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MP-RJ prende quatro pessoas ligadas à milícia de Ronnie Lessa e Suel

O Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro (MP-RJ) prendeu, nesta sexta-feira (1º), ao menos quatro pessoas suspeitas de envolvimento com o comércio ilegal de armas e munição. Um dos alvos já estava detido. Eles são acusados de fazer parte da milícia de Ronnie Lessa e Maxwell Simões Corrêa, conhecido como Suel. Os dois estão envolvidos no caso Marielle Franco. 

Segundo o MPRJ, nas primeiras horas da operação foram presos Paulo Sérgio Ladi Pereira, Roberto Pinheiro Mota, Uellington Aleixo Vitória Coutinho e Welington De Oliveira Rodrigues, conhecido como Manguaça. Manguaça já estava preso na Cadeia Pública Isap Tiago Teles de Castro Domingues, em São Gonçalo, na região metropolitana.

Ele é apontado pela investigação como um dos gerentes da central de TV a cabo clandestina de Suel e Lessa, que não fazem parte desta denúncia.

Ao todo são cinco mandados de prisão e oito de busca e apreensão. As ordens judiciais foram expedidas pela 2ª Vara Criminal da Regional de Madureira. Os cinco alvos são acusados de integrar uma rede de tráfico de armas, inclusive de uso restrito, na região de Rocha Miranda, zona norte do Rio.

A operação conta com o apoio das Polícias Civil e Militar. Além de Rocha Miranda, as buscas foram feitas nos bairros de Honório Gurgel, Colégio (ambos na zona norte) e Catumbi, na região central do Rio.

A ação do Grupo de Atuação Especializada de Combate ao Crime Organizado (Gaeco/MPRJ), com o apoio da Coordenadoria de Segurança e Inteligência (CSI/MPRJ), é um desdobramento da Operação Jammer, realizada pelo MPRJ e pela Polícia Federal (PF) em agosto de 2023, contra a milícia liderada por Suel e Ronnie Lessa, voltada à exploração clandestina de atividades de telecomunicação, televisão e internet.

Caso Marielle

O assassinato da vereadora Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes completa seis anos no dia 14 de março. Com a entrada da Polícia Federal nas investigações, em 2023, houve alguns avanços, como a delação premiada do ex-policial militar Élcio Queiroz, que dirigia o carro Cobalt usado no crime. Em julho do ano passado, agentes da PF que participavam das investigações informaram que, na delação, Queiroz apontou Ronnie Lessa como o autor dos disparos.

No mês passado, o ex-PM Lessa foi condenado por contrabando de peças e acessórios de armas de fogo. Ele está preso.

O ex-bombeiro Maxwell Simões Correia também está preso. Entre as atuações dele no crime, estaria a responsabilidade de entregar o Cobalt usado por Lessa para um desmanche.

*Matéria corrigida às 18h06 para esclarecer que as prisões foram efetuadas pelo Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro

Exposição revela “filosofias de vida” na Amazônia, diz Ailton Krenak

“Na aldeia Ashaninka se pode observar tudo porque as casas não têm paredes. Deitados na rede, observávamos os movimentos das casas, mas me sentia acanhado em estar sendo observado também. Com o tempo fui me acostumando. A vida integrada com o ritmo da natureza é muito prazerosa”.

O relato é do premiado fotógrafo japonês Hiromi Nagakura que, na década de 1990, acompanhou o filósofo e ativista indígena Ailton Krenak em viagens pela Amazônia. Trinta anos depois, imagens que ele produziu no período estão reunidas no Centro Cultural do Banco do Brasil (CCBB), no centro do Rio de Janeiro. São fotos inéditas para o público brasileiro. A exposição, intitulada Hiromi Nagakura até a Amazônia com Ailton Krenak, abriu as portas nesta quarta-feira (28) e poderá ser visitada até 27 de maio, de quarta-feira a segunda-feira, entre 9h e 20h. A entrada é franca.

Fotógrafo japonês, Hiromi Nagakura, na exposição fotográfica “Hiromi Nagakura até a Amazônia com Ailton Krenak”- Tânia Rêgo/Agência Brasil

Ailton Krenak assina como curador. Em entrevista à Agência Brasil, ele diz que as fotos retratam “filosofias de vida” na Amazônia e apresentam “modos de estar no mundo”. Ele propõe uma reflexão sobre as casas sem paredes da aldeia Ashaninka, que tanto impressionaram Nagakura.

“Na metrópole, a pessoa precisa ser o tempo inteiro blindada. Ela busca se prevenir do risco de ser afetado por algum dano. Esse pensamento não existe para esse povo que não usa a parede. Por que interpor a parede? É o meu corpo e o mundo. Colocar uma parede seria declarar que eu estou fora do mundo. E nós estamos enfiados no mundo. É muito comum os indígenas dizerem que os brancos vivem em caixas. Vivem se encaixando porque não conseguem ficar soltos no mundo, têm medo. É uma filosofia de vida não ter parede. Não é apenas uma escolha de como morar. É uma escolha anterior, de como se encaixar no mundo”, avalia.

Nascido em 1953 em Minas Gerais, no vale do Rio Doce, Ailton Krenak carrega uma trajetória de ativismo no movimento socioambiental, com atuação destacada durante as discussões que resultaram na inclusão de direitos para os povos indígenas na Constituição de 1988. É autor de livros como Ideias para adiar o fim do mundo (2019), A vida não é útil (2020) e Futuro ancestral (2022), entre outros. No ano passado, se tornou o primeiro indígena eleito para ocupar uma cadeira na Academia Brasileira de Letras (ABL).

Foi Nakamura a primeira pessoa a lhe atribuir o título de “filósofo da floresta”. Por sua vez, Ailton Krenak o compara com o renomado fotógrafo brasileiro Sebastião Salgado. “Não encontro melhor semelhança para indicar a importância do seu trabalho além desta comparação simplista entre duas personalidades engajadas, sempre surfando na crista do perigo e antenadas com as questões mais vibrantes do planeta: seres humanos e natureza”, escreveu ele no texto de abertura da exposição.

Ao todo, ambos fizeram juntos cinco viagens pelo território amazônico, entre 1993 e 1998. Algumas delas com duração de cerca de três meses, ao longo das quais a amizade foi se aprofundando. Krenak avalia que o encontro entre os dois foi um presente que a vida lhes deu. No Japão, a imersão de Nagakura pela Floresta Amazônica resultou em livros, exposições e documentários exibidos na NHK, a emissora de televisão pública do país asiático.

Fotógrafo, Hiromi Nagakura e o filósofo indígena, Ailton Krenak, se emocionam em frente a uma foto dos dois, da década de 90. Exposição fotográfica “Hiromi Nagakura até a Amazônia com Ailton Krenak” – Tânia Rêgo/Agência Brasil

As fotos apresentadas pela primeira vez ao público brasileiro mostram uma diversidade de povos: yanomami, xavante, krikati, gavião, yawanawá, huni kuin e ashaninka. Desde outubro do ano passado até o início desse mês, a exposição estava em São Paulo, no Instituto Tomie Ohtake. No entanto, ela chega ao Rio de Janeiro ampliada: foram incorporadas dezenas de novas imagens, totalizando 160.

“Eu já tinha uma agenda de viagens para atividades que vinha realizando desde a década de 1980, quando eu descobri que podia integrar, junto com Chico Mendes, o movimento de defesa dos direitos dos povos da floresta. Eu estive no Acre e participei da mobilização junto a indígenas, seringueiros, ribeirinhos. Criamos a Aliança dos Povos da Floresta no final da década de 1980. Quando virou a década de 1990, eu estava coordenando atividades em aldeias em diversos territórios. Envolviam pesquisas sobre a diversidade cultural e biológica. Tínhamos criado uma iniciativa que incidia sobre territórios de mais de 40 povos”, conta Krenak.

Ele conta que Nagakura o procurou interessado em acompanhar algumas jornadas e passou a integrar sua equipe, que contava com outros profissionais como biólogo, engenheiro florestal, agrônomo e botânico. “Eram lugares onde eu já estava trabalhando há 10 ou 15 anos, onde eu tinha amigos que receberiam um fotógrafo sem estranhamento. Ele tinha momentos em que saía só para fazer fotos. Ficou hospedado em casas de pessoas convivendo com as crianças. E assim foi possível fazer todas essas imagens de crianças sorrindo, demonstrando uma intimidade. Não é qualquer fotógrafo que chega numa comunidade e acessa essa convivência com as pessoas de uma maneira tão descontraída”, acrescenta.

Imersão amazônica

Hiromi Nagakura realizou muitas viagens ao redor do mundo em sua carreira profissional. Fotografou, por exemplo, conflitos no Afeganistão e a luta contra o apartheid na África do Sul. Ele explica como surgiu seu interesse em realizar uma imersão pela Amazônia.

“Eu já tinha reportado muitas guerras e conflitos. E então eu vi no noticiário que povos originários da Amazônia estavam lutando pelo seu direito à terra, o que me chamou a atenção. O primeiro povo que eu visitei foram os krikatis. Na terra deles, passavam torres de energia. Eles ameaçavam atear fogo nas torres caso o processo de demarcação não avançasse”, lembra.

De acordo com o fotógrafo, Ailton Krenak foi a conexão para que ele pudesse compreender a cultura dos indígenas. “É o olhar de uma pessoa que convivia com os indígenas das diversas aldeias. Eu não queria fotografar como se estivesse retratando uma cultura exótica. Queria retratar o ser humano”. A experiência também afetou sua visão de mundo. Nagakura diz que aprendeu a adotar um ritmo diferente para a sua vida, mais lento em comparação com a dinâmica acelerada do cotidiano no Japão. Ele também aprendeu a ver mais beleza em coisas simples.

“Fiz uma foto de uma yanomami com um bebê no colo. Ela contemplava uma montanha. Foi um dia em que todos saíram para fora de repente. Eu me assustei e fui junto. Havia um macaco subindo a montanha. Estranhei a mobilização, pois se vê muitos macacos na Amazônia. Mas era algo diferente. O macaco estava escalando pedras. E essa novidade chamou a atenção dos indígenas. Havia uma beleza nisso. E eu captei um instante de felicidade dessa mulher”. Passadas mais de duas décadas da sua última viagem à Amazônia, ele espera voltar em breve. “As crianças que eu fotografei devem estar adultas. Quero me encontrar com elas. Quero ver como eles estão preservando suas culturas, suas danças e suas festas”, afirma.

