mesmo assim, como a cura para o Parkinson ainda não foi encontrada, algumas consequências da enfermidade se intensificaram. Motivando a psicóloga a, 13 anos após ser diagnosticada e com 63 anos de idade, aceitar se submeter a uma cirurgia complexa, a estimulação cerebral profunda (do inglês deep brain stimulation, ou DBS).

Indicada para o tratamento de doenças neuropsiquiátricas, incluindo epilepsia e depressão resistente ao tratamento, a DBS consiste no implante de eletrodos no cérebro do paciente. Dois fios subcutâneos interligam os finíssimos condutores de corrente elétrica a uma microbateria inserida sob a pele, na altura do peito do portador. Como um marca-passo, o conjunto emite pulsações elétricas em áreas cerebrais específicas, auxiliando no controle dos impulsos nervosos, minimizando os tremores decorrentes do Parkinson.

Realizada em junho de 2023, a cirurgia durou cerca de dez horas. Durante o tempo em que esteve com a calota craniana aberta, a psicóloga permaneceu consciente, sedada apenas com anestesia local. Isso porque, para identificar o ponto exato onde instalar os eletrodos, os cirurgiões precisam que os pacientes reajam a seus comandos de voz.

“Todo mundo acha que uma cirurgia é para ser feita quando não estamos bem. Não. Ela é feita para otimizar o tratamento e nos dar mais qualidade de vida. Eu tive alta já no dia seguinte”, contou Carmen.

“Com o tempo, pude diminuir os remédios que eu tinha que tomar para evitar os espasmos. E, com a fisioterapia e as sessões de fono, que continuo fazendo, eu hoje me sinto muito melhor”, avaliou a psicóloga.

Investimentos

Realizada há cerca de 40 anos, a DBS ainda é considerada um procedimento médico de ponta. Contudo, conforme o neurocirurgião Bruno Burjaili, médico que operou Carmen, é um dos muitos métodos terapêuticos resultantes da contínua evolução das neurociências – campo da ciência que estuda o sistema nervoso (o conjunto cérebro-medula espinhal-nervos) e as mudanças que este sofre ao longo dos anos.

Neurocirurgião Bruno Burjaili diz que a estimulação cerebral profunda é um dos métodos resultantes da contínua evolução das neurociências – Bruno Burjaili/Arquivo pessoal

“A DBS é um grande avanço, resultado do aperfeiçoamento e do desenvolvimento das técnicas e dos aparatos neurotecnológicos, mas, diante do assombroso desenvolvimento recente das neurociências, e considerando as perspectivas do que está por vir, já podemos considerá-la uma técnica consolidada, de certa forma antiga”, afirmou Burjaili, referindo-se ao ritmo acelerado de descobertas e inovações que revolucionaram os métodos de investigação dos fenômenos mentais com a promessa de encontrar respostas para doenças neurodegenerativas (Alzheimer, Parkinson, escleroses, atrofia e distrofia muscular, entre outras), distúrbios do aprendizado e transtornos mentais como a depressão resistente aos tratamentos tradicionais.

Para a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência, e a Cultura (Unesco), “estamos no limiar de uma nova revolução tecnológica”.  Em um relatório divulgado no ano passado, a organização aponta que, de 2013 a 2023, os investimentos governamentais globais em pesquisas relacionadas às neurociências superaram US$ 6 bilhões, ou cerca de R$ 29,8 bilhões. O montante inclui gastos militares, como os US$ 10 milhões que o Departamento de Defesa dos Estados Unidos prometeu destinar à criação de um instituto dedicado ao avanço da pesquisa unificada em inteligência artificial e natural. O objetivo: “melhorar a compreensão de como o cérebro funciona e dar continuidade a projetos de IA [inteligência artificial] mais capazes e confiáveis”.

Já os investimentos privados alcançaram, de 2010 a 2020, os US$ 33,2 bilhões, ou mais de R$ 165 bilhões. Entre as empresas interessadas nas possibilidades comerciais dos resultados de pesquisas neurocientíficas estão gigantes como a Google e a Microsoft. Há um mês, a Neuralink, do bilionário Elon Musk, anunciou que implantou o primeiro chip eletrônico no cérebro de um paciente, com o objetivo de estudar formas de reabilitar o sistema nervoso de pessoas com lesões da medula espinhal ou esclerose lateral amiotrófica, devolvendo-lhes os movimentos.

