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Em pleno Ramadã, afegãos continuam acampados no aeroporto de Guarulhos

Dezenas de afegãos continuam acampados no mezanino do Terminal 2 do Aeroporto Internacional de Guarulhos, ao lado do Posto Avançado de Atendimento Humanizado ao Migrante. Embora a movimentação nessa área atualmente seja relativamente menor comparada à situação vivenciada em anos anteriores, pelo menos 60 afegãos, incluindo crianças, estavam acampados na manhã desta segunda-feira (11) no local, segundo estimativa feita pela Organização de Resgate de Refugiados Afegãos.

São Paulo (SP), 11/03/2024 – Parte do grupo de refugiados afegãos com visto humanitário que está acampado no Aeroporto Internacional de Guarulhos é levado para abrigo no primeiro dia do Ramadã. Foto: Rovena Rosa/Agência Brasil

A reportagem da Agência Brasil visitou o aeroporto hoje, segundo dia do início do Ramadã, o mês sagrado para os muçulmanos de todo o mundo, e acompanhou o momento em que parte desses afegãos deixavam o local, a caminho de um abrigo. Segundo a prefeitura de Guarulhos, duas mulheres e quatro homens deixaram o aeroporto hoje para serem abrigados no Centro de Acolhimento Especial (CAE) – Ebenezer, na capital paulista.

Uma dessas mulheres era uma jovem de 30 anos, que trabalhava no Ministério da Defesa, no Afeganistão, que não quis se identificar. Ela contou que veio ao Brasil sozinha e sua família ficou no Paquistão. Ela ficou vivendo no aeroporto por 30 dias e estava feliz por, finalmente, conseguir ir para um abrigo com sua melhor amiga, que chegou ao Brasil há cerca de 10 dias.

Quem teve o mesmo destino foi um alfaiate, pai de oito crianças, que estava no aeroporto há 20 dias. Ele contou que foi o único de sua família a conseguir o visto para o Brasil e teve que deixar a mulher e os filhos no Afeganistão, esperando pelo momento em que todos eles também consigam obter a autorização para entrar no país. “Eu quero morar aqui”, disse ele, à reportagem. “Espero que meus filhos também venham para o Brasil”, acrescentou.

Um outro jovem de 27 anos, que trabalhava em uma embaixada no Afeganistão e fala inglês fluentemente, relatou que chegou ao Brasil sozinho há cerca de 13 dias. “As condições aqui não são muito boas, mas é ok”, disse ele, que agora espera se sentir seguro no país. “Tive que procurar por um lugar melhor. Tenho esperança que este lugar me traga um futuro melhor”, contou. “Eu tenho a intenção de aprender português e conseguir a nacionalidade brasileira. Tenho algum dinheiro guardado e quero ter meu próprio negócio por aqui”.

Mas nem todos esses afegãos conseguiram ir para um abrigo. Alguns deles terão que continuar dormindo no aeroporto por um tempo. Esse é o caso de um jovem de 24 anos, que se dizia muito grato por conseguir chegar até aqui. “Vocês salvaram nossas vidas”, disse ele, que chegou ao Brasil há cerca de 10 dias. Conversando em inglês, esse jovem contou que, apesar de seguir vivendo no aeroporto nos últimos dias, não pode reclamar do tratamento que está sendo dado pelo povo brasileiro. “Nós não podemos reclamar das condições aqui porque vocês salvaram nossas vidas”, reforçou.

São Paulo (SP), 11/03/2024 – Parte do grupo de refugiados afegãos com visto humanitário que está acampado no Aeroporto Internacional de Guarulhos é levado para abrigo no primeiro dia do Ramadã. Foto: Rovena Rosa/Agência Brasil – Rovena Rosa/Agência Brasil

Histórico

Desde 2021, quando os radicais do Talibã assumiram o poder, milhões de afegãos têm deixado o país para fugir de um regime que viola seus direitos. O Brasil passou a se tornar destino de parte desses afegãos quando foi publicada uma portaria interministerial, em setembro de 2021, autorizando o visto temporário e a residência por razões humanitárias.

De posse desse visto humanitário, os afegãos começaram a desembarcar no Aeroporto de Cumbica, em Guarulhos. Mas, chegando ao Brasil, esses imigrantes se deparam com falta de uma política pública ideal para acolhimento e acabam tendo que esperar por dias no aeroporto até que sejam encaminhados para algum abrigo. Enquanto isso, recebem refeições enviadas pela prefeitura de Guarulhos ou por voluntários.

“Essa situação é desumana e fere todos os pactos [internacionais] que o Brasil defende. Eles [afegãos] estão dormindo e vivendo no aeroporto, sem colchão”, reclamou Aline Sobral, uma das fundadoras do Coletivo Frente Afegã, que tem atuado de forma voluntária com os afegãos que chegam ao Brasil.

Assistência

Procurada pela Agência Brasil, a prefeitura de Guarulhos informou que, por causa do Ramadã, período em que os muçulmanos jejuam entre o nascer e o pôr-do-sol, tem providenciado um regime especial para a distribuição de alimentos aos afegãos que se encontram no aeroporto. “Por conta do Ramadã, no almoço, apenas crianças, idosos, gestantes e pessoas com algum tipo de comorbidade estão recebendo a refeição. No jantar, todos são incluídos, inclusive os homens”, disse a administração municipal.

A Secretaria Estadual de Desenvolvimento Social (SEDS) informou que já iniciou as obras de adequação de um novo espaço na região metropolitana de São Paulo para acolher mais 150 refugiados. “Os primeiros a serem transferidos serão os migrantes que permanecem acampados no aeroporto de Guarulhos”, informou a pasta, acrescentando que a nova estrutura deve entrar em funcionamento nos próximos 60 dias.

A secretaria estadual informou ainda que investiu, no ano passado, mais de R$ 6 milhões para acolher migrantes e refugiados em duas casas de passagem e oito repúblicas com capacidade para receber mais de 200 pessoas. E acrescentou que mantém diálogo constante com o governo federal, “que é a instância responsável pela emissão dos vistos humanitários e pela definição da política de interiorização para migrantes no país”. Procurado, o governo federal ainda não se pronunciou sobre a questão até este momento.

Já a GRU Airport, concessionária que administra o aeroporto, informou à Agência Brasil que a atuação direta no acolhimento de famílias afegãs que chegam ao Brasil é realizada pela prefeitura de Guarulhos e demais autoridades públicas competentes.

Neurotecnologia permitirá alterar funcionamento mental, diz cientista

O neurobiólogo espanhol Rafael Yuste é apontado como um dos mais influentes neurocientistas da atualidade. Admirador de seu conterrâneo, o médico Santiago Ramón y Cajal, que recebeu o Nobel de Fisiologia ou Medicina de 1906 e é considerado o “pai de neurociência moderna”, Yuste tornou-se um forte candidato a receber o principal prêmio científico mundial, graças a suas importantes contribuições científicas.

O neurobiólogo Rafael Yuste defende a proteção dos dados obtidos com uso de neurotecnologias – Neuro Technology Center/Divulgação

Diretor do Centro de Neurotecnologia da Universidade de Columbia (Estados Unidos), onde tenta decifrar o código neural (relação entre conjuntos de neurônios e o comportamento ou estado mental de indivíduos), ele é um dos idealizadores da Iniciativa Brain, lançada em 2014 pelo então presidente norte americano, Barack Obama como forma de promover o desenvolvimento de técnicas e aparelhos que ajudem os especialistas a compreender o funcionamento da mente humana.

Também é um dos fundadores e principal porta-voz da Fundação Neurorights, organização que reúne um grupo de especialistas que propõem a ampliação do rol de direitos humanos a fim de proteger os indivíduos da eventual má utilização das neurotecnologias.

Em entrevista exclusiva à Agência Brasil, o espanhol fala sobre os avanços no desenvolvimento de inovações na área e defende a proteção dos dados obtidos por meio das neurotecnologias. “Propomos o direito à privacidade mental. É preciso proteger as informações pessoais obtidas com o emprego de neurotecnologias, ou seja, os neurodados, da decodificação sem consentimento prévio, mantendo-as em sigilo.”