Exposição fotográfica “Hiromi Nagakura até a Amazônia com Ailton Krenak” . Tânia Rêgo/Agência Brasil

Nagakura e Krenak estiveram juntos na Terra Yanomami após uma ofensiva das forças do Estado, que levou a um declínio do garimpo ilegal. Em 1992, quando o território indígena foi finalmente demarcado, o governo mobilizou a Polícia Federal e o Exército para coibir a atuação de grupos clandestinos, que haviam crescido nas décadas anteriores na esteira das políticas de ocupação da Amazônia impulsionadas pelo regime militar. Cerca de 40 mil pessoas foram expulsas do território. Havia na época uma expectativa de que fosse dado um ponto final ao problema.

“Nas viagens, busquei compreender melhor as culturas dos povos indígenas e assim transmitir esse conhecimento por meio das fotografias. Essas fotos tentam mostrar como é o povo yanomami em sua essência. É triste ver que as condições pioraram”, diz Nagakura.

As imagens que integram a exposição são muito diferentes daquelas que ganharam o noticiário nacional no início do último ano, mostrando o resultado da tragédia humanitária desencadeado pelo garimpo ilegal, que voltou a avançar com força na região na última década. A crise se traduziu em fome, em contaminação e em um alarmante aumento de diferentes doenças, sobretudo a malária. Na década de 1990, porém, as câmeras de Nagakura retrataram sorrisos, brincadeiras, manifestações culturais, atividades cotidianas em um território de beleza exuberante.

“A mídia se interessa por guerras, tragédias ambientais, tragédias imprevisíveis. Se nunca tivesse acontecido uma desgraça com os yanomami, o Brasil nunca ia ficar sabendo deles porque nós habitamos um mundo que adora consumir desgraça. Essa exposição é linda. Se ela fosse uma exposição desgraçada, ela ia ter a maior repercussão. Mas ela é linda, então ela vai ter uma média repercussão”, lamenta Krenak.

Exposição fotográfica Hiromi Nagakura até a Amazônia com Ailton Krenak – juca.varella

Crise de pensamento

Uma das fotos que mobilizam o olhar de Ailton Krenak retrata jovens indígenas krikati se deslocando de barco na lagoa da hidrelétrica de Tucuruí (PA). Ele considera a imagem linda, mas chama atenção para árvores secas emergindo da água: era uma área de floresta alagada para a construção da usina. Krenak faz menção ao trabalho do artista plástico polonês radicado no Brasil, Frans Krajcberg. Falecido em 2017, ele denunciava a destruição da natureza em suas obras de arte produzidas a partir de elementos naturais. “Ele recolheu materiais e fez uma escultura com árvores mortas tiradas de dentro desses lagos artificiais de usinas hidrelétricas”, conta o filósofo indígena.

Em sua visão, é preciso desmistificar a Amazônia. “As pessoas ficam fascinados com essa mitologia que coloca a Amazônia como um fantástico mundo verde desconhecido, mas não imaginam, por exemplo, que você não pode beber água ao redor de Manaus. Ela está toda contaminada por resíduos urbanos. Falta saneamento e também temos a poluição das embarcações, que jogam óleo para todo lado. Tem o garimpo. Não é exatamente clorofila que você vai experimentar em todo lugar que você andar pela Amazônia. Tem lugar que você vai encontrar mercúrio, diesel e veneno”.

Para Krenak, não é mais possível acreditar que o capitalismo possa se desenvolver de maneira sustentável. Ele observa que as aldeias também se desenvolvem, mas em equilíbrio com a natureza.

“Exploram tecnologias brandas, que não são capazes de alterar a paisagem como uma típica tecnologia dura. São capazes de conviver com um rio e, 100 anos depois, aquele rio ainda ter água pura para você beber”.

O filósofo também lamenta o desinteresse das pessoas sobre o conhecimento indígena, embora destaque que os nativos resistem e continuam a insistir em transmitir seus saberes. “Veja que curioso: agora que as últimas ilusões sobre o ocidente foram para o brejo, estão dizendo que o modo indígena de conhecer o mundo pode salvar a humanidade da crise climática e da tragédia global. Nós estamos vivendo em um mundo afetado por várias crises. Mas a principal crise é de pensamento: os humanos pararam de pensar”, avalia.

Austrália: calor e ameaças de incêndio levam milhares a deixar casas

Dezenas de milhares de residentes no Sudeste da Austrália foram orientados a deixar suas casas nesta quarta-feira (horário local) devido a uma intensa onda de calor que, segundo as autoridades, poderia espalhar mais um incêndio florestal de grandes proporções no estado de Victoria, que enfrenta as piores condições em quatro anos.

Foram emitidas classificações extremas de incêndio para grande parte de Victoria, sendo que a região de Wimmera, no Oeste, recebeu classificação de catástrofe, nível máximo de alerta. Mildura, cidade rural com cerca de 56 mil habitantes, pode atingir 45º Celsius, informou o Bureau of Meteorology.

Uma possível zona de impacto de incêndios que abrange várias cidades rurais foi identificada, e autoridades pediram a cerca de 30 mil moradores que deixassem suas casas até a manhã de quarta-feira.

“Hoje será um dia muito desafiador para os bombeiros”, disse Jason Heffernan, chefe do Corpo de Bombeiros de Victoria, à rede de televisão ABC.

“É um daqueles dias em que as comunidades podem precisar tomar medidas imediatas em prazo muito curto.”

Centenas de bombeiros ainda lutam contra um incêndio de grandes proporções perto da cidade de Ballarat, 95 quilômetros a oeste de Melbourne. O incêndio que começou na última quinta-feira (22), já destruiu seis casas, matou animais e queimou mais de 20mil hectares.

A expectativa é de chegada de onda de calor no interior do outback da Austrália, passando por Victoria, antes de se deslocar para o Leste, para o estado de New South Wales nesta quinta-feira.

Heffernan pediu que as pessoas reconsiderassem qualquer decisão de ficar em casa para proteger seus lares.

“A menos que sua propriedade esteja imaculadamente preparada e que você tenha recursos de combate a incêndios disponíveis e esteja em forma e mentalmente capaz de sustentar um combate a incêndio de longa duração., meu conselho veemente à comunidade é que saia antes”, disse Heffernan.

*É proibida a reprodução deste conteúdo.

 

Partidos terão de destinar tempo e recursos para candidatos indígenas

O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) decidiu nesta terça-feira (27) reconhecer que os partidos devem destinar recursos e tempo de propaganda no rádio e na televisão para candidaturas de indígenas nas eleições.

Por unanimidade, os ministros decidiram que as candidaturas de indígenas devem receber recursos proporcionais conforme o número de candidatos que forem concorrer às eleições. Os recursos serão oriundos dos fundos partidários e de campanha, além de tempo na propaganda no horário eleitoral gratuito.

Apesar de reconhecer o direito ao acesso às cotas, o TSE não definiu se as mudanças serão aplicadas nas eleições de outubro. O tribunal ainda vai avaliar o impacto da medida para verificar se a aplicação será válida para o pleito municipal deste ano ou somente para as eleições de 2026.

A decisão do tribunal foi motivada por uma consulta formulada pela deputada federal Célia Xakriabá (PSOL-MG).

De acordo com o TSE, foram registradas 2.100 candidaturas de indígenas nas eleições municipais de 2020. Em 2022, foram 172 candidaturas.

 

Equador registra redução de 41% nas mortes violentas, governo promete que os militares continuarão vigiando as prisões

28 de fevereiro de 2024

 

O Equador conseguiu reduzir o número de mortes violentas em 41% desde o início do estado de emergência, em 9 de janeiro, medida que foi prorrogada por mais um mês.

O governo de Daniel Noboa declarou gangues criminosas como grupos terroristas no mês passado, após a última onda de violência, quando dezenas de guardas foram feitos reféns e fugitivos armados invadiram uma emissora de televisão durante uma transmissão ao vivo.

Os números oficiais indicam que ocorreram 138 assassinatos entre 10 e 24 de janeiro, com uma média de nove mortes por dia. No mesmo período de 2023, foram notificados 234 assassinatos.

Segundo as autoridades, os maiores números foram registados no início de 2024, com registos nos primeiros nove dias de 28,2 homicídios a cada 24 horas. O número caiu para 15 nas duas semanas seguintes, com uma média de nove mortes violentas por dia, uma redução de 67,8%.

Os números surgem no meio do apoio que as Forças Armadas (FFAA) e a Polícia Nacional estão a dar para recuperar o controle tanto nas ruas como nas prisões do país. Cerca de 9.000 soldados realizam operações permanentes nas prisões e mantêm-nas sob controle.

“Dada a preocupação dos cidadãos de que as Forças Armadas se retirem do controle dos centros de privação de liberdade, quero reafirmar o compromisso institucional de que permaneceremos no controle desses centros até que seja necessário”, disse o chefe do Comando Conjunto das Forças Armadas, Jaime Vela.

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Sem Censura reestreia e fica entre assuntos mais comentados nas redes

O Sem Censura, programa histórico da televisão brasileira, voltou à grade da TV Brasil nessa segunda-feira (26). A apresentadora Cissa Guimarães recebeu convidados especiais na icônica bancada, em cenário repaginado. E o papo descontraído rendeu nas redes sociais – o programa ficou em primeiro lugar entre os assuntos mais comentados no X (o antigo Twitter).

Participaram da edição a atriz e bailarina Cláudia Raia; o ator, roteirista e diretor teatral Miguel Falabella e a jornalista e apresentadora Luciana Barreto, nova âncora e editora-chefe do Repórter Brasil Tarde, da TV Brasil. O programa contou ainda com a participação do cantor Xande de Pilares. Completou o time o jornalista e influenciador digital Murilo Ribeiro, o Muka, que é um dos debatedores do programa. O tema da edição foi recomeços.  