A startup norte-americana Kernel desenvolveu um capacete que promete mapear a atividade cerebral e identificar estados de ânimo, apontando tratamentos clínicos. Há um ano, a Philips e a Kookon lançaram no mercado um fone de ouvido sem fio que, em conjunto com um aplicativo, promete monitorar indicadores fisiológicos do usuário enquanto ele estiver dormindo e proporcionar um “sono repousante e rejuvenescedor”, indicando músicas ou sons adequados e ajustando o volume ao estágio do sono.

Além do crescente aporte de dinheiro, inovações como o aprimoramento da inteligência artificial potencializam o desenvolvimento e o uso das novidades neurotecnológicas, cujo impacto já transcende o campo da saúde, propagando-se para áreas como a educação, segurança, direito, publicidade etc. A exemplo dos resultados das pesquisas com a chamada interface cérebro-máquina (ICM), que buscam identificar sinais neurais e transmiti-los, na forma de algoritmos, para um computador apto a “interpretar” os pensamentos da pessoa a ele conectada, transformando-os em ações.

 

Mistérios

Desvendar o funcionamento mental e, assim, “compreender” o ser humano. Possibilitar a recuperação de movimentos. Fazer frente às doenças neurodegenerativas. Interligar cérebro e máquinas. Algumas das espantosas promessas das neurociências parecem ficção científica, mas as evidências de que, talvez, muitas delas não estão longe de se tornar reais vêm se avolumando.

Em 2014, milhões de pessoas em todo o mundo testemunharam um paraplégico chutar uma bola durante a cerimônia de abertura da Copa do Mundo de Futebol, no estádio Itaquerão, em São Paulo. O gesto simbólico de Juliano Pinto, que perdeu os movimentos em consequência de um acidente de carro, foi possível graças ao exoesqueleto desenvolvido por uma equipe de cientistas liderada pelo neurocientista brasileiro Miguel Nicolelis, professor da Universidade de Duke, nos Estados Unidos.

A rápida demonstração da veste robótica controlada por pensamento e desenvolvida com a colaboração de 156 cientistas de diferentes nacionalidades aconteceu apenas 14 meses após o então presidente dos EUA, Barack Obama, anunciar um investimento público-privado de US$ 100 milhões (cerca de R$ 495,2 milhões pelo câmbio atual) no que classificou como “o próximo grande projeto americano”, a Iniciativa Brain.

Em inglês, a palavra brain significa cérebro. No contexto da iniciativa, é, também, a sigla do nome do projeto, Brain Research Through Advancing Innovative Neurotechnologies, ou Pesquisa Cerebral por Meio do Avanço de Neurotecnologias Inovadoras. Acrônimo que revela o objetivo do governo norte-americano: apoiar a criação de neurotecnologias que ajudem os cientistas a obter imagens dinâmicas dos 86 bilhões de neurônios em ação. Os neurônios são células responsáveis por garantir a transmissão dos impulsos elétricos que fazem o sistema nervoso funcionar, interligando o cérebro ao restante do corpo. Registrá-los atuando em conjunto ajudaria os especialistas a entender como pensamos, sentimos, aprendemos e lembramos. Em resumo, como usamos nosso cérebro.

“Como humanos, podemos identificar galáxias a anos-luz de distância, podemos estudar partículas menores que um átomo, mas ainda não desvendamos o mistério dos 3 quilos de matéria que ficam entre nossas orelhas”, comentou Obama. “A Iniciativa Brain mudará isso, dando aos cientistas as ferramentas de que necessitam para obter uma imagem dinâmica do cérebro em ação. Esse conhecimento pode ser – e será – transformador”, discursou Obama ao apresentar o projeto.

A Iniciativa Brain ainda não chegou ao fim, mas já inspirou outros países, como a Espanha. No fim de 2022, o governo espanhol anunciou que pretende investir, até 2037, ao menos € 200 milhões (o equivalente a R$ 1,06 bilhões) na construção do chamado Centro Nacional de Neurotecnologia (Spain Neurotech), em Madri. Além de estimular o estudo do funcionamento cerebral e de novos métodos diagnósticos e de tratamento de doenças do sistema nervoso, a unidade busca atrair pesquisadores e fomentar empreendimentos inovadores em neurotecnologia.

