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Eleitores de Analândia, interior de SP, escolhem prefeito no domingo

O eleitorado de Analândia, município localizado na região de São Carlos, interior paulista, vai às urnas no próximo domingo (7) para escolher um novo prefeito ou prefeita. A eleição foi marcada porque o prefeito e o vice eleitos em 2020 foram cassados por dificultarem o exercício do voto de parte da população, segundo decisão do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

O Código Eleitoral determina a realização de eleições suplementares quando o candidato eleito em pleito majoritário perde o mandato por decisão da Justiça Eleitoral (artigo 224, § 3º) e ainda restam mais de seis meses de mandato.

Quatro chapas de prefeito e vice disputam o pleito: Leandro Santrapio (MDB) e Doutor Cirinho (PSB), pela Coligação Analândia para Todos; Odair Mistro com Giribi, ambos do PDT; o prefeito em exercício Rogerinho (presidente da Câmara) com Elaine Cabeleireira como vice, ambos do Republicanos; e Silvana Perin (Solidariedade) com Vrá Mascia (União Brasil), pela Coligação Analândia Feliz de Novo.

A diplomação do eleito ou eleita está marcada para o dia 10 de maio e a posse para o dia seguinte, 11 de maio. Quem vencer a eleição suplementar governará até 31 de dezembro. No dia 1º de janeiro de 2025, toma posse o candidato ou candidata que se eleger nas eleições municipais de 6 de outubro, em que também serão escolhidos os vereadores e vereadoras da cidade.

A 245ª Zona Eleitoral — Rio Claro é a responsável pelas eleições de Analândia, que conta com um eleitorado composto por 4.552 pessoas. A eleição suplementar terá apenas um turno, pois só há possibilidade de segundo turno em capitais e municípios com mais de 200 mil eleitores e eleitoras.

A votação será realizada das 8h às 17h. Há dois locais de votação na cidade, com 16 seções eleitorais.

Quem deixar de votar por não se encontrar em seu domicílio eleitoral poderá justificar a ausência, no mesmo dia e horário da votação, por meio do aplicativo e-Título. Poderá, ainda, apresentar justificativa por meio do aplicativo “e-Título”, do serviço disponível no site do TRE-SP e de requerimento formulado perante a zona eleitoral até 6 de junho de 2024. Não haverá mesas receptoras de justificativa nos locais de votação.

Cassação

Em 14 de dezembro de 2023, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) determinou a cassação do mandato e a inelegibilidade do prefeito Paulo Henrique Franceschini e seu vice Clodoaldo Guilherme, eleitos em 2020 pelo Republicanos e PSB, respectivamente. Também foi declarado inelegível Jairo Aparecido Mascia (eleito em 2016 pelo então PMDB, hoje MDB), que era prefeito na época da eleição e os apoiava.

Segundo decidido nos autos, o então prefeito do município e os candidatos que ele apoiava abusaram do poder político por causa da instalação, no dia da eleição, de barreiras físicas e sanitárias nas entradas da cidade, que dificultaram o exercício do voto de eleitores e eleitoras. Para a decisão, o TSE considerou a gravidade da conduta e a existência de provas robustas da intenção de impedir parte do eleitorado de exercer o direito de votar.

“A mera instalação das barreiras físicas e sanitárias no dia das eleições, determinada por decreto municipal expedido pelo prefeito à época dos fatos, já caracteriza fator suficiente para demonstração da gravidade exigida para configuração do ato abusivo, pois a conduta do primeiro recorrido transbordou o uso das prerrogativas do seu cargo público, com desvio de finalidade em favor dos demais recorridos (eleitos aos cargos majoritários do município), violando, além dos direitos fundamentais do indivíduo de ir e vir e da liberdade ao voto, a segurança do processo eleitoral”, decidiu o TSE.

A ação de investigação judicial eleitoral (AIJE) foi proposta pelo Diretório Municipal do PSDB e por Silvana Perin, candidata ao cargo de prefeita no mesmo pleito e que era filiada ao partido (hoje no Solidariedade). A Corte Superior Eleitoral reformou, por unanimidade, a decisão do Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo de fevereiro de 2022 e julgou procedentes os pedidos da ação. 

Oposição obtém grandes vitórias nas eleições locais da Turquia

2 de abril de 2024

 

As eleições locais da Turquia, que tiveram lugar em 31 de Março, ficarão para a história como uma das mais surpreendentes. A desmoralizada oposição da Turquia, nomeadamente o Partido Popular Republicano (CHP), dominou aquilo que muitos especialistas descreveram como a pior derrota do Partido da Justiça e Desenvolvimento, no poder, nos seus 22 anos de existência. Pela primeira vez desde 1977, o CHP obteve mais votos em todo o país.

No seu discurso televisivo posterior, o líder do CHP, Özgür Özel, chamou as eleições de “históricas” enquanto chorava. Dezenas de apoiantes saíram às ruas para celebrar os resultados em toda a Turquia.

Istambul, onde a CHP garantiu a vitória em 2019, foi uma das cidades-chave na corrida deste ano. Na altura, a perda do controle do município de Istambul foi descrita como um grande golpe para o presidente Recep Tayyip Erdoğan e o seu partido Justiça e Desenvolvimento (AKP), pois foi onde iniciou a sua carreira política quando foi eleito presidente da câmara em 1994. os resultados das eleições de ontem em todo o país consolidaram esta tréplica na agenda de Erdoğan.

Na capital, Ancara, o actual presidente da Câmara do CHP, Mansur Yavaş, superou o seu rival em mais de 28 por cento. Na terceira maior cidade da Turquia, Izmir, o candidato da oposição Cemil Tugar terminou 11 pontos à frente do candidato do partido no poder.

Noutras partes do país, à medida que os resultados iam surgindo, o mapa foi lentamente ficando vermelho, à medida que muitas das províncias anteriormente lideradas pelo AKP mostravam vitórias para os candidatos do partido da oposição.

 

Uso de imóveis privados para tortura une civis e militares na ditadura

Uma casa discreta em um bairro residencial, um sítio usado para churrascos em fim de semana e até uma sala do complexo industrial de uma multinacional, lugares com pouco em comum, além de terem sido usados para tortura e execuções. Ao longo dos anos, pesquisadores e ativistas têm lembrado em diversos momentos que a ditadura que comandou o Brasil entre 1964 e 1985 não era apenas militar, mas foi conduzida também por tentáculos civis. Inclusive a violenta repressão contra os opositores teve participação de agentes sem vínculo direto com os quartéis.

Essas conexões ficam claras na existência de diversos pontos onde eram conduzidos interrogatórios e desaparecimentos forçados fora de qualquer estrutura militar ou governamental. Apesar de conhecidos, o caráter completamente não oficial desses imóveis em relação a estruturas públicas deixou poucas evidências para que seja possível saber exatamente quantos eram e o que se passou nesses locais.

“Esses espaços clandestinos possibilitaram uma articulação exatamente para fora das institucionalidades. E isso acho que dava mais margem para organizações paralelas atuarem nesses espaços. Ao mesmo tempo em que também criava laços de participação da sociedade civil nesses processos”, diz a historiadora e pesquisadora do Memorial da Resistência Julia Gumieri.

A existência desses locais surge em diversas investigações feitas sobre os crimes cometidos pela ditadura ao longo dos anos. A Comissão Nacional da Verdade mapeou a existência de centros de tortura em vários estados, como Rio de Janeiro, Pará e Minas Gerais.

Na comissão parlamentar de inquérito (CPI) aberta pela Câmara Municipal de São Paulo em 1990, as investigações passaram por um sítio apontado como local de tortura e execuções em Parelheiros, extremo sul paulistano.

Ossadas de presos políticos no Cemitério Dom Bosco, em Perus, São Paulo – Marcelo Vigneron/Memorial da Resistência

O alvo inicial dos trabalhos da CPI era a vala clandestina no Cemitério Dom Bosco, em Perus, zona norte paulistana, onde foram ocultados os restos mortais de opositores assassinados pela repressão. Porém, os trabalhos também investigaram a existência da Fazenda 31 de Março, na região de Marsilac, no extremo sul da capital paulista, próximo à divisa com Itanhaém e Embu-Guaçu.

Difícil identificação

Havia a suspeita de que esse teria sido o lugar para onde o dramaturgo e militante Maurício Segall, filho do pintor Lasar Segall, foi levado ao ser sequestrado pelo regime. Ao depor na Câmara Municipal, Segall não reconheceu o local pelas fotos apresentadas pelos vereadores.

“Estou olhando isto aqui e diria que não é a casa onde estive. Por duas razões: a primeira é que, mesmo vendado – isso me lembro perfeitamente – eu desci uma escadinha de onde o carro estava parado para chegar à entrada da casa. Isso me lembro na ida e na volta. Eu ia meio amparado, porque estava vendado. E aqui, me parece pelo menos, não há possibilidade de ter escada, não tem nada”, respondeu ao ver as fotos do local na investigação feita pelos vereadores em 1990, puxando da memória o que havia passado em 1970.

Escritor e ex-preso político Ivan Seixas foi coordenador da Comissão Estadual da Verdade de São Paulo  – Arquivo Pessoal/Memorial da Resistência

A fazenda era de propriedade do empresário Joaquim Rodrigues Fagundes, que morreu antes de ser ouvido pela CPI. O escritor e ex-preso político Ivan Seixas disse que o filho de um dos militares que frequentavam o sítio contou que o local também servia de ponto de confraternização para os agentes da repressão. “Tinha o filho de um milico, do capitão Enio Pimentel Silveira, que era funcionário da prefeitura. A gente pediu e ele concordou em ir [até a Fazenda 31 de Março], porque ele ia lá para churrascos. O pai dele e o [delegado Sérgio] Fleury faziam churrascos e levavam os filhos”, disse em entrevista à Agência Brasil. Seixas foi coordenador da Comissão Estadual da Verdade de São Paulo e assessor especial da Comissão Nacional da Verdade.

É provável que Segall não tenha reconhecido o local porque a equipe do delegado Sérgio Fleury o levou para outro sítio, em Arujá, na Grande São Paulo, a norte da capital. Diversos depoimentos relatam que o delegado, um dos mais conhecidos torturadores da ditadura, tinha a sua disposição uma chácara, que nunca teve localização exata identificada.