“Hoje eu me senti parindo uma criança, realmente. Não só eu, eu pari junto com uma equipe esse projeto novo e foi lindo. A sensação que eu tive mais forte foi de alegria e bem-estar. As pessoas estavam curtindo estar ali e a conversa fluiu generosamente entre nós todos”, contou Cissa após a estreia.  

Cláudia contou como descobriu a gravidez do último filho Luca, aos 55 anos, e os detalhes do parto. Ela também falou sobre o seu novo musical sobre a vida e a obra de Tarsila do Amaral.  

Xande de Pilares falou da emoção de gravar um álbum cantando Caetano Veloso e de como aprendeu a tocar com um tio. Miguel Falabella lembrou grandes sucessos na TV e compartilhou como amparou a amiga Cissa Guimarães na ocasião da morte do filho dela, Rafael Mascarenhas, em 2010, após um atropelamento no Rio de Janeiro.  

Luciana Barreto, que acabou de retornar à TV Brasil, destacou a alegria de fazer parte da emissora pública e comentou sua pesquisa sobre racismo.  

“Eu me diverti, foram momentos de emoção. Teve choro, alegria, boas gargalhadas. É isso que a gente quer levar para o público”, disse a apresentadora.  

Sucesso nas redes

O Sem Censura foi o assunto mais comentado do X (antigo Twitter) na tarde dessa segunda-feira. Os termos “Cissa Guimarães” e “TV Brasil” também ficaram entre os dez temas mais falados na rede.

SAG Awards 2024: veja vencedores da 30.ª edição da premiação

25 de fevereiro de 2024

 

A 30.ª edição do Prêmio Anual do Screen Actors Guild (SAG Awards), um dos maiores “termômetros” para o Oscar, ocorreu na noite deste sábado (24) em Los Angeles, nos Estados Unidos. Atores e produções do cinema e da televisão foram premiados em 13 categorias.

Oppenheimer dominou a noite de premiação ganhando o prêmio de melhor elenco, melhor ator principal para Cillian Murphy e melhor ator coadjuvante para Robert Downey Jr. O drama sobre J. Robert Oppenheimer e o desenvolvimento da bomba atômica foi um inesperado sucesso de bilheteria no verão passado e é considerado um dos principais candidatos ao Oscar do próximo mês.

Cinema
Melhor elenco de filmeOppenheimer
American Fiction
Barbie
A Cor Púrpura
Assassinos da Lua das FloresMelhor ator em filmeCillian Murphy por Oppenheimer
Bradley Cooper por Maestro
Colman Domingo por Rustin
Paul Giamatti por Os Rejeitados
Jeffrey Wright por American FictionMelhor atriz em filmeLily Gladstone por Assassinos da Lua das Flores
Annete Bening por Nyad
Carey Mulligan por Maestro
Margot Robbie por Barbie
Emma Stone por Pobres CriaturasMelhor ator coadjuvante em filmeRobert Downey Jr. por Oppenheimer
Sterling K. Brown por American Fiction
Willem Dafoe por Pobres Criaturas
Robert de Niro por Assassinos da Lua das Flores
Ryan Gosling por BarbieMelhor atriz coadjuvante em filmeDa’Vine Joy Randolph por Os Rejeitados
Emily Blunt por Oppenheimer
Danielle Brooks por A Cor Púrpura
Penélope Cruz por Ferrari
Jodie Foster por NyadTelevisão

Melhor elenco em série dramática

Succession
The Crown
The Gilded Age
The Last of Us
The Morning ShowMelhor ator em série dramáticaPedro Pascal por The Last of Us
Brian Cox por Succession
Billy Crudup por The Morning Show
Kieran Culkin por Succession
Matthew Macfadyen por SuccessionMelhor atriz em série dramáticaElizabeth Debicki por The Crown
Jennifer Aniston por The Morning Show
Bella Ramsey por The Last of Us
Keri Russell por A Diplomata
Sarah Snook por SuccessionMelhor elenco em série de comédiaO Urso
Abbott Elementary
Barry
Only Murders in the Building
Ted LassoMelhor ator em série de comédiaJeremy Allen White por O Urso
Brett Goldstein por Ted Lasso
Bill Hader por Barry
Ebon Moss-Bachrach por O Urso
Jason Sudeikis por Ted LassoMelhor atriz em série de comédiaAyo Edebiri por O Urso
Alex Borstein por The Marvelous Mrs. Maisel
Rachel Brosnahan por The Marvelous Mrs. Maisel
Quinta Brunson por Abbott Elementary
Hannah Waddingham por Ted LassoMelhor ator em minissérie ou filme para a TVSteven Yeun por Treta
Matt Bomer por Fellow Travelers
Jon Hamm por Fargo
David Oyelowo por Lawmen: Bass Reeves
Tony Shalhoub por Mr. Monk’s Last Case: A Monk MovieMelhor atriz em minissérie ou filme para a TVAli Wong por Treta
Uzo Aduba por Painkiller
Kathryn Hahn por Tiny Beautiful Things
Brie Larson por Lessons in Chemistry
Bel Powley por A Small LightGaleria

Cillian Murphy por Oppenheimer

Lily Gladstone por Assassinos da Lua das Flores

Robert Downey Jr. por Oppenheimer

Da’Vine Joy Randolph por The Holdovers

Pedro Pascal por The Last of Us

Elizabeth Debicki por The Crown

Jeremy Allen White por The Bear

Ayo Edebiri por The Bear

Steven Yeun por Beef

Ali Wong por Beef

 
 

Exposição de Jeff Alan reforça representatividade do povo preto

A comunidade Barro, zona oeste de Recife, Pernambuco, é o berço de tudo. Ali, Jefferson Alan Mendes Ferreira da Silva nasceu, cresceu e, como promete, vai ficar para sempre. Lá também, aos quatro anos, já fazia os primeiros desenhos. Pouco tempo depois, a inspiração deixou de ser os desenhos vistos na televisão que reproduziam, por exemplo, o Pokémon, passando a ser os amigos, pessoas das quebradas e das comunidades retratados nas suas telas.

Assim surgiu o artista plástico Jeff Alan, autor das 40 obras que compõem a mostra Comigo Ninguém Pode – A Pintura de Jeff Alan, no Centro Cultural da Caixa, no Passeio, região central do Rio de Janeiro, com entrada gratuita. Aberta de terça a sábado, das 10h às 20h, e aos domingos e feriados, das 11h às 18h. A exposição conta com legendas em braile e QR code com a audiodescrição das peças.

Antes de chegar ao Rio, a mostra esteve por pouco mais de dois meses no Centro Cultural da Caixa, no Recife, onde foi vista por 85 mil pessoas. A primeira apresentação dos trabalhos foi na Casa Estação da Luz, em Olinda, centro cultural do cantor e compositor Alceu Valença.

A mãe, a manicure Lucilene, de 53 anos, foi a grande incentivadora e ainda hoje Jeff pede opiniões dela quando está criando uma obra. “Minha mãe sempre foi uma inspiração para mim, não só artística, mas de ser humano mesmo”, revela. No início os trabalhos eram em preto e branco. Não era apenas uma tendência. Jeff não sabia, mas era daltônico.

A descoberta foi aos 20 e poucos anos, quando, segundo ele, “pagou alguns micos”. Na faculdade tinha feito um quadro com fundo rosa, que descreveu como vermelho. Os colegas apontaram que estava trocando as cores. Fez alguns testes e comprovou que tinha daltonismo.

Trabalhos de Jeff Alan podem ser vistos no Centro Cultural da Caixa  – Foto Cristina Indio do Brasil

Embora tenha começado com o preto e branco, já estava trabalhando com cores antes de saber que era daltônico. Jeff conta que costuma confundir o azul com verde, o verde com marrom ou cinza, laranja claro e rosa com vermelho. As trocas dependem das cores próximas. Nada disso é problema para o pintor. “A descoberta foi pagando alguns micos e algumas cores eu já tinha decorado. Tenho a minha paleta de trabalho reduzida, então, para mim foi tranquilo”, destaca.

As cores dos fundos das obras determinam a mensagem que o artista quer passar. O azul é o sonho, o vermelho a coragem e o amarelo o ouro, a conquista de um lugar. O nome da exposição que tem entrada grátis é uma referência também à planta Comigo ninguém pode, que o artista via em muitas ruas do Barro.

Em entrevista para a Agência Brasil, Jeff Alan comentou as características do seu trabalho, a vontade de destacar pessoas da periferia e reforçar o viver do povo preto.

“Eu quero elevar a auto estima do meu povo, quero ver a juventude vivendo os seus sonhos. Esse trabalho vem aqui para denunciar, reafirmar, reivindicar e para dizer que este espaço aqui é nosso. A gente não quer só ocupar, a gente quer estar. Muita gente fala em ocupar. Ocupar para mim é uma coisa temporária. A gente quer fazer parte do corpo. A gente quer gerir. A gente também quer ditar as regras do jogo”.

Origem

“A exposição Comigo Ninguém Pode surgiu no bairro do Barro, zona oeste do Recife, periferia na esquina do Bar do Beco, do meu tio Albérico Mendes da Silva, que faleceu há dois anos. O título é uma forma de trazer o meu tio, uma homenagem e também uma reafirmação dos fazeres do povo preto. Saber que com a gente ninguém pode. A exposição fala sobre coragem, muita luta, sobre sonhos, sobre o caminho da escola, sobre o caminho vermelho, esse desejo de descobrir o caminho azul. Costumo dizer que o vermelho é a cor de coragem e o azul de sonhos”, enfatiza o artista.

Comigo Ninguém Pode

“Em todas as ruas do meu bairro vai ter uma casa que tem [a planta] comigo ninguém pode e lá em Olinda fizemos instalações com a planta natural, buscamos soluções que a gente encontra na periferia. Usar um balde de tinta, uma lata de manteiga para trazer o que de fato a gente encontra. Eu tenho um autorretrato, acho que de 2020, que tem uma Comigo Ninguém Pode ao meu lado e também tenho uma foto minha aos seis anos que tem uma Comigo Ninguém Pode atrás. Eu não lembrava e encontrei a foto depois que fiz a pintura”, recorda.