Leia a íntegra da entrevista:

Agência Brasil: O que são neurotecnologias? O senhor pode citar exemplos do quanto e como estas ferramentas e técnicas estão presentes em nosso dia a dia?
Rafael Yuste: São métodos ou dispositivos usados para registrar os sinais elétricos [do sistema nervoso] ou modificar a atividade cerebral. Os dispositivos podem ser invasivos, quando implantados no cérebro – um chip ou um eletrodo, por exemplo – ou não invasivos – um capacete, óculos ou fone de ouvido. Hoje, a maior parte das neurotecnologias é usada no ambiente clínico. Já há dezenas de milhares de pacientes em todo o mundo usando implantes cocleares [prótese eletrônica utilizada para restaurar a audição em pessoas com déficit funcional] ou estimuladores cerebrais para tratar doenças como Parkinson ou depressão. Também já há casos de pacientes nos quais estão sendo testadas interfaces cérebro-máquinas. E, fora do âmbito clínico, há companhias vendendo de capacetes que prometem medir os níveis de estresse e ajudar as pessoas a meditar a pulseiras capazes de registrar a atividade do sistema nervoso.

Agência Brasil: Por que tantas empresas e países têm investido tanto dinheiro no desenvolvimento e aperfeiçoamento das chamadas neurotecnologias?
Yuste: Por ao menos três razões. A primeira, científica. O cérebro não é só mais um órgão do corpo: é o órgão que dá origem à mente. Com novas tecnologias que nos permitam ‘entrar’ no cérebro e registrar sua atividade, poderemos entender os seres humanos por dentro, ou seja, como nossa mente funciona. Consequentemente, mais cedo ou mais tarde, poderemos decifrar a atividade mental e, em alguns casos, alterá-la. O segundo motivo é a importância clínica. Com novos métodos ou dispositivos, poderemos desenvolver novos diagnósticos e terapias para doenças mentais, sejam elas neurodegenerativas ou neurológicas. A terceira razão é econômica. Muitas companhias tecnológicas apostam que, após o smartphone, a próxima revolução virá com um dispositivo cerebral, uma espécie de Iphone cerebral, um dispositivo que levaremos na cabeça e com o qual nos conectaremos direta e rapidamente à rede mundial de computadores. Há ainda uma quarta razão: os objetivos militares. Alguns países, como a China, também estão desenvolvendo neurotecnologia como ferramentas armamentistas e para incrementar a segurança nacional.

Agência Brasil: O senhor e outros especialistas sustentam que o aperfeiçoamento e a consequente intensificação do uso das neurotecnologias suscitam novos problemas éticos e sociais. Que problemas são esses?
Yuste: Em 2017, um grupo de 25 especialistas de diversas nacionalidades se reuniu na Universidade Columbia, em Nova York, para analisar os problemas éticos e sociais das neurotecnologias. Essa reunião ocorreu no campus de Morningside Heights, razão pela qual o grupo passou a ser chamado de Grupo de Morningside. Identificamos cinco aspectos críticos em relação aos quais o uso das neurotecnologias sem nenhum tipo de regulamentação provoca preocupações éticas e sociais. E propusemos a ampliação dos direitos humanos para a inclusão dos chamados neurodireitos. Nossa proposta é, com isso, protegermos esses cinco aspectos da atividade humana contra o potencial uso indevido ou abuso na utilização das neurotecnologias.

Agência Brasil: Quais são esses cinco aspectos que os senhores creem que precisam ser protegidos?
Yuste: Propomos o direito à privacidade mental. É preciso proteger as informações pessoais obtidas com o emprego de neurotecnologias, ou seja, os neurodados, da decodificação sem consentimento prévio, mantendo-as em sigilo. O segundo direito proposto estabelece o direito à identidade pessoal, ou à consciência. Para que o uso da neurotecnologia não perturbe ou altere o senso de identidade, confundindo-o com os insumos tecnológicos usados para conectar as pessoas. O terceiro neurodireito é o direito ao livre-arbítrio. Para que possamos continuar escolhendo a forma como nos comportamos sem interferências externas, sem a manipulação neurotecnológica. O quarto neurodireito prevê o acesso equitativo às neurotecnologias de ampliação sensorial ou cognitiva. Importante esclarecer que, para a maioria dos especialistas, esse melhoramento de certas funções mentais já está ocorrendo. Basta pensarmos nos aplicativos que nos fornecem informações que, de outra forma, teríamos que memorizar, como os localizadores por GPS ou agendas. Queremos prevenir as desigualdades decorrentes do maior ou menor acesso a essas tecnologias. O último dos cinco neurodireitos diz respeito à proteção contra as chances do uso das neurotecnologias injetar características discriminatórias em nossos cérebros, combatendo expressões preconceituosas no design do algoritmo que determina o funcionamento desses dispositivos.

Agência Brasil: Em relação a esse quinto ponto, o Grupo Morningside também propõe que cientistas, empreendedores e empresas prestem uma espécie de juramento parecido com o que é feito pelos médicos. Qual o objetivo disso?
Yuste: A ideia é copiar a medicina, cujas técnicas também servem para manipular o corpo humano e cujas regras éticas se aplicam a todos os médicos do mundo, que têm que prestar o Juramento de Hipócrates, prometendo só empregar o que aprenderam para ajudar os seus pacientes. Queremos copiar essa ideia e introduzir nas neurociências o Juramento Tecnocrático, com o qual todos os que desenvolvem e administram a neurotecnologia se comprometam a empregar seus conhecimentos e as técnicas a seu dispor para ajudar as pessoas.

Agência Brasil: O debate sobre a necessidade de os legisladores reconhecerem e protegerem os neurodireitos vem conquistando espaço em diferentes países. Da mesma forma como a discussão sobre a importância de mais investimentos no desenvolvimento de neurotecnologias que permitam aos cientistas avançar nas pesquisas sobre o funcionamento do sistema nervoso e da mente humana. Como o senhor avalia o atual momento? Quão perto estamos de ver essas propostas se tornarem algo efetivo?
Yuste: São duas coisas distintas. Os neurodireitos já foram acolhidos no Chile, onde uma emenda constitucional foi aprovada para proteger a atividade cerebral. No Brasil também já há uma proposta de emenda constitucional tramitando no Congresso Nacional, semelhante à que o Chile aprovou. Da mesma forma como no México. Uruguai e Espanha devem seguir por esse caminho. E nós, do Grupo Morningside, estamos trabalhando junto à Organização das Nações Unidas [ONU] para que esta incorpore os neurodireitos a seus tratados internacionais sobre direitos humanos. Ao mesmo tempo, estamos trabalhando em níveis nacionais e estaduais, como no Rio Grande do Sul, no Brasil, e no Colorado, nos Estados Unidos.

Agência Brasil: Há o risco de a regulamentação dos neurodireitos e a proteção dos neurodados retardarem o desenvolvimento das neurotecnologias?
Yuste: Via de regra, o uso das neurotecnologias é menos problemático no ambiente clínico, regulamentado por leis que já protegem a privacidade dos pacientes. O que nos preocupa é quando esses dispositivos e técnicas começam a ser usados para outros fins, em outros espaços, sem a necessidade do aval de um médico ou profissional sujeito a um código de ética. Ou seja, o que nos preocupa é a potencial popularização de aparelhos que qualquer pessoa poderá adquirir e usar em casa, para diversos fins, e que poderão recolher e transmitir neurodados para um servidor capaz de armazená-los e decodificá-los. É preciso antecipar-se a isso e proteger a todos, dentro e fora de hospitais e clínicas.

Agência Brasil: Mas não há o risco de isso desestimular investimentos, retardando os resultados dos estudos?
Yuste: Isso não significa impedir que empresas façam negócios ou pesquisas. Trata-se de, principalmente, estabelecer a obrigatoriedade de os responsáveis protegerem os dados cerebrais com o mesmo rigor com que empresas de biomedicina devem proteger as informações pessoais de seus pacientes. Uma das formas de fazer isso é estabelecendo que os dispositivos desenvolvidos por empresas neurotecnológicas sejam inspecionados por agências de regulação. Neste sentido, cabe destacar que, há pouco tempo, a Neurorights Foundation estudou os contratos de 30 companhias de neurotecnologia e concluiu que os clientes dessas empresas estão totalmente desprotegidos diante da falta de estruturas legais e regulatórias nacionais e internacional. Em todos os contratos analisados havia as chamadas ‘letras pequenas’, cláusulas que quase ninguém lê. E segundo as quais os clientes transferiam o direito sobre seus neurodados a terceiros. Inclusive para que as companhias os vendessem ou os transferissem a outras empresas.

