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Moçambiqueː Cinco anos depois do ciclone Idai, mais de 38 mil alunos estudam ao relento

31 de janeiro de 2024

 

Mais de 38 mil alunos na província moçambicana de Sofala, na maioria de classes iniciais, irão iníciar o ano letivo, nesta quarta-feira, 31, ao relento. As suas escolas foram destruídas, faz cinco anos, pelo ciclone Idai, e a reabilitação é lenta.

Nesta província, 2700 salas de aulas foram destruídas pelo ciclone Idai, tendo até o momento sido recuperadas 1400.

Ρara Francisco Ndofa, encarregado de educação, não se justifica que o governo não tenha ainda criado as mínimas condições nas escolas arrasadas pelo Idai.

“O governo deve priorizar nas suas políticas o melhoramento de escolas”, desabafa Ndofa.

Os professores, forçados a lecionar debaixo de árvores, dizem que o aproveitamento dos alunos é afetado.

“Temos tido uma experiência dolorosa e lamentável (…) no tempo de chuva somos forçados a parar com as aulas, isso nos obriga a alterar o programa do ensino estabelecido pelo próprio governo”, diz o professor José Alfredo.

A directora provincial da Educação em Sofala, Dilza Solange reconhece que processo de reconstrução está a ser lento, mas não enumera os motivos.

Ela promete que os 38 mil alunos afetados terão salas apropriadas no primeiro trimestre.

O ciclone Idai atingiu o centro de Moçambique, em Março de 2019.

Notícias Relacionadas
“Filipe Nyusi admite que Ciclone Idai pode ter deixado mais de mil mortos”, Wikinotícias, 19 de março de 2019.
“Ciclone Idai matou 74 pessoas em Moçambique e 60 no Zimbabwe”, Wikinotícias, 18 de março de 2019.
“Ciclone Idai matou 48 pessoas em Moçambique e 39 no Zimbabwe”, Wikinotícias, 17 de março de 2019.
“22 mortes no Ciclone Idai em Moçambique”, Wikinotícias, 16 de março de 2019.
“Ciclone Idai atinge Moçambique”, Wikinotícias, 15 de março de 2019.
 

Moçambique: Cinco anos depois do ciclone Idai, mais de 38 mil alunos estudam ao relento

31 de janeiro de 2024

 

Mais de 38 mil alunos na província moçambicana de Sofala, na maioria de classes iniciais, irão iníciar o ano letivo, nesta quarta-feira, 31, ao relento. As suas escolas foram destruídas, faz cinco anos, pelo ciclone Idai, e a reabilitação é lenta.

Nesta província, 2700 salas de aulas foram