Desde cedo

Jeff Alan prossegue: “eu pinto desde criança. Lembro que na escola, quando tinha trabalho em grupo, pediam para fazer a capa. Eu costumava fazer a capa. Eu gostava muito de estudar até a oitava série, mas o que era chato no ensino fundamental e ensino médio é que você é obrigado a estudar aquilo. Já na faculdade é outra coisa. Estuda uma parada que você escolheu e eu gostava muito de matemática. O meu sobrinho Guilherme, de seis anos, faz o mesmo.

Trajetória

O pintor lembra que decalcava, usava muito papel carbono e foi crescendo fazendo muito desenho que assistia na TV. “Cavaleiros do zodíaco, Dragon Ball Z, Pokémon. Folheando minhas pastas antigas de 20 anos atrás encontrei retratos de pessoas que não sabia quem era. Acho que foram estudos que contribuíram para chegar a este resultado. Em 2008, comecei a pichar, depois grafitar e a fazer intervenções urbanas. Comecei a conhecer os movimentos de arte urbana e de 2008 até 2014 consegui desenvolver o meu estilo que era abstrato. Uns traços orgânicos e fiquei conhecido por este trabalho que me criou uma zona de conforto. De 2014 para cá já estava na faculdade de Arquitetura e passei a ter muita relação com escritório de arquitetura de design de interiores. Esse meu trabalho abstrato é muito comercial. Eu sentia que este trabalho não ia me levar ao museu, a uma galeria, a uma exposição como essa”, diz.

Pandemia

Ele conta, a seguir, que quando a pandemia de covid-19 chegou ao Brasil, “eu tive que desacelerar e passei a olhar mais para dentro. Passei a me envolver mais com a minha família, me conectei mais com meus ancestrais. Aí eu fiz O que vai ser de mim? Em um quarto minúsculo, eu fico muito só no quarto quando não estou pintando, nasceu a série Olhar para Dentro. A primeira obra foi um jovem com uma garrafa de cola na mão. Essa obra nasceu a partir de um retrato que eu tinha no meu celular. Lembro de outra obra que foi de um retrato de uma avó com a netinha na comunidade Nossa Senhora do Pilar, no Recife antigo. Aquela foto eu fiz para o meu trabalho de conclusão de curso e fui fotografar cena e tem aquele caminhar da avó com a netinha. A foto – acho que foi em 2016 e em 2020 – eu fiz essa obra. Uma obra que eu fiz, eu estava em uma janela de ônibus e vi um rapaz com um fardamento azul e ele estava folheando alguma coisa. Lembro bem desse dia. Foi no bairro de Afogados, defronte à igreja do Largo da Paz. O ônibus parou exatamente naquele local. Lembro também de um poema de Miró da Muribeca [poeta urbano do Recife que morreu em 2022] que diz que a janela de ônibus é danada para botar a gente para pensar, principalmente quando a viagem é longa. É muito inspirador. Naquele momento fiz uma foto rápida. Não pude conversar com ele porque estava dentro do ônibus, mas o que me chamou atenção foi o fato dele estar com fardamento [que remetia ao pai] e estava folheando uma coisa e que provavelmente se estivesse em ambiente de trabalho seria chamado atenção e poderia perder o emprego por estar lendo, estudando, buscando um conhecimento. Aquele momento foi muito marcante para mim. Gostaria que aquela obra estivesse aqui, mas está muito longe [não revelou onde está] porque foi vendida. É uma obra muito importante. Um desenho em aquarela com lápis de cor sobre o papel”, acrescenta.

Histórias

O artista se diz “um contador de histórias. Não faria sentido algum eu chegar aqui, te receber e dizer que essa aqui é Ivana [Pires]. É uma pintura tinta acrílica sobre tela. Quem é Ivana? Ivana é uma jovem de Salvador. Modelo que está rodando o mundo com seu rosto estampado nas principais revistas de moda. Fazendo um grande trabalho, realizando seu sonho. O que foi que emocionou Ivana? Foi ver a foto dela na capa do catálogo. Ela publicou isso e disse para mãe que era capa de um livro, que é um catálogo de uma exposição. Acho que essa reação da Ivana após esse trabalho ser concluído é porque ela entende que o trabalho foi feito por um artista preto, que tem vivências parecidas com as dela. Um artista preto que vai dialogar com tantas outras meninas que querem estar nesses lugares que Ivana está alcançando.”

Conhecer personagens

Sobre os seus trabalhos, ele diz: “muitas obras que estão aqui são de pessoas que eu conheci e me conectei, como estou me conectando com você [repórter] e tive uma troca. Facilita o meu trabalho. Aqui também tem obras de pessoas que eu não conheço, referências de filmes, de alguma coisa que vi em uma rede social, de uma pessoa que cruzou o meu caminho de forma virtual, aí vou misturando. Mas muitas obras também são autorretratos. Ao passar o tempo está cada vez mais difícil pintar pessoas que eu não conheço, por isso não aceito encomenda, porque não conseguiria apresentar uma obra sem conhecer a história daquela pessoa. Ao longo da exposição há obras que consigo me debruçar e passar horas e horas apresentando aquele trabalho, porque eu conheço aquela pessoa que está viva e em processo de mudanças. Muitas obras estão em andamento, mas o que define que uma obra está concluída e se são pessoas reais? Hoje sou uma pessoa e amanhã posso ser outra. Registrei o momento”.

Recomeço

Jeff Alan explica que, “ao longo da exposição, a gente vai ver que aparece um céu estrelado, diferente da maioria das obras, aquele desejo de poder contemplar o céu em paz, de ver as estrelas. Acho que, quando a gente olha, o céu reacende a vontade de sonhar, quando falo muito de céu eu lembro de muitas memórias da minha infância quando eu deitava no chão e ficava olhando o céu, as nuvens e ficava brincando com aquilo e desenhando. Acredito que esse sonho azul é o céu de sonhos, é o céu do recomeço. Tem uma obra minha que se chama Recomeçar, que não está aqui, mas estava no Recife, ela fala sobre um jovem que está no Casem, que é a casa de semiliberdade da Funase [Fundação de Atendimento Socioeducativo do Recife], que eu conheci durante uma atividade eu fui fazer lá. Esse jovem se encontra em dois lugares. No Casem e no museu. E aí nas visitas mediadas acontecem muitas provocações e lá [alguém] perguntava. ‘Quem foi conhecer a história desse jovem no Casem?’. Ninguém, mas vocês estão vindo aqui ao museu. Será que é preciso colocar uma obra dentro de um museu para que vocês conheçam esses jovens? Para que entendam que esses jovens existem, têm sonhos e queriam estar agora aqui conosco? Então, esse azul dessa obra é de recomeço”.

Novidade

O artista explica que “a obra de Caíque é a grande novidade dessa exposição no Centro Cultural da Caixa, no Rio. O retrato tem escrito coragem atrás com uma parede vermelha manchada. Esse vermelho que eu falei ser de coragem muitas vezes é um caminho de sangue. É o caminho que a gente atravessa, seja no caminho para a escola, para o trabalho e até para o lazer. Como é atravessar esse caminho sangrento e não perder a vontade de sonhar e viver de seus sonhos? É muito desafiador a vida do jovem, não só do jovem, mas do povo periférico, do povo preto. Então, vejo o Caíque atravessando esse caminho vermelho em busca do sonho dele de ser jogador de futebol, que é o que ele quer agora. Ele já joga, mas que ele seja o que quiser e tenha liberdade de sonhar e ver os seus sonhos, como a gente está vendo aqui em outra obra onde está escrito em uma bolsa Sonhos Vivos e aparece com o fardamento [uniforme] azul da rede pública do Recife. O que eu quero dizer com isso? Que o caminho da escola para mim foi de sonhos, de descobertas. Foi no caminho da escola que comecei a pichar, fazer grafites, foi onde comecei a me entender enquanto artista e qual o lugar quero ocupar dentro da cidade”.

Invisibilidade

O pintor pernambucano pergunta: “quem se preocupa com os sonhos da população de rua? Muitas das obras falam da vontade de sonhar, de viver os seus sonhos e em paz, não mais um caminho vermelho de sangue, mas de amor. Na infância me ensinaram que vermelho era amor. Eu cresci e fui vendo que vermelho é a cor que interrompe muitos sonhos da nossa juventude. Que vermelho é a cor dos nossos corpos estirados no chão. É uma mancha na parede na casa de Douglas, de Caíque, da minha casa e de tantas outras que vivem nesse caos. A gente não quer mais falar nesse vermelho amor. Espero que, no próximo encontro, a gente possa falar sobre conquistas, afeto. Aqui as obras não aparecem sorrindo. É todo mundo muito atento, meio que penetra. Acho que isso vem muito do estranhamento de visitar ambientes de cultura e não me ver representado ao longo de todos esses anos. Hoje a coisa já está mudando. Pronto, aqui mesmo no Rio a gente tem o MAR [Museu de Arte do Rio], acredito que é um museu que tem a cara do povo. Esse diálogo que trago aqui nesta exposição já acontece no MAR e em outros equipamentos de cultura do Brasil todo. Demorou muito para que a gente tivesse este espaço, mas a gente vai escrever uma outra história que não vai desrespeitar o que nossos ancestrais fizeram”.

Reflexo da vida

“Tudo que acontece nesta exposição, acontece nas ruas, então, não fará sentido algum se as pessoas que vierem aqui continuarem ignorando as pessoas nas calçadas, no caminho da escola. Essas pessoas existem. São pessoas que têm sonhos e vontade de viver. Estou muito feliz de estar aqui e otimista com as relações que a gente vai construir ao longo dessa exposição. O espaço está aberto para receber, principalmente, gente de quebrada, de favela, maloqueiro e que essas obras sejam vistas como espelho. Não fará sentido algum essa exposição aqui para um público branco contemplar. Não que seja um problema, mas antes de tudo é importante que as pessoas se vejam e se identifiquem nestas obras. Que sejam espelhos” observa.

