Skip to content

85 search results for "surgiu"

IMS lança site com obra manuscrita de Carolina Maria de Jesus

Quarto de Despejo, livro mais conhecido da escritora Carolina Maria de Jesus, publicado a partir de diários manuscritos, começa com uma passagem narrando o dia 15 de julho de 1955. “Hoje é o aniversário de minha filha Vera Eunice”, anota a autora que ficou conhecida em 1960 por revelar o cotidiano na Favela do Canindé, zona norte paulistana, para o restante do Brasil e o mundo. “Eu não posso fazer uma festinha porque isto é o mesmo que querer agarrar o Sol com as mãos. Hoje não vai ter almoço. Só jantar”, segue sobre a previsão para aquele dia.

Apesar da preocupação de comemorar o aniversário da filha, não é possível saber como Carolina se sentia em seu próprio aniversário. Não foi publicada nenhuma anotação relativa ao dia 14 de março, dia em que nasceu no ano de 1914, em Sacramento, Minas Gerais. Se estivesse viva, a escritora faria 110 anos nesta quinta-feira (14).

Carolina de Jesus era muitas vezes retratada “com expressão cabisbaixa, por vezes melancólica” – Arquivo/Audálio Dantas

Mesmo não sendo possível ter certeza sobre os sentimentos de Carolina naquele tempo, o resgate histórico feito para a exposição Um Brasil para brasileiros, do Instituto Moreira Salles, deixa claro que Carolina tinha noção da sua importância para o mundo. No catálogo da mostra, inaugurada em 2021, os curadores Hélio Menezes e Raquel Barreto contam que a busca por fotos da escritora trouxe um imaginário diferente do que era veiculado pelos jornais e revistas enquanto ela estava viva.

Elegante e orgulhosa

“A pesquisa revelou também um número expressivo de imagens que rompem a forte convenção visual sobre a autora”, destaca a dupla no texto. Segundo os curadores, Carolina era muitas vezes retratada “com expressão cabisbaixa, por vezes melancólica”, tendo a favela do Canindé como cenário de fundo preferencial.

Em contraposição, Menezes e Raquel contam ter encontrado um grande material, boa parte anterior ao lançamento do primeiro livro, em que a autora aparece “vaidosa, elegante, consciente de sua presença e orgulhosa de si”.

Carolina aparece sorridente e vestida com muito apuro ao ser retratada ao lado do então presidente João Goulart, que segura uma das cópias do livro de estreia da autora. Ao todo, foram vendidos 200 mil exemplares, com tradução para 17 idiomas. O mandatário também ri de forma discreta. A filha Vera Eunice encara a câmera com uma expressão séria, um pouco triste. A foto ilustrou reportagem do Correio da Manhã, em novembro de 1961 e faz atualmente parte do acervo do Arquivo Nacional.

São Paulo – Carolina Maria de Jesus é considerada uma das mais importantes escritoras do país. Foto: CCSP

A escritora se sustentou em boa parte da vida, mesmo em um período após o lançamento no mercado editorial, catando materiais recicláveis. Porém, Carolina sempre acreditou no próprio potencial como escritora, enviando originais para diversos editores. Inclusive, a filha Vera Eunice tenta atualmente reaver parte desse material que não teria sido devolvido à família.

Além de seu título mais famoso, a autora lançou em vida os títulos Casa de Alvenaria (1961), Pedaços de Fome (1963) e Provérbios (1963). Há ainda o autobiográfico Diário de Bitita, publicado em 1986, após a morte da autora, em 1977, de complicações da asma.

A trajetória de Carolina foi acompanhada pelos jornais por décadas. Em várias ocasiões, a escritora se insurgiu contra o racismo. “É próprio dos ditadores não gostar da verdade e dos negros” protestou, contra a censura imposta pelo regime de António de Oliveira Salazar, de Portugal, ao seu livro em 1961. A manchete faz parte do material reunido pelo IMS.

Novas homenagens

O instituto lança no dia em que a autora completaria 110 anos uma página na internet com material sobre a vida e obra de Carolina. Está disponibilizado na íntegra um dos dois cadernos manuscritos do original Um Brasil para os brasileiros, que após ser editado e publicado na França se tornaria o Diário de Bitita

Há ainda cartas enviadas e recebidas pela escritora, fotografias e reportagens. Uma linha do tempo apresenta a trajetória de Carolina, começando pela sua ancestralidade, com o nascimento do avô da escritora, Benedicto José da Silva, em 1862, 26 anos antes da abolição da escravatura. É possível ver em vídeo a autora no sítio em Parelheiros, no extremo-sul da capital paulista, comprado com o dinheiro conseguido pelo trabalho como escritora.

“Tem uma proposta central neste site, que é o de ser um ponto de encontro, onde admiradores, estudiosos, leitores e todas as pessoas que se sentem tocadas por Carolina poderão compartilhar aspectos preciosos de sua vida e obra em movimento”, diz a responsável pela concepção do projeto,  Fernanda Miranda.

São Paulo – Carolina Maria de Jesus viveu boa parte de sua vida na favela do Canindé, na zona norte de São Paulo. Foto: CCSP

Segundo a filha da escritora, Vera Eunice segue em negociação a criação de um memorial em homenagem a Carolina em Sacramento. Para Vera o novo espaço poderá acolher melhor o acervo da escritora que está na cidade mineira De acordo com ela, o local que abriga atualmente parte dos manuscritos de Carolina não tem condições adequadas para preservar o material e permitir o acesso ao público. “A gente já está lutando faz muitos anos pra poder tirar a Carolina da prisão. Ela está na prisão, né? Eles falam que é um arquivo, mas está na prisão”, ironiza Vera sobre o prédio onde atualmente está o acervo, que é uma antiga cadeia.

O IMS e o Museu Afro Brasil, na capital paulista, também guardam parte do material relativo a vida e obra da autora.

Parque de transmissões criado há 50 anos democratiza a comunicação

É como se o pensamento e a memória viajassem tão rápido quanto a velocidade das ondas da transmissão de rádio, a 300 mil quilômetros por segundo. Basta um instante para o engenheiro eletrônico Higino Germani, hoje aos 74 anos, viajar até 11 de março de 1974 e recordar aquela manhã em que foi inaugurado um parque de transmissores sem precedentes na história das telecomunicações do Brasil.

O parque do Rodeador foi instalado em uma área de cerrado, a 60 quilômetros de Brasília. Germani, que tinha 24 anos, foi o primeiro diretor técnico do local e assistiu, de perto, quando o general Emílio Garrastazu Médici, o terceiro presidente da ditadura militar, tocou o botão que colocou “tudo” no ar. “Foi um alívio. Eu trabalhei direto sem parar por meses para cumprir o prazo [com o governo]”, recorda o primeiro diretor do lugar.

Inicialmente, o “tudo” acionado por Médici significava dois transmissores de rádio: um de ondas médias, para o DF; e outro de ondas curtas, para a Europa. Os equipamentos incluem os transmissores em ondas curtas da Rádio Nacional e representariam, ao longo do tempo, diferentes finalidades.

Existe o aspecto estratégico, na divulgação de atos do governo (naquele período ainda militar); a integração do país e também no fomento da comunicação pública. Hoje, o local abriga quatro conjuntos de antenas, incluindo uma de ondas médias, com 142 metros de altura, além de três conjuntos com torres atingindo 147 metros, e que fazem transmissão em ondas curtas.

A serviço da ditadura

Segundo o professor Octavio Pieranti, de pós-Graduação em Mídia e Tecnologia da Universidade Estadual de São Paulo (Unesp), havia, inicialmente, um objetivo de divulgação dos feitos da ditadura militar. “Era o fim do governo Médici, um governo marcado pela repressão e pela violência e, por isso mesmo, um governo que precisava buscar uma legitimação internacional nas mais diferentes frentes”. As antenas teriam imediatamente esse propósito.

Clareira foi aberta a 60km de Brasília, em espaço seguro e desobstruído, para propagar o sinal na direção da Amazônia e da Europa. Foto: Higino Germani/Arquivo Pessoal

O pesquisador da Unesp, autor de “Entre plantações de morango, florestas e oceanos” (disponível para download) contextualiza que, nessa época, eram realizadas as obras da Rodovia Transamazônica, da ponte Rio-Niterói e a reestruturação do sistema de telecomunicações. “Esse é um processo que levou mais anos. Mas nesse mesmo contexto surgiu a ideia na direção da TV Rádio Nacional de Brasília de criar uma emissora de rádio que cobrisse o mundo inteiro”.

Além da propaganda da ditadura militar brasileira, naquele momento, a ideia era fazer frente às emissoras de países adversários, particularmente os socialistas, que transmitiam para o Brasil. Havia, na avaliação do pesquisador, uma preocupação com essa potencial influência, particularmente na Amazônia.

Sem atraso

Mas quem trabalhava na técnica queria saber como viabilizar esse voo além das fronteiras. “Com o ganho da antena, é como se fosse um farol de milha, concentrando a energia em um determinado feixe [de ondas]”, explica Germani. Por isso que, nessa velocidade, o feixe atravessa o oceano em um instante. Em outros países, poderia ser ouvida a mensagem saída do Brasil sem atraso.