Agência Brasil: É possível afirmar que, em breve, detentores das novas tecnologias poderão ler nossos pensamentos e interferir em nossos comportamentos?
Yuste: O desenvolvimento da inteligência artificial já possibilitou o uso de dispositivos neurotecnológicos não invasivos capazes de decifrar a linguagem, imagens mentais e emoções. Isso já foi feito. Há pouco tempo, com o uso da interface cérebro-máquina, um neurocirurgião de São Francisco [EUA] conseguiu reconstruir a linguagem e as emoções de uma mulher paralisada há vários anos, decodificando-as e reproduzindo-as com o uso de um computador. Para mim, isso é algo semelhante à explosão da primeira bomba atômica, pois significa que já é possível decodificar a atividade mental de uma pessoa. Com isso, acredito que, em mais cinco ou dez anos, descobriremos como começar a modificar a atividade cerebral. E, hoje, o único país cuja população está efetivamente protegida contra o eventual uso indevido disso é o Chile, onde já houve, inclusive, um caso em que a Corte Suprema ordenou que uma companhia de neurotecnologia apagasse todos os dados relativos à atividade cerebral de um cidadão e se submetesse à inspeção da Agência Nacional de Regulação Médica.

Agência Brasil: Ao mesmo tempo em que propõe a regulamentação dos neurodireitos, apontando os riscos do uso tecnológico indevido, o senhor defende a importância do desenvolvimento das neurotecnologias. O senhor é otimista? Acredita que as possibilidades positivas superam os eventuais riscos?
Yuste: Sim. Sou muito otimista. Dediquei minha vida e minha carreira ao desenvolvimento de neurotecnologias e à tentativa de compreender como o cérebro funciona para auxiliar quem precisa de ajuda urgente. Não há, no mundo, quem hoje não tenha um parente ou conhecido sofrendo com um transtorno neurodegenerativo como as doenças de Alzheimer ou de Parkinson ou mesmo com ansiedade, esquizofrenia e outras enfermidades para as quais ainda não encontramos cura. Temos que ajudar esses pacientes, e as neurotecnologias nos possibilitam fazer isso. Só que as mesmas tecnologias que nos permitirão decodificar a mente de um esquizofrênico e reprogramá-la poderão ser usadas para fazer o mesmo com uma pessoa dita normal. Daí a necessidade de assegurarmos que essas técnicas só sejam usadas para ajudar quem realmente necessita.

Neurotecnologia avança; cientistas pedem proteção à privacidade mental

A psicóloga paulistana Carmen Galluzzi tinha completado 48 anos de idade quando começou a se sentir mais cansada que o habitual. Atribuindo o mal-estar ao estresse da tripla jornada de trabalho, estudo e cuidados com o lar, ela seguiu tentando ajustar sua rotina. Até começar a perder a força muscular e notar que seus movimentos estavam se tornando mais lentos e limitados. Só então ela se convenceu de que algo mais sério estava acontecendo.

Nos três anos seguintes, Carmem passou por vários especialistas e se submeteu a muitos exames. Até um neurologista lhe dar o diagnóstico definitivo: “Carmen, você tem Parkinson”, atestou o médico. “Foi impactante, mas, a partir daí, pude decidir o rumo a tomar. O médico me explicou que a doença era progressiva e incurável, mas que os sintomas iniciais podiam ser controlados com o tratamento adequado”, contou a psicóloga em entrevista à Agência Brasil.

Com a estimulação cerebral profunda, psicóloga Carmen Galluzzi conseguiu ter mais qualidade de vida – Carmem Galluzzi/Arquivo pessoal

Pouco após receber o diagnóstico, Carmen se aposentou por invalidez, deixou o trabalho e passou a se dedicar a cuidar da saúde. Mesmo assim, como a cura para o Parkinson ainda não foi encontrada, algumas consequências da enfermidade se intensificaram. Motivando a psicóloga a, 13 anos após ser diagnosticada e com 63 anos de idade, aceitar se submeter a uma cirurgia complexa, a estimulação cerebral profunda (do inglês deep brain stimulation, ou DBS).

Indicada para o tratamento de doenças neuropsiquiátricas, incluindo epilepsia e depressão resistente ao tratamento, a DBS consiste no implante de eletrodos no cérebro do paciente. Dois fios subcutâneos interligam os finíssimos condutores de corrente elétrica a uma microbateria inserida sob a pele, na altura do peito do portador. Como um marca-passo, o conjunto emite pulsações elétricas em áreas cerebrais específicas, auxiliando no controle dos impulsos nervosos, minimizando os tremores decorrentes do Parkinson.

Realizada em junho de 2023, a cirurgia durou cerca de dez horas. Durante o tempo em que esteve com a calota craniana aberta, a psicóloga permaneceu consciente, sedada apenas com anestesia local. Isso porque, para identificar o ponto exato onde instalar os eletrodos, os cirurgiões precisam que os pacientes reajam a seus comandos de voz.

“Todo mundo acha que uma cirurgia é para ser feita quando não estamos bem. Não. Ela é feita para otimizar o tratamento e nos dar mais qualidade de vida. Eu tive alta já no dia seguinte”, contou Carmen.

“Com o tempo, pude diminuir os remédios que eu tinha que tomar para evitar os espasmos. E, com a fisioterapia e as sessões de fono, que continuo fazendo, eu hoje me sinto muito melhor”, avaliou a psicóloga.

Investimentos

Realizada há cerca de 40 anos, a DBS ainda é considerada um procedimento médico de ponta. Contudo, conforme o neurocirurgião Bruno Burjaili, médico que operou Carmen, é um dos muitos métodos terapêuticos resultantes da contínua evolução das neurociências – campo da ciência que estuda o sistema nervoso (o conjunto cérebro-medula espinhal-nervos) e as mudanças que este sofre ao longo dos anos.

Neurocirurgião Bruno Burjaili diz que a estimulação cerebral profunda é um dos métodos resultantes da contínua evolução das neurociências – Bruno Burjaili/Arquivo pessoal

“A DBS é um grande avanço, resultado do aperfeiçoamento e do desenvolvimento das técnicas e dos aparatos neurotecnológicos, mas, diante do assombroso desenvolvimento recente das neurociências, e considerando as perspectivas do que está por vir, já podemos considerá-la uma técnica consolidada, de certa forma antiga”, afirmou Burjaili, referindo-se ao ritmo acelerado de descobertas e inovações que revolucionaram os métodos de investigação dos fenômenos mentais com a promessa de encontrar respostas para doenças neurodegenerativas (Alzheimer, Parkinson, escleroses, atrofia e distrofia muscular, entre outras), distúrbios do aprendizado e transtornos mentais como a depressão resistente aos tratamentos tradicionais.

Para a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência, e a Cultura (Unesco), “estamos no limiar de uma nova revolução tecnológica”.  Em um relatório divulgado no ano passado, a organização aponta que, de 2013 a 2023, os investimentos governamentais globais em pesquisas relacionadas às neurociências superaram US$ 6 bilhões, ou cerca de R$ 29,8 bilhões. O montante inclui gastos militares, como os US$ 10 milhões que o Departamento de Defesa dos Estados Unidos prometeu destinar à criação de um instituto dedicado ao avanço da pesquisa unificada em inteligência artificial e natural. O objetivo: “melhorar a compreensão de como o cérebro funciona e dar continuidade a projetos de IA [inteligência artificial] mais capazes e confiáveis”.

Já os investimentos privados alcançaram, de 2010 a 2020, os US$ 33,2 bilhões, ou mais de R$ 165 bilhões. Entre as empresas interessadas nas possibilidades comerciais dos resultados de pesquisas neurocientíficas estão gigantes como a Google e a Microsoft. Há um mês, a Neuralink, do bilionário Elon Musk, anunciou que implantou o primeiro chip eletrônico no cérebro de um paciente, com o objetivo de estudar formas de reabilitar o sistema nervoso de pessoas com lesões da medula espinhal ou esclerose lateral amiotrófica, devolvendo-lhes os movimentos.

A startup norte-americana Kernel desenvolveu um capacete que promete mapear a atividade cerebral e identificar estados de ânimo, apontando tratamentos clínicos. Há um ano, a Philips e a Kookon lançaram no mercado um fone de ouvido sem fio que, em conjunto com um aplicativo, promete monitorar indicadores fisiológicos do usuário enquanto ele estiver dormindo e proporcionar um “sono repousante e rejuvenescedor”, indicando músicas ou sons adequados e ajustando o volume ao estágio do sono.

Além do crescente aporte de dinheiro, inovações como o aprimoramento da inteligência artificial potencializam o desenvolvimento e o uso das novidades neurotecnológicas, cujo impacto já transcende o campo da saúde, propagando-se para áreas como a educação, segurança, direito, publicidade etc. A exemplo dos resultados das pesquisas com a chamada interface cérebro-máquina (ICM), que buscam identificar sinais neurais e transmiti-los, na forma de algoritmos, para um computador apto a “interpretar” os pensamentos da pessoa a ele conectada, transformando-os em ações.