Durante o tempo que esteve preso nesse sítio, Segall presenciou a morte de Joaquim Ferreira Câmara, conhecido pelo codinome de Toledo, um dos líderes da Ação Libertadora Nacional (ALN). Segundo relato de outro conhecido agente da repressão, Carlos Alberto Augusto, chamado de Carlinhos Metralha, após ser capturado no Rio de Janeiro e ficar em cativeiro em diversos locais, Eduardo Collen Leite, o Bacuri, também teria passado pelo sítio usado por Fleury em Arujá.

“O sítio aparentemente tinha dois quartos, uma sala/cozinha e um banheiro. Os choques elétricos aplicados no pau-de-arara eram gerados num aparelho, acionado por manivela manual”, contou Segall em depoimento à Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos. Também estavam presos no local Viriato Xavier de Mello Filho e Maria de Lourdes Rego Melo.

Durante a tortura, o artista viu um homem, que depois identificou como sendo Joaquim Câmara, com sintomas de um ataque cardíaco. Apesar de ter recebido atendimento médico, o líder da ALN morreu no local, o que fez com que os demais presos fossem levados de volta para o Departamento de Ordem Política e Social (Dops), no centro da capital paulista.

Também pertencente ao empresário Joaquim Rodrigues Fagundes, dono da transportadora Rimet e da Fazenda 31 de Março, a chamada Casa da Mooca era utilizada para manter presos durante dias opositores da ditadura. O relatório final da Comissão da Verdade da Assembleia Legislativa de São Paulo denuncia que o imóvel localizado na Rua Fernando Falcão, no bairro da Mooca, zona leste paulistana, foi colocado a serviço da repressão na década de 1970. Segundo o documento, o local também pode ter sido usado como cativeiro para Bacuri.

Lugares ainda não revelados

Sair vivo de um lugar como esse não era a regra. “Foram poucos sobreviventes desses espaços de modo geral, exatamente porque, como eles não eram parte das estruturas oficiais, o objetivo não era prender. O objetivo era recolher informações, torturar e executar, porque você não pode ter sobreviventes, testemunhas desses espaços não oficiais”, explica Julia Gumieri.

Sem registros e sem testemunhas, é possível, segundo a pesquisadora, que alguns desses locais não tenham sequer sido mencionados nas investigações feitas até agora. “Imaginando o que se perdeu de documentação não localizada e mesmo de falta de sobrevivente que os próprios colegas de militância não souberam, é muito provável que tenha existido muito mais, que seja uma camada ainda pequena que a gente sabe sobre”, acrescenta a historiadora.

 Sítio 31 de Março, onde teriam sido mortos os militantes Sônia Angel Jones e Antônio Carlos Bicalho Lana – Wikipedia

Na Fazenda 31 de Março, teriam sido mortos em 1973 os militantes da ALN Sônia Angel Jones e Antônio Carlos Bicalho Lana. Na CPI de 1990, o ex-deputado Afonso Celso, único sobrevivente conhecido do sítio, contou sobre o que passou lá. Apesar de vendado, ele se lembrava que atravessou uma linha férrea para chegar ao local. “Fui conduzido para um subterrâneo, ou uma sala subterrânea ou coisa assim, porque existiam quatro degraus. Quatro degraus, não, quatro lances de escada, e lá imediatamente me despiram e passaram a me torturar”, relatou aos vereadores.

“Eu provavelmente desmaiei ou qualquer coisa assim, das sevícias de que fui vítima. Depois acordei e vejo que me botaram já num outro tipo de tortura, que não era mais pau-de-arara”, segue a história contada por Celso. “Me puseram no que eles chamavam ‘piscina’, que era uma espécie de poço, de fundo cimentado, mas cheio de lodo. Eu pisava no lodo, e ali eles brincavam de afogamento. Me sufocavam, me afogavam”, disse na ocasião.

Fazenda em Araçariguama, na Rodovia Castelo Branco, usada para tortura e execução de opositores ao regime – Andréia Lago/Memorial da Resistência

Outros lugares só foram conhecidos por revelações dos próprios agentes da repressão, como Marival Chaves Dias do Canto, ex-sargento que atuou no Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-Codi). Mesmo estando dentro de um dos maiores centros de tortura da ditadura, Chaves negou ter participado desse tipo de violência ou operações de repressão na rua. Fez revelações em diversos depoimentos, tanto a CPI da Vala de Perus, como também a Comissão Nacional da Verdade. Foi o ex-agente da repressão que identificou a Boate Querosene, em Itapevi, e o Sítio em Araçariguama como locais usados para tortura e execução de opositores ao regime.

Em outros casos ainda existem dúvidas e lacunas. Até hoje não se sabe o local onde, em 1978, Robson Luz foi torturado e morto após ser preso acusado de roubar uma caixa de frutas. O processo relativo ao caso, que à época causou indignação e levou à formação do Movimento Negro Unificado, só foi desarquivado em 2022.

Ao analisar a documentação, a pesquisadora Renata Eleutério, do Centro de Pesquisa e Documentação Histórica Guaianás, diz que as informações são de que ele foi preso no 44º Distrito Policial, de Guaianases, zona leste paulistana. Porém, há indícios de que ele foi levado para outro local no período em que esteve sob poder dos policiais. “No processo, em um dos depoimentos, o rapaz indica que ele foi retirado daquela delegacia e levado para outro lugar. E aí depois foi jogado na delegacia, retirado de lá e jogado em qualquer outro canto”, revela a pesquisadora.

Não há clareza, no entanto, do local onde Luz teria recebido pancadas e choques elétricos. Mas existem diversos indícios de que alguns agentes da repressão à oposição política também atuavam na execução de presos por crimes comuns, como no caso da acusação feita contra Luz. “As estruturas e os executores estavam muito em diálogo, eventualmente eram até os mesmos, como o Esquadrão da Morte [grupo de extermínio], que era um grupo de policiais da Polícia Civil vinculados ao Dops [Departamento de Ordem Política e Social]”, exemplifica Julia Gumieri.

Boate Querosene, em Itapevi, foi identificada como local de tortura por um agente da repressão  – Cacalos Garrastazu/Memorial da Resistência

Não foi identificado, porém, até o momento que as casas e sítios usados pela repressão tenham abrigado outras atividades. “Eu não posso afirmar que o Esquadrão da Morte se utilizou de um desses espaços. Mas, se o Fleury é um delegado da polícia que é ativo nos processos de extermínio, tortura, e compõe o Esquadrão da Morte, assim, eventualmente, ele pode usar o mesmo espaço”, pondera a pesquisadora.

Essa rede de imóveis sem nenhuma ligação formal com o Estado é um aprofundamento dos procedimentos ilegais e clandestinos que já aconteciam no DOI-Codi e outras instalações militares. O que só era possível devido às diversas formas de apoio de empresários ao regime, com cessão de espaços, veículos, financiamento direto e até vigilância sobre os próprios empregados. A montadora Volkswagen reconheceu que ajudou a repressão a perseguir os próprios funcionários. O ferramenteiro Lúcio Bellentani contou que foi torturado dentro do complexo industrial em São Bernardo do Campo. A empresa fez um acordo de reparação com o Ministério Público Federal.

Doutrina de guerra

A tortura não era uma novidade para as instituições brasileiras. Na ditadura de Getúlio Vargas, os opositores também eram perseguidos e presos. “Durante os outros períodos, a repressão política era uma repressão feita por órgãos oficiais. Prendia, torturava e soltava”, diz Ivan Seixas. A ditadura instaurada a partir do golpe de 1964, no entanto, incorporou uma visão de guerra contra a própria população, baseada, em grande parte, nas guerras coloniais da França na Indochina (Vietnã) e na Argélia.

“A doutrina da guerra revolucionária, como os franceses chamavam, foi um elemento-chave para preparar a organização e a estruturação dos serviços de informação brasileiros, que foram calcados nos serviços de informações franceses durante a Guerra da Argélia [1954 a 1962]”, diz o pesquisador Rodrigo Nabuco de Araújo, autor do livro Diplomates en Uniforme [Diplomatas de Farda], que trata da atuação dos militares franceses a partir dos serviços de diplomacia no Brasil entre 1956 e 1974.

O nome mais conhecido por trazer as expertises francesas para o Brasil é o general Paul Aussaresses. Antes de morrer, em 2013, o oficial reconheceu ter utilizado a tortura para combater a insurgência argelina. “Ele disse que torturou, que matou, que formou torturadores, e por isso ele acabou perdendo tudo. Ele perdeu a patente de general, perdeu o salário de aposentadoria de general. Foi um golpe muito grande que ele levou depois de ter dito tudo o que disse”, contextualiza Araújo antes de afirmar que Aussaresses não foi o principal responsável por trazer as estratégias francesas para o Brasil.

“Tem um outro que é muito mais insidioso do que o que o Aussaresses que é o Yves Boulnois”, destaca o pesquisador. Chegando ao Brasil em 1969, o coronel francês ajudou, segundo Araújo, na estruturação do DOI-Codi e esteve presente nas operações contra a guerrilha comandada por Carlos Lamarca no Vale do Ribeira. “Ele participou da organização da operação e depois da supervisão, da análise dos dados que foram colhidos durante os interrogatórios, durante as torturas”, detalha Araújo a respeito do papel estratégico de Boulnois.

O coronel chegou ao Brasil em 1969 como adido militar. Em correspondência enviada ao então ministro dos Exércitos da França, Pierre Messmer, Boulnois informava sobre os avanços na estruturação das forças da repressão brasileiras. “Com vários meses de treinamento adequado, cada unidade é, agora, capaz, independente de qual seja a missão específica, de participar de uma operação de guerrilha”, escreveu ao superior em correspondência acessada por Araújo e disponibilizada em seu livro.

 

Hierarquias paralelas

A experiência francesa de enfrentar guerrilhas em um ambiente urbano, como aconteceu na Argélia, influenciou, segundo o pesquisador, na criação da Operação Bandeirante, que reprimiu os grupos armados que lutavam contra a ditadura em São Paulo. “Os militares do 2º Exército em São Paulo se inspiraram amplamente das sessões administrativas especiais, que eram organizações civis e militares na Guerra da Argélia, para estruturar a Operação Bandeirantes e transformar essa experiência da guerra colonial francesa, na Guerra da Argélia, em algo possivelmente utilizável no Brasil”, explica Araújo.