“E o melhor disso era o seguinte: eram seis horas de programação diária para a Europa e divididas em diferentes idiomas (português, inglês, espanhol, alemão francês e italiano) para outros países, a partir de diferentes frequências”. As informações que seriam levadas pelo mundo eram produzidas pelos jornalistas brasileiros da Rádio Nacional. “A gente começava a transmitir aqui às 15h para lugares com fusos de três ou quatro horas de diferença. As condições de propagação mudavam”.

O engenheiro eletrônico se lembra que a equipe estava entusiasmada com o que ocorreria. Tinham em meta que o Brasil, pelo tamanho continental, deveria ter um sistema de radiodifusão que integrasse o país. “Há lugares em que, sem um ‘radinho’, a pessoa fica isolada”.

Preparativos

Os seis meses que antecederam a inauguração foram de correria em função do prazo dado pelo governo. A definição da localização na região administrativa de Brazlândia, a abertura da clareira, a construção da edificação, a espera pelos equipamentos, os testes…tudo precisou ser rápido. “No momento em que o prédio foi construído, os dois transmissores lá na Suíça também ficaram prontos”. Para transportar os transmissores para o Brasil, tinham duas opções: avião ou navio. A segunda opção, porém, demoraria muito tempo. A equipe conseguiu um avião que era utilizado pela Agência Espacial dos Estados Unidos (Nasa)

O local escolhido estava em um espaço distante 60 km do aeroporto, por uma questão de segurança. “Outro detalhe importante é que estações de alta potência geram um campo eletromagnético tão forte que bloqueia outros serviços”, explicou Germani.

O atual diretor técnico do parque, o engenheiro em telecomunicações Adriano Goetz, explica que a posição geográfica do parque é fundamental porque está numa posição alta do Distrito Federal. “É bastante desobstruída, principalmente para propagar o sinal na direção da Amazônia. Ela ficava distante das cidades para garantir segurança à estação”

O pesquisador Octavio Pieranti contextualiza que, para construir o parque, o governo brasileiro, em pouco mais de um ano, fez uma licitação internacional com a compra de nove transmissores de ondas curtas, dois transmissores de ondas médias para modernizar a Rádio Nacional de Brasília em ondas médias, e também um transmissor de FM, que viria dar origem à Rádio Nacional FM de Brasília.

Transmissores vieram da Suíça em avião utilizado pela Nasa. Foto: Higino Germani/Arquivo Pessoal

“A compra desses 12 transmissores tiveram um custo, na época, de 15 milhões de dólares. Em valores corrigidos, são R$ 500 milhões”. O governo estava disposto, de fato, a transmitir suas mensagens para o mundo, como pontua o pesquisador.

Goetz recorda que, dos seis transmissores de 250 quilowatts (KW) comprados, dois operaram desde aquela época transmitindo para a Amazônia. “Os outros quatro transmissores eram operados até final da década de 1990 para clientes externos. Nós alugamos, por exemplo, para a BBC durante a Guerra das Malvinas (1982). Nos anos 2000 em diante, o sistema internacional se tornou mais caro de manter, os transmissores foram sendo desativados, e a gente consegue manter hoje os dois transmissores para a Amazônia com 100 kW”. Isso garante uma cobertura da Amazônia. À noite, esse sistema tem dado cobertura dos Estados Unidos e partes do Canadá. Dependendo do dia, inclusive, ele chega lá no Polo Norte.

O engenheiro explica que atualmente o parque do rodeador opera com dois transmissores e sete antenas inteiras. “Os transmissores passaram por uma atualização no ano 2000, com a mudança do sistema de refrigeração. Antes, eles eram refrigerados a vapor, hoje é à água. A gente tem expectativa de que o Parque do Rodeador possa passar por uma modernização e servir como estação para transmitir rádio digital para todo o território nacional”.

Ele explica que o sistema garante transmissão por toda a Amazônia. “Em qualquer lugar da selva amazônica a gente consegue penetrar com o sinal da Nacional da Amazônia em onda curta”. As transmissões acontecem diariamente por 18 horas.

A serviço da democracia

“Onde quer que esteja uma pessoa no território amazônico, por mais que esteja num local de difícil acesso, ainda assim poderá ter acesso ao sinal de uma emissora de rádio. É a Rádio Nacional da Amazônia”, explica o professor Octavio Pieranti, da Unesp. Foto: Joédson Alves/Agência Brasil

O professor Pieranti analisa que a chegada da democracia, no final da década de 1980, fez com que a programação chegasse a outro patamar. “E essa emissora é bem distinta daquela que existia um dia. Assim, acontece uma transformação [a serviço da cidadania]”. Os discursos conspiratórios deram lugar, então, aos argumentos do dever e do direito à comunicação.

“Onde quer que esteja uma pessoa no território amazônico, na Região Norte ou mesmo na Região Nordeste, por mais que esteja num local de difícil acesso, num local sem emissoras em FM, ainda assim poderá ter acesso ao sinal de uma emissora de rádio. É a Rádio Nacional da Amazônia”. E essa é hoje a função mais reconhecida do parque de transmissões.

A outra finalidade é para situações críticas. Os equipamentos permitem que, se por alguma eventualidade, caírem as redes de telecomunicações em qualquer lugar do Brasil, ainda assim, o governo federal, em Brasília, conseguirá falar com essa região a partir das ondas curtas.

“A gente fala em Rádio Nacional da Amazônia, que é a emissora que funciona em ondas curtas, mas a gente não deve encará-la apenas para a região. Há uma possibilidade técnica de redirecionar antenas para falar com outras regiões”, afirma o pesquisador.

No caminho do rodeador, uma paisagem rural se forma na região famosa pela plantação de morangos. Quem passa por lá não imagina que saem daqueles equipamentos de ferro ondas invisíveis que atravessam mares e florestas. Mas cada vez que uma pessoa ribeirinha, no interior da Amazônia, liga o rádio, tudo fica bem visível.

Parque de transmissões criado há 50 anos nacionaliza a comunicação

É como se o pensamento e a memória viajassem tão rápido quanto a velocidade das ondas da transmissão de rádio, a 300 mil quilômetros por segundo. Basta um instante para o engenheiro eletrônico Higino Germani, hoje aos 74 anos, viajar até 11 de março de 1974 e recordar aquela manhã em que foi inaugurado um parque de transmissores sem precedentes na história das telecomunicações do Brasil.

O parque do Rodeador foi instalado em uma área de cerrado, a 60 quilômetros de Brasília. Germani, que tinha 24 anos, foi o primeiro diretor técnico do local e assistiu, de perto, quando o general Emílio Garrastazu Médici, o terceiro presidente da ditadura militar, tocou o botão que colocou “tudo” no ar. “Foi um alívio. Eu trabalhei direto sem parar por meses para cumprir o prazo [com o governo]”, recorda o primeiro diretor do lugar.

Inicialmente, o “tudo” acionado por Médici significava dois transmissores de rádio: um de ondas médias, para o DF; e outro de ondas curtas, para a Europa. Os equipamentos incluem os transmissores em ondas curtas da Rádio Nacional e representariam, ao longo do tempo, diferentes finalidades.

Existe o aspecto estratégico, na divulgação de atos do governo (naquele período ainda militar); a integração do país e também no fomento da comunicação pública. Hoje, o local abriga quatro conjuntos de antenas, incluindo uma de ondas médias, com 142 metros de altura, além de três conjuntos com torres atingindo 147 metros, e que fazem transmissão em ondas curtas.

A serviço da ditadura

Segundo o professor Octavio Pieranti, de pós-Graduação em Mídia e Tecnologia da Universidade Estadual de São Paulo (Unesp), havia, inicialmente, um objetivo de divulgação dos feitos da ditadura militar. “Era o fim do governo Médici, um governo marcado pela repressão e pela violência e, por isso mesmo, um governo que precisava buscar uma legitimação internacional nas mais diferentes frentes”. As antenas teriam imediatamente esse propósito.

Clareira foi aberta a 60km de Brasília, em espaço seguro e desobstruído, para propagar o sinal na direção da Amazônia e da Europa. Foto: Higino Germani/Arquivo Pessoal

O pesquisador da Unesp, autor de “Entre plantações de morango, florestas e oceanos” (disponível para download) contextualiza que, nessa época, eram realizadas as obras da Rodovia Transamazônica, da ponte Rio-Niterói e a reestruturação do sistema de telecomunicações. “Esse é um processo que levou mais anos. Mas nesse mesmo contexto surgiu a ideia na direção da TV Rádio Nacional de Brasília de criar uma emissora de rádio que cobrisse o mundo inteiro”.

Além da propaganda da ditadura militar brasileira, naquele momento, a ideia era fazer frente às emissoras de países adversários, particularmente os socialistas, que transmitiam para o Brasil. Havia, na avaliação do pesquisador, uma preocupação com essa potencial influência, particularmente na Amazônia.

Sem atraso

Mas quem trabalhava na técnica queria saber como viabilizar esse voo além das fronteiras. “Com o ganho da antena, é como se fosse um farol de milha, concentrando a energia em um determinado feixe [de ondas]”, explica Germani. Por isso que, nessa velocidade, o feixe atravessa o oceano em um instante. Em outros países, poderia ser ouvida a mensagem saída do Brasil sem atraso.