 

Mistérios

Desvendar o funcionamento mental e, assim, “compreender” o ser humano. Possibilitar a recuperação de movimentos. Fazer frente às doenças neurodegenerativas. Interligar cérebro e máquinas. Algumas das espantosas promessas das neurociências parecem ficção científica, mas as evidências de que, talvez, muitas delas não estão longe de se tornar reais vêm se avolumando.

Em 2014, milhões de pessoas em todo o mundo testemunharam um paraplégico chutar uma bola durante a cerimônia de abertura da Copa do Mundo de Futebol, no estádio Itaquerão, em São Paulo. O gesto simbólico de Juliano Pinto, que perdeu os movimentos em consequência de um acidente de carro, foi possível graças ao exoesqueleto desenvolvido por uma equipe de cientistas liderada pelo neurocientista brasileiro Miguel Nicolelis, professor da Universidade de Duke, nos Estados Unidos.

A rápida demonstração da veste robótica controlada por pensamento e desenvolvida com a colaboração de 156 cientistas de diferentes nacionalidades aconteceu apenas 14 meses após o então presidente dos EUA, Barack Obama, anunciar um investimento público-privado de US$ 100 milhões (cerca de R$ 495,2 milhões pelo câmbio atual) no que classificou como “o próximo grande projeto americano”, a Iniciativa Brain.

Em inglês, a palavra brain significa cérebro. No contexto da iniciativa, é, também, a sigla do nome do projeto, Brain Research Through Advancing Innovative Neurotechnologies, ou Pesquisa Cerebral por Meio do Avanço de Neurotecnologias Inovadoras. Acrônimo que revela o objetivo do governo norte-americano: apoiar a criação de neurotecnologias que ajudem os cientistas a obter imagens dinâmicas dos 86 bilhões de neurônios em ação. Os neurônios são células responsáveis por garantir a transmissão dos impulsos elétricos que fazem o sistema nervoso funcionar, interligando o cérebro ao restante do corpo. Registrá-los atuando em conjunto ajudaria os especialistas a entender como pensamos, sentimos, aprendemos e lembramos. Em resumo, como usamos nosso cérebro.

“Como humanos, podemos identificar galáxias a anos-luz de distância, podemos estudar partículas menores que um átomo, mas ainda não desvendamos o mistério dos 3 quilos de matéria que ficam entre nossas orelhas”, comentou Obama. “A Iniciativa Brain mudará isso, dando aos cientistas as ferramentas de que necessitam para obter uma imagem dinâmica do cérebro em ação. Esse conhecimento pode ser – e será – transformador”, discursou Obama ao apresentar o projeto.

A Iniciativa Brain ainda não chegou ao fim, mas já inspirou outros países, como a Espanha. No fim de 2022, o governo espanhol anunciou que pretende investir, até 2037, ao menos € 200 milhões (o equivalente a R$ 1,06 bilhões) na construção do chamado Centro Nacional de Neurotecnologia (Spain Neurotech), em Madri. Além de estimular o estudo do funcionamento cerebral e de novos métodos diagnósticos e de tratamento de doenças do sistema nervoso, a unidade busca atrair pesquisadores e fomentar empreendimentos inovadores em neurotecnologia.

“Há muito dinheiro sendo investido no desenvolvimento das neurotecnologias, em todo o mundo”, disse à Agência Brasil o neurobiólogo espanhol Rafael Yuste. Diretor do Centro de Neurotecnologia da Universidade de Columbia (EUA) e um dos idealizadores da Iniciativa Brain norte-americana, Yuste foi convidado a dirigir o futuro centro espanhol. Desenvolvedor de métodos ópticos inovadores para observar os circuitos neurais em ação, ele defende que a humanidade está perto de, enfim, entender como o cérebro funciona. O que, segundo ele, representaria um enorme salto não só para o tratamento de doenças neurológicas, mas também para a melhor compreensão do ser humano.

“O cérebro é o órgão que dá origem à mente. Com tecnologias que nos permitam ‘entrar’ no cérebro e registrar sua atividade, poderemos entender como a nossa mente funciona. Consequentemente, mais cedo ou mais tarde, poderemos decifrar a atividade mental e, em alguns casos, alterá-la”, sustenta Yuste (Leia aqui a entrevista exclusiva completa do neurobiólogo à Agência Brasil).

O espanhol também acredita que, em breve, parte da população passará a usar aparatos neurotecnológicos portáteis capazes de controlar outros aparelhos remotamente e, principalmente, para acessar a internet sem a necessidade de computadores, tablets ou telefones celulares. “Não demorará para que possamos fazer com o uso das neurotecnologias tudo aquilo que fazemos hoje usando nossos smartphones. Será uma revolução. Com oportunidades e desafios.”

Regulamentação

Neurobiólogo espanhol Rafael Yuste defende a proteção aos chamados neurodireitos – Neuro Technology Center/Divulgação

Rafael Yuste, que já foi eleito pela revista Nature um dos cinco cientistas mais influentes do mundo, não é o único a apontar que o desenvolvimento e a esperada popularização das neurotecnologias trarão consigo novos problemas éticos e sociais. Com a preocupação comum de que suas descobertas e invenções sejam usadas indevidamente, o espanhol criou, junto com outros 24 especialistas, a Fundação Neurorights, que propõe o reconhecimento e proteção aos chamados neurodireitos.

Os cinco neurodireitos propostos visam proteger a privacidade mental, a identidade pessoal e o livre arbítrio dos usuários, bem como garantir o acesso igualitário das sociedades aos benefícios do uso das neurotecnologias e evitar que desenvolvedores reproduzam preconceitos e vieses na criação de novas tecnologias, respeitando a diversidade, responsabilidade e transparência ao programar o funcionamento dos aparatos tecnológicos.

“São cinco áreas nas quais o emprego da neurotecnologia sem algum tipo de regulamentação ou proteção gera preocupações éticas e sociais”, disse o neurobiólogo à Agência Brasil, explicando que a sugestão é que cada país aprove suas próprias leis e que a Organização das Nações Unidas (ONU) atualize a Declaração Universal dos Direitos Humanos, ampliando o rol de direitos fundamentais.

A Unesco também defende a urgência de os países chegarem “a um acordo sobre as ferramentas adequadas de governança neurotecnológica a fim de que as neurotecnologias sejam desenvolvidas e implantadas para o bem de todos os indivíduos e sociedades”. No relatório já citado, a organização alerta que “a promessa de que as neurotecnologias melhorem a vida das pessoas que vivem com deficiências desencadeadas por problemas relacionados ao cérebro pode ter um custo elevado em termos de direitos humanos e liberdades, se abusadas”. Daí a importância de “políticas bem-elaboradas, eficazes, baseadas em evidências e numa clara definição e descrição do problema, para que as escolhas feitas não corram o risco de serem distorcidas”.

 

Pioneirismo

Em outubro de 2021, o Chile se tornou o primeiro país a incluir em sua Constituição a proteção à atividade e aos dados cerebrais. Aprovada por unanimidade, a Lei nº 21.383 estabelece que o desenvolvimento científico e tecnológico deve estar a serviço das pessoas, respeitando a vida e a integridade física e psíquica. A lei também prevê a futura regulamentação dos requisitos, condições e restrições ao uso da neurotecnologia em seres humanos.

A proposta de regular os neurodireitos já tem defensores no Brasil. Desde o ano passado, tramita no Senado a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) nº 29, que, se aprovada, resultará na inclusão da proteção à integridade mental e à transparência algorítmica entre os direitos e garantias constitucionais. (Leia mais sobre a PEC aqui). Na Câmara dos Deputados, há um projeto de lei, de autoria do deputado federal Carlos Henrique Gaguim (União-TO), sobre o mesmo tema. O Projeto de Lei nº 1229, de 2021, visa modificar a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD), incluindo nela a proteção aos dados neurais “obtidos a partir de qualquer sistema eletrônico, óptico ou magnético”.

Para a procuradora do estado de São Paulo Camila Pintarelli, os direitos fundamentais precisam ser relidos à luz das novas tecnologias – Joel Vargas

“Os direitos fundamentais precisam ser relidos à luz das novas tecnologias e já está na hora de o Brasil incorporar a proteção à atividade mental em nossa Constituição”, defende a procuradora do estado de São Paulo Camila Pintarelli, umas das pessoas por trás da proposta de emenda à Constituição apresentada com a chancela de parlamentares governistas e da oposição, como o líder do governo federal no Congresso Nacional, senador Randolfe Rodrigues (sem partido-AP), e o ex-vice-presidente da República senador Hamilton Mourão (Republicanos-RS), entre outros.