“Se inspirou nessa centralização da informação, que é o caso francês, dessa reunião de civis e militares em um só comando, e da organização das operações, o que eles chamavam de hierarquias paralelas. Quer dizer, que você tinha uma rede de comando, uma hierarquia de comando que vem de cima para baixo, mas você tinha uma hierarquia paralela, uma organização e uma estrutura clandestina”, detalha o pesquisador.

As teorias dos militares franceses surgem também da tentativa de entender a derrota para as forças de libertação das antigas colônias. “Tinha a ver com uma negligência dos militares da dimensão política e psicológica do conflito”, diz a respeito das conclusões dos oficiais o coordenador do Laboratório de Análise em Segurança Internacional e Tecnologias de Monitoramento da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), Acácio Augusto.

O papel da tortura

“Para essa teoria, a sociedade está dividida em três grupos”, explica o professor. Esse pensamento estratégico parte, segundo ele, do princípio de que há uma minoria ativa, que luta contra a dominação colonial, no caso das ex-colônias francesas, ou contra a ditadura, no caso do Brasil. Há os apoiadores dos processos de dominação e há  “uma grande maioria, que eles chamam de neutra e pacífica, e que está à mercê de ser conquistada pela causa revolucionária, que deve ser disputada pelas forças da ordem”.

Por isso, para além do enfrentamento militar, foi feito, de acordo com Augusto, um esforço para evitar que o conjunto da população simpatizasse ou apoiasse os grupos de resistência. Ao mesmo tempo, os grupos de oposição são tratados como inimigos e desumanizados. “A tortura não era um ato de barbárie, não era um excesso do regime, era a própria forma de atuação do regime, inclusive gerida cientificamente. A ideia da tortura era produzir informação”, enfatiza.

O desaparecimento dos torturados, principalmente os que nunca foram registrados em estruturas oficiais do Estado, serve, segundo Araújo, a alguns propósitos. Por um lado, evita a responsabilização e repercussão pública das mortes, enquanto, por outro desestabiliza os opositores do regime.

“É uma forma de você criar uma incerteza muito grande em torno do que aconteceu com essa pessoa e dessa forma de criar uma impunidade em torno das pessoas que cometeram esses crimes”, diz o pesquisador.

O general francês Aussaresses, que ficou conhecido pelos cursos relacionados a tortura que promovia em Manaus, é também, segundo Araújo, protagonista de um evento que ilustra como a violência era instrumentalizada pelos colonialistas. “Ele solicitou o estádio de futebol da cidade. Ele torturou os presos em frente uns dos outros, depois matou todo mundo. Abriu uma vala comum, jogou todos os corpos ali, jogou cal quente em cima, e em cima disso ele jogou concreto armado. Quer dizer que não tem como saber quem está enterrado ali. Todos desapareceram”, conta o historiador sobre os fatos ocorridos na antiga cidade de Philippeville, atual Skikda, na Argélia.

Presidente Milei, alvo e flagelo da esquerda latino-americana

Milei

31 de março de 2024

 

O recente impasse entre os presidentes da Argentina, Javier Milei, e da Colômbia, Gustavo Petro, que culminou com a expulsão de diplomatas argentinos de Bogotá, é o último capítulo de uma já longa lista de altercações de natureza pessoal e ideológica com líderes do deixado na região do atual inquilino da Casa Rosada, mesmo desde sua época como candidato.

Especialistas estimam que o novo presidente argentino poderá estar a tentar posicionar-se como um líder regional entre governantes alinhados ou próximos do seu projeto liberal e de direita, em momentos sensíveis para a esquerda latino-americana.

Em entrevista ao canal CNN, transmitida esta semana, Milei descreveu Petro como um “assassino terrorista”. O governo colombiano afirmou que “repudia” as suas acusações, que “deterioraram a confiança binacional” e expulsou diplomatas da embaixada argentina em Bogotá.

Quando era apenas candidato, em agosto passado, Milei já tinha suas divergências com Petro, que agora se repetiram, quando disse que socialista é “lixo, excremento humano”, ao que o líder colombiano respondeu: “é isso que Hitler disse.” “.

Ao conquistar a presidência argentina em novembro, Petro considerou “triste” o triunfo de alguém que considerava parte da “extrema direita” na região.

Milei, que assumiu o cargo em dezembro, pode estar tomando medidas para “se marcar” como um líder regional de chefes de estado próximo ao sistema liberal, disse o analista político e advogado Bruno Tondini em conversa com a Voz da América da Argentina.

Nesse grupo estariam seus pares do Uruguai, Luis Lacalle Pou, e do Paraguai, Santiago Peña, disse Tondini, professor de Direito Internacional da Universidade Nacional de La Plata e diretor da especialização em Direito Tributário e Finanças Públicas da Universidade Nacional de La Plata. Universidade Católica da Prata.

O presidente argentino procura “assumir destaque a nível regional” na América Latina, garantiu. “Não devemos subestimar a estratégia internacional que o Presidente Milei pode assumir, em todas as áreas.”

Em sua opinião, Milei aspira, com seus posicionamentos e comentários sobre outros presidentes, que a Argentina “retome um posicionamento global muito mais forte” como contrapartida ao bloco de liderança representado nos presidentes de esquerda do Brasil, México, Colômbia e até Venezuela .

“É o início de um posicionamento regional”, observou Tondini, que alertou que as palavras de Milei poderiam procurar “dinamite” a integração dos líderes de esquerda.

Com Maduro, Milei também teve suas brigas. O presidente venezuelano chamou-o de “erro de história” em meados de janeiro e o argentino agradeceu-lhe ironicamente a menção, chamando-o de “socialista empobrecedor”.

Na semana passada, a embaixada argentina confirmou que abrigou líderes da oposição perseguidos pelo chavismo. Pouco depois de se instalar, a missão diplomática relatou uma queda de energia nas instalações.

Esta quinta-feira, a ministra dos Negócios Estrangeiros da Argentina, Diana Mondino, negou que o impasse tenha levado à ruptura das relações com a Colômbia, considerando que as discussões entre Petro e Milei são a nível pessoal e não diplomático.

“Ele é o presidente de um país que não gosta do que diz o presidente de outro país. As relações entre os países são de muito longo prazo, muito superiores às que os presidentes de cada país possam ter”, disse Mondino, também responsável pelas pastas do comércio internacional e da religião.

A expulsão de diplomatas por parte de Petro “fortalece a visão de Milei” e “ratifica a sua visão conflituosa e hostil” das relações externas, disse ainda o especialista.

O México, por outro lado, evitou as suas “provocações com maturidade”, tal como a China, com quem Milei disse no passado que não faria negócios, antes de rectificar que dava “grande importância” à sua relação comercial com os países asiáticos. país.

“Se Milei continuar a distribuir palavrões, esvaziará as suas próprias palavras de conteúdo”, valioso num país periférico sem recursos militares dissuasores, advertiu Murúa, “tornando difícil aos interlocutores distinguir as mensagens relevantes das superficiais”.

Geoff Ramsey, analista do Centro para a América Latina do think tank americano The Atlantic Council, também analisa o que aconteceu na costa colombiana. “Petro está tentando desviar a atenção de sua má avaliação interna, aprofundando as tensões com a Argentina”, disse ele à VOA.

Segundo Ramsey, Petro está “cada vez mais disposto a participar de confrontos públicos” como o que ocorreu com Milei, mencionando suas perdas de apoio no Senado e no Congresso para aprovar suas reformas de saúde, previdência e trabalhistas.

Esta estratégia permitiria ao líder colombiano “compensar a sua aparente incapacidade de fazer avançar a sua ambiciosa agenda de reformas”, considerou.

Claudio Fantini, cientista político e jornalista argentino, estimou que a discussão entre Milei e Petro não ocorreu num contexto de “choque” ou conflito entre os seus países, razão pela qual descreveu a situação binacional como uma “crise diplomática injustificada”.

“Não é mérito dizer o que (Milei) pensa sobre isso ou aquilo (…) ele gerou uma crise diplomática absolutamente inútil e injustificada por dizer o que pensa”, disse Fantini em seu canal no YouTube. a Argentina”.

No ano passado, Petro foi chamado de “lixo” e “traidor” por outro líder da esquerda regional, o presidente da Nicarágua, Daniel Ortega, que também chamou Gabriel Boric, seu homólogo chileno, de “pinochetito”.

Controvérsias à esquerda

O caso eleitoral na Venezuela, que terá eleições presidenciais importantes em julho, gerou polêmica esta semana entre os presidentes Nicolás Maduro e Petro e Lula, estes dois últimos facilitadores, superintendentes das negociações políticas com seus adversários e considerados aliados ideológicos de Caracas.

Esta quarta-feira, Maduro denunciou a existência de uma “esquerda cobarde” na América Latina, após críticas da Colômbia e do Brasil relativamente aos impedimentos às candidaturas da oposição às eleições presidenciais de julho. O seu ministro dos Negócios Estrangeiros, Yván Gil, acusou-os de alegadamente responderem aos interesses dos Estados Unidos.

Petro refutou Maduro. “Não existe esquerda covarde, existe a probabilidade de, através do aprofundamento da democracia, mudar o mundo”, escreveu ele em X.

Luiz Inácio Lula da Silva, presidente do Brasil e cujo país testemunhou os acordos políticos assinados em Barbados entre o governo Maduro e os seus opositores, disse esta quinta-feira que é “grave” que a oposição Corina Yoris na Venezuela não possa concorrer, uma decisão que , na sua opinião, “não tem explicação política ou jurídica”.

Emmanuel Macron, presidente da França, mediador do diálogo na Venezuela, em visita ao Brasil, antecipou que Lula intercederia junto a Maduro para reverter a situação para que “todos” os candidatos pudessem se inscrever.

Fonte
 

Apesar de indícios de racha, estrutura do PCC já está consolidada

 Uma série de mortes violentas ocorridas nos últimos meses causadas por disputas internas entre lideranças da facção criminosa Primeiro Comando da Capital (PCC) tem mostrado que o grupo pode estar caminhando para uma inédita divisão. No entanto, apesar dos indícios do “racha”, a estrutura e a cultura criminal já criada pela facção estão consolidadas e deixam pouco espaço para o surgimento de um grupo concorrente.