Público

Pensando na capital pernambucana, Jeff diz que “lá no Recife ganhei mais de cinco mil seguidores. Tem um depoimento de uma senhora de 56 anos. Ela falou: ‘Essa é a primeira vez que venho a um museu. Sempre achei que era lugar de patrão’. Ela é trabalhadora doméstica e escutava muita história dos patrões indo viajar. Ela ganhou um convite. A gente buscou esse público que nunca tinha ido a um museu, porque, do contrário, fica sempre dentro da mesma bolha. A gente chamou pessoas que estavam atravessando a rua, comerciantes, pessoas em situação de rua. Pessoas que são a cara da exposição. Isso eleva muito a auto estima. Depois que foi lá, foi de novo e passou a entender que arte também é para ela”.

Caminhos

Ele enfatiza que há “caminhos vermelho, azul e amarelo. Tem composição com amarelo. O que é esse amarelo? Eu sou daltônico, então a minha paleta é muito reduzida. As cores se repetem muito e são cores que me apresentaram na infância. Uso muito o azul, que vem muito do fardamento [macacão] que meu pai usava [ele era mecânico da CBTU – Companhia Brasileira de Trens Urbanos]. A memória que tenho do azul vem muito disso. O amarelo, nesses brincos que se repetem em muitas obras e mudam de tamanho, representa o ouro. Em algum momento eu disse que ia substituir esse amarelo por uma folha de ouro, deixei levar e meio que se criou identidade e eu mantive. O amarelo é para representar o ouro que é nosso, que foi roubado e a gente quer de volta. A gente quer portar ouro, prata, enfim, portar joias. Em algumas obras aparecem acessórios, búzios”.

Vermelho nos olhos

Ainda sobre cores, o artista afirma que “o vermelho nos olhos vem muito da expressão sangue nos olhos. Parte de muita indignação que resultou nesta exposição. Posso dizer que fiquei muito tempo com sangue nos olhos, por falta de visibilidade, falta de espaço, por não me sentir representado. Isso tem muito de indignação. Eu pinto muito quando estou triste, mas pinto muito mais quando estou feliz. Acho que essa necessidade de pintar em um momento de tristeza é para colocar para fora o que eu tenho de melhor, para me sentir vivo, me sentir útil. Essas obras são resultado de muitas emoções, de muita revolta e também de muita alegria e de muitos sonhos”, confessa.

Família

Em outro ponto da entrevista, o artista diz que, “pela primeira vez a minha família viajou para o Rio de Janeiro [veio para a abertura da exposição na quarta-feira (21)]. Minha mãe, dona Lucilene, na primeira vez que andou de avião foi para ver a exposição do filho dela e com dinheiro de arte. Minhas irmãs estão aqui, meu sobrinho com seis anos de idade fez a primeira viagem de avião. Eu fiz quando já estava com mais de 20 anos. Poder proporcionar isso para minha família, vivendo do meu sonho, é algo que eu sempre quis. Desde criança quis viver de arte. Até os 15 anos ficava dividido entre futebol e artes visuais, mas nunca deixei de pintar”.

Mostra é rica em cores e expressão – Foto Cristina Indio do Brasil

Sonho

O artista finaliza o seu depoimento falando de sonhos. “Um dos meus principais sonhos é construir uma Escola de Arte no meu bairro. Não só uma escola de arte, mas uma escola para potencializar sonhos. Venho juntando recursos para realizar e viver esse sonho. [Vamos perguntar] Qual é teu sonho? ‘Ser jogador de futebol’. Como podemos ajudar a concretizar isso? Bora fazer vídeos teus jogando. Se quer ser costureira bora fazer parcerias com grandes marcas. Isso que estou vivendo há muitos anos é muito gostoso. É muito prazeroso viver dos sonhos. É muito bom”.

É importante destacar vida de pessoas pretas na periferia, diz artista

A comunidade Barro, zona oeste de Recife, Pernambuco, é o berço de tudo. Ali, Jefferson Alan Mendes Ferreira da Silva nasceu, cresceu e, como promete, vai ficar para sempre. Lá também, aos quatro anos, já fazia os primeiros desenhos. Pouco tempo depois, a inspiração deixou de ser os desenhos vistos na televisão que reproduziam, por exemplo, o Pokémon, passando a ser os amigos, pessoas das quebradas e das comunidades retratados nas suas telas.

Assim surgiu o artista plástico Jeff Alan, autor das 40 obras que compõem a mostra Comigo Ninguém Pode – A Pintura de Jeff Alan, no Centro Cultural da Caixa, no Passeio, região central do Rio de Janeiro, com entrada gratuita. Aberta de terça a sábado, das 10h às 20h, e aos domingos e feriados, das 11h às 18h. A exposição conta com legendas em braile e QR code com a audiodescrição das peças.

Antes de chegar ao Rio, a mostra esteve por pouco mais de dois meses no Centro Cultural da Caixa, no Recife, onde foi vista por 85 mil pessoas. A primeira apresentação dos trabalhos foi na Casa Estação da Luz, em Olinda, centro cultural do cantor e compositor Alceu Valença.

A mãe, a manicure Lucilene, de 53 anos, foi a grande incentivadora e ainda hoje Jeff pede opiniões dela quando está criando uma obra. “Minha mãe sempre foi uma inspiração para mim, não só artística, mas de ser humano mesmo”, revela. No início os trabalhos eram em preto e branco. Não era apenas uma tendência. Jeff não sabia, mas era daltônico.

A descoberta foi aos 20 e poucos anos, quando, segundo ele, “pagou alguns micos”. Na faculdade tinha feito um quadro com fundo rosa, que descreveu como vermelho. Os colegas apontaram que estava trocando as cores. Fez alguns testes e comprovou que tinha daltonismo.

Trabalhos de Jeff Alan podem ser vistos no Centro Cultural da Caixa  – Foto Cristina Indio do Brasil

Embora tenha começado com o preto e branco, já estava trabalhando com cores antes de saber que era daltônico. Jeff conta que costuma confundir o azul com verde, o verde com marrom ou cinza, laranja claro e rosa com vermelho. As trocas dependem das cores próximas. Nada disso é problema para o pintor. “A descoberta foi pagando alguns micos e algumas cores eu já tinha decorado. Tenho a minha paleta de trabalho reduzida, então, para mim foi tranquilo”, destaca.

As cores dos fundos das obras determinam a mensagem que o artista quer passar. O azul é o sonho, o vermelho a coragem e o amarelo o ouro, a conquista de um lugar. O nome da exposição que tem entrada grátis é uma referência também à planta Comigo ninguém pode, que o artista via em muitas ruas do Barro.

Em entrevista para a Agência Brasil, Jeff Alan comentou as características do seu trabalho, a vontade de destacar pessoas da periferia e reforçar o viver do povo preto.

“Eu quero elevar a auto estima do meu povo, quero ver a juventude vivendo os seus sonhos. Esse trabalho vem aqui para denunciar, reafirmar, reivindicar e para dizer que este espaço aqui é nosso. A gente não quer só ocupar, a gente quer estar. Muita gente fala em ocupar. Ocupar para mim é uma coisa temporária. A gente quer fazer parte do corpo. A gente quer gerir. A gente também quer ditar as regras do jogo”.

Origem

“A exposição Comigo Ninguém Pode surgiu no bairro do Barro, zona oeste do Recife, periferia na esquina do Bar do Beco, do meu tio Albérico Mendes da Silva, que faleceu há dois anos. O título é uma forma de trazer o meu tio, uma homenagem e também uma reafirmação dos fazeres do povo preto. Saber que com a gente ninguém pode. A exposição fala sobre coragem, muita luta, sobre sonhos, sobre o caminho da escola, sobre o caminho vermelho, esse desejo de descobrir o caminho azul. Costumo dizer que o vermelho é a cor de coragem e o azul de sonhos”, enfatiza o artista.

Comigo Ninguém Pode

“Em todas as ruas do meu bairro vai ter uma casa que tem [a planta] comigo ninguém pode e lá em Olinda fizemos instalações com a planta natural, buscamos soluções que a gente encontra na periferia. Usar um balde de tinta, uma lata de manteiga para trazer o que de fato a gente encontra. Eu tenho um autorretrato, acho que de 2020, que tem uma Comigo Ninguém Pode ao meu lado e também tenho uma foto minha aos seis anos que tem uma Comigo Ninguém Pode atrás. Eu não lembrava e encontrei a foto depois que fiz a pintura”, recorda.

Desde cedo

Jeff Alan prossegue: “eu pinto desde criança. Lembro que na escola, quando tinha trabalho em grupo, pediam para fazer a capa. Eu costumava fazer a capa. Eu gostava muito de estudar até a oitava série, mas o que era chato no ensino fundamental e ensino médio é que você é obrigado a estudar aquilo. Já na faculdade é outra coisa. Estuda uma parada que você escolheu e eu gostava muito de matemática. O meu sobrinho Guilherme, de seis anos, faz o mesmo.

Trajetória

O pintor lembra que decalcava, usava muito papel carbono e foi crescendo fazendo muito desenho que assistia na TV. “Cavaleiros do zodíaco, Dragon Ball Z, Pokémon. Folheando minhas pastas antigas de 20 anos atrás encontrei retratos de pessoas que não sabia quem era. Acho que foram estudos que contribuíram para chegar a este resultado. Em 2008, comecei a pichar, depois grafitar e a fazer intervenções urbanas. Comecei a conhecer os movimentos de arte urbana e de 2008 até 2014 consegui desenvolver o meu estilo que era abstrato. Uns traços orgânicos e fiquei conhecido por este trabalho que me criou uma zona de conforto. De 2014 para cá já estava na faculdade de Arquitetura e passei a ter muita relação com escritório de arquitetura de design de interiores. Esse meu trabalho abstrato é muito comercial. Eu sentia que este trabalho não ia me levar ao museu, a uma galeria, a uma exposição como essa”, diz.