“É um tema abstrato, complexo, mas no qual precisamos começar a prestar atenção, porque a velocidade da tecnologia é muito superior à velocidade da regulação”, acrescentou a procuradora.

“Muitas pessoas que ouvem falar sobre a necessidade de proteção à mente humana e aos neurodireitos acreditam que estamos falando de ficção científica, mas a interação entre máquinas e cérebros já é algo real e está cada vez mais próxima de nós. Seja para fins terapêuticos, oferecendo possibilidades de cura para doenças mentais até então incuráveis, seja para fins comerciais diversos, onde causam maior preocupação”, destacou  Camila Pintarelli.

Manipulação

Professor da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), onde orienta pós-graduandos dos cursos de direito e de neurociências, Renato César Cardoso defende que, antes de qualquer coisa, o Congresso Nacional promova um debate amplo, com a participação de representantes de diferentes segmentos sociais.

“O direito vem a reboque das mudanças sociais, que surgem e nos impõem a necessidade de nos anteciparmos, sob risco de sermos atropelados pela realidade. Está muito claro que, se nada for feito, muito em breve teremos problemas com questões como a privacidade mental. Então, é sim preciso regular alguns aspectos. Só que essa regulação deve ser fruto de um debate envolvendo toda a sociedade. Não cabe só aos neurocientistas, políticos ou advogados dizer o que deve ser feito”, comentou Cardoso

Professor Renato César Cardoso diz que é preciso diferenciar legalmente o uso comercial das neurotecnologias do emprego para pesquisas científicas – Renato César Cardoso/Arquivo pessoal

Ele apontou o que classifica de “problemas jurídicos e conceituais” nas propostas de regulação da Fundação Neurorights e em tramitação no Congresso brasileiro. “As duas propostas têm o mérito de fomentar o debate, mas contêm pontos confusos, imprecisos. Talvez porque tenham um forte viés neurocientífico e, em alguns aspectos, acabem derrapando na parte jurídica. Dizer, por exemplo, que vamos proteger a identidade e o livre-arbítrio… O que é identidade? O que exatamente deve ser protegido? São dois conceitos muito abertos, de difícil conceituação, seja no direito, na filosofia ou mesmo para as neurociências. Melhor seria falarmos em proteger as pessoas da eventual manipulação cognitiva; garantir a liberdade cognitiva dos usuários de neurotecnologias”, defendeu o acadêmico.

Para Cardoso, outra questão “problemática”, embora pertinente, é a que trata do acesso equitativo às neurotecnologias de ampliação sensorial e benefícios do uso delas. “Claro que é preciso evitar que uma casta de privilegiados tenha acesso exclusivo a avanços que podem não beneficiar a maior parte da população, que será excluída, mas isso exige outras medidas, como políticas públicas que busquem reduzir as desigualdades. E que, neste aspecto, não se limitam às legislações nacionais”, destacou o professor, defendendo a importância de se diferenciar legalmente o uso comercial das neurotecnologias do emprego para pesquisas científicas.

“Se não estiver muito claro o que se quer e se deve proteger, há sim o risco de a proposta inviabilizar um monte de pesquisas acadêmicas. A distinção entre dados neurais obtidos para pesquisa e para uso comercial tem que estar na lei”, concluiu.

Projeto F20 levará questões sociais das favelas ao G20

O Voz das Comunidades, instituição não governamental com viés jornalístico de responsabilidade social e promoção de eventos culturais realizada por moradores de favelas, está desenvolvendo um projeto para a criação do F20, que será composto por 20 favelas do Rio.

A intenção é levar as questões que envolvem as comunidades da cidade para discussão no G20, fórum internacional que reúne 19 países mais ricos do mundo, mais a União Europeia e a União Africana. Para Rene Silva, idealizador do projeto e fundador do Voz, este é um exemplo poderoso de mobilização comunitária e engajamento cívico.

“Essas favelas, na maioria das vezes marginalizadas e excluídas dos processos de tomada de decisão, vão se unir para amplificar suas vozes e demandar atenção para questões que afetam diretamente suas vidas”, disse Rene.

De acordo com ele, ao tratar de temas do G20, como desenvolvimento econômico, mudanças climáticas e desigualdade, as favelas reivindicam seu espaço na agenda global e busca soluções que reflitam suas realidades locais e necessidades. “Esse tipo de iniciativa demonstra a importância de incluir perspectivas diversas e representativas nos debates globais, visando construir um futuro mais justo e inclusivo para todos”, apontou à Agência Brasil.

Rio de Janeiro (RJ) – Rene Silva fundou o Voz das Comunidades no Complexo do Alemão. Foto: Renato Moura/Voz das Comunidades/Divulgação

A previsão é que as discussões do projeto comecem a partir de maio, em agendas paralelas ao do G20, que realizou duas reuniões preparatórias no Brasil. A primeira nos dias 21 e 22 de fevereiro, no Rio de Janeiro com chanceleres dos países do grupo e a segunda nos dias 28 e 29 de fevereiro em São Paulo com ministros de finanças e dos Bancos Centrais do grupo.

“A gente está em um momento de construção do projeto. Até o final do mês de março a gente já deve ter o projeto mais amadurecido, bastante concluído e com as primeiras agendas a serem divulgadas”, informou.

O Voz das Comunidades foi criado, em 2005, pelo então estudante Rene Silva, do jornal com o mesmo nome, para moradores divulgarem notícias da comunidade do Morro do Adeus, uma das 13 que formam o Conjunto de Favelas do Alemão, na zona norte do Rio. Agora, Rene quer que as questões sociais sejam mais visibilizadas.

“A ideia é que este projeto jogue luz sobre outras questões sociais que não são levadas até a grande mídia e ao poder público. Geralmente, as pessoas quando falam de favela, lembram de operações policiais, de ações da polícia e do tráfico de drogas e a favela é muito além disso. A gente tem muitas iniciativas discutindo o meio ambiente, discutindo sustentabilidade, economia local, enfim, diversos desses temas e a ideia do projeto F20 é jogar luz sobre as diversas pautas que existem dentro da favela e que ninguém está falando sobre”, destacou.

Segundo Rene, a missão do projeto é amplificar as vozes das favelas. “A gente quer amplificar, quer que essas vozes sejam ouvidas e, para que sejam ouvidas, é nosso objetivo levar essas pautas também para as autoridades como governador, prefeito, presidente e até mesmo chegando na ONU [Organização das Nações Unidas]”, disse.

Desde 1º de dezembro de 2023 que o Brasil está na presidência rotativa do G20 e vai continuar até 30 de novembro de 2024. Nesse período, devem ocorrer cerca de 130 reuniões, que serão realizadas entre 15 cidades do país. A principal será a Cúpula de Chefes de Estado e de Governo do G20, prevista para os dias 18 e 19 de novembro deste ano, no Rio de Janeiro.

Povo Paiter Suruí terá primeira agência de etnoturismo do Brasil

Com um território de 224 mil hectares, comunidades da Terra Indígena Sete de Setembro, do povo Paiter Suruí, em Rondônia, se preparam para lançar o projeto Yabnaby – Espaço Turístico Paiter Suruí, que será a primeira agência indígena de etnoturismo criada e mantida por povos originários na Amazônia. O etnoturismo é uma modalidade turística em que os viajantes conhecem de perto a vida, os costumes e a cultura de um determinado povo, especialmente povos indígenas.

O projeto foi um dos selecionados, em 2023, para receber investimento do Programa Prioritário de Bioeconomia (PPBio), uma política do governo federal que funciona no contexto da Zona Franca de Manaus, sob a coordenação da organização não governamental (ONG) Idesam, com atuação na Região Amazônica. 

A agência de etnoturismo idealizada por Almir Suruí, liderança indígena que se destaca como uma das mais empreendedoras do Brasil, com prêmios internacionais em direitos humanos, recebeu investimento do PPBio no valor de R$ 522 mil, para elaboração de um plano estratégico de negócios.

Almir Suruí, liderança do povo Paiter Suruí, idealizador da agência de etnoturismo – Foto: PPBio/Divulgação

“Neste ano de 2024, a gente vai construir todo o plano de marketing, o plano de comunicação e o plano de negócio. A agência vai ser responsável por implementar a estratégia que será criada aqui”, explicou Almir Suruí à Agência Brasil. A previsão é que a agência esteja funcionando no início de 2025, com sede no município de Cacoal e representação em Porto Velho.