“Há muito dinheiro sendo investido no desenvolvimento das neurotecnologias, em todo o mundo”, disse à Agência Brasil o neurobiólogo espanhol Rafael Yuste. Diretor do Centro de Neurotecnologia da Universidade de Columbia (EUA) e um dos idealizadores da Iniciativa Brain norte-americana, Yuste foi convidado a dirigir o futuro centro espanhol. Desenvolvedor de métodos ópticos inovadores para observar os circuitos neurais em ação, ele defende que a humanidade está perto de, enfim, entender como o cérebro funciona. O que, segundo ele, representaria um enorme salto não só para o tratamento de doenças neurológicas, mas também para a melhor compreensão do ser humano.

“O cérebro é o órgão que dá origem à mente. Com tecnologias que nos permitam ‘entrar’ no cérebro e registrar sua atividade, poderemos entender como a nossa mente funciona. Consequentemente, mais cedo ou mais tarde, poderemos decifrar a atividade mental e, em alguns casos, alterá-la”, sustenta Yuste (Leia aqui a entrevista exclusiva completa do neurobiólogo à Agência Brasil).

O espanhol também acredita que, em breve, parte da população passará a usar aparatos neurotecnológicos portáteis capazes de controlar outros aparelhos remotamente e, principalmente, para acessar a internet sem a necessidade de computadores, tablets ou telefones celulares. “Não demorará para que possamos fazer com o uso das neurotecnologias tudo aquilo que fazemos hoje usando nossos smartphones. Será uma revolução. Com oportunidades e desafios.”

Regulamentação

Neurobiólogo espanhol Rafael Yuste defende a proteção aos chamados neurodireitos – Neuro Technology Center/Divulgação

Rafael Yuste, que já foi eleito pela revista Nature um dos cinco cientistas mais influentes do mundo, não é o único a apontar que o desenvolvimento e a esperada popularização das neurotecnologias trarão consigo novos problemas éticos e sociais. Com a preocupação comum de que suas descobertas e invenções sejam usadas indevidamente, o espanhol criou, junto com outros 24 especialistas, a Fundação Neurorights, que propõe o reconhecimento e proteção aos chamados neurodireitos.

Os cinco neurodireitos propostos visam proteger a privacidade mental, a identidade pessoal e o livre arbítrio dos usuários, bem como garantir o acesso igualitário das sociedades aos benefícios do uso das neurotecnologias e evitar que desenvolvedores reproduzam preconceitos e vieses na criação de novas tecnologias, respeitando a diversidade, responsabilidade e transparência ao programar o funcionamento dos aparatos tecnológicos.

“São cinco áreas nas quais o emprego da neurotecnologia sem algum tipo de regulamentação ou proteção gera preocupações éticas e sociais”, disse o neurobiólogo à Agência Brasil, explicando que a sugestão é que cada país aprove suas próprias leis e que a Organização das Nações Unidas (ONU) atualize a Declaração Universal dos Direitos Humanos, ampliando o rol de direitos fundamentais.

A Unesco também defende a urgência de os países chegarem “a um acordo sobre as ferramentas adequadas de governança neurotecnológica a fim de que as neurotecnologias sejam desenvolvidas e implantadas para o bem de todos os indivíduos e sociedades”. No relatório já citado, a organização alerta que “a promessa de que as neurotecnologias melhorem a vida das pessoas que vivem com deficiências desencadeadas por problemas relacionados ao cérebro pode ter um custo elevado em termos de direitos humanos e liberdades, se abusadas”. Daí a importância de “políticas bem-elaboradas, eficazes, baseadas em evidências e numa clara definição e descrição do problema, para que as escolhas feitas não corram o risco de serem distorcidas”.

 

Pioneirismo

Em outubro de 2021, o Chile se tornou o primeiro país a incluir em sua Constituição a proteção à atividade e aos dados cerebrais. Aprovada por unanimidade, a Lei nº 21.383 estabelece que o desenvolvimento científico e tecnológico deve estar a serviço das pessoas, respeitando a vida e a integridade física e psíquica. A lei também prevê a futura regulamentação dos requisitos, condições e restrições ao uso da neurotecnologia em seres humanos.