Pandemia

Ele conta, a seguir, que quando a pandemia de covid-19 chegou ao Brasil, “eu tive que desacelerar e passei a olhar mais para dentro. Passei a me envolver mais com a minha família, me conectei mais com meus ancestrais. Aí eu fiz O que vai ser de mim? Em um quarto minúsculo, eu fico muito só no quarto quando não estou pintando, nasceu a série Olhar para Dentro. A primeira obra foi um jovem com uma garrafa de cola na mão. Essa obra nasceu a partir de um retrato que eu tinha no meu celular. Lembro de outra obra que foi de um retrato de uma avó com a netinha na comunidade Nossa Senhora do Pilar, no Recife antigo. Aquela foto eu fiz para o meu trabalho de conclusão de curso e fui fotografar cena e tem aquele caminhar da avó com a netinha. A foto – acho que foi em 2016 e em 2020 – eu fiz essa obra. Uma obra que eu fiz, eu estava em uma janela de ônibus e vi um rapaz com um fardamento azul e ele estava folheando alguma coisa. Lembro bem desse dia. Foi no bairro de Afogados, defronte à igreja do Largo da Paz. O ônibus parou exatamente naquele local. Lembro também de um poema de Miró da Muribeca [poeta urbano do Recife que morreu em 2022] que diz que a janela de ônibus é danada para botar a gente para pensar, principalmente quando a viagem é longa. É muito inspirador. Naquele momento fiz uma foto rápida. Não pude conversar com ele porque estava dentro do ônibus, mas o que me chamou atenção foi o fato dele estar com fardamento [que remetia ao pai] e estava folheando uma coisa e que provavelmente se estivesse em ambiente de trabalho seria chamado atenção e poderia perder o emprego por estar lendo, estudando, buscando um conhecimento. Aquele momento foi muito marcante para mim. Gostaria que aquela obra estivesse aqui, mas está muito longe [não revelou onde está] porque foi vendida. É uma obra muito importante. Um desenho em aquarela com lápis de cor sobre o papel”, acrescenta.

Histórias

O artista se diz “um contador de histórias. Não faria sentido algum eu chegar aqui, te receber e dizer que essa aqui é Ivana [Pires]. É uma pintura tinta acrílica sobre tela. Quem é Ivana? Ivana é uma jovem de Salvador. Modelo que está rodando o mundo com seu rosto estampado nas principais revistas de moda. Fazendo um grande trabalho, realizando seu sonho. O que foi que emocionou Ivana? Foi ver a foto dela na capa do catálogo. Ela publicou isso e disse para mãe que era capa de um livro, que é um catálogo de uma exposição. Acho que essa reação da Ivana após esse trabalho ser concluído é porque ela entende que o trabalho foi feito por um artista preto, que tem vivências parecidas com as dela. Um artista preto que vai dialogar com tantas outras meninas que querem estar nesses lugares que Ivana está alcançando.”

Conhecer personagens

Sobre os seus trabalhos, ele diz: “muitas obras que estão aqui são de pessoas que eu conheci e me conectei, como estou me conectando com você [repórter] e tive uma troca. Facilita o meu trabalho. Aqui também tem obras de pessoas que eu não conheço, referências de filmes, de alguma coisa que vi em uma rede social, de uma pessoa que cruzou o meu caminho de forma virtual, aí vou misturando. Mas muitas obras também são autorretratos. Ao passar o tempo está cada vez mais difícil pintar pessoas que eu não conheço, por isso não aceito encomenda, porque não conseguiria apresentar uma obra sem conhecer a história daquela pessoa. Ao longo da exposição há obras que consigo me debruçar e passar horas e horas apresentando aquele trabalho, porque eu conheço aquela pessoa que está viva e em processo de mudanças. Muitas obras estão em andamento, mas o que define que uma obra está concluída e se são pessoas reais? Hoje sou uma pessoa e amanhã posso ser outra. Registrei o momento”.

Recomeço

Jeff Alan explica que, “ao longo da exposição, a gente vai ver que aparece um céu estrelado, diferente da maioria das obras, aquele desejo de poder contemplar o céu em paz, de ver as estrelas. Acho que, quando a gente olha, o céu reacende a vontade de sonhar, quando falo muito de céu eu lembro de muitas memórias da minha infância quando eu deitava no chão e ficava olhando o céu, as nuvens e ficava brincando com aquilo e desenhando. Acredito que esse sonho azul é o céu de sonhos, é o céu do recomeço. Tem uma obra minha que se chama Recomeçar, que não está aqui, mas estava no Recife, ela fala sobre um jovem que está no Casem, que é a casa de semiliberdade da Funase [Fundação de Atendimento Socioeducativo do Recife], que eu conheci durante uma atividade eu fui fazer lá. Esse jovem se encontra em dois lugares. No Casem e no museu. E aí nas visitas mediadas acontecem muitas provocações e lá [alguém] perguntava. ‘Quem foi conhecer a história desse jovem no Casem?’. Ninguém, mas vocês estão vindo aqui ao museu. Será que é preciso colocar uma obra dentro de um museu para que vocês conheçam esses jovens? Para que entendam que esses jovens existem, têm sonhos e queriam estar agora aqui conosco? Então, esse azul dessa obra é de recomeço”.

Novidade

O artista explica que “a obra de Caíque é a grande novidade dessa exposição no Centro Cultural da Caixa, no Rio. O retrato tem escrito coragem atrás com uma parede vermelha manchada. Esse vermelho que eu falei ser de coragem muitas vezes é um caminho de sangue. É o caminho que a gente atravessa, seja no caminho para a escola, para o trabalho e até para o lazer. Como é atravessar esse caminho sangrento e não perder a vontade de sonhar e viver de seus sonhos? É muito desafiador a vida do jovem, não só do jovem, mas do povo periférico, do povo preto. Então, vejo o Caíque atravessando esse caminho vermelho em busca do sonho dele de ser jogador de futebol, que é o que ele quer agora. Ele já joga, mas que ele seja o que quiser e tenha liberdade de sonhar e ver os seus sonhos, como a gente está vendo aqui em outra obra onde está escrito em uma bolsa Sonhos Vivos e aparece com o fardamento [uniforme] azul da rede pública do Recife. O que eu quero dizer com isso? Que o caminho da escola para mim foi de sonhos, de descobertas. Foi no caminho da escola que comecei a pichar, fazer grafites, foi onde comecei a me entender enquanto artista e qual o lugar quero ocupar dentro da cidade”.

Invisibilidade

O pintor pernambucano pergunta: “quem se preocupa com os sonhos da população de rua? Muitas das obras falam da vontade de sonhar, de viver os seus sonhos e em paz, não mais um caminho vermelho de sangue, mas de amor. Na infância me ensinaram que vermelho era amor. Eu cresci e fui vendo que vermelho é a cor que interrompe muitos sonhos da nossa juventude. Que vermelho é a cor dos nossos corpos estirados no chão. É uma mancha na parede na casa de Douglas, de Caíque, da minha casa e de tantas outras que vivem nesse caos. A gente não quer mais falar nesse vermelho amor. Espero que, no próximo encontro, a gente possa falar sobre conquistas, afeto. Aqui as obras não aparecem sorrindo. É todo mundo muito atento, meio que penetra. Acho que isso vem muito do estranhamento de visitar ambientes de cultura e não me ver representado ao longo de todos esses anos. Hoje a coisa já está mudando. Pronto, aqui mesmo no Rio a gente tem o MAR [Museu de Arte do Rio], acredito que é um museu que tem a cara do povo. Esse diálogo que trago aqui nesta exposição já acontece no MAR e em outros equipamentos de cultura do Brasil todo. Demorou muito para que a gente tivesse este espaço, mas a gente vai escrever uma outra história que não vai desrespeitar o que nossos ancestrais fizeram”.

Reflexo da vida

“Tudo que acontece nesta exposição, acontece nas ruas, então, não fará sentido algum se as pessoas que vierem aqui continuarem ignorando as pessoas nas calçadas, no caminho da escola. Essas pessoas existem. São pessoas que têm sonhos e vontade de viver. Estou muito feliz de estar aqui e otimista com as relações que a gente vai construir ao longo dessa exposição. O espaço está aberto para receber, principalmente, gente de quebrada, de favela, maloqueiro e que essas obras sejam vistas como espelho. Não fará sentido algum essa exposição aqui para um público branco contemplar. Não que seja um problema, mas antes de tudo é importante que as pessoas se vejam e se identifiquem nestas obras. Que sejam espelhos” observa.

Público

Pensando na capital pernambucana, Jeff diz que “lá no Recife ganhei mais de cinco mil seguidores. Tem um depoimento de uma senhora de 56 anos. Ela falou: ‘Essa é a primeira vez que venho a um museu. Sempre achei que era lugar de patrão’. Ela é trabalhadora doméstica e escutava muita história dos patrões indo viajar. Ela ganhou um convite. A gente buscou esse público que nunca tinha ido a um museu, porque, do contrário, fica sempre dentro da mesma bolha. A gente chamou pessoas que estavam atravessando a rua, comerciantes, pessoas em situação de rua. Pessoas que são a cara da exposição. Isso eleva muito a auto estima. Depois que foi lá, foi de novo e passou a entender que arte também é para ela”.

Caminhos

Ele enfatiza que há “caminhos vermelho, azul e amarelo. Tem composição com amarelo. O que é esse amarelo? Eu sou daltônico, então a minha paleta é muito reduzida. As cores se repetem muito e são cores que me apresentaram na infância. Uso muito o azul, que vem muito do fardamento [macacão] que meu pai usava [ele era mecânico da CBTU – Companhia Brasileira de Trens Urbanos]. A memória que tenho do azul vem muito disso. O amarelo, nesses brincos que se repetem em muitas obras e mudam de tamanho, representa o ouro. Em algum momento eu disse que ia substituir esse amarelo por uma folha de ouro, deixei levar e meio que se criou identidade e eu mantive. O amarelo é para representar o ouro que é nosso, que foi roubado e a gente quer de volta. A gente quer portar ouro, prata, enfim, portar joias. Em algumas obras aparecem acessórios, búzios”.