Plataforma

O modelo de negócio prevê a criação de uma plataforma que realizará visitas virtuais na floresta, onde pessoas da comunidade vão poder contar sobre a história do povo Paiter Suruí, a rotina na comunidade indígena, como é a alimentação, entre outros temas. 

“A ideia é que a plataforma tenha várias seções, com temas diferentes, em que os turistas possam imergir de forma online na realidade amazônica, funcionando como um ‘tira-gosto’ do que será de fato uma visita presencial na comunidade”, informou à Agência Brasil Paulo Simonetti, líder de captação e relacionamento com o investidor do PPBio. 

Haverá também o turismo físico, presencial, na comunidade, onde os visitantes poderão tomar banho de rio, conhecer a comida e medicina tradicional, participar da dança, contação de histórias, passeios de barco, trilhas na floresta e vivência com atividades produtivas.

Primeira agência de etnoturismo indígena do país – Foto: PPBio/Divulgação

Almir Suruí disse que será realizado um curso para preparação de guias, que receberão turistas na região, além de cozinheiras, faxineiras e outras atividades necessárias ao etnoturismo. A previsão é que o curso tenha início até o próximo mês de abril.

A agência foi concebida por Almir Suruí, quando começou a desenvolver o Plano de estratégia de 50 anos do povo Paiter Suruí, nos anos 2000, e por meio de vários diagnósticos que levantaram o potencial do etnoturismo no território. 

“É uma maneira de gerar emprego e renda para nossa comunidade e, também, para as pessoas conhecerem quem é o povo Paiter Suruí e nossa relação com a natureza, com a floresta, com os animais. Conhecer nossa história. Por isso, acreditamos que hoje há um potencial grande, no momento em que o Brasil trabalha também com a conservação ambiental para combater as mudanças climáticas”, avalia Almir Suruí.

Cadeias produtivas

Há 20 anos, a organização não governamental (ONG) Idesam vem estruturando cadeias produtivas na Amazônia, para diminuir a pobreza nas comunidades da região, além de atuar contra o desmatamento. A ONG tem várias frentes de ação: gestão territorial, para ajudar as comunidades a se estruturarem em cooperativas; capacitação de comunidades, com estruturação de produtos da floresta que consigam ser inseridos no mercado; e de geração de negócios, buscando parceiros comerciais que vão conseguir escoar os produtos das comunidades e comprar as matérias-primas. 

“O Idesam trabalha de diversas formas para fazer a inclusão produtiva das comunidades com o objetivo de geração de renda, sempre dentro de uma perspectiva sustentável”, destacou Paulo Simonetti.

Paulo Simonetti, líder de captação do PPBio – Foto: PPBio/Divulgação

Todas as indústrias instaladas na Zona Franca de Manaus são incentivadas, pela Lei da Informática, a investir em pesquisa e desenvolvimento para a região. 

“Dentro dessa lei amazônica, as empresas têm obrigação de investimento de parte do seu faturamento em pesquisa e desenvolvimento na própria região. Uma das coisas que elas podem investir são os programas prioritários, criados pelo governo federal, para desenvolver a região e solucionar gargalos que a região possui”, disse Simonetti. 

Atualmente, existem três programas prioritários atuantes: um industrial, outro de empreendedorismo e um terceiro voltado para a estruturação das cadeias produtivas da Amazônia, que é o PPBio. Esse programa conta atualmente com R$ 129 milhões em aportes e um total de 61 projetos em execução ou finalizados, com perspectiva de expansão nos próximos meses.

Gargalos

Etnoturismo indígena – Foto: PPBio/Divulgação

O PPBio tem atuado nos últimos 6 anos detectando os gargalos da região em termos de logística, rastreabilidade e qualidade de matéria-prima como oportunidade de negócio, em que dialoga com startups (empresas emergentes), institutos de pesquisa, buscando soluções que possam virar futuros negócios. 

“A gente busca recursos com as indústrias e investe nessas prospecções, nas mais diversas cadeias. Uma cadeia que a gente tem buscado atuar é o turismo. É importante para a valorização da biodiversidade amazônica trazer essa consciência ambiental para os turistas que estão visitando a região, mas também gerando renda para a comunidade que vive ali”, disse Simonetti.

Ele considera que a estruturação da cadeia do turismo é uma grande oportunidade “até porque, hoje, o turismo, de forma geral, muitas vezes visa colocar o indígena ou a população tradicional não como agente de turismo autônomo, mas como uma atração. Para o PPBio, esse era um dos principais gargalos a serem resolvidos para fazer essa autonomia para a população indígena”. Uma das soluções encontradas é que o próprio indígena seja o autor e gerador dessa agência, fazendo-o pensar como quer promover o turismo na região.

Diversificação

Etnoturismo indígena – Foto: PPBio/Divulgação

Em paralelo, o governo federal tem orientado a Superintendência da Zona Franca de Manaus a diversificar o investimento cada vez mais fora da região metropolitana de Manaus, buscando outros estados onde também atua, como Roraima, Rondônia, Acre e Amapá. 

Desde o ano passado, o PPBio tem buscado bons projetos para investimento nesses estados. Em Rondônia, por exemplo, o PPBio apoia três projetos; no Amapá, são quatro projetos; em Roraima, dois; e no Acre, dois.

O projeto tem apoio do Instituto Ecoporé de ciência e tecnologia, que já é parceiro de longa data do povo Paiter Suruí.

Um dos objetivos na nova agência indígena é integrar o sistema de reservas às plataformas de hospedagem do mercado e replicar o modelo para outros territórios indígenas e etnias, visando que as atividades turísticas locais se tornem autossuficientes, informou a presidente do Instituto Ecoporé, Sheila Noele.

Fluminense e Flamengo abrem semifinais do Campeonato Carioca

O Fluminense recebe o Flamengo no estádio do Maracanã, a partir das 21h (horário de Brasília) deste sábado (9), na partida que abre a disputa das semifinais do Campeonato Carioca. A Rádio Nacional transmite ao vivo o clássico.

O Tricolor das Laranjeiras entra no confronto com a intenção de conseguir abrir alguma vantagem sobre a equipe da Gávea, que pode garantir a passagem para a final mesmo com a igualdade na soma dos placares dos confrontos das semifinais. Assim, como tem o mando de jogo nesta primeira partida, o ideal é que o Fluminense alcance a vitória.

Tudo ficando pronto pra decisão de sábado!

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— Fluminense F.C. (@FluminenseFC) March 7, 2024

Porém, para seguir vivo na competição a equipe comandada pelo técnico Fernando Diniz terá que quebrar uma incômoda sequência, de 11 partidas sem vitórias em clássicos. Em entrevista coletiva, o meia-atacante colombiano Jhon Arias afirmou que o jogo contra o Flamengo é a oportunidade perfeita para mudar esta história: “Infelizmente, por lances do jogo, erros individuais, erros coletivos, perdemos os clássicos. Temos consciência. O Fluminense não é time para ficar esse tempo todo sem vencer clássicos. Agora, temos a oportunidade perfeita para voltarmos a vencer e garantir a classificação para a final”.

Apesar do otimismo do colombiano o Fluminense tem desfalques importantes para a partida: o volante André, suspenso após levar um cartão vermelho no clássico com o Botafogo, e os lesionados Samuel Xavier, Douglas Costa e Marlon. Desta forma o técnico Fernando Diniz deve mandar a campo a seguinte equipe: Fábio; Guga, Felipe Melo, Thiago Santos e Marcelo; Martinelli, Renato Augusto (Lima) e Ganso; Keno, Arias e Cano.

O adversário do Tricolor será um Flamengo que vive um grande momento, após fazer a melhor campanha na Taça Guanabara. Até aqui no Carioca o Rubro-Negro disputou 11 partidas (com 8 vitórias e 3 empates) nos quais marcou 23 gols e sofreu apenas 1.

Uma novidade do Rubro-Negro para a partida, que deve estar no banco de reservas, é o zagueiro Léo Ortiz, que acaba de ser contratado junto ao Bragantino. E o defensor expressou, em entrevista, confiança para o clássico decisivo com o Fluminense: “Muito bom chegar em um momento como esse, já com um clássico. Uma semifinal, um momento importante para o clube, próximo de conquistar mais um título. Espero que façamos dois bons jogos contra o Fluminense, para que consigamos chegar à final e possa já chegar pé-quente, chegar campeão”.

Preparados para a primeira partida da semi do @Cariocao! 🔴⚫️ #VamosFlamengo

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— Flamengo (@Flamengo) March 8, 2024

Para o confronto o técnico Tite tem três problemas para escalar sua equipe: o atacante Gabriel Barbosa e o lateral Wesley, que se recuperam de lesões musculares, e o volante Gerson, que realizou uma cirurgia no rim.