“E o melhor disso era o seguinte: eram seis horas de programação diária para a Europa e divididas em diferentes idiomas (português, inglês, espanhol, alemão francês e italiano) para outros países, a partir de diferentes frequências”. As informações que seriam levadas pelo mundo eram produzidas pelos jornalistas brasileiros da Rádio Nacional. “A gente começava a transmitir aqui às 15h para lugares com fusos de três ou quatro horas de diferença. As condições de propagação mudavam”.

O engenheiro eletrônico se lembra que a equipe estava entusiasmada com o que ocorreria. Tinham em meta que o Brasil, pelo tamanho continental, deveria ter um sistema de radiodifusão que integrasse o país. “Há lugares em que, sem um ‘radinho’, a pessoa fica isolada”.

Preparativos

Os seis meses que antecederam a inauguração foram de correria em função do prazo dado pelo governo. A definição da localização na região administrativa de Brazlândia, a abertura da clareira, a construção da edificação, a espera pelos equipamentos, os testes…tudo precisou ser rápido. “No momento em que o prédio foi construído, os dois transmissores lá na Suíça também ficaram prontos”. Para transportar os transmissores para o Brasil, tinham duas opções: avião ou navio. A segunda opção, porém, demoraria muito tempo. A equipe conseguiu um avião que era utilizado pela Agência Espacial dos Estados Unidos (Nasa)

O local escolhido estava em um espaço distante 60 km do aeroporto, por uma questão de segurança. “Outro detalhe importante é que estações de alta potência geram um campo eletromagnético tão forte que bloqueia outros serviços”, explicou Germani.

O atual diretor técnico do parque, o engenheiro em telecomunicações Adriano Goetz, explica que a posição geográfica do parque é fundamental porque está numa posição alta do Distrito Federal. “É bastante desobstruída, principalmente para propagar o sinal na direção da Amazônia. Ela ficava distante das cidades para garantir segurança à estação”

O pesquisador Octavio Pieranti contextualiza que, para construir o parque, o governo brasileiro, em pouco mais de um ano, fez uma licitação internacional com a compra de nove transmissores de ondas curtas, dois transmissores de ondas médias para modernizar a Rádio Nacional de Brasília em ondas médias, e também um transmissor de FM, que viria dar origem à Rádio Nacional FM de Brasília.

Transmissores vieram da Suíça em avião utilizado pela Nasa. Foto: Higino Germani/Arquivo Pessoal

“A compra desses 12 transmissores tiveram um custo, na época, de 15 milhões de dólares. Em valores corrigidos, são R$ 500 milhões”. O governo estava disposto, de fato, a transmitir suas mensagens para o mundo, como pontua o pesquisador.

Adriano Goetz  Foto: José Cruz/Agência Brasil

Goetz recorda que, dos seis transmissores de 250 quilowatts (KW) comprados, dois operaram desde aquela época transmitindo para a Amazônia. “Os outros quatro transmissores eram operados até final da década de 1990 para clientes externos. Nós alugamos, por exemplo, para a BBC durante a Guerra das Malvinas (1982). Nos anos 2000 em diante, o sistema internacional se tornou mais caro de manter, os transmissores foram sendo desativados, e a gente consegue manter hoje os dois transmissores para a Amazônia com 100 kW”. Isso garante uma cobertura da Amazônia. À noite, esse sistema tem dado cobertura dos Estados Unidos e partes do Canadá. Dependendo do dia, inclusive, ele chega lá no Polo Norte.

O engenheiro explica que atualmente o parque do rodeador opera com dois transmissores e sete antenas inteiras. “Os transmissores passaram por uma atualização no ano 2000, com a mudança do sistema de refrigeração. Antes, eles eram refrigerados a vapor, hoje é à água. A gente tem expectativa de que o Parque do Rodeador possa passar por uma modernização e servir como estação para transmitir rádio digital para todo o território nacional”.

Ele explica que o sistema garante transmissão por toda a Amazônia. “Em qualquer lugar da selva amazônica a gente consegue penetrar com o sinal da Nacional da Amazônia em onda curta”. As transmissões acontecem diariamente por 18 horas.

A serviço da democracia

“Onde quer que esteja uma pessoa no território amazônico, por mais que esteja num local de difícil acesso, ainda assim poderá ter acesso ao sinal de uma emissora de rádio. É a Rádio Nacional da Amazônia”, explica o professor Octavio Pieranti, da Unesp. Foto: Joédson Alves/Agência Brasil

O professor Pieranti analisa que a chegada da democracia, no final da década de 1980, fez com que a programação chegasse a outro patamar. “E essa emissora é bem distinta daquela que existia um dia. Assim, acontece uma transformação [a serviço da cidadania]”. Os discursos conspiratórios deram lugar, então, aos argumentos do dever e do direito à comunicação.

“Onde quer que esteja uma pessoa no território amazônico, na Região Norte ou mesmo na Região Nordeste, por mais que esteja num local de difícil acesso, num local sem emissoras em FM, ainda assim poderá ter acesso ao sinal de uma emissora de rádio. É a Rádio Nacional da Amazônia”. E essa é hoje a função mais reconhecida do parque de transmissões.

A outra finalidade é para situações críticas. Os equipamentos permitem que, se por alguma eventualidade, caírem as redes de telecomunicações em qualquer lugar do Brasil, ainda assim, o governo federal, em Brasília, conseguirá falar com essa região a partir das ondas curtas.

“A gente fala em Rádio Nacional da Amazônia, que é a emissora que funciona em ondas curtas, mas a gente não deve encará-la apenas para a região. Há uma possibilidade técnica de redirecionar antenas para falar com outras regiões”, afirma o pesquisador.

No caminho do rodeador, uma paisagem rural se forma na região famosa pela plantação de morangos. Quem passa por lá não imagina que saem daqueles equipamentos de ferro ondas invisíveis que atravessam mares e florestas. Mas cada vez que uma pessoa ribeirinha, no interior da Amazônia, liga o rádio, tudo fica bem visível.

NASA e Marinha dos EUA preparam astronautas para missão lunar

8 de março de 2024

 

O USS San Diego é um navio de guerra projetado para entregar tropas e equipamentos em zonas de combate, algo para o qual a tripulação treina rotineiramente em sua base em San Diego, Califórnia, na costa do Oceano Pacífico.

Mas um olhar mais atento aos remendos e cores de alguns dos uniformes a bordo recentemente são pistas de que uma das suas missões actuais tem objectivos o mais longe possível de um teatro de guerra.

“Esta é uma oportunidade única, mas está dentro do que fazemos todos os dias”, diz o tenente Jackson Cotney, piloto de helicóptero da Marinha dos EUA vinculado ao USS San Diego, conduzindo operações de treinamento de busca e resgate em apoio ao Artemis da NASA. missões tripuladas à lua.

Durante exercícios recentes no Oceano Pacífico, Cotney e centenas de marinheiros trabalharam com a tripulação Artemis II de quatro pessoas da NASA para se preparar para uma parte crítica da complexa operação – o retorno seguro e a recuperação da cápsula Orion e da tripulação assim que completar a reentrada através da Terra. atmosfera.

“Este é o 11º teste de recuperação em andamento”, mas o primeiro com astronautas envolvidos no treinamento, explica o capitão David Walton, comandante do USS San Diego. “Quando a tripulação voltar, sua saúde e bem-estar serão nossa preocupação número um. Nosso objetivo é tirá-los da cápsula e fornecer-lhes tratamento médico rapidamente, e depois recuperar o equipamento para novos voos de volta à Lua ou mais longe.”

Cotney já é um veterano do Artemis. Ele pilotou um dos helicópteros que monitoravam a cápsula Orion não tripulada que pousou no Oceano Pacífico no final da missão Artemis 1 de 25 dias em 2022, que orbitou a Lua e viajou mais longe no espaço de qualquer nave projetada para transportar humanos.

“Fomos a primeira plataforma a 10.000 pés a ver que a cápsula estava intacta quando surgiu no horizonte”, disse ele à VOA durante uma entrevista recente a bordo do San Diego. “É muito emocionante vê-lo sair do céu. Esta missão em si é nova para mim, mas não para a aviação naval. Os aviadores navais e a comunidade de helicópteros navais têm resgatado astronautas, tirando-os da água desde os primeiros dias da Apollo.”

Embora a NASA tenha adiado o lançamento de uma missão tripulada para orbitar a Lua até 2025, no mínimo, já selecionou quatro astronautas para a primeira viagem desse tipo em mais de 50 anos.

“Esta campanha da missão Artemis não se trata apenas de voltar à Lua e de forma responsável e sustentável, trata-se de desenvolver o que aprendemos lá e explorar ainda mais profundamente e responder a algumas das questões fundamentais que todos temos sobre nós mesmos”, diz Christina Koch, que poderia fazer história como a primeira mulher a orbitar a Lua. “O que significa ser humano, estamos sozinhos no universo, como chegamos todos aqui?”

 

Museu do Jardim Botânico destaca papel da ciência ante crise ecológica

O Jardim Botânico do Rio de Janeiro (JBRJ) abre nesta sexta-feira (8), às 10h, um novo espaço cultural, com entrada gratuita para o público e classificação livre. Trata-se do Museu do Jardim Botânico, que funcionará no casarão do início do século 20, com entrada pela Rua Jardim Botânico, 1008, no bairro do mesmo nome, e que recebeu investimento de R$ 12 milhões da Shell para revitalização.