A avaliação é do pesquisador da Universidade de São Paulo (USP), escritor e jornalista Bruno Paes Manso, entrevistado pela Agência Brasil. “Parece que se produziu uma nova cultura da carreira criminal. E eu não sei se haveria espaço para um PCC do B, por exemplo, inventar uma nova estrutura, porque parece que é uma cultura criminal já consolidada no estado”, disse.

Contudo, o pesquisador faz uma ressalva sobre a dificuldade de fazer previsões precisas no mundo do crime: “é uma casca de banana, porque pode acontecer alguma coisa imprevisível e o castelo de cartas desmoronar. É sempre muito difícil você trabalhar com essa imprevisibilidade.”

Na entrevista, o estudioso, que pesquisa há mais de 20 anos temas ligados à violência, avaliou também a atuação da polícia paulista na Baixada Santista, nas operações Verão e Escudo, que resultaram, em 50 mortes de civis até o último dia 22, em supostos confrontos com agentes da corporação.

Na última segunda-feira (25), a Ouvidoria de Polícia do Estado de São Paulo divulgou na última segunda-feira (25) um relatório em que denuncia 11 casos em que a Polícia Militar (PM) teria feito execuções na Baixada Santista.

Bruno Paes Manso é pesquisador do Núcleo de Estudo da Violência da USP (NEV-USP) e vencedor do Prêmio Jabuti em 2011, com o livro A República das Milícias. Ele também é autor de A Fé e o Fuzil: Crime e Religião no Brasil do século 21, publicado em 2023.

Confira trechos da entrevista exclusiva que o pesquisador Bruno Paes Manso concedeu à Agência Brasil.

Agência Brasil: Nos últimos meses, atritos envolvendo lideranças da principal facção criminosa do estado, o Primeiro Comando da Capital (PCC), tornaram-se públicos. Uma série de assassinatos tem ocorrido envolvendo membros da cúpula da facção. Você avalia que a divisão do grupo está se aproximando e, consequentemente, o fim da hegemonia que ele tem no mundo do crime em São Paulo?

Bruno Paes Manso: Eu acho que a estratégia do Ministério Público [de São Paulo], mandando os chefes do PCC para os presídios federais, era essa [tentar dividir o grupo]. Até inspirada nas estratégias italianas contra a máfia. Eles pensavam em isolar essas lideranças, como aconteceu por lá, para que, a partir do isolamento, houvesse esse racha, esse estremecimento entre as lideranças. Foi assim que os promotores na Itália conseguiram fragilizar a máfia, a partir das disputas internas dentro dela. E essa sempre foi a estratégia do Ministério Público.

Houve essas mortes envolvendo pessoas da cúpula. De fato, o Ministério Público tem mostrado esses dados, existe um abalo. [Há] três pessoas da liderança batendo de frente, em possível confronto com Marcola [Marcos Willians Herbas Camacho, apontado como uma das principais lideranças do PCC]. Isso vem acontecendo e esse fato tem se mostrado a partir dos indícios colhidos pelo Ministério Público.

Mas, por outro lado, nesses 30 anos do PCC na rua, ele já criou uma estrutura que muitas vezes acaba andando sozinha. A organização nas comunidades, dentro das prisões, ela, de alguma forma, é aceita e abraçada porque ela permite que os que participam dessa carreira criminal ganhem mais dinheiro, tenham menos confronto, e atuem de uma forma mais profissional no crime, que é o grande ganho que o PCC trouxe para a carreira criminal em São Paulo e, de alguma forma, no Brasil.

Então, é uma coisa que eu fico me perguntando: até que ponto o conflito entre alguns nomes vai abalar essa estrutura que está funcionando e está permitindo o crime ganhar mais dinheiro e ser muito mais lucrativo?

Essas mortes já estão acontecendo faz tempo, só que a estrutura burocrática e a forma de organizar o crime que o PCC criou segue acontecendo. Então, a gente vê, em 2023, os homicídios em São Paulo caíram, apesar desse estremecimento já ocorrer há muito tempo.

Parece também que se produziu uma nova cultura da carreira criminal. E eu não sei se haveria espaço para um PCC do B, por exemplo, inventar uma nova estrutura, porque parece que é uma cultura criminal já consolidada no estado.

Mas jornalista, pesquisador sempre que tenta prever o futuro acaba tropeçando. É uma casca de banana, porque pode acontecer alguma coisa imprevisível e o castelo de cartas desmoronar. É sempre muito difícil você trabalhar com essa imprevisibilidade, com as diversas variáveis possíveis de acontecer no futuro. Mas, a partir do que a gente tem visto, eu acho que é uma estrutura relativamente bem consolidada.

Bruno Paes Manso é pesquisador do Núcleo de Estudos da Violência (NEV) da USP – Paulo Pinto/Agência Brasil

Agência Brasil: Atualmente, o estado de São Paulo tem um índice geral de assassinatos relativamente baixo. E muito se daria pela não existência de guerras de facções no estado, porque o PCC é hegemônico. Não há uma disputa pelo mercado das drogas, por exemplo. Essa estratégia de tentar dividir esse grupo criminoso não poderia acarretar no fim desse cenário estável?

Bruno Paes Manso: Eu acho que sim, é um risco. E eu acho que realmente São Paulo vivia, há 20 anos, uma situação muito dramática com as mortes que aconteciam nas periferias. Eu cobri esses casos, acompanhei essas histórias, e é um passado ao qual a gente não deve querer voltar ou aceitar voltar de forma alguma.

Esse risco me parece que existe e me parece que a gente deve prestar muita atenção. Caso dois grandes grupos passem a disputar mercado e território, seria uma tragédia, muitas pessoas inocentes perderiam a vida por causa disso também. Porque nas disputas entre grupos criminais, muitas vezes, acaba sobrando para quem convive perto dessas pessoas. E é algo que a gente não deve aceitar.

Mas me parece que o Ministério Público, ao mesmo tempo, está muito atento e receoso, em razão do crescimento do PCC econômico e político e da crescente capacidade do PCC de entrar na economia formal com novas empresas, e na política, a partir da lavagem de dinheiro, da construção de empresas formais e do financiamento de campanhas, principalmente municipais, nas câmaras de vereadores e de prefeito.

Então é uma leitura do Ministério Público de que a gente está vivendo um processo de máfia, caminhando no sentido do que as máfias italianas viraram, com muita influência política, muita influência econômica, com capacidade grande de comprar autoridades, de conquistar votos e de influenciar a política e as decisões da elite em São Paulo.

Essa é a preocupação do Ministério Público, que enxerga a disputa na cúpula como uma estratégia de fragilizar economicamente esse grupo. É uma das apostas. Mas, de fato, caso haja confronto e caso ganhe uma dimensão de guerra e de choque entre duas grandes facções, isso pode ser trágico. Mas eu acho que eles trabalham mais com essa ideia de fragilizar economicamente esses grupos que estão cada vez mais fortes.

Agência Brasil: Nos Estados Unidos, nas primeiras décadas do século 20, os mafiosos passaram a investir os recursos obtidos ilicitamente na compra de negócios legais, empresas regulares. Você vê algo parecido ocorrendo no crime organizado aqui no Brasil?

Bruno Paes Manso: Sim, se vê algo parecido, mais em São Paulo do que no Rio de Janeiro. É curioso porque o PCC soube gerir o negócio voltado para o mercado atacadista de drogas e entrou num dinheiro grosso, nas divisas da fronteira da América do Sul, acessando os mercados produtores, atuando na distribuição de drogas para outros continentes, fazendo contato com máfias internacionais, colocando droga nos diversos continentes do mundo, recebendo em dólar um lucro muito mais elevado do que recebia quando atuava no varejo.

O varejo, além de dar pouco dinheiro, os custos são muito altos, pela corrupção policial, pelos conflitos muitas vezes que acontecem. Já no atacado, você entra no dinheiro grosso, no mercado de armas, é uma outra escala.

E isso fez com que o PCC tivesse muito mais dinheiro e ganhasse muito mais do que antes. O Ministério Público hoje estima que o faturamento do PCC é de um bilhão de dólares. É um dos grupos hoje mais rentáveis, que conseguem gerar mais dinheiro. Isso sem contar o dinheiro avulso dos seus filiados, porque esse é o dinheiro do PCC, como estrutura pessoa jurídica. Você ainda tem uma estrutura muito horizontal, que cada um tem sua própria receita e orçamento, que não se contabiliza como sendo do PCC.

Então esse mercado é bilionário. E esse dinheiro começa a entrar na economia. Aqui em São Paulo já existem apurações do Ministério Público e da polícia que identificam uma importante fatia do transporte público em São Paulo sendo feito por empresas ligadas ao PCC. Você tem boa parte dos passageiros em São Paulo sendo transportados por empresas suspeitas.

Existem hoje fintechs sendo criadas para lavar dinheiro do PCC, criptomoedas, fundos de investimento privados na área da construção civil, além dos postos de gasolina, das adegas, das padarias e das próprias igrejas, que também apareceram como um meio de lavar dinheiro pelo segundo homem do PCC que é o Colorido [Valdeci Alves dos Santos].

Então você já tem um ingresso desse dinheiro grosso movimentando a economia e a política no Brasil e, principalmente, a partir de São Paulo. Porque não é mais o traficante que está lavando dinheiro. Esse dinheiro do tráfico já se desdobrou em empresas, agora é um empresário que tem essa influência e você perdeu a origem ilegal do dinheiro. Então a coisa fica muito mais complexa.

Agência Brasil: Como você está vendo essa situação da violência no litoral paulista, especialmente na Baixada Santista? O que pode explicar essa quantidade de mortes, de civis e de policiais?

Bruno Paes Manso: Eu acho que em Santos, assim como aconteceu outras vezes, é difícil saber, mas começou com a morte de um policial, o assassinato de um policial por alguém do PCC. Eu não sei qual foi o motivo, se foi algum motivo estratégico ou foi uma eventualidade. Me parece mais uma eventualidade que não costuma acontecer, porque realmente a morte de um policial costuma ter consequências pesadas.