A proposta de regular os neurodireitos já tem defensores no Brasil. Desde o ano passado, tramita no Senado a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) nº 29, que, se aprovada, resultará na inclusão da proteção à integridade mental e à transparência algorítmica entre os direitos e garantias constitucionais. (Leia mais sobre a PEC aqui). Na Câmara dos Deputados, há um projeto de lei, de autoria do deputado federal Carlos Henrique Gaguim (União-TO), sobre o mesmo tema. O Projeto de Lei nº 1229, de 2021, visa modificar a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD), incluindo nela a proteção aos dados neurais “obtidos a partir de qualquer sistema eletrônico, óptico ou magnético”.

Para a procuradora do estado de São Paulo Camila Pintarelli, os direitos fundamentais precisam ser relidos à luz das novas tecnologias – Joel Vargas

“Os direitos fundamentais precisam ser relidos à luz das novas tecnologias e já está na hora de o Brasil incorporar a proteção à atividade mental em nossa Constituição”, defende a procuradora do estado de São Paulo Camila Pintarelli, umas das pessoas por trás da proposta de emenda à Constituição apresentada com a chancela de parlamentares governistas e da oposição, como o líder do governo federal no Congresso Nacional, senador Randolfe Rodrigues (sem partido-AP), e o ex-vice-presidente da República senador Hamilton Mourão (Republicanos-RS), entre outros.

“É um tema abstrato, complexo, mas no qual precisamos começar a prestar atenção, porque a velocidade da tecnologia é muito superior à velocidade da regulação”, acrescentou a procuradora.

“Muitas pessoas que ouvem falar sobre a necessidade de proteção à mente humana e aos neurodireitos acreditam que estamos falando de ficção científica, mas a interação entre máquinas e cérebros já é algo real e está cada vez mais próxima de nós. Seja para fins terapêuticos, oferecendo possibilidades de cura para doenças mentais até então incuráveis, seja para fins comerciais diversos, onde causam maior preocupação”, destacou  Camila Pintarelli.

Manipulação

Professor da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), onde orienta pós-graduandos dos cursos de direito e de neurociências, Renato César Cardoso defende que, antes de qualquer coisa, o Congresso Nacional promova um debate amplo, com a participação de representantes de diferentes segmentos sociais.

“O direito vem a reboque das mudanças sociais, que surgem e nos impõem a necessidade de nos anteciparmos, sob risco de sermos atropelados pela realidade. Está muito claro que, se nada for feito, muito em breve teremos problemas com questões como a privacidade mental. Então, é sim preciso regular alguns aspectos. Só que essa regulação deve ser fruto de um debate envolvendo toda a sociedade. Não cabe só aos neurocientistas, políticos ou advogados dizer o que deve ser feito”, comentou Cardoso

Professor Renato César Cardoso diz que é preciso diferenciar legalmente o uso comercial das neurotecnologias do emprego para pesquisas científicas – Renato César Cardoso/Arquivo pessoal

Ele apontou o que classifica de “problemas jurídicos e conceituais” nas propostas de regulação da Fundação Neurorights e em tramitação no Congresso brasileiro. “As duas propostas têm o mérito de fomentar o debate, mas contêm pontos confusos, imprecisos. Talvez porque tenham um forte viés neurocientífico e, em alguns aspectos, acabem derrapando na parte jurídica. Dizer, por exemplo, que vamos proteger a identidade e o livre-arbítrio… O que é identidade? O que exatamente deve ser protegido? São dois conceitos muito abertos, de difícil conceituação, seja no direito, na filosofia ou mesmo para as neurociências. Melhor seria falarmos em proteger as pessoas da eventual manipulação cognitiva; garantir a liberdade cognitiva dos usuários de neurotecnologias”, defendeu o acadêmico.

Para Cardoso, outra questão “problemática”, embora pertinente, é a que trata do acesso equitativo às neurotecnologias de ampliação sensorial e benefícios do uso delas. “Claro que é preciso evitar que uma casta de privilegiados tenha acesso exclusivo a avanços que podem não beneficiar a maior parte da população, que será excluída, mas isso exige outras medidas, como políticas públicas que busquem reduzir as desigualdades. E que, neste aspecto, não se limitam às legislações nacionais”, destacou o professor, defendendo a importância de se diferenciar legalmente o uso comercial das neurotecnologias do emprego para pesquisas científicas.

“Se não estiver muito claro o que se quer e se deve proteger, há sim o risco de a proposta inviabilizar um monte de pesquisas acadêmicas. A distinção entre dados neurais obtidos para pesquisa e para uso comercial tem que estar na lei”, concluiu.