O Instituto de Desenvolvimento e Gestão (IDG) será responsável pela gestão do museu, que funcionará de quinta a terça-feira, das 10h às 17h, com a última entrada às 16h. Os ingressos podem ser retirados pelo site Botanical Garden RJ – Tickets. O museu conta com 14 salas no total, sendo 12 expositivas. 

O presidente do Jardim Botânico, Sérgio Besserman, disse nesta terça-feira (5) à Agência Brasil que o novo museu mostra a ciência que a instituição faz, “a importância da ciência feita no JB para conservação e restauração da natureza do Brasil, das florestas principalmente, de todos os biomas; e também um pouco da história do Jardim”. 

Fundado em 13 de junho de 1808, o JB surgiu de decisão do então príncipe regente português, D. João de Bragança, de instalar no local uma fábrica de pólvora e um jardim para aclimatação de espécies vegetais originárias de outras partes do mundo. Atualmente é o Instituto de Pesquisas Jardim Botânico do Rio de Janeiro, órgão federal vinculado ao Ministério do Meio Ambiente e considerado um dos mais importantes centros de pesquisa mundiais nas áreas de botânica e conservação da biodiversidade.

Cheiros da natureza brasileira no Museu do Jardim Botânico, na zona sul da capital fluminense – Tomaz Silva/Agência Brasil

Relevância

Besserman informou que não se mostrará somente o ferramental tecnológico, mas também a relevância da ciência para enfrentar a crise ecológica e apoiar o combate à crise de biodiversidade no Brasil. “Há uma participação muito intensa dos cientistas do JB. Cada peça das exposições permanentes de cada sala, tudo foi feito com participação muito direta e intensa dos próprios cientistas do equipamento, junto com a museologia do IDG”.

Segundo Besseraman, o novo museu reforça o lema do Jardim Botânico: “Muito mais que um jardim: ciência, ensino e história”. 

As políticas públicas e ações assertivas desenvolvidas pelo JB para conhecimento e conservação da flora brasileira ao longo de mais de 200 anos de história serão compartilhadas com o público, revelando detalhes das expedições de campo, do trabalho dos botânicos, da pesquisa científica aplicada à conservação da biodiversidade e as atividades dos laboratórios.

“Há salas mostrando pesquisas avançadas de biologia molecular para identificar origem e até localização de madeira, o que ajuda a combater o desmatamento ilegal”, acrescentou Besserman. Além das exposições permanentes, o museu terá conteúdos interativos e ampla programação educativa e cultural. 

Logo na entrada do museu, os visitantes conhecerão uma exposição de longa duração, concebida em colaboração com um comitê de funcionários e pesquisadores do Jardim Botânico, que traz a essência do novo equipamento cultural e científico por meio de mais de dez experiências.

Um dos destaques é a obra Sumaúma: Copa, Casa, Cosmos, filme de Estevão Ciavatta, com narração de Regina Casé, que promove uma imersão virtual na sumaúma (Ceiba pentandra), árvore amazônica presente na coleção viva do instituto e carregada de simbolismos. Para muitos povos, a sumaúma é o lar de entidades divinas ou mesmo um portal que leva a diferentes mundos.

Obra Sumaúma: Copa, Casa, Cosmos, no Museu do Jardim Botânico – Tomaz Silva/Agência Brasil

Indígenas

O espaço apresenta instalações do artista e ativista dos direitos indígenas Denilson Baniwa, além da exposição temporária Mbae Kaá, o que tem na mata: Barbosa Rodrigues entre plantas e pajés.

O trabalho é do ex-presidente do JBRJ João Barbosa Rodrigues e mostra que, enquanto a ciência ocidental dá nome às plantas pelo sistema do naturalista sueco Charles Linneo, os indígenas tupis-guaranis as denominavam por alguma característica apresentada, como planta com mancha amarela, planta com espinho grande, por exemplo. “É sempre alguma coisa relativa à planta. Essa exposição ficará por alguns meses no museu e depois será substituída por outra, também temporária”, informou Besserman. Segundo ele, as exposições permanentes serão atualizadas e modificadas, mas ficarão sempre abertas ao público.

Obra de Denilson Baniwa no Museu do Jardim Botânico -Tomaz Silva/Agência Brasil

Fazem parte ainda do museu uma sala de leitura, com diversos livros e versões digitais de obras raras do acervo da Biblioteca Barbosa Rodrigues do Jardim Botânico, que poderão ser folheados em telas táteis; uma sala multiuso para encontros, palestras e eventos e uma ampla programação educativa e cultural.

Na avaliação de Besserman, o novo equipamento é uma iniciativa boa para o Rio de Janeiro, “para valorizar a ciência em geral, assim como o conhecimento dos povos tradicionais, e um novo espaço cultural importante para o país”.

Patrocínio

Há mais de 110 anos no país, a Shell é uma empresa de energia integrada com participação em upstream (exploração e produção de petróleo), no novo mercado de gás natural, pesquisa e desenvolvimento e energias renováveis, entre outras áreas. A empresa é a patrocinadora master do Museu do Jardim Botânico.

O Instituto de Desenvolvimento e Gestão é uma organização sem fins lucrativos especializada na gestão de centros culturais públicos e programas ambientais, que também presta consultoria para empresas privadas e atua na execução, desenvolvimento e implementação de projetos culturais e ambientais.

Atualmente o IDG é responsável pela gestão dos museus do Amanhã e do Jardim Botânico, no Rio de Janeiro; do Paço do Frevo, no Recife; do Museu das Favelas, em São Paulo; e é gestor operacional do Fundo da Mata Atlântica, além de realizador das ações de conservação e consolidação do sítio arqueológico do Cais do Valongo, na região portuária do Rio. Também foi responsável pela implementação da museografia do Memorial às Vítimas do Holocausto, no Rio.

Ocupação Manoel Congo, no Rio, deve ser regularizada ainda em 2024

Nas paredes de mármore do corredor de entrada, estão fixadas dezenas de papéis com escalas de trabalho. Moradores se revezam de dia e de noite, em turnos de duas horas e meia, para garantir que a portaria nunca fique vazia. Mais do que garantir a segurança do prédio, está em questão o cuidado de um bem coletivo, organizado pelo Movimento Nacional de Luta pela Moradia (MNLP) desde 2008.

A Ocupação Manoel Congo fica em um edifício de dez andares na Rua Alcindo Guanabara, número 20, no centro do Rio de Janeiro. É vizinha de parede da Câmara Municipal e está a poucos passos do Theatro Municipal e da Biblioteca Nacional. Cerca de 40 famílias, ou 128 pessoas, vivem no prédio. Recentemente, a Caixa Econômica Federal anunciou que a regularização definitiva do prédio está próxima e deve acontecer ainda nesse semestre.

Elci da Silva Freitas mora na Ocupação Manoel Congo com os dois filhos – Tânia Rêgo/Agência Brasil

Para quem está lá desde o início da ocupação, quando o prédio ainda pertencia ao Instituto Nacional de Seguro Social (INSS), mas estava abandonado há dez anos, é até difícil acreditar que o final feliz está logo ali.

“Tinha muita incerteza no início, foi uma luta muito difícil. Mas valeu a pena, a gente conseguiu. Hoje estamos aqui felizes com a nossa casinha quase pronta. A expectativa é boa, mas também tem uma ansiedade para concluir o que a gente lutou até agora”, confidenciou Elci da Silva Freitas, que mora em um apartamento com os dois filhos.

Elci entrou no movimento de luta por moradia a convite de uma amiga. Antes de ir para a ocupação, ela morava na favela do Cantagalo. Era uma casa própria, mas as condições eram tão difíceis que começaram a afetar a saúde dela.

“Lá era muito perigoso, eu via muita violência. Morava em um lugar onde os bandidos matavam embaixo da minha varanda. Depois de ver tanta coisa acontecendo, passei até a sofrer do coração. Eu cheguei a fazer duas cirurgias. Mas a ocupação foi uma tranquilidade para mim. Porque aqui estamos no meio de amigos”, afirma Elci. “A gente também passa a enxergar melhor a necessidade do povo. No centro, tem tudo. Mas quem mora na Baixada Fluminense, por exemplo, sofre muito. Sai de madrugada para trabalhar, não sabe que horas volta, se o ônibus ou o metrô vai quebrar. É um povo sofrido.”

Wilson Azevedo mora há cinco anos na Ocupação Manoel Congo – Tânia Rêgo/Agência Brasil

Wilson Azevedo tem 72 anos e vive em um apartamento com a mãe de 93 anos. Também morou na favela do Cantagalo por muito tempo. Por incentivo do irmão, passou a frequentar encontros de movimentos sociais e decidiu entrar para o MNLM. Morou um tempo na Ocupação Mariana Crioula, na região da Gamboa, até mudar há cinco anos para a Manoel Congo.

“Uma das coisas mais importantes que encontrei aqui no movimento, que mais gostei, foi saber que eu teria que me responsabilizar pelo filho do próximo, que cada um ia cuidar do filho do outro, e que cada um estaria seguro na mão do outro para caminhar. E só assim conseguimos chegar aonde nós queríamos”, afirma Wilson. “Aqui é uma família. Nós estamos sempre nos preocupando um com o outro. E a luta é grande nessa coordenação. Não vamos deixar ninguém para trás.”