Mas o fato é que esse policial da Rota morreu e deu início a essa Operação Escudo, dando uma resposta tradicional à forma de agir da polícia, que desde os anos 1960 costuma responder à morte de um policial com vingança. E é muito dramático quando um policial morre, ou quando um político morre, ou quando um juiz morre, ou quando um promotor morre, ou quando um jornalista morre, porque não é só o indivíduo que está sendo atacado, mas é o próprio cargo que ele representa.

Então a morte de uma figura como um policial, como um promotor ou como um juiz realmente é grave, porque é um atentado contra a própria instituição, contra a própria justiça. Então deve-se prestar muita atenção a esse tipo de violência. Só que, tradicionalmente, você tem uma história relacionada a isso, os policiais ficam emocionados e respondem de uma forma tradicional e equivocada, que é pela vingança.

Os esquadrões da morte no Brasil, em São Paulo e no Rio de Janeiro, formaram-se a partir de uma vingança. No Rio de Janeiro morreu o [detetive da polícia] Milton Le Cocq e os policiais prometeram matar dez bandidos para cada policial morto. Em São Paulo, em 1968, quem morreu foi o [investigador da polícia] Davi Parré, que também era um policial civil, e que, depois da morte dele, os policiais juraram se vingar com dez bandidos mortos para cada policial.

Isso tudo foi manchete de jornal, na época. Jornais mais sensacionalistas publicavam esse tipo de bravata. E isso continuou. Em 2006, a gente acompanhou na época dos atentados, mais de 50 policiais morreram, uma situação dramática, muito revoltante. Mas, na sequência, os policiais partiram para as quebradas e, ao longo de nove dias, morreram mais de 900 pessoas. Os chamados Crimes de Maio. Crimes brutais, crimes que nunca foram investigados, que resultaram, inclusive, nas Mães de Maio, um grupo de mães que se juntaram para cobrar a investigação da morte dos seus filhos.

Uma delas eu conheci mais de perto, que era a Vera, ela perdeu a filha grávida, na véspera da menina dar a luz à neta dela. A filha da Vera estava grávida de nove meses, morreu assassinada. Ela e a neta da Vera, a filha dela, junto com o genro. Os três morreram.

Os policiais ameaçaram ela durante o velório. Ela não pôde nem chorar a morte da filha direito. Ela continuou na luta. Os policiais continuaram ameaçando ela. Ela foi presa em flagrante com drogas pelos próprios policiais que ela acusava.

Ela dizia que a droga não era dela, não deram bola para isso, ela ficou três anos presa, dizendo para os familiares dela não irem visitá-la, porque ela tinha medo de também arrumarem um flagrante para eles.

Ficou sozinha na prisão, depois de ter os três parentes mortos, e saiu da prisão. Morreu de depressão em cima da cama, abraçada na foto da filha. Uma história terrível em decorrência dessa vingança. A gente, muitas vezes, não enxerga o peso e a covardia que isso representa.

E é o que está acontecendo [agora]. Você vê, a Operação Escudo, 28 pessoas [mortas] na primeira operação [da polícia]. Acontece a operação, diversas denúncias de violência, pessoas que trabalham, gritos de outros que pedem socorro dentro do barraco. Morre um outro policial e aí tem uma nova operação, mais 30 pessoas mortas. A segunda operação mais letal depois do massacre do Carandiru, que, em vez de produzir ordem, só promove desordem.

Em vez de levar à situação de tranquilidade, só leva intranquilidade para esses lugares. Ou seja, em vez de ser uma solução, é gasolina na fogueira. Então é um erro que se repete, de pessoas que conhecem muito pouco segurança pública e agem muito mais com o fígado do que com a cabeça. É um problema do qual a gente tem dificuldade de se livrar.

Agência Brasil: A polícia de São Paulo, nos últimos anos, estava conseguindo controlar sua letalidade. O que aconteceu agora para ela voltar a subir, caminhou-se para trás?

Bruno Paes Manso: A polícia de São Paulo vinha reduzindo a letalidade. Nos últimos dois anos tinha reduzido bastante a letalidade e a partir do compromisso de oficiais com a redução dos casos. Foi criada uma comissão de letalidade que discutia os casos envolvendo mortes de suspeitos.

Além disso, foram instaladas as câmeras nos uniformes e promovido o aprimoramento dessa técnica. O coronel Alencar [Fernando Alencar de Medeiros], responsável por esse programa, hoje é chefe da Guarda Nacional, é um oficial muito respeitado, tecnicamente muito respeitado.

Mas, com o crescimento do populismo aqui em São Paulo, entrou para a Secretaria de Segurança o capitão [Guilherme] Derrite, que era um tenente na época, muito frustrado ao longo de sua carreira por ter sido punido em decorrência dos diversos confrontos do qual ele participou. Uma pessoa idealista, você vê, muito apaixonado pela história da Rota [Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar], mas pela Rota dos anos 80.

Pela Rota que ele enxergava como um grupo de super-heróis, um garotão deslumbrado com a situação e que entrou na polícia meio cativado por esse sonho, mas que, por causa desse perfil, acabou sendo punido diversas vezes na polícia.

E agora ele assume a Secretaria de Segurança indicado por um bolsonarista, pelo filho do Jair Bolsonaro, o Eduardo Bolsonaro, e aproveita para se vingar desses coronéis que estavam realmente retomando o controle da corporação.

E aí a Operação Verão e a Operação Escudo são duas das políticas equivocadas que ele lança mão. Além de sabotar o plano das câmeras de segurança, que agora o governo federal tenta espalhar para o resto do Brasil, porque consegue bons resultados na redução de letalidade.

Hoje, uma polícia que mata muito é uma polícia que tem poder sobre a vida e a morte das pessoas. Como o crime hoje tem uma capacidade incomensurável de corromper agentes públicos, você corromper alguém que pode matar e que tem carta branca para matar, é um capital que eles buscam muito fortemente. Não é à toa que as milícias estão se espalhando pelos diversos estados brasileiros.

Então, retomar o controle da polícia pelo controle da letalidade é um caminho fundamental e que São Paulo vem deixando de lado.

Outro lado

Ouvida, a Secretaria de Segurança Pública (SSP) disse, em nota, que as forças de segurança de São Paulo são instituições de Estado que atuam de acordo com o seu dever constitucional, “respeitando rígidos protocolos operacionais e sem compactuar com excessos, indisciplina ou desvios de conduta”.

A pasta disse também que desde o início da atual gestão tem havido redução nos crimes de roubo, homicídios dolosos, e aumento da produtividade policial. Sobre as mortes na Baixada Santista, a SSP disse que “o confronto não é uma escolha dos policiais, mas uma violenta ação dos criminosos em reação às operações de combate ao crime organizado”.

“O compromisso das forças de segurança é com a preservação da vida, por isso medidas para reduzir as mortes em confronto são permanentemente avaliadas e adotadas”.

A secretaria afirmou ainda que a atual gestão tem investido em treinamento do efetivo, aquisição de equipamentos não letais e tem tomado iniciativas voltadas ao aperfeiçoamento dos agentes de segurança, inclusive com o uso do método Giraldi. 

“Somado a isso, o programa  de câmeras corporais  segue em operação, inclusive está em andamento uma licitação para a contratação de mais três mil dispositivos para serem acoplados às viaturas. Atualmente, 10.125 câmeras corporais estão disponíveis, abrangendo 52% dos policiais do território paulista”.

Moraes nega pedido de devolução de passaporte para Bolsonaro

O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes indeferiu nessa quinta-feira (28) pedido do ex-presidente Jair Bolsonaro para devolução de passaporte. Moraes se baseou em manifestação do procurador-geral da República, Paulo Gonet, que vai no mesmo sentido.

De acordo com Gonet, “não se tem notícia de evento que torne superável a decisão que determinou a retenção do passaporte do requerente. A medida em questão se prende justamente a prevenir que o sujeito à providência saia do país, ante o perigo para o desenvolvimento das investigações criminais e eventual aplicação da lei penal. Os pressupostos da medida continuam justificados no caso.”

Em sua decisão, divulgada nesta sexta-feira (29), Moraes acrescenta, ainda, que “as diligências estão em curso, razão pela qual é absolutamente prematuro remover a restrição imposta ao investigado, conforme, anteriormente, por mim decidido em situações absolutamente análogas”.

O passaporte de Bolsonaro foi apreendido por determinação de Moraes no âmbito da operação Tempus Veritatis, que apura a existência de uma trama golpista no alto escalão do governo do ex-presidente.

Favela-Bairro, 30 anos: legado do programa desaparece aos poucos

Os caminhos que cruzam o Morro do Andaraí, na zona norte do Rio, têm sinais de deterioração e de abandono. Em determinado ponto, o chão está afundando. No anel viário, que percorre as áreas mais altas, quando é dia de chuva e tudo alaga melhor nem tentar passar de carro.

A comunidade foi a primeira a ter um plano de urbanização em 1994, quando surgiu o programa Favela-Bairro. Trinta anos depois, as melhorias de infraestrutura, habitação e serviços sociais são lembranças distantes de um raro momento de intervenção do Poder Público. Sem manutenção e novos investimentos, os problemas se multiplicam no ritmo de crescimento da população.

“O plano piloto de 94 foi desenhado para uma comunidade que tinha cerca de 5 mil pessoas. No último levantamento, de 2010, já eram 30 mil. Agora, deve ter muito mais que isso, uns 40 ou 50 mil. Tudo ficou completamente defasado. As vias estão sobrecarregadas, as partes de esgoto e pluvial nunca foram modernizadas. Nada teve manutenção e, com esse crescimento desordenado da comunidade, tudo foi só piorando”, analisa Fernando Pinto, presidente da Associação de Moradores e Amigos do Morro do Andaraí (Amama).

A cozinheira Maria Elisabete conta que, em meio à situação precária, é o espírito de coletividade que ajuda a comunidade a se manter de pé.

“O maior problema aqui é a falta de água. É a reclamação que mais ouço. Felizmente, tenho a sorte de morar em um lugar onde quase nunca falta. E as pessoas vão tentando se ajudar. Eu ofereço a minha casa para o pessoal tomar banho e resolver outras coisas. Sem falar nas questões de esgoto. Quando cai qualquer chuvinha, os ralos entopem”, disse Elisabete.