Assim, a provável escalação do Flamengo deve ser: Rossi; Varela, Fabrício Bruno, Léo Pereira e Ayrton Lucas; Pulgar, De la Cruz e Arrascaeta; Luiz Araújo, Everton Cebolinha e Pedro.

Transmissão da Rádio Nacional

A Rádio Nacional transmite Fluminense e Flamengo com a narração de André Marques, comentários de Rodrigo Campos e reportagem de Bruno Mendes. Você acompanha o Show de Bola Nacional aqui:

Cesta básica sobe em 14 capitais brasileiras em fevereiro

Em fevereiro, o custo da cesta básica subiu em 14 das 17 capitais brasileiras analisadas pela Pesquisa Nacional da Cesta Básica de Alimentos, divulgada mensalmente pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese).

As únicas capitais que não apresentaram aumento no preço médio da cesta foram Florianópolis (-2,12%), Goiânia (-0,41%) e Brasília (-0,08%). As maiores elevações foram observadas no Rio de Janeiro (5,18%), São Paulo (1,89%) e Salvador (1,86%).

No mês passado, os produtos que mais contribuíram para o aumento no preço da cesta foram o feijão, a banana, o arroz, a manteiga e o pão francês. O feijão, por exemplo, subiu em todas as capitais analisadas pelo Dieese. Já a banana subiu em 16 capitais, com elevações que oscilaram entre 2,62% [em Belém] e 19,83% [em Belo Horizonte] na comparação com janeiro.

Na comparação anual, 12 capitais apresentaram alta no preço, com variações que oscilaram entre 0,32% (em Belém) e 11,64% (no Rio de Janeiro). Nesse período, as quedas mais importantes foram registradas no Recife (-7,79%) e em Natal (-7,48%).

A cesta mais cara do país foi encontrada no Rio de Janeiro, onde o conjunto dos alimentos básicos custava em média, no mês de fevereiro, em torno de R$ 832,80. Em seguida apareceram São Paulo (R$ 808,38), Porto Alegre (R$ 796,81) e Florianópolis (R$ 783,36). Nas capitais do Norte e do Nordeste do país, onde a composição da cesta é diferente, os menores valores médios foram registrados em Aracaju (R$ 534,40), no Recife (R$ 559,68) e em João Pessoa (R$ 564,50).

Com base no valor da cesta mais cara [que em dezembro foi a do Rio de Janeiro] e levando em consideração a determinação constitucional que estabelece que o salário mínimo deve ser suficiente para suprir as despesas de um trabalhador e da família (com alimentação, moradia, saúde, educação, vestuário, higiene, transporte, lazer e previdência), o Dieese estimou que o valor ideal deveria ser de R$ 6.996,36 em fevereiro, ou 4,95 vezes o valor do salário mínimo atual de R$ 1.412,00.

No 3º dia da Conferência de Cultura produtores destacam desafios

A 4ª Conferência Nacional de Cultura (4ª CNC), realizada pelo Ministério da Cultura, entrou no terceiro dia nesta quarta-feira (6). De acordo com o MinC, o setor representa 3,11% do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro e emprega mais de 7,5 milhões de pessoas.

O encontro tem mobilizado gestores, trabalhadores e fazedores da cultura, a sociedade e o governo de todo o país para discutir o que deve ser incluído no próximo Plano Nacional de Cultura. O PNC orienta o poder público na formulação de políticas culturais e destinação de recursos ao setor.

Até sexta-feira, salas temáticas reúnem centenas de delegados que votam textos que tratam do desenvolvimento de programas e projetos; exigência de reconhecimento e valorização dos profissionais, acesso a editais de cultura para destinação de recursos, patrocínios e parcerias; promoção e preservação da diversidade cultural existente no Brasil e do desenvolvimento da economia criativa.

A ministra da Cultura, Margareth Menezes, avalia que após mais de dez anos sem a realização de uma conferência nacional, a participação social de quem, de fato, está envolvido com o segmento, tem sido valiosa nesta conferência. “As pessoas que estão aqui estão credenciadas por suas comunidades, por suas representações nos estados. E as conferências temáticas servem para a gente, governo, ouvir. Para acolher o nosso novo plano nacional de cultura é necessário fazer essa escuta. Entendo que foi muito ruim ficar mais de 10 anos sem conferência.”

Eixos temáticos

No Eixo 6 da Conferência Nacional de Cultura, que trata do Direito às Artes e Linguagens Digitais, houve pedido de garantia de fornecimento permanente de internet. Além da popularização dos softwares livres ou abertos em ambientes gratuitos e de cooperação, que podem ser baixados e usados por qualquer pessoa, diferentemente dos softwares comercializados. Nestes, o pagamento da propriedade intelectual ao desenvolvedor, pode tornar inviável o acesso de usuários.

Os presentes ainda solicitaram editais de digitalização de acervos para que documentos e livros não se percam na história e facilitem o acesso à informação.

A socióloga Laurene Ataíde, que coordena a Associação Folclórica Cordão de Pássaro Colibri de Outeiro, da Vila de Icoaraci, no Pará, pede a volta dos telecentros para integrar os moradores ao mundo e reavivar Pontos de Cultura Viva existentes na ilha. Devido às décadas de experiência como mestre de cultura popular, Laurene foi chamada de conselheira da ancestralidade digital.

Ela detalha que a estrutura da associação conta com biblioteca, sala de aula de dança, mas que houve uma descontinuidade dos serviços e sucateamento de equipamentos. “É preciso que esse projeto retorne. Tiraram até a nossa internet. Precisamos que seja assegurada a permanência da internet e que nenhum governo que entre venha retirar.”

A rede do Mídia Índia , que reúne 188 jovens indígenas de diferentes povos, capacitados para fazer a ponte entre a tecnologia e ancestralidade e religiosidade, também teve voz nas discussões.  O idealizador do veículo, o jornalista e DJ Eric Marky Terena, quer, por meio da comunicação, mostrar ao mundo a luta dos indígenas brasileiros até mesmo contra as fake news que afetam os povos. “É muito difícil a gente trazer essa inteligência artificial enquanto ainda estamos nos primeiros passos das comunidades tradicionais. Como falar sobre inteligência artificial, que consegue identificar nosso gosto de roupa, nosso gosto musical, mas não consegue identificar crimes de desmatamento dentro das comunidades indígenas?”, questiona o ativista. E acrescenta “Lutamos muito contra fake news que desconstroem o que somos de verdade e impõem uma inverdade de que queremos progresso e integração, como ouvimos nos últimos anos.”

No 5º eixo da conferência, que trata de Economia criativa diante de desafios como a informalidade, os produtores culturais reivindicam financiamento de projetos, profissionalização e acesso a mercados.

O representante da sociedade civil Anderson Barros pediu que os produtores culturais sejam capacitados a entenderem os editais públicos de financiamento de projetos, pois, segundo ele, a complexidade dos editais dificulta o amplo acesso e inscrição de projetos para recebimento de recursos.

“Sempre são as mesmas pessoas que sabem como conseguir deixar o projeto eficiente para os editais, porque não há uma política de formação. Temos que cobrar os governos nas esferas municipais, estaduais e federal para que os editais sejam mais participativos, que garantam acesso ao jovem, aos produtores iniciantes. É preciso formação para que todo mundo possa ter condições de ter experiência”.

Formalização

Para aumentar a formalização dos trabalhadores do setor, o secretário de Cultura da Central Única dos Trabalhadores (CUT) SP, Carlos Fábio (Índio), citou como avanço o projeto de lei que regulamenta a atividade de motoristas de aplicativos. Índio adiantou que a entidade sindical tem cobrado soluções do Ministério da Cultura e que a conferência nacional é um importante canal para discutir a questão. “O papel do trabalhador é central no universo da cultura. Vamos continuar tentando viabilizar a questão dentro das esferas necessárias para poder andar, como aconteceu com os trabalhadores de aplicativos, e vamos discutir as propostas nas convenções coletivas e acordos coletivos.”

A produtora cultural e diretora da Secretaria de Cultura de Salvador (BA) Maylla Pita defendeu pensamentos mais objetivos e metas mais abrangentes para o Plano Nacional de Cultura (PNC). “A lei nacional Aldir Blanc fortalece a política nacional do Cultura Viva e os pontos de cultura, em uma interlocução. E é importante que a gente pense em um plano de desenvolvimento da economia criativa que estabeleça arranjos institucionais, inclusivos e federativos, entre os entes. Isso é imperativo”.