Elisete da Silva Napoleão, de 58 anos, é uma das lideranças da Ocupação Manoel Congo. No apartamento dela, vivem o marido, um filho e uma neta. Ela conta que a maior motivação para participar do movimento foi o sentimento de exclusão quando morava em favela.

Para Elisete da Silva Napoleão, o desfecho da Ocupação Manoel Congo não pode ser um caso isolado – Tânia Rêgo/Agência Brasil

“Quando você luta por uma moradia digna, principalmente nas áreas com maior estrutura como o centro, você está dizendo que o trabalhador tem direitos e eles precisam ser garantidos”, afirma Elisete.

“Na favela, você não se sente parte da cidade. Parece que é um mundo à parte. O Rio de Janeiro é uma cidade excludente. Não tem política de habitação. Por isso que vim morar na ocupação. Aqui, não ficamos subjugados à lei do tráfico. O que mais me irritava era querer sair de casa para trabalhar e não conseguir por causa de tiroteio”, completa.

Para Elisete, regularizar a Manoel Congo não é o capítulo final dessa história. É um marco de que é possível conquistar o direito básico à moradia, que deveria ser garantido para toda a população.

“Quando é que nós teríamos dinheiro para comprar um apartamento nesse local? Nem que eu trabalhasse a vida toda conseguiria. A ficha não caiu totalmente. Até porque aparecem sempre novos desafios. Depois de regularizar, vamos seguir com as outras lutas. Não pode ser um modelo isolado. Queremos políticas públicas de habitação que atendam todos aqueles milhões que não têm casa”, disse Elisete.

Maria de Lourdes Lopes, conhecida como Lurdinha, tem 68 anos, e também está entre as líderes da Ocupação Manoel Congo. Nascida em Minas Gerais, viveu em favelas de Volta Redonda e depois se mudou para o Rio de Janeiro. Ela corrobora o discurso de Elisete, de que a vitória do movimento é um primeiro passo de uma luta que ainda tem muita estrada pela frente.

Maria de Lourdes Lopes é moradora da Ocupação Manoel Congo e coordenadora do Movimento Nacional de Luta pela Moradia (MNLM) – Tânia Rêgo/Agência Brasil

“A gente colocou mais de 40 famílias pobres no coração do Rio de Janeiro. E ninguém conseguiu tirar a gente daqui. Até hoje tentam, mas não conseguem. É uma alegria, é uma cerca que a gente cortou. Estamos mostrando que é possível. Tem solução. Basta o poder público ter o compromisso de mudar essa situação”, disse Lurdinha.

“Precisamos pegar essa referência e transformar em política pública universalizante. Não é fazer mais casa, alimentar a indústria da construção civil. É garantir que quem não tem condições de pagar por uma moradia possa ter esse direito. Se não vira só mais um caso. Dá alguma repercussão e depois não se fala mais. Imóveis públicos não utilizados ou mal utilizados precisam ser colocados à disposição do trabalhador. Imóvel precisa garantir a função social da propriedade. Ela precisa estar submetida ao bem comum”, complementou.

Situação jurídica

Segundo a Caixa Econômica, a Ocupação Manoel Congo foi contratada no âmbito do Programa Minha Casa, Minha Vida Faixa I – Entidades, com a Entidade Organizadora Associação de Apoio à Moradia, sob o regime de Autogestão – administração direta, na qual a entidade é responsável pelas obras. Elas foram financiadas pelo Fundo de Desenvolvimento Social (administrado pela Caixa), no valor de R$ 3,8 milhões. Cada unidade habitacional custou cerca de R$ 91 mil.

O edifício foi dividido em 42 apartamentos, sendo 20 de um quarto e 22 de dois quartos, além de sala, cozinha e banheiro, contando também com uma área comum. A Caixa também afirmou que, durante a conclusão das obras, a entidade teve dificuldades em legalizar o empreendimento e alguns serviços não evoluíram.

Com a regulamentação da Portaria 146/2023 do Ministério das Cidades “surgiu a possibilidade de a Entidade pleitear suplementação de recursos junto ao Ministério para finalização dos serviços e a legalização, porém está em tramitação.  Assim, com a finalização dos serviços faltantes e obtenção dos documentos legais, como o Habite-se, será possível realizar os trâmites de regularização necessários junto ao cartório de registro de imóveis”.

Mostra reúne obras da carreira de Maria Lira Marques

A exposição Roda dos Bichos, que reúne trabalhos de toda a carreira da artista Maria Lira Marques, de 79 anos, estreia neste sábado (2), no Instituto Tomie Ohtake, na capital paulista. Entre pinturas e esculturas estão peças nas quais utilizou barro extraído das encostas mineiras para produzir cerâmicas e pigmentos naturais. A mostra vai até 26 de maio.

A mostra é dividida entre as três salas à esquerda do grande hall. Na primeira, redonda, estão as pinturas em seixos de rio e outros trabalhos em papel. A segunda traz diferentes grupos de obras e famílias de bichos, reunindo grande parte dos trabalhos apresentados na exposição.

Já a terceira sala, além de apresentar obras do início da carreira de Maria Lira, é dedicada a contextualizar seu trabalho e ligação com o Vale do Jequitinhonha, com documentos, objetos, cantos e fotografias. Há ainda a apresentação de um curta-metragem produzido especialmente para a exposição, exibindo seus cantos, trajetória e obra.

Os curadores Paulo Miyada e Sabrina Fontenele ressaltam que a produção é profundamente marcada pelo imaginário do semiárido mineiro e que a artista se destaca por desenvolver uma linguagem singular, pintando em pedras ou sobre o papel seres que habitam seu universo. “Os bichos do sertão de Lira vivem na paisagem imaginante que se forma na ressonância entre a artista e o território. Tomam assento na superfície arredondada de seixos de rio, delineiam-se entre manchas feitas de água, cola e pigmentos minerais”, afirmou Miyada.

“Reaparecem enquadrados em planos de tons de vermelho, ocre, branco e amarelo, sozinhos ou em grupo, muitas vezes junto a símbolos-runas que traduzem elementos mais-que-humanos. São bichos de terra, marcam-se na terra, e estão sempre grávidos de movimento”, disse o curador. 

Nascida no município de Araçuaí (MG), no Vale do Jequitinhonha, Maria Lira é ceramista, pintora e pesquisadora autodidata. O interesse por esculturas surgiu por volta dos cinco anos, observando a mãe criar peças em barro para presentear vizinhos. Com cera de abelha, que o pai usava na sapataria, a artista moldou suas primeiras peças. Ainda na infância, na busca por desenvolver suas habilidades, aprendeu a lidar com o barro junto a uma vizinha, uma artesã e ceramista da região conhecida por “Dona Joana”.

“Ela já era bastante velha, e com ela eu aprendi muita coisa. Ela me levou no lugar onde tirava o barro, foi me explicando como tirar a terra, olhar a ocasião de lua para tirar a terra, para não quebrar, não rachar, os tipos de madeiramento e os tipos de folhagem para queimar, para a peça obter um certo brilho. Eu aprendi muita coisa para melhorar o meu trabalho em questão de técnicas perguntando às pessoas”, contou Maria Lira.

Na década de 1970, conheceu Frei Chico, missionário holandês, amigo e parceiro profissional, com quem trabalhou para documentar a cultura popular do Vale do Jequitinhonha, gravando cantos e rezas tradicionais. Resultado dessa parceria, a cidade ganhou também um museu dedicado à história e cultura popular da região.

Após diagnóstico de uma tendinite, Maria Lira precisou trocar a produção de esculturas pela pintura, usando o barro em diferentes tonalidades como pigmento para desenhar. Em viagens junto a Frei Chico, eles recolhiam porções de terra para que a artista utilizasse em suas peças. A Agência Brasil entrevistou a artista, que contou passagens de sua trajetória.

Confira os principais trechos:

Agência Brasil: Como surgiu o interesse em esculturas a partir do barro?
Maria Lira Marques: Tudo começou vendo minha mãe trabalhar. Ela, todo ano, fazia os presépios de Natal e doava pros vizinhos lá da minha rua. Todo mundo ficava atrás dela para fazer os presepinhos. E eu, pequena, a via trabalhar e logo me interessei em querer aprender. Ficava ao lado dela, vendo-a manusear o barro. Só que as primeiras pecinhas que fiz foi com cera de abelha. Meu pai era sapateiro e tinha bastante cera de abelha em casa. E eu achava interessante pegar o bolo de cera e chegar na brasa, derreter a cera e manusear, fazer as pecinhas. Depois eu comecei a usar mesmo o próprio barro. Porque aquilo eu já gostava, de lidar com barro. E, já com aquela intenção, eu pensava assim: eu quero ser o que minha mãe é.

Agência: Qual era sua inspiração para produzir as esculturas?
Maria Lira: Eu gosto muito de expressão de rosto e de observar o rosto das pessoas. E minha mãe falava muito de assunto do negro, contava muito caso de escravidão, casos muito tristes. Eu tenho descendência de negro e de índio na família, eu sou negra. Eu gosto de expressar rosto do negro. Quando não é do negro, é do índio. Mas não é só máscara que eu faço, faço também figuras.