Vermelho nos olhos

Ainda sobre cores, o artista afirma que “o vermelho nos olhos vem muito da expressão sangue nos olhos. Parte de muita indignação que resultou nesta exposição. Posso dizer que fiquei muito tempo com sangue nos olhos, por falta de visibilidade, falta de espaço, por não me sentir representado. Isso tem muito de indignação. Eu pinto muito quando estou triste, mas pinto muito mais quando estou feliz. Acho que essa necessidade de pintar em um momento de tristeza é para colocar para fora o que eu tenho de melhor, para me sentir vivo, me sentir útil. Essas obras são resultado de muitas emoções, de muita revolta e também de muita alegria e de muitos sonhos”, confessa.

Família

Em outro ponto da entrevista, o artista diz que, “pela primeira vez a minha família viajou para o Rio de Janeiro [veio para a abertura da exposição na quarta-feira (21)]. Minha mãe, dona Lucilene, na primeira vez que andou de avião foi para ver a exposição do filho dela e com dinheiro de arte. Minhas irmãs estão aqui, meu sobrinho com seis anos de idade fez a primeira viagem de avião. Eu fiz quando já estava com mais de 20 anos. Poder proporcionar isso para minha família, vivendo do meu sonho, é algo que eu sempre quis. Desde criança quis viver de arte. Até os 15 anos ficava dividido entre futebol e artes visuais, mas nunca deixei de pintar”.

Mostra é rica em cores e expressão – Foto Cristina Indio do Brasil

Sonho

O artista finaliza o seu depoimento falando de sonhos. “Um dos meus principais sonhos é construir uma Escola de Arte no meu bairro. Não só uma escola de arte, mas uma escola para potencializar sonhos. Venho juntando recursos para realizar e viver esse sonho. [Vamos perguntar] Qual é teu sonho? ‘Ser jogador de futebol’. Como podemos ajudar a concretizar isso? Bora fazer vídeos teus jogando. Se quer ser costureira bora fazer parcerias com grandes marcas. Isso que estou vivendo há muitos anos é muito gostoso. É muito prazeroso viver dos sonhos. É muito bom”.

É importante destacar vida de pessoas pretas na periferia, diz artista

A comunidade Barro, zona oeste de Recife, Pernambuco, é o berço de tudo. Ali, Jefferson Alan Mendes Ferreira da Silva nasceu, cresceu e, como promete, vai ficar para sempre. Lá também, aos quatro anos, já fazia os primeiros desenhos. Pouco tempo depois, a inspiração deixou de ser os desenhos vistos na televisão que reproduziam, por exemplo, o Pokémon, passando a ser os amigos, pessoas das quebradas e das comunidades retratados nas suas telas.

Assim surgiu o artista plástico Jeff Alan, autor das 40 obras que compõem a mostra Comigo Ninguém Pode – A Pintura de Jeff Alan, no Centro Cultural da Caixa, no Passeio, região central do Rio de Janeiro, com entrada gratuita. Aberta de terça a sábado, das 10h às 20h, e aos domingos e feriados, das 11h às 18h. A exposição conta com legendas em braile e QR code com a audiodescrição das peças.

Antes de chegar ao Rio, a mostra esteve por pouco mais de dois meses no Centro Cultural da Caixa, no Recife, onde foi vista por 85 mil pessoas. A primeira apresentação dos trabalhos foi na Casa Estação da Luz, em Olinda, centro cultural do cantor e compositor Alceu Valença.

A mãe, a manicure Lucilene, de 53 anos, foi a grande incentivadora e ainda hoje Jeff pede opiniões dela quando está criando uma obra. “Minha mãe sempre foi uma inspiração para mim, não só artística, mas de ser humano mesmo”, revela. No início os trabalhos eram em preto e branco. Não era apenas uma tendência. Jeff não sabia, mas era daltônico.

A descoberta foi aos 20 e poucos anos, quando, segundo ele, “pagou alguns micos”. Na faculdade tinha feito um quadro com fundo rosa, que descreveu como vermelho. Os colegas apontaram que estava trocando as cores. Fez alguns testes e comprovou que tinha daltonismo.

Trabalhos de Jeff Alan podem ser vistos no Centro Cultural da Caixa  – Foto Cristina Indio do Brasil

Embora tenha começado com o preto e branco, já estava trabalhando com cores antes de saber que era daltônico. Jeff conta que costuma confundir o azul com verde, o verde com marrom ou cinza, laranja claro e rosa com vermelho. As trocas dependem das cores próximas. Nada disso é problema para o pintor. “A descoberta foi pagando alguns micos e algumas cores eu já tinha decorado. Tenho a minha paleta de trabalho reduzida, então, para mim foi tranquilo”, destaca.

As cores dos fundos das obras determinam a mensagem que o artista quer passar. O azul é o sonho, o vermelho a coragem e o amarelo o ouro, a conquista de um lugar. O nome da exposição que tem entrada grátis é uma referência também à planta Comigo ninguém pode, que o artista via em muitas ruas do Barro.

Em entrevista para a Agência Brasil, Jeff Alan comentou as características do seu trabalho, a vontade de destacar pessoas da periferia e reforçar o viver do povo preto.

“Eu quero elevar a auto estima do meu povo, quero ver a juventude vivendo os seus sonhos. Esse trabalho vem aqui para denunciar, reafirmar, reivindicar e para dizer que este espaço aqui é nosso. A gente não quer só ocupar, a gente quer estar. Muita gente fala em ocupar. Ocupar para mim é uma coisa temporária. A gente quer fazer parte do corpo. A gente quer gerir. A gente também quer ditar as regras do jogo”.

Origem

“A exposição Comigo Ninguém Pode surgiu no bairro do Barro, zona oeste do Recife, periferia na esquina do Bar do Beco, do meu tio Albérico Mendes da Silva, que faleceu há dois anos. O título é uma forma de trazer o meu tio, uma homenagem e também uma reafirmação dos fazeres do povo preto. Saber que com a gente ninguém pode. A exposição fala sobre coragem, muita luta, sobre sonhos, sobre o caminho da escola, sobre o caminho vermelho, esse desejo de descobrir o caminho azul. Costumo dizer que o vermelho é a cor de coragem e o azul de sonhos”, enfatiza o artista.

Comigo Ninguém Pode

“Em todas as ruas do meu bairro vai ter uma casa que tem [a planta] comigo ninguém pode e lá em Olinda fizemos instalações com a planta natural, buscamos soluções que a gente encontra na periferia. Usar um balde de tinta, uma lata de manteiga para trazer o que de fato a gente encontra. Eu tenho um autorretrato, acho que de 2020, que tem uma Comigo Ninguém Pode ao meu lado e também tenho uma foto minha aos seis anos que tem uma Comigo Ninguém Pode atrás. Eu não lembrava e encontrei a foto depois que fiz a pintura”, recorda.

Desde cedo

Jeff Alan prossegue: “eu pinto desde criança. Lembro que na escola, quando tinha trabalho em grupo, pediam para fazer a capa. Eu costumava fazer a capa. Eu gostava muito de estudar até a oitava série, mas o que era chato no ensino fundamental e ensino médio é que você é obrigado a estudar aquilo. Já na faculdade é outra coisa. Estuda uma parada que você escolheu e eu gostava muito de matemática. O meu sobrinho Guilherme, de seis anos, faz o mesmo.

Trajetória

O pintor lembra que decalcava, usava muito papel carbono e foi crescendo fazendo muito desenho que assistia na TV. “Cavaleiros do zodíaco, Dragon Ball Z, Pokémon. Folheando minhas pastas antigas de 20 anos atrás encontrei retratos de pessoas que não sabia quem era. Acho que foram estudos que contribuíram para chegar a este resultado. Em 2008, comecei a pichar, depois grafitar e a fazer intervenções urbanas. Comecei a conhecer os movimentos de arte urbana e de 2008 até 2014 consegui desenvolver o meu estilo que era abstrato. Uns traços orgânicos e fiquei conhecido por este trabalho que me criou uma zona de conforto. De 2014 para cá já estava na faculdade de Arquitetura e passei a ter muita relação com escritório de arquitetura de design de interiores. Esse meu trabalho abstrato é muito comercial. Eu sentia que este trabalho não ia me levar ao museu, a uma galeria, a uma exposição como essa”, diz.

Pandemia

Ele conta, a seguir, que quando a pandemia de covid-19 chegou ao Brasil, “eu tive que desacelerar e passei a olhar mais para dentro. Passei a me envolver mais com a minha família, me conectei mais com meus ancestrais. Aí eu fiz O que vai ser de mim? Em um quarto minúsculo, eu fico muito só no quarto quando não estou pintando, nasceu a série Olhar para Dentro. A primeira obra foi um jovem com uma garrafa de cola na mão. Essa obra nasceu a partir de um retrato que eu tinha no meu celular. Lembro de outra obra que foi de um retrato de uma avó com a netinha na comunidade Nossa Senhora do Pilar, no Recife antigo. Aquela foto eu fiz para o meu trabalho de conclusão de curso e fui fotografar cena e tem aquele caminhar da avó com a netinha. A foto – acho que foi em 2016 e em 2020 – eu fiz essa obra. Uma obra que eu fiz, eu estava em uma janela de ônibus e vi um rapaz com um fardamento azul e ele estava folheando alguma coisa. Lembro bem desse dia. Foi no bairro de Afogados, defronte à igreja do Largo da Paz. O ônibus parou exatamente naquele local. Lembro também de um poema de Miró da Muribeca [poeta urbano do Recife que morreu em 2022] que diz que a janela de ônibus é danada para botar a gente para pensar, principalmente quando a viagem é longa. É muito inspirador. Naquele momento fiz uma foto rápida. Não pude conversar com ele porque estava dentro do ônibus, mas o que me chamou atenção foi o fato dele estar com fardamento [que remetia ao pai] e estava folheando uma coisa e que provavelmente se estivesse em ambiente de trabalho seria chamado atenção e poderia perder o emprego por estar lendo, estudando, buscando um conhecimento. Aquele momento foi muito marcante para mim. Gostaria que aquela obra estivesse aqui, mas está muito longe [não revelou onde está] porque foi vendida. É uma obra muito importante. Um desenho em aquarela com lápis de cor sobre o papel”, acrescenta.