Ela mora ao lado da Unidade de Polícia Pacificadora (UPP). O edifício, que hoje parece uma fortaleza cravada na parte baixa da favela, já foi um Centro Municipal de Assistência Integrada (Cemasi), com quadra esportiva onde as crianças passavam o dia jogando bola. Desde 2010, esse ambiente foi substituído por viaturas, homens fardados e fuzis. Além de perder um espaço de assistência social e lazer, moradores não tiveram cumprida a tão prometida melhoria na segurança. Há poucos metros dali, os traficantes circulam tranquilamente.

“O Estado entrou só com armamento e policiamento. Isso não veio agregado de outras ações que seriam muito mais importantes, como educação, saúde, lazer, esporte. Essa é uma reclamação que a gente ouve muito dos moradores”, disse Fernando Pinto.

Programa Favela-Bairro

O Favela-Bairro trazia no próprio nome a promessa de transformação do status das favelas em bairros e a integração delas com as regiões vizinhas. No senso comum, favela normalmente foi vista como lugar de desordem, informalidade e ilegalidade.

“Sempre pareceu que era muito interessante para o Poder Público manter as favelas numa espécie de lugar indeterminado. Entre o legal e o ilegal. Entre o tolerado e o que deve ser expulso. Isso acontecia para que as pessoas ficassem numa situação de vulnerabilidade, que favorecesse práticas clientelistas, vindas de um parlamentar ou de determinado grupo político que adotava certa favela”, analisa Tarcyla Fidalgo, doutora em planejamento urbano e regional e pesquisadora do Observatório das Metrópoles.

Durante boa parte do século 20, o Poder Público olhava para as favelas como problemas a serem erradicados. A palavra de ordem era a remoção. Um exemplo é o Código de Obra da Cidade do Rio de Janeiro, de 1937, que proíbe a construção de novas moradias, melhorias nas que já existiam e, progressivamente, a eliminação delas.

Também é conhecido por essa mentalidade o governo de Carlos Lacerda (1960-1965), que adotou política forte de remoção de favelas, principalmente na zona sul. E a ditadura militar, com destaque para o período de maior repressão (1968-1973), quando cerca de 60 favelas e 100 mil habitantes foram removidos, principalmente de áreas mais nobres, de interesse do setor imobiliário.

A situação começa a mudar com a chegada do período democrático. São marcos desse período o Projeto Mutirão (1981-1989), com a retomada de intervenções urbanísticas em favelas, e o Plano Diretor do Rio de Janeiro de 1992, que previa políticas públicas nas favelas e a inclusão delas nos mapas e cadastros da cidade.

Em 1993, a gestão municipal de César Maia cria o Grupo Executivo de Assentamentos Populares (Geap), para centralizar a política habitacional. Entre os programas previstos, está o Favela-Bairro. No mesmo ano, surge a Secretaria de Habitação. A ideia começou a sair oficialmente do papel no dia 28 de março de 1994, quando é aberto oficialmente o edital para escolha de arquitetos e projetos, organizado pelo Instituto dos Arquitetos do Brasil do Rio de Janeiro (IAB-RJ).

“Favela-bairro é o primeiro grande programa de urbanização de favelas que a gente tem aqui no Rio de Janeiro. Tem uma importância fundamental no sentido de marcar a possibilidade de que o Estado reconheça um território e possa agir para melhorá-lo. Ele rompe um pouco com a visão da favela como algo a ser combatido, a ser exterminado, como um lugar que não tem salvação”, diz Tarcyla.

Inicialmente, 16 favelas foram contempladas na primeira fase do programa. Foram priorizadas as de médio porte, na época, caracterizadas assim por ter entre 500 e 2.500 domicílios. As obras da prefeitura começaram com recursos próprios em 1995. No fim do mesmo ano, o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) assina um convênio com a prefeitura. O total combinado de recursos aplicados nas duas fases do programa foi de US$ 600 milhões.

Calcula-se que, no total, mais de 150 comunidades foram contempladas por algum tipo de obra nas duas fases. O modelo foi vendido pelo mundo para ser adotado em regiões periféricas e inspirou ações semelhantes em países da América do Sul.

“Os serviços prestados durante esse período, sem nenhum exagero, revolucionaram a vida dentro dessas comunidades. As pessoas passaram a ter um padrão superior. Vários estudos acadêmicos foram encomendados que atestaram isso. Os resultados sociais e econômicos foram enormes”, afirma Sérgio Magalhães, que foi secretário municipal de Habitação do Rio entre 1993 e 2000 e responsável pelo programa durante a maior parte da existência dele.

“As favelas não tinham recolhimento de lixo, limpeza das águas fluviais, creches, serviços de saúde. Passaram a ter escritórios da prefeitura em todas elas, além de centros esportivos, iluminação pública, uma série de serviços de interesse social que valorizaram a cidadania. Tudo era muito precário antes do programa nas favelas”, complementa Sérgio.

O programa terminou em 2008 e, apesar do reconhecimento de que trouxe avanços importantes, não está livre de críticas.

“Os moradores historicamente construíram soluções muito criativas e inventivas para solucionar problemas como falta de água, enchente, pavimentação, drenagem. O programa de urbanização partiu de uma visão técnica construída em gabinete. Uma perspectiva de que a favela precisava se tornar a cidade formal, um bairro igual aos outros. Foram ignoradas soluções desenvolvidas no próprio território, e aplicados modelos que não necessariamente se adequavam àquela realidade”, diz Tarcyla Fidaldo.

Outras políticas de urbanização

Em 2007, o governo federal criou o Programa de Aceleração de Crescimento (PAC) para investir na urbanização de favelas. Foram quase R$ 3 bilhões investidos em 30 favelas ou complexos. Críticos do projeto apontam que ele priorizou “obras faraônicas” pouco efetivas, não combatendo os problemas reais de infraestrutura. O teleférico do Complexo do Alemão é citado como exemplo.

Em 2010, a gestão do prefeito Eduardo Paes criou o Morar Carioca, considerado continuação do Favela-Bairro. A meta era urbanizar todas as favelas até 2020, o que não aconteceu. Por outro lado, conforme pesquisa de Lucas Faulhaber e Lena Azevedo no livro SMH 2016: remoções no Rio de Janeiro Olímpico, pelo menos 60 mil pessoas foram removidas de comunidades. O caso mais famoso é o da Vila Autódromo. Em 2017, o então prefeito Marcelo Crivella chegou a anunciar a volta do programa Favela-Bairro, mas o projeto não foi adiante.

“Houve um esvaziamento da política habitacional e não houve manutenção das obras que foram feitas nas favelas. As que tinham sido contempladas no programa passaram a perder qualidade de vida. Sem investimentos, os indicadores sociais e de segurança nas comunidades pioraram bastante”, analisa Sérgio Magalhães.

Eduardo Paes, eleito para novo mandato, decidiu retomar o Morar Carioca em 2022, com plano de investimento de R$ 500 milhões. O atual secretário municipal de Habitação, Patrick Corrêa, disse que o objetivo é que o Rio volte a ser “vanguarda na construção de habitação de interesse social” e prometeu desenvolver programa específico para manutenção das favelas.

“O Morar Carioca é uma evolução natural do Favela-Bairro frente aos novos desafios urbanos, diante de nova realidade que já são favelas urbanizadas. Aprimoramos o programa, porque o conjunto e o contexto são diferentes para que ele possa responder às necessidades atuais. O combate ao déficit habitacional se dá em duas vertentes no programa: qualitativo – para levar infraestrutura (saneamento, drenagem, pavimentação) ao entorno das casas que já existem – e quantitativo – com a construção de unidades habitacionais”, diz o secretário.

A promessa é de que o programa também contemple outras áreas de interesse das comunidades.

“Estamos sempre trabalhando em conjunto com outras secretarias como a RioLuz, Ordem Pública, Infraestrutura, Meio Ambiente, Ação Comunitária e Comlurb, por exemplo. Com a Ação Comunitária, temos o Favela Com Dignidade, que leva diversos serviços públicos para várias comunidades. Como cada uma das comunidades tem sua peculiaridade, se faz necessário esse diálogo constante com outras secretarias, que nos apoiam na implementação do Morar Carioca”, acrescenta Corrêa.

Participação e integração

Entre os principais objetivos anunciados pelo Programa Favela-Bairro no edital de 1994, estavam a integração das comunidades com o restante da cidade e participação ativa dos moradores nos planos de urbanização. Algo que, para especialistas e moradores, está longe de ser realidade.

“A participação tem que ser efetiva e não só um aceite, uma exigência administrativa. Normalmente, técnicos da prefeitura vão até a comunidade, apresentam um monte de plantas e documentações de topografias. Os moradores não têm muita condição de compreender aquilo. E a gente sabe que vai ser aprovado, seja por essa falta de conhecimento técnico, seja porque os moradores precisam muito de intervenções que melhorem as condições do território”, diz Tarcyla Fidalgo.

“Favela, na cabeça das pessoas, continua sendo favela. Não mudou nada”, afirma Bete. “As autoridades não se importam. Fazem uns serviços pequenos, uma maquiagem e só. Teve uma vez aí que um desses políticos pintou meia dúzia de casas só para dizer que fez algo”, diz a moradora do Morro do Andaraí, Maria Elisabete.

“A gente sabe que a maior parte da população que mora no ‘asfalto’ tem preconceito com o pessoal da comunidade. Pensam, mesmo que de forma velada, que todo mundo aqui é bandido. Eles não assumem isso publicamente mas, no fundo, pensam isso. Não querem integração, nem que a gente desça o morro. Querem que a gente continue aqui. A não ser quando é para as nossas mães serem domésticas ou os nossos pais serem porteiros. Isso é o que eles querem”, diz Fernando Pinto.

Inquérito mostra como delegado agiu para livrar assassinos de Marielle

Ao desvendar o assassinato da vereadora Marielle Franco e de seu motorista, Anderson Gomes, ocorrido em 2018, a Polícia Federal (PF) revelou também um esquema envolvendo autoridades da segurança pública do Rio de Janeiro que, em vez de atuarem para desvendar o caso, adotaram estratégias para evitar o avanço das investigações. No centro do esquema estava o delegado Rivaldo Barbosa, então chefe da Polícia Civil. 