Quando eu quero mostrar, por exemplo, um caso de exploração, de um problema social, eu posso mostrar isso no barro. Se eu soubesse fazer poesia, se eu quisesse mostrar isso na música, pode mostrar no teatro, mas eu mostro essa leitura no barro. Eu tenho a peça do parto, e esse parto que eu fiz não é simplesmente uma mulher ter o filho, mas é a luta de todas as mulheres, não só do Vale do Jequitinhonha, mas de todo o mundo. É uma pessoa que está lutando, que está pelejando para sobreviver.

Agência: Qual foi a importância do encontro com o Frei Chico?
Maria Lira: Uma vez, percebendo o meu trabalho como artesã, ele me ajudou muito a ir pra frente, a crescer, a dar valor, a falar comigo da importância daquilo que eu fazia, para a gente não abandonar. O trabalho junto com ele foi maravilhoso, porque com ele também eu aprendi a valorizar a minha própria cultura, fazendo os trabalhos de pesquisa sobre a cultura popular no Vale, de gravar os cantos de roda, os cantos de trabalho, os cantos de canoeiro, de tropeiro, os acalantos, cantos para pedir esmola. 

Tudo isso nós gravamos. Depois, entramos na parte da religiosidade popular, os cantos de penitência, os benditos, os louvores de anjos. Você não acha em nenhum livro escrito essa cultura dos pobres. E a intenção dele era ter um coral, em Araçuaí, que cantasse todo esse tipo de música.

Gravamos 250 fitas cassete [com cantos da população local], depois pegamos, fita por fita, para fazer índices. Depois copiar tudo que estava nessa fita sem alterar nada. Ele falava comigo “Lira, o que você não entender, no copiar das fitas, você põe interrogação para depois a gente escutar direitinho ou perguntar à própria pessoa”.

Todo esse trabalho de pesquisa, nós dois fizemos. O Coral Trovadores do Vale, faz 50 anos, ele criou para a gente cantar tudo o que fosse do povo, justamente para valorizar essa cultura que não está escrita em livros, a tradição oral dos pobres. Eu estou com 79 anos e ainda participo do coral. Cheguei logo assim que ele fundou o coral.

Agência: Como foi o início do Museu de Araçuaí, junto ao Frei Chico?
Maria Lira: Depois do coral, ele falou pra mim “Lira, você me ajuda a gente fazer um museu?”. Eu falei “eu ajudo”. Quando ele falou, eu me entusiasmei. Quando ele falou para mim que ele queria um museu com as coisas de uso que as pessoas tinham em casa, e eu conhecia bem as pessoas onde tinha o material, então, não foi difícil para a gente. Ele me ensinou a fazer o fichário, me ensinava tudo.

Então, quando se ganha uma peça ou, se alguém não quiser doar, explicar a finalidade do museu, aqui em Araçuaí, pras pessoas. Ele queria esse museu, onde tudo que tivesse no museu era de uso do pessoal mais simples. E eu consegui, quando eu falava, as pessoas doavam, raramente a gente comprava alguma coisa. Ele me ensinou a fazer o fichário, o nome da peça, como usava aquilo que tinha ganhado, a data, o nome da pessoa, em que lugar eu peguei aquela peça, se foi em Araçuaí ou se foi na zona rural, na casa de outra pessoa.

Agência: Sobre as suas pinturas, me conta um pouco das coletas de terras coloridas que a senhora fazia em das viagens?
Maria Lira: Depois que Frei Chico mudou de Araçuaí para Belo Horizonte, todo ano ele ia lá no mês de outubro para fazer a festa do Rosário. Na volta, eu ia junto com ele e ele falava, “Lira, no caminho, todas as terras que você ver, você fala comigo que eu paro o carro para a gente coletar essas terras pr’ocê”. E foi dessa maneira, com as idas dele, porque ele se interessava muito pelo meu trabalho, muito pelo meu crescimento, pela minha arte. Ali em Diamantina nós coletamos muita terra, tem muita terra colorida ali na Chapada.

Esses pigmentos não é assim em qualquer terra não, é terra mesmo mineral. Em Belo Horizonte também nós coletávamos muita terra, ali na [região da] Mannesmann [siderúrgica], em lugares que a gente via que tinha veia de terra, mais é nesses lugares que a gente encontra, onde mexe com lavrado, que às vezes tem ouro, é que dá esse tipo de terra, às vezes uma margem de rio. Eu tenho muita terra colorida lá colocada em vidros, transparente, que você pode ver a cor dos barros, das terras. Tem terra amarela de várias tonalidades, o branco, o roxo e outras cores. É um encanto a terra, viu? É saber olhar a terra para você encontrar essa grandiosidade de cores.

Matemática ajuda brasileiro a descobrir possível novo planeta

Nem com espaçonave, nem com telescópio. Foi com a matemática que Patryk Sofia Lykawka, um pesquisador brasileiro que há mais de 20 anos vive no Japão, foi até os confins do Sistema Solar e descobriu um corpo celeste com grandes possibilidades de ser um novo planeta orbitando ao redor do Sol.

Patryk falou à Agência Brasil sobre a pesquisa que desenvolveu na Universidade Kindai, e abordou o fascínio que, desde cedo, sente pela astronomia. Citou, ainda, as expectativas que há para a confirmação da hipótese matematicamente levantada por meio do estudo desenvolvido com a ajuda de Takashi Ito, do Observatório Astronômico Nacional do Japão.

“Desde os primórdios da humanidade, todos temos curiosidades sobre os fenômenos que acontecem ao nosso redor. Isso nos leva a buscar respostas para questões fundamentais sobre a origem da vida; sobre quando, como e onde a Terra e nosso sistema se formaram. São várias questões interessantes dentro da astronomia que motivam não só profissionais, mas todo mundo. Todos queremos entender o que está acontecendo ao redor da natureza. No meu caso não é diferente”, disse o físico e matemático.

Livros e documentários sobre o tema ampliaram seus conhecimentos sobre astronomia. Aos poucos, ele começou a participar de seminários e, quando já estudante da Unisinos, no Rio Grande do Sul, surgiu a oportunidade de estudar no Japão.

“Fui contemplado com uma bolsa de estudo do governo japonês em 2001. Vim para cá e acabei fazendo aqui toda a minha pós-graduação [mestrado, doutorado e pós-doutorado] em ciências da Terra e ciências planetárias. Resumindo, fui agarrando todas as oportunidades que surgiram”, disse o pesquisador brasileiro.

Segundo ele, a adaptação à realidade japonesa foi relativamente fácil. “Quando cheguei aqui, em 2001, a universidade me proporcionou um curso intensivo de japonês e, também, prestou apoio para me adaptar à nova vida. Não houve dificuldades. Hoje, com mais de 22 anos de Japão, não tenho nenhum problema. Estou plenamente adaptado e com fluência no idioma”, disse.

Ele acrescenta que sua rotina provavelmente não difere da de um acadêmico no Brasil. “Eu leciono, faço pesquisas, participo de atividades acadêmicas. Nada muito diferente em relação à rotina de um professor universitário no Brasil”, afirmou.

Pesquisas

Patryk é o pesquisador principal do estudo que levantou a hipótese de haver um nono planeta no Sistema Solar. Após a reclassificação de Plutão – que deixou de ser planeta e passou a ser planeta anão – o Sistema Solar contabiliza apenas oito planetas: Mercúrio, Vênus, Terra, Marte, Júpiter, Saturno, Urano e Netuno.

Além dos oito planetas, há também outros objetos, tais como asteroides, cometas, meteoroides e luas de planetas. “Entre as órbitas de Marte e Júpiter, existe um cinturão de asteroides, onde se concentra a maioria dos asteroides. E, além da órbita de Netuno, há outro cinturão – o Cinturão de Kuiper. Nessa região, há muitos objetos que são chamados de transnetunianos [TNOs, sigla em inglês]. Um deles é Plutão”, explicou o astrônomo brasileiro.

Para se ter uma ideia de distâncias deste “ainda hipotético planeta”, no âmbito do Sistema Solar é necessário entender que a medição adotada pelos cientistas é a de Unidade Astronômica (UA). Cada unidade corresponde à distância média entre o Sol e a Terra, cerca de 150 milhões de quilômetros.

“Por exemplo, a distância do Sol até Júpiter é de mais ou menos cinco unidades astronômicas; até Netuno, cerca de 30 unidades astronômicas; e até Plutão, 40 unidades astronômicas. No estudo, analisei algumas populações de objetos transnetunianos localizados a uma distância superior a 50 unidades astronômicas em uma região que chamo de Cinturão de Kuiper Distante”, explicou o pesquisador.

Órbita

Essa região apresenta uma grande quantidade de objetos transnetunianos com órbitas muito distantes em relação a Netuno. Alguns deles com inclinações orbitais muito altas, além de 45 graus.

“Tendo por base várias simulações que incluíam um planeta hipotético com massas semelhantes à da Terra, eu obtive resultados que poderiam explicar as propriedades orbitais desses objetos. Isso sugere que o planeta hipotético desempenha papel importante na formação do Sistema Solar para além da órbita de Netuno. A massa dele deve ser de uma vez e meia a três vezes a massa da Terra”, acrescentou.

Segundo o pesquisador, ainda não é possível definir um valor fixo para essa massa, nem para a órbita. “O estudo, no entanto, prevê que a órbita seria alongada. Ou seja, a distância varia bastante, ao orbitar o sol”, observou.

Patrik revelou que foram investigados alguns tipos de órbitas para o planeta hipotético, e que os melhores resultados favoreceram dois tipos: entre 200 e 500 unidades astronômicas (UAs); e entre 200 e 800 UAs.

“São órbitas realmente muito distantes, de quase sete vezes a distância entre o Sol e Netuno, podendo chegar, em seu ponto máximo a 800 unidades, ou 20 vezes essa distância. Com isso, o tempo total para o planeta dar uma volta ao redor do Sol pode variar entre 6,5 mil e 11 mil anos”, acrescentou.

Uma outra previsão é de que essa órbita seria inclinada em cerca de 30 graus na comparação com o plano da órbita da Terra. “Nesse sentido, a órbita prevista seria bem diferente. Além de muito mais distante, seria mais alongada e mais inclinada”, avaliou.

Telescópios

O planeta hipotético estaria numa órbita tão distante que, mesmo possuindo uma massa parecida com a da Terra, só poderia ser observado usando telescópios de grande porte, devido a seu fraquíssimo brilho e, também, ao movimento aparentemente muito lento, quando olhado a partir da Terra.

“Infelizmente, ainda não é possível prever a região do céu noturno onde o planeta poderá ser descoberto por telescópios. Para isso, seria necessário varrer grandes regiões celestes”, enfatizou.

A seguir, ele explicou que o telescópio espacial James Webb não é do tipo adequado para fazer esse tipo de observação porque só consegue focar regiões muito específicas e pequenas do céu.

A expectativa é de que a confirmação da existência do novo planeta seja feita futuramente pelo Observatório Vera Rubin, que está sendo construído no Chile e contará com a maior câmera digital do mundo.

“Ele deve começar a operar a partir do ano que vem. Este sim, vai varrer grandes regiões do céu em período relativamente curto”, observou o astrônomo brasileiro.

Outras descobertas

Segundo Patryk, é possível que existam ainda outros planetas a serem descobertos no Sistema Solar, “desde que eles tenham órbitas distantes o suficiente para escapar da detecção, ou sejam pequenos demais para serem observados”.

As simulações preveem a existência de vários outros objetos na região do Cinturão de Kuiper Distante, com órbitas bastante peculiares. “Essa é uma outra previsão que pode motivar novas pesquisas e observações. Isso vai nos dar muito mais ideias sobre como nosso sistema e a Terra se formaram”.

Para o pesquisador, a dificuldade de descobrir novos planetas no Sistema Solar está relacionada a fatores fundamentais, como órbitas muito extensas e a distância desses objetos, o que os torna menos brilhantes. Outro dado que também dificulta a detecção é a inclinação orbital, em especial quando há peculiaridades, como é o caso do planeta ainda hipotético.

Foto: Patryk Sofia Lykawka/Arquivo Pessoal” title=”Patryk Sofia Lykawka/Arquivo Pessoal” class=”flex-fill img-cover”>

Patryk Sofia Lykawka, pesquisador brasileiro que vive no Japão, descobriu corpo celeste com possibilidades de ser um novo planeta orbitando ao redor do Sol. Foto – Patryk Lykawka

Próximos passos

Patrik falou sobre os novos desafios que surgirão após a publicação de seu estudo na revista científica Astronomical Journal.

“Pretendo, a partir de agora, fazer novas simulações no computador para aprimorar a pesquisa e refinar os resultados dela, e para tentar prever com mais exatidão a massa e a órbita do planeta”, disse. “É também importante investigar como esse planeta adquiriu uma órbita assim, distante, alongada e inclinada”, acrescentou.

Mensagem

Ciente de que será uma referência para as próximas gerações de astrônomos brasileiros, Patrik deixa uma mensagem aos futuros cientistas. “A astronomia é uma ciência muito fascinante, que faz parte da história da humanidade, desde seus primórdios. Ela tem muitas ramificações e várias áreas. Há um monte de assuntos interessantes e vários mistérios a serem resolvidos”, destacou.

“Uma coisa importante é sempre buscar conhecimento, principalmente em relação ao assunto que a pessoa tem interesse maior. Mantenha a curiosidade natural que a gente tem como seres humanos, e realize atividades que promovam esse conhecimento. As oportunidades para a realização de sonhos devem ser buscadas desde cedo, quando ainda estudante dos ensinos fundamental, médio e, claro, na universidade. Até porque nem tudo vai cair do céu”, finalizou.

Exposição revela “filosofias de vida” na Amazônia, diz Ailton Krenak

“Na aldeia Ashaninka se pode observar tudo porque as casas não têm paredes. Deitados na rede, observávamos os movimentos das casas, mas me sentia acanhado em estar sendo observado também. Com o tempo fui me acostumando. A vida integrada com o ritmo da natureza é muito prazerosa”.

O relato é do premiado fotógrafo japonês Hiromi Nagakura que, na década de 1990, acompanhou o filósofo e ativista indígena Ailton Krenak em viagens pela Amazônia. Trinta anos depois, imagens que ele produziu no período estão reunidas no Centro Cultural do Banco do Brasil (CCBB), no centro do Rio de Janeiro. São fotos inéditas para o público brasileiro. A exposição, intitulada Hiromi Nagakura até a Amazônia com Ailton Krenak, abriu as portas nesta quarta-feira (28) e poderá ser visitada até 27 de maio, de quarta-feira a segunda-feira, entre 9h e 20h. A entrada é franca.

Fotógrafo japonês, Hiromi Nagakura, na exposição fotográfica “Hiromi Nagakura até a Amazônia com Ailton Krenak”- Tânia Rêgo/Agência Brasil

Ailton Krenak assina como curador. Em entrevista à Agência Brasil, ele diz que as fotos retratam “filosofias de vida” na Amazônia e apresentam “modos de estar no mundo”. Ele propõe uma reflexão sobre as casas sem paredes da aldeia Ashaninka, que tanto impressionaram Nagakura.

“Na metrópole, a pessoa precisa ser o tempo inteiro blindada. Ela busca se prevenir do risco de ser afetado por algum dano. Esse pensamento não existe para esse povo que não usa a parede. Por que interpor a parede? É o meu corpo e o mundo. Colocar uma parede seria declarar que eu estou fora do mundo. E nós estamos enfiados no mundo. É muito comum os indígenas dizerem que os brancos vivem em caixas. Vivem se encaixando porque não conseguem ficar soltos no mundo, têm medo. É uma filosofia de vida não ter parede. Não é apenas uma escolha de como morar. É uma escolha anterior, de como se encaixar no mundo”, avalia.

Nascido em 1953 em Minas Gerais, no vale do Rio Doce, Ailton Krenak carrega uma trajetória de ativismo no movimento socioambiental, com atuação destacada durante as discussões que resultaram na inclusão de direitos para os povos indígenas na Constituição de 1988. É autor de livros como Ideias para adiar o fim do mundo (2019), A vida não é útil (2020) e Futuro ancestral (2022), entre outros. No ano passado, se tornou o primeiro indígena eleito para ocupar uma cadeira na Academia Brasileira de Letras (ABL).

Foi Nakamura a primeira pessoa a lhe atribuir o título de “filósofo da floresta”. Por sua vez, Ailton Krenak o compara com o renomado fotógrafo brasileiro Sebastião Salgado. “Não encontro melhor semelhança para indicar a importância do seu trabalho além desta comparação simplista entre duas personalidades engajadas, sempre surfando na crista do perigo e antenadas com as questões mais vibrantes do planeta: seres humanos e natureza”, escreveu ele no texto de abertura da exposição.

Ao todo, ambos fizeram juntos cinco viagens pelo território amazônico, entre 1993 e 1998. Algumas delas com duração de cerca de três meses, ao longo das quais a amizade foi se aprofundando. Krenak avalia que o encontro entre os dois foi um presente que a vida lhes deu. No Japão, a imersão de Nagakura pela Floresta Amazônica resultou em livros, exposições e documentários exibidos na NHK, a emissora de televisão pública do país asiático.

Fotógrafo, Hiromi Nagakura e o filósofo indígena, Ailton Krenak, se emocionam em frente a uma foto dos dois, da década de 90. Exposição fotográfica “Hiromi Nagakura até a Amazônia com Ailton Krenak” – Tânia Rêgo/Agência Brasil

As fotos apresentadas pela primeira vez ao público brasileiro mostram uma diversidade de povos: yanomami, xavante, krikati, gavião, yawanawá, huni kuin e ashaninka. Desde outubro do ano passado até o início desse mês, a exposição estava em São Paulo, no Instituto Tomie Ohtake. No entanto, ela chega ao Rio de Janeiro ampliada: foram incorporadas dezenas de novas imagens, totalizando 160.

“Eu já tinha uma agenda de viagens para atividades que vinha realizando desde a década de 1980, quando eu descobri que podia integrar, junto com Chico Mendes, o movimento de defesa dos direitos dos povos da floresta. Eu estive no Acre e participei da mobilização junto a indígenas, seringueiros, ribeirinhos. Criamos a Aliança dos Povos da Floresta no final da década de 1980. Quando virou a década de 1990, eu estava coordenando atividades em aldeias em diversos territórios. Envolviam pesquisas sobre a diversidade cultural e biológica. Tínhamos criado uma iniciativa que incidia sobre territórios de mais de 40 povos”, conta Krenak.

Ele conta que Nagakura o procurou interessado em acompanhar algumas jornadas e passou a integrar sua equipe, que contava com outros profissionais como biólogo, engenheiro florestal, agrônomo e botânico. “Eram lugares onde eu já estava trabalhando há 10 ou 15 anos, onde eu tinha amigos que receberiam um fotógrafo sem estranhamento. Ele tinha momentos em que saía só para fazer fotos. Ficou hospedado em casas de pessoas convivendo com as crianças. E assim foi possível fazer todas essas imagens de crianças sorrindo, demonstrando uma intimidade. Não é qualquer fotógrafo que chega numa comunidade e acessa essa convivência com as pessoas de uma maneira tão descontraída”, acrescenta.

Imersão amazônica

Hiromi Nagakura realizou muitas viagens ao redor do mundo em sua carreira profissional. Fotografou, por exemplo, conflitos no Afeganistão e a luta contra o apartheid na África do Sul. Ele explica como surgiu seu interesse em realizar uma imersão pela Amazônia.

“Eu já tinha reportado muitas guerras e conflitos. E então eu vi no noticiário que povos originários da Amazônia estavam lutando pelo seu direito à terra, o que me chamou a atenção. O primeiro povo que eu visitei foram os krikatis. Na terra deles, passavam torres de energia. Eles ameaçavam atear fogo nas torres caso o processo de demarcação não avançasse”, lembra.

De acordo com o fotógrafo, Ailton Krenak foi a conexão para que ele pudesse compreender a cultura dos indígenas. “É o olhar de uma pessoa que convivia com os indígenas das diversas aldeias. Eu não queria fotografar como se estivesse retratando uma cultura exótica. Queria retratar o ser humano”. A experiência também afetou sua visão de mundo. Nagakura diz que aprendeu a adotar um ritmo diferente para a sua vida, mais lento em comparação com a dinâmica acelerada do cotidiano no Japão. Ele também aprendeu a ver mais beleza em coisas simples.

“Fiz uma foto de uma yanomami com um bebê no colo. Ela contemplava uma montanha. Foi um dia em que todos saíram para fora de repente. Eu me assustei e fui junto. Havia um macaco subindo a montanha. Estranhei a mobilização, pois se vê muitos macacos na Amazônia. Mas era algo diferente. O macaco estava escalando pedras. E essa novidade chamou a atenção dos indígenas. Havia uma beleza nisso. E eu captei um instante de felicidade dessa mulher”. Passadas mais de duas décadas da sua última viagem à Amazônia, ele espera voltar em breve. “As crianças que eu fotografei devem estar adultas. Quero me encontrar com elas. Quero ver como eles estão preservando suas culturas, suas danças e suas festas”, afirma.

Exposição fotográfica “Hiromi Nagakura até a Amazônia com Ailton Krenak” . Tânia Rêgo/Agência Brasil

Nagakura e Krenak estiveram juntos na Terra Yanomami após uma ofensiva das forças do Estado, que levou a um declínio do garimpo ilegal. Em 1992, quando o território indígena foi finalmente demarcado, o governo mobilizou a Polícia Federal e o Exército para coibir a atuação de grupos clandestinos, que haviam crescido nas décadas anteriores na esteira das políticas de ocupação da Amazônia impulsionadas pelo regime militar. Cerca de 40 mil pessoas foram expulsas do território. Havia na época uma expectativa de que fosse dado um ponto final ao problema.

“Nas viagens, busquei compreender melhor as culturas dos povos indígenas e assim transmitir esse conhecimento por meio das fotografias. Essas fotos tentam mostrar como é o povo yanomami em sua essência. É triste ver que as condições pioraram”, diz Nagakura.

As imagens que integram a exposição são muito diferentes daquelas que ganharam o noticiário nacional no início do último ano, mostrando o resultado da tragédia humanitária desencadeado pelo garimpo ilegal, que voltou a avançar com força na região na última década. A crise se traduziu em fome, em contaminação e em um alarmante aumento de diferentes doenças, sobretudo a malária. Na década de 1990, porém, as câmeras de Nagakura retrataram sorrisos, brincadeiras, manifestações culturais, atividades cotidianas em um território de beleza exuberante.

“A mídia se interessa por guerras, tragédias ambientais, tragédias imprevisíveis. Se nunca tivesse acontecido uma desgraça com os yanomami, o Brasil nunca ia ficar sabendo deles porque nós habitamos um mundo que adora consumir desgraça. Essa exposição é linda. Se ela fosse uma exposição desgraçada, ela ia ter a maior repercussão. Mas ela é linda, então ela vai ter uma média repercussão”, lamenta Krenak.

Exposição fotográfica Hiromi Nagakura até a Amazônia com Ailton Krenak – juca.varella

Crise de pensamento

Uma das fotos que mobilizam o olhar de Ailton Krenak retrata jovens indígenas krikati se deslocando de barco na lagoa da hidrelétrica de Tucuruí (PA). Ele considera a imagem linda, mas chama atenção para árvores secas emergindo da água: era uma área de floresta alagada para a construção da usina. Krenak faz menção ao trabalho do artista plástico polonês radicado no Brasil, Frans Krajcberg. Falecido em 2017, ele denunciava a destruição da natureza em suas obras de arte produzidas a partir de elementos naturais. “Ele recolheu materiais e fez uma escultura com árvores mortas tiradas de dentro desses lagos artificiais de usinas hidrelétricas”, conta o filósofo indígena.

Em sua visão, é preciso desmistificar a Amazônia. “As pessoas ficam fascinados com essa mitologia que coloca a Amazônia como um fantástico mundo verde desconhecido, mas não imaginam, por exemplo, que você não pode beber água ao redor de Manaus. Ela está toda contaminada por resíduos urbanos. Falta saneamento e também temos a poluição das embarcações, que jogam óleo para todo lado. Tem o garimpo. Não é exatamente clorofila que você vai experimentar em todo lugar que você andar pela Amazônia. Tem lugar que você vai encontrar mercúrio, diesel e veneno”.

Para Krenak, não é mais possível acreditar que o capitalismo possa se desenvolver de maneira sustentável. Ele observa que as aldeias também se desenvolvem, mas em equilíbrio com a natureza.

“Exploram tecnologias brandas, que não são capazes de alterar a paisagem como uma típica tecnologia dura. São capazes de conviver com um rio e, 100 anos depois, aquele rio ainda ter água pura para você beber”.

O filósofo também lamenta o desinteresse das pessoas sobre o conhecimento indígena, embora destaque que os nativos resistem e continuam a insistir em transmitir seus saberes. “Veja que curioso: agora que as últimas ilusões sobre o ocidente foram para o brejo, estão dizendo que o modo indígena de conhecer o mundo pode salvar a humanidade da crise climática e da tragédia global. Nós estamos vivendo em um mundo afetado por várias crises. Mas a principal crise é de pensamento: os humanos pararam de pensar”, avalia.

Estudantes de escolas públicas fazem cobertura jornalística do G20

O encontro do G20, que reúne ministros e autoridades das maiores economias mundiais, está sendo acompanhado por jornalistas dos mais importantes veículos de imprensa brasileiros, além de diversos jornalistas estrangeiros. Circulam também na área de imprensa do evento, grupos de estudantes das escolas municipais da capital paulista, que sedia o evento. 

Os adolescentes fazem parte do projeto Imprensa Jovem, que promove educação midiática para alunos de diversas escolas da rede pública. Com celular na mão e muita curiosidade, três participantes do projeto entrevistaram um dos repórteres da Agência Brasil que está cobrindo o evento internacional.

As jovens quiseram saber de tudo, desde o que é preciso para se tornar um bom jornalista, até quais são as especificidades da cobertura de um evento que mistura economia e política internacional. A entrevista também será veiculada pelo programa Boas Práticas, da TV Cultura, que tem uma parceria com a iniciativa.

“O Imprensa Jovem tentar sempre criar conteúdos midiáticos para outros jovens”, explica Winnie Stefanie a respeito do trabalho realizado no projeto. A adolescente de 17 anos diz que a iniciativa teve um papel importante no seu desenvolvimento pessoal. “Eu era muito interessada em edição de vídeo, tinha interesse também em me comunicar melhor. Esse projeto abriu portas enormes e, hoje, eu consigo fazer isso com muita facilidade”.

Isabela Lima, de 14 anos, é aluna do ensino fundamental e pretende ingressar no ensino técnico já na área de jornalismo. “Eu sempre tive um amor muito grande por conversar com pessoas e escutar. Porque ser jornalista, acredito eu que não seja só falar, mas também escutar”, conta a jovem, que estuda em uma escola da zona sul paulistana, sobre como se interessou pela área.

O Programa Imprensa Jovem surgiu em 2005 como um projeto de rádio com notícias sobre a comunidade escolar. Atualmente, participam da iniciativa cerca de 7 mil alunos em mais de 350 escolas da rede municipal de educação. 

Na cobertura das reuniões do G20 estão estudantes de seis unidades escolares paulistanas.