Histórias

O artista se diz “um contador de histórias. Não faria sentido algum eu chegar aqui, te receber e dizer que essa aqui é Ivana [Pires]. É uma pintura tinta acrílica sobre tela. Quem é Ivana? Ivana é uma jovem de Salvador. Modelo que está rodando o mundo com seu rosto estampado nas principais revistas de moda. Fazendo um grande trabalho, realizando seu sonho. O que foi que emocionou Ivana? Foi ver a foto dela na capa do catálogo. Ela publicou isso e disse para mãe que era capa de um livro, que é um catálogo de uma exposição. Acho que essa reação da Ivana após esse trabalho ser concluído é porque ela entende que o trabalho foi feito por um artista preto, que tem vivências parecidas com as dela. Um artista preto que vai dialogar com tantas outras meninas que querem estar nesses lugares que Ivana está alcançando.”

Conhecer personagens

Sobre os seus trabalhos, ele diz: “muitas obras que estão aqui são de pessoas que eu conheci e me conectei, como estou me conectando com você [repórter] e tive uma troca. Facilita o meu trabalho. Aqui também tem obras de pessoas que eu não conheço, referências de filmes, de alguma coisa que vi em uma rede social, de uma pessoa que cruzou o meu caminho de forma virtual, aí vou misturando. Mas muitas obras também são autorretratos. Ao passar o tempo está cada vez mais difícil pintar pessoas que eu não conheço, por isso não aceito encomenda, porque não conseguiria apresentar uma obra sem conhecer a história daquela pessoa. Ao longo da exposição há obras que consigo me debruçar e passar horas e horas apresentando aquele trabalho, porque eu conheço aquela pessoa que está viva e em processo de mudanças. Muitas obras estão em andamento, mas o que define que uma obra está concluída e se são pessoas reais? Hoje sou uma pessoa e amanhã posso ser outra. Registrei o momento”.

Recomeço

Jeff Alan explica que, “ao longo da exposição, a gente vai ver que aparece um céu estrelado, diferente da maioria das obras, aquele desejo de poder contemplar o céu em paz, de ver as estrelas. Acho que, quando a gente olha, o céu reacende a vontade de sonhar, quando falo muito de céu eu lembro de muitas memórias da minha infância quando eu deitava no chão e ficava olhando o céu, as nuvens e ficava brincando com aquilo e desenhando. Acredito que esse sonho azul é o céu de sonhos, é o céu do recomeço. Tem uma obra minha que se chama Recomeçar, que não está aqui, mas estava no Recife, ela fala sobre um jovem que está no Casem, que é a casa de semiliberdade da Funase [Fundação de Atendimento Socioeducativo do Recife], que eu conheci durante uma atividade eu fui fazer lá. Esse jovem se encontra em dois lugares. No Casem e no museu. E aí nas visitas mediadas acontecem muitas provocações e lá [alguém] perguntava. ‘Quem foi conhecer a história desse jovem no Casem?’. Ninguém, mas vocês estão vindo aqui ao museu. Será que é preciso colocar uma obra dentro de um museu para que vocês conheçam esses jovens? Para que entendam que esses jovens existem, têm sonhos e queriam estar agora aqui conosco? Então, esse azul dessa obra é de recomeço”.

Novidade

O artista explica que “a obra de Caíque é a grande novidade dessa exposição no Centro Cultural da Caixa, no Rio. O retrato tem escrito coragem atrás com uma parede vermelha manchada. Esse vermelho que eu falei ser de coragem muitas vezes é um caminho de sangue. É o caminho que a gente atravessa, seja no caminho para a escola, para o trabalho e até para o lazer. Como é atravessar esse caminho sangrento e não perder a vontade de sonhar e viver de seus sonhos? É muito desafiador a vida do jovem, não só do jovem, mas do povo periférico, do povo preto. Então, vejo o Caíque atravessando esse caminho vermelho em busca do sonho dele de ser jogador de futebol, que é o que ele quer agora. Ele já joga, mas que ele seja o que quiser e tenha liberdade de sonhar e ver os seus sonhos, como a gente está vendo aqui em outra obra onde está escrito em uma bolsa Sonhos Vivos e aparece com o fardamento [uniforme] azul da rede pública do Recife. O que eu quero dizer com isso? Que o caminho da escola para mim foi de sonhos, de descobertas. Foi no caminho da escola que comecei a pichar, fazer grafites, foi onde comecei a me entender enquanto artista e qual o lugar quero ocupar dentro da cidade”.

Invisibilidade

O pintor pernambucano pergunta: “quem se preocupa com os sonhos da população de rua? Muitas das obras falam da vontade de sonhar, de viver os seus sonhos e em paz, não mais um caminho vermelho de sangue, mas de amor. Na infância me ensinaram que vermelho era amor. Eu cresci e fui vendo que vermelho é a cor que interrompe muitos sonhos da nossa juventude. Que vermelho é a cor dos nossos corpos estirados no chão. É uma mancha na parede na casa de Douglas, de Caíque, da minha casa e de tantas outras que vivem nesse caos. A gente não quer mais falar nesse vermelho amor. Espero que, no próximo encontro, a gente possa falar sobre conquistas, afeto. Aqui as obras não aparecem sorrindo. É todo mundo muito atento, meio que penetra. Acho que isso vem muito do estranhamento de visitar ambientes de cultura e não me ver representado ao longo de todos esses anos. Hoje a coisa já está mudando. Pronto, aqui mesmo no Rio a gente tem o MAR [Museu de Arte do Rio], acredito que é um museu que tem a cara do povo. Esse diálogo que trago aqui nesta exposição já acontece no MAR e em outros equipamentos de cultura do Brasil todo. Demorou muito para que a gente tivesse este espaço, mas a gente vai escrever uma outra história que não vai desrespeitar o que nossos ancestrais fizeram”.

Reflexo da vida

“Tudo que acontece nesta exposição, acontece nas ruas, então, não fará sentido algum se as pessoas que vierem aqui continuarem ignorando as pessoas nas calçadas, no caminho da escola. Essas pessoas existem. São pessoas que têm sonhos e vontade de viver. Estou muito feliz de estar aqui e otimista com as relações que a gente vai construir ao longo dessa exposição. O espaço está aberto para receber, principalmente, gente de quebrada, de favela, maloqueiro e que essas obras sejam vistas como espelho. Não fará sentido algum essa exposição aqui para um público branco contemplar. Não que seja um problema, mas antes de tudo é importante que as pessoas se vejam e se identifiquem nestas obras. Que sejam espelhos” observa.

Público

Pensando na capital pernambucana, Jeff diz que “lá no Recife ganhei mais de cinco mil seguidores. Tem um depoimento de uma senhora de 56 anos. Ela falou: ‘Essa é a primeira vez que venho a um museu. Sempre achei que era lugar de patrão’. Ela é trabalhadora doméstica e escutava muita história dos patrões indo viajar. Ela ganhou um convite. A gente buscou esse público que nunca tinha ido a um museu, porque, do contrário, fica sempre dentro da mesma bolha. A gente chamou pessoas que estavam atravessando a rua, comerciantes, pessoas em situação de rua. Pessoas que são a cara da exposição. Isso eleva muito a auto estima. Depois que foi lá, foi de novo e passou a entender que arte também é para ela”.

Caminhos

Ele enfatiza que há “caminhos vermelho, azul e amarelo. Tem composição com amarelo. O que é esse amarelo? Eu sou daltônico, então a minha paleta é muito reduzida. As cores se repetem muito e são cores que me apresentaram na infância. Uso muito o azul, que vem muito do fardamento [macacão] que meu pai usava [ele era mecânico da CBTU – Companhia Brasileira de Trens Urbanos]. A memória que tenho do azul vem muito disso. O amarelo, nesses brincos que se repetem em muitas obras e mudam de tamanho, representa o ouro. Em algum momento eu disse que ia substituir esse amarelo por uma folha de ouro, deixei levar e meio que se criou identidade e eu mantive. O amarelo é para representar o ouro que é nosso, que foi roubado e a gente quer de volta. A gente quer portar ouro, prata, enfim, portar joias. Em algumas obras aparecem acessórios, búzios”.

Vermelho nos olhos

Ainda sobre cores, o artista afirma que “o vermelho nos olhos vem muito da expressão sangue nos olhos. Parte de muita indignação que resultou nesta exposição. Posso dizer que fiquei muito tempo com sangue nos olhos, por falta de visibilidade, falta de espaço, por não me sentir representado. Isso tem muito de indignação. Eu pinto muito quando estou triste, mas pinto muito mais quando estou feliz. Acho que essa necessidade de pintar em um momento de tristeza é para colocar para fora o que eu tenho de melhor, para me sentir vivo, me sentir útil. Essas obras são resultado de muitas emoções, de muita revolta e também de muita alegria e de muitos sonhos”, confessa.

Família

Em outro ponto da entrevista, o artista diz que, “pela primeira vez a minha família viajou para o Rio de Janeiro [veio para a abertura da exposição na quarta-feira (21)]. Minha mãe, dona Lucilene, na primeira vez que andou de avião foi para ver a exposição do filho dela e com dinheiro de arte. Minhas irmãs estão aqui, meu sobrinho com seis anos de idade fez a primeira viagem de avião. Eu fiz quando já estava com mais de 20 anos. Poder proporcionar isso para minha família, vivendo do meu sonho, é algo que eu sempre quis. Desde criança quis viver de arte. Até os 15 anos ficava dividido entre futebol e artes visuais, mas nunca deixei de pintar”.

Mostra é rica em cores e expressão – Foto Cristina Indio do Brasil

Sonho

O artista finaliza o seu depoimento falando de sonhos. “Um dos meus principais sonhos é construir uma Escola de Arte no meu bairro. Não só uma escola de arte, mas uma escola para potencializar sonhos. Venho juntando recursos para realizar e viver esse sonho. [Vamos perguntar] Qual é teu sonho? ‘Ser jogador de futebol’. Como podemos ajudar a concretizar isso? Bora fazer vídeos teus jogando. Se quer ser costureira bora fazer parcerias com grandes marcas. Isso que estou vivendo há muitos anos é muito gostoso. É muito prazeroso viver dos sonhos. É muito bom”.