Escritor Rafael Gallo é o entrevistado do Trilha de Letras

O programa Trilha de Letras que a TV Brasil exibe esta semana traz entrevista inédita com o premiado escritor paulistano Rafael Gallo. Com a estreia da nova grade da emissora pública nesta segunda-feira (4), a atração apresentada por Eliana Alves Cruz passa a ser exibida em novos dia e horário: todas as terças, às 21h30.

Durante a edição que vai ao ar nesta terça (5), Rafael Gallo fala sobre o seu romance mais recente, Dor Fantasma, escrito a partir de uma experiência pessoal e dolorosa, um episódio de depressão. Com a obra, Rafael foi agraciado em 2022 com o Prêmio Literário José Saramago, voltado a autores de Língua Portuguesa do mundo todo, e tornou-se o quarto brasileiro a vencer a premiação. 

Na conversa, o escritor conta sobre este e os demais reconhecimentos que já conquistou em sua ainda jovem carreira, graças a seus temas interessantes e sua prosa peculiar. São eles o Prêmio São Paulo de Literatura 2016, obtido com o livro Rebentar, e o Prêmio SESC de Literatura 2012, com Réveillon e outros dias, sua obra de estreia na literatura.

Rafael Gallo nasceu em São Paulo em 1981. Além dos livros lançados, o autor tem ainda textos incluídos em diversas antologias e outros veículos, seja no Brasil ou em outros países, como Estados Unidos, França, Moçambique, Cuba e Equador.

Sobre o programa

O Trilha de Letras busca debater os temas mais atuais discutidos pela sociedade por meio da literatura. A cada edição, o programa recebe um convidado diferente. A atração foi idealizada em 2016 pela jornalista Emília Ferraz, atual diretora do programa que entrou no ar em abril de 2017. Nesta temporada, os episódios foram gravados na BiblioMaison, biblioteca do Consulado da França no Rio de Janeiro

A TV Brasil já produziu três temporadas do programa e recebeu mais de 200 convidados nacionais e estrangeiros. As duas primeiras temporadas foram apresentadas pelo escritor Raphael Montes. A terceira, por Katy Navarro, jornalista da Empresa Brasil de Comunicação (EBC). A jornalista, escritora e roteirista Eliana Alves Cruz assume a quarta temporada, que também ganha uma versão na Rádio MEC.

A produção exibida pelo canal público às terças, às 21h30, tem horário alternativo aos sábados, às 19h30. O Trilha de Letras ainda vai ao ar nas madrugadas de terça para quarta, na telinha. Já na programação da Rádio MEC, o conteúdo é apresentado às quartas, às 23h.

Ao vivo e on demand

Acompanhe a programação da TV Brasil pelo canal aberto, pela TV por assinatura e também na parabólica. Sintonize: https://tvbrasil.ebc.com.br/comosintonizar.

Seus programas favoritos estão no TV Brasil Play, pelo site ou por aplicativo no smartphone. O app pode ser baixado gratuitamente e está disponível para Android e iOS. Assista também pela WebTV.

Estudo da Fiocruz indica que BCG é ineficaz quando aplicada em adultos

Estudo realizado por pesquisadores da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) reforça que a vacina BCG deve ser aplicada em crianças até 5 anos de idade, para prevenir a forma grave da tuberculose, mas é ineficaz quando aplicada em adultos contra a infecção inicial pelo vírus Mycobacterium tuberculosis, causador da doença.

Publicado nesta semanana, na revista britânica The Lancet – Infectious Diseases, o trabalho indica, também, a necessidade que sejam desenvolvidas novas vacinas em todo o mundo contra a doença.

O trabalho foi realizado apenas no Brasil, nas cidades de Campo Grande (MS), Manaus (AM) e Rio de Janeiro (RJ) pelos pesquisadores Julio Croda, Margareth Dalcolmo e Marcus Lacerda. O levantamento integra o ensaio clínico Brace, com BCG randomizado, em que os participantes foram escolhidos de forma aleatória, cujo objetivo principal era avaliar a eficácia da vacina em trabalhadores de saúde contra a covid-19. 

O estudo Brace foi financiado pela Fundação Bill e Melinda Gates e abrangeu cinco países: Brasil, Holanda, Espanha, Austrália e Reino Unido.

Proteção

À Agência Brasil, o pesquisador Julio Croda explicou que a preocupação foi avaliar a BCG se a revacinação com BCG iria proteger trabalhadores de saúde de infecções por tuberculose.

“O artigo prévio mostrava que, eventualmente, a revacinação com BCG poderia proteger para infecção por tuberculose e fomos testar essa hipótese”. A conclusão foi que a revacinação em adultos não é recomendada.

 BCG previne riscos imediatos e precisa ser dada ao nascer. Foto: Prefeitura de Manaus/Divulgação

“Mostramos que, no Brasil, revacinar com BCG não protege contra o Mycobacterium tuberculosis”, afirmou. Foram escolhidos dois grupos de profissionais de saúde, totalizando 2 mil pessoas, das quais mil foram revacinadas com BCG e mil não receberam a vacina. Testes sanguíneos foram feitos antes de a pessoa ser vacinada com BCG e depois de 12 meses, para ver quantos pacientes adquiriram essa infecção. Observou-se, então, que a chance de se infectarem, da ordem de 3%, foi igual nos dois grupos.

“Os que receberam a vacina tiveram a mesma chance de infecção dos que não foram vacinados”, informou Julio Croda. De acordo com Croda, no Brasil não existe recomendação de revacinação. O estudo comprova que a recomendação de não revacinar continua adequada, porque ela não garante uma proteção para quem tomou a vacina.

Áfica do Sul

Estudo semelhante está sendo feito na África do Sul para tentar revalidar trabalho inicial que indicava que, eventualmente, revacinar a população poderia garantir proteção.

“No Brasil não se chegou a essa conclusão”, disse Croda. Segundo ele, não existe recomendação para revacinação de adultos com BCG em nenhum país. São necessários mais estudos para avaliar o achado inicial que, se comprovado, poderá levar à criação de uma política pública diferenciada, com possibilidade de revacinação dos adultos.

O dado avaliado nas três cidades brasileiras mostra que não existe uma indicação específica para vacinar grupos de risco para aquisição de tuberculose, como são os trabalhadores de saúde. Por extensão, também não há orientação para revacinação da população adulta brasileira.

Vacinas

Para o pesquisador, o estudo deixa claro que o Brasil precisa de novas vacinas contra a tuberculose, porque a BCG, que é dada quando a criança nasce, só protege contra as formas graves até 5 anos.

Para as populações que estão sob risco da doença, ele defendeu mais investimentos para o desenvolvimento de novas vacinas. Essa é a meta da Organização Mundial da Saúde (OMS), que está financiando estudo na África, onde há muitos casos de tuberculose.

“É importante que a gente tenha outras vacinas em desenvolvimento, inclusive no Brasil, que possam ser aplicadas para grupos de risco e possam prevenir a doença propriamente dita, a tuberculose”. Não há ainda no mundo, uma vacina contra essa doença.

Fiocruz

A Fiocruz está em fase inicial de pesquisa sobre uma nova vacina contra a tuberculose. Ainda não foram feitos testes clínicos.

“Demonstramos que a vacina BCG é boa para crianças, para prevenir as formas graves. Mas ainda é preciso uma vacina mais eficaz para a doença ativa e, principalmente para grupos de risco, como profissionais de saúde, populações privadas de liberdade, indígenas, portadores de HIV/Aids. No Brasil, Croda disse que a tuberculose é a principal causa de óbito relacionada a doenças infecciosas, depois da covid-19.

A diretora da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm), Isabela Balladai, destacou que o estudo da Fiocruz valida tudo o que já se sabe.

“A BCG não protege contra tuberculose pulmonar. Ela protege de formas graves, como a meningite tuberculosa e a tuberculose miliar. Duas formas graves que aconteciam na infância, nos primeiros meses de vida do bebê. Por isso, a gente vacina precocemente a criança ao nascer. Desde que se passou a ter altas coberturas com a BCG, vê-se casos raros dessas duas formas graves em pessoas imunodeprimidas”, disse a especialista.

A médica recordou que o Ministério da Saúde chegou a recomendar reforço de imunização com BCG aos 10 anos, mas isso foi descartado em 2019. “O reforço foi retirado porque, além de causar um evento adverso local mais intenso, por ser uma segunda dose, também não protegia.

O estudo da Fiocruz valida que BCG é uma vacina para crianças até 5 anos de idade e que deve ser aplicada o mais precocemente possível após o nascimento. Idealmente ainda”, disse Isabela Balladai.