Se, na teoria, cabia a ele desvendar o caso, na realidade, segundo a Polícia federal, o delegado teria feito mais do que obstruir a investigação. As suspeitas são de que ajudou no planejamento do crime, algo que surpreendeu até a família de Marielle, de quem o delegado se aproximou e ganhou confiança logo no início das investigações.

No inquérito, tornado público pelo Supremo Tribunal Federal (STF), Rivaldo é acusado de obstruir os trabalhos policiais, de forma a proteger os autores de crimes cometidos por diversos contraventores, deste e de outros casos, em especial envolvendo milicianos e bicheiros. Entre os crimes imputados a ele está o de participar de organização criminosa, lavagem de dinheiro e corrupção passiva.

A indicação de Rivaldo para o cargo na Polícia Civil foi feita pelo general de Exército Richard Nunes, mesmo diante de um parecer do setor de inteligência que informava sobre “atividades suspeitas” que associavam o delegado a contraventores locais, em especial bicheiros. A nomeação foi assinada pelo então interventor do governo federal no estado, general Walter Braga Netto.

Segundo a PF, a lista de acusados envolvidos com o assassinato da vereadora abrange Ronnie Lessa, autor dos disparos contra Marielle e Anderson; Élcio de Queiroz, que dirigiu o carro que perseguiu o de Marielle na ocasião do assassinato; o ex-bombeiro Maxwell Simões Corrêa, o “Suel”, a quem coube monitorar a rotina da vítima, além de ajudar a dar sumiço na arma utilizada no crime; e Edilson Barbosa dos Santos, mais conhecido como “Orelha”, dono do ferro-velho onde foi feito o desmanche do carro usado no crime. Os investigadores apontam como mandantes do crime o deputado Chiquinho Brazão (União Brasil-RJ) e seu irmão Domingos Brazão. Tanto os irmãos Brazão quanto Rivaldo Barbosa foram presos preventivamente no último domingo (24).

Investigadores criminosos

Um dia após o assassinato de Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes, Rivaldo Barbosa, já chefe da Polícia Civil do Rio de Janeiro, nomeou o delegado Giniton Lages, com quem tinha comprovadamente relações próximas – inclusive relatadas pelo próprio Lages no livro “Quem Matou Marielle?”, escrito por ele -, para presidir as investigações do caso.

O inquérito da PF apresenta depoimentos e diversas provas indiciárias do esquema criminoso envolvendo a Delegacia de Homicídios. Algumas apontam que Rivaldo seria “conivente com os homicídios envolvendo a participação de milicianos e contraventores, dos quais recebia vantagens indevidas”, e que ele teria feito alertas a “alvos de investigação quando da menção de seus nomes em procedimentos criminais ou quando da existência de medidas restritivas em desfavor deles”.

Segundo a investigação da PF, entre os crimes acobertados está o assassinato do presidente da Portela, Marcos Falcon, em setembro de 2016; de Haylton Carlos Gomes Escafura e de sua mulher, na Barra da Tijuca, em 2016, assim como o de Geraldo Antônio Pereira, no mesmo ano; José Luís de Barros Lopes, em 2011, e Marcelo Diotti da Matta, em 2018. Uma das frentes de investigação da PF que comprovaram a ligação entre investigadores e criminosos partiu do depoimento da filha de Marcos Falcon, Marcelle Guimarães Vieira Souza. 

Falcon era, na época, candidato ao cargo de vereador do município do Rio de Janeiro, mas foi assassinado a menos de uma semana do pleito. Sua filha disse à PF que o delegado Brenno Carnevale, responsável pela investigação da morte de seu pai, havia manifestado “descontentamento com as ingerências praticadas por Rivaldo Barbosa na investigação”. Entre as ingerências estaria o pedido de Rivaldo para que Carnevale não mexesse em “nada das novas descobertas”, e que as informações deveriam sempre passar antes diretamente por ele, Rivaldo.

Carnevale teria falado, também à filha de Marcos Falcon, sobre o “sumiço repentino” de procedimentos apuratórios atrelados a Falcon e Geraldo Pereira.

“Marcelle ressaltou que todos com quem conversava sobre a morte de seu pai, sobretudo policiais, desestimulavam-na a procurar a DH [Delegacia de Homicídios, quando chefiada por Rivaldo], pois essa delegacia estaria comprada e de nada adiantaria seu empenho”, detalha o documento divulgado pela PF. Além disso, segundo ela, Rivaldo teria marcado um encontro com Falcon pouco tempo antes de ser morto, mas que o encontro acabou não se concretizando em razão de seu assassinato.

Brenno Carnevalle estava lotado, em 2018, na delegacia que era responsável pela apuração dos homicídios envolvendo agentes de segurança pública. Em depoimento ao Ministério Público do RJ, ele informou que não houve nenhuma elucidação de crimes envolvendo bicheiros entre agosto de 2016 e março de 2018; e que materiais apreendidos e inquéritos haviam desaparecido de forma misteriosa.

No depoimento, ele reiterou o que havia sido dito por Marcelle e acrescentou outros fatos que ampliaram ainda mais as suspeitas contra Rivaldo. Foi o caso do sumiço de inquéritos como o de André Serralho, em 2016, bem como de alguns materiais apreendidos durante as investigações. Citou também o excesso de exigências burocráticas que inviabilizavam diligências; e as “súbitas trocas de presidências de inquéritos”, como o que envolvia a morte de Haylton Escafura, filho do contraventor conhecido como Piruinha.

Outro fato narrado por Marcelle mostra que a delegacia chefiada por Rivaldo era conivente com os homicídios envolvendo a participação de milicianos e contraventores, dos quais, segundo a PF, Rivaldo recebia vantagens indevidas. A PF acrescenta que o delegado civil alertava alvos de investigação, quando tinham seus nomes mencionados em procedimentos criminais ou quando ficava a par de medidas restritivas que seriam aplicadas em desfavor deles.

“Uma análise, ainda que superficial desses inquéritos, infelizmente, revela uma lamentável realidade: historicamente, os homicídios ligados a disputas da contravenção, invariavelmente, não resultam em efetivas respostas estatais; rumam em via única destinada a uma deplorável impunidade institucionalizada”, diz o inquérito.

A sentença assinada pelo juiz da 1ª Vara Criminal Especializada em Organização Criminosa, Bruno Monteiro Rulière, destaca que o exame dos procedimentos adotados “permite inspirar particular questionamento sobre a adequação e regularidade na condução dos inquéritos policiais (inconclusivos), que são marcados por rotinas engessadas, despidas de profícuos atos apuratórios, com uma manifesta situação de letargia e omissão deliberada de alguns agentes e/ou autoridade públicas”. “Com isso, todos inquéritos acabam sem conclusão”, detalhou o juiz.

Federalização

O inquérito mostra que o chefe da Polícia Civil, Rivaldo Barbosa, estava preocupado com a possibilidade de federalização do caso. Nesse sentido, relata uma manifestação dele na mídia, após ser indagado sobre a possibilidade de eventuais colaborações da PF na investigação. Ele disse ter convicção de que a Polícia Civil tinha condições de elucidar o caso.

Segundo o inquérito, chamou a atenção o fato de, antes da entrevista concedida ao RJTV 12 horas após o assassinato de Marielle, a Delegacia de Homicídios da Capital ter vazado a informação de que as munições empregadas na emboscada contra a vereadora decorriam de um lote vendido para a PF em 2006.

Isso, segundo o inquérito, foi feito “com o claro objetivo de repelir a atuação da força de segurança federal no caso”. No mesmo dia, 15 de março, o procurador-Geral de Justiça do RJ, José Eduardo Gussem, defendeu que, diante desses fatos, era importante “evitar que a investigação passe para a esfera federal”. A declaração foi feita após visita da procuradora-Geral da República, à época, Raquel Dodge, ao estado, ocasião em que anunciou que iria instaurar uma apuração preliminar do caso no MPF.

Dodge havia nomeado cinco procuradores para acompanhar a investigação do caso. “Entretanto, Gussem, no dia 21 de março de 2018, ingressou com um pedido no Conselho Nacional do Ministério Público para que a apuração dos procuradores da República fosse suspensa, o que foi deferido liminarmente pelo conselho e ensejou a revogação da portaria de nomeação do grupo”, diz o inquérito, ao apresentar algumas manifestações públicas de Gussem em favor de Rivaldo Barbosa.

“Avançando na análise da relação de Rivaldo Barbosa com Gussem, entretanto chamou a atenção desta equipe de investigação que, na ocasião em que o primeiro foi denunciado pelo MPRJ pela suposta prática de crimes contra a lei de licitações, por firmar contratos emergenciais na área de informática no valor de R$ 191 milhões, o então procurador não adotou a postura de proteger sua instituição, bem como de seus membros, outrora realizada com afinco, mas, de forma surpreendente, atacou os promotores de Justiça signatários da exordial acusatória, e defendeu Rivaldo Barbosa”, complementa o inquérito da PF.

Sabotagem

Entre os atos praticados para obstruir as investigações, reforçados com a nomeação de Lages, a PF aponta “exemplos inequívocos de que o aparato policial não somente se absteve de promover diligências frutíferas, mas também favoreceu para a sabotagem do trabalho apuratório”. Um desses exemplos foi a negligência para se obter as imagens do veículo utilizado para o crime contra a vereadora, que acabou por não abranger, inicialmente, a rota de fuga dos executores.

O inquérito fala também de uma “duvidosa dinâmica” da delegacia de homicídios que teve como ponto de partida uma denúncia anônima, que tentou associar o crime ao então vereador Marcelo Siciliano, adversário político dos verdadeiros mandantes citados pela PF, os irmãos Domingos e Chiquinho Brazão.

A investigação levantou também, falsamente, suspeitas contra Orlando Curicica, miliciano que atuaria na Zona Oeste do Rio de janeiro. Curicica havia delatado esquemas de pagamentos mensais por milicianos a delegacias do estado; e que pagamentos extras teriam sido feitos para evitar investigações específicas de alguns homicídios.

Em maio de 2018, uma equipe da delegacia de homicídios comandada por Lages esteve na Penitenciária de Bangu 1 com o intuito de obter uma confissão de Orlando Curicica, que apontasse a autoria do crime a Marcelo Siciliano. “Diante da negativa de Curicica, tal equipe teria o ameaçado de lhe atribuir outros homicídios como meio de coerção (ou coação) a confessar aquela hipótese pré-moldada”, descreve o inquérito da PF. “Imputar o delito ao então vereador Marcelo Siciliano teria o condão não só de garantir-lhes a impunidade, mas também fulminaria politicamente um dos concorrentes eleitorais da família Brazão nos bairros da Zona Oeste carioca”, complementa o documento.

Vantagens indevidas

O inquérito cita “vantagens indevidas” que Gussem teria recebido do ex-secretário de Saúde do estado, Sérgio Côrtes, para arquivar investigações que o tinham como alvo. Todo esse contexto levou os investigadores a constatar que Rivaldo Barbosa “conseguiu atingir seu segundo intento, de modo que os órgãos de persecução penal federais foram alijados das investigações”.

O inquérito descreve também algumas estratégias adotadas por Rivaldo para lavar o dinheiro recebido dos contraventores. Ele inclusive teria constituído, com sua esposa, Erika Araújo, uma empresa, com o propósito de justificar o aumento de patrimônio obtido no período em que dirigia a delegacia de homicídios e, posteriormente, quando foi chefe da Polícia Civil.

“Rivaldo e sua esposa Erika se lançaram às atividades empresariais justamente no período em que Rivaldo foi nomeado para chefiar a Delegacia de Homicídios da Capital, de modo a se protrair enquanto ele foi diretor da Divisão de Homicídios (21/5/2016) e chefe da Polícia Civil (8/3/2018). Recorda-se que é justamente quando está na DHC ou à frente da Polícia Civil que foram encontrados relatos, depoimentos e formalizadas denúncias envolvendo episódios de corrupção e outras atividades ilícita”, diz o inquérito.

Outro lado

Ouvido pela PF durante as investigações, o general Richard Nunes prestou depoimento aos delegados e negou ter ingerência na escolha de Rivaldo. 

“A Subsecretaria de inteligência contraindicou o nome de Rivaldo, mas o depoente decidiu pelo seu nome, tendo em vista que tal contraindicação não se pautava por dados objetivos. Teve contato com Rivaldo na época da força de pacificação”, diz o depoimento.

A Agência Brasil entrou em contato com a defesa de Rivaldo Barbosa e aguarda retorno.

Em nota, a defesa de Braga Netto afirmou que “a seleção e indicações para nomeações eram feitas, exclusivamente, pelo então Secretário de Segurança Pública” e atribuiu sua assinatura na nomeação de Rivaldo Barbosa a “questões burocráticas”.

Moraes dá 48h para Bolsonaro explicar estadia na embaixada da Hungria

O ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), abriu prazo de 48 horas para que o ex-presidente Jair Bolsonaro esclareça sua permanência na embaixada da Hungria, em Brasília, por dois dias em fevereiro. A estadia ocorreu após ele ter o passaporte apreendido.

A hospedagem de Bolsonaro na embaixada foi revelada na tarde de segunda-feira (25), pelo jornal norte-americano The New York Times. O jornal dos Estados Unidos analisou imagens do circuito de segurança do local e publicou vídeos que mostram a entrada e a saída do ex-presidente.

As embaixadas são ambientes protegidos, fora do alcance das leis e das autoridades brasileiras. A permanência nesses locais, em tese, pode configurar burla à determinação de não se ausentar do país, já que o objetivo da medida é exatamente manter o investigado ao alcance das forças de segurança nacionais.

As imagens da câmera de segurança da embaixada mostram que o ex-presidente permaneceu no local de 12 a 14 de fevereiro, acompanhado por seguranças. O embaixador Miklós Halmai também aparece acompanhando Bolsonaro.

A embaixada estava praticamente vazia, mostram as imagens, exceto por alguns diplomatas húngaros que moram no local. Segundo o jornal, os funcionários estavam de férias porque a estadia de Bolsonaro foi durante o feriado de carnaval.

Segundo a reportagem, no dia 14 de fevereiro, os diplomatas húngaros contataram os funcionários brasileiros, que deveriam retornar ao trabalho no dia seguinte, dando a orientação para que ficassem em casa pelo resto da semana.

Passaporte

O passaporte de Bolsonaro foi apreendido por determinação de Moraes no âmbito da operação Tempus Veritatis, que apura a existência de uma trama golpista no alto escalão do governo do ex-presidente.

A reportagem do The New York Times mostra que Bolsonaro entrou na embaixada da Hungria dias depois de sua defesa entregar o passaporte dele à Polícia Federal (PF). A defesa de Bolsonaro chegou a pedir a devolução do documento, alegando não haver risco de fuga.

Bolsonaro está sujeito também a outras medidas cautelares determinadas por Moraes, como a proibição de se comunicar com os demais investigados, entre outras. Em depoimento à PF, os ex-comandantes do Exército e da Aeronáutica colocaram o ex-presidente no centro da trama golpista.

Defesa

A defesa do ex-presidente da República confirmou que ele passou dois dias hospedado na embaixada da Hungria em Brasília “para manter contatos com autoridades do país amigo”. Em nota, os advogados de Bolsonaro dizem que ele mantém um bom relacionamento com o premier húngaro, com quem se encontrou recentemente na posse do presidente Javier Milei, em Buenos Aires.

“Nos dias em que esteve hospedado na embaixada magiar [húngara], a convite, o ex-presidente brasileiro conversou com inúmeras autoridades do país amigo atualizando os cenários políticos das duas nações. Quaisquer outras interpretações que extrapolem as informações aqui repassadas se constituem em evidente obra ficcional, sem relação com a realidade dos fatos e são, na prática, mais um rol de fake news”, diz a defesa de Bolsonaro.

Na tarde de segunda-feira (25), durante um evento do PL em São Paulo, Bolsonaro comentou indiretamente o caso, dizendo que frequenta embaixadas e conversa com chefes de Estado.

“Muitas vezes esses chefes de Estado ligam para mim, para que eu possa prestar informações precisas do que acontece em nosso Brasil. Frequento embaixadas também aqui pelo nosso Brasil, converso com os embaixadores. Não tenho passaporte, está detido, senão estaria com o Tarcísio [Freitas, governador de São Paulo] juntamente com Ronaldo Caiado [governador de Goiás] nessa viagem a Israel, um país irmão, um país fantástico em todos os aspectos.

Moraes dá 48h para Bolsonaro explicar estadia na embaixada da Hungria

O ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), abriu prazo de 48 horas para que o ex-presidente Jair Bolsonaro esclareça sua permanência na embaixada da Hungria, em Brasília, por dois dias em fevereiro. A estadia ocorreu após ele ter o passaporte apreendido.

A hospedagem de Bolsonaro na embaixada foi revelada na tarde de segunda-feira (25), pelo jornal norte-americano The New York Times. O jornal dos Estados Unidos analisou imagens do circuito de segurança do local e publicou vídeos que mostram a entrada e a saída do ex-presidente.

As embaixadas são ambientes protegidos, fora do alcance das leis brasileiras e das forças de segurança nacionais. A permanência nesses locais, em tese, pode configurar burla à determinação de não se ausentar do país, já que o objetivo da medida é exatamente manter o investigado ao alcance das forças de segurança nacionais.

As imagens da câmera de segurança da embaixada mostram que o ex-presidente permaneceu no local de 12 a 14 de fevereiro, acompanhado por seguranças. O embaixador Miklós Halmai também aparece acompanhando o Bolsonaro.

A embaixada estava praticamente vazia, mostram as imagens, exceto por alguns diplomatas húngaros que moram no local. Segundo o jornal, os funcionários estavam de férias porque a estadia de Bolsonaro foi durante o feriado de carnaval.

Segundo a reportagem, no dia 14 de fevereiro, os diplomatas húngaros contataram os funcionários brasileiros, que deveriam retornar ao trabalho no dia seguinte, dando a orientação para que ficassem em casa pelo resto da semana.

Passaporte

O passaporte de Bolsonaro foi apreendido por determinação de Moraes no âmbito da operação Tempus Veritatis, que apura a existência de uma trama golpista no alto escalão do governo do ex-presidente.

A reportagem do The New York Times mostra que Bolsonaro entrou na embaixada da Hungria dias depois de sua defesa entregar o passaporte dele à Polícia Federal (PF). A defesa de Bolsonaro chegou a pedir a devolução do documento, alegando não haver risco de fuga.

Bolsonaro está sujeito também a outras medidas cautelares determinadas por Moraes, como a proibição de se comunicar com os demais investigados, entre outras. Em depoimento à PF, os ex-comandantes do Exército e da Aeronáutica colocaram o ex-presidente no centro da trama golpista.

Defesa

A defesa do ex-presidente da República confirmou que ele passou dois dias hospedado na embaixada da Hungria em Brasília “para manter contatos com autoridades do país amigo”. Em nota, os advogados de Bolsonaro dizem que ele mantém um bom relacionamento com o premier húngaro, com quem se encontrou recentemente na posse do presidente Javier Milei, em Buenos Aires.

“Nos dias em que esteve hospedado na embaixada magiar [húngara], a convite, o ex-presidente brasileiro conversou com inúmeras autoridades do país amigo atualizando os cenários políticos das duas nações. Quaisquer outras interpretações que extrapolem as informações aqui repassadas se constituem em evidente obra ficcional, sem relação com a realidade dos fatos e são, na prática, mais um rol de fake news”, diz a defesa de Bolsonaro.

Na tarde de segunda-feira (25), durante um evento do PL em São Paulo, Bolsonaro comentou indiretamente o caso, dizendo que frequenta embaixadas e conversa com chefes de Estado.

“Muitas vezes esses chefes de Estado ligam para mim, para que eu possa prestar informações precisas do que acontece em nosso Brasil. Frequento embaixadas também aqui pelo nosso Brasil, converso com os embaixadores. Não tenho passaporte, está detido, senão estaria com o Tarcísio [Freitas, governador de São Paulo] juntamente com Ronaldo Caiado [governador de Goiás] nessa viagem a Israel, um país irmão, um país fantástico em todos os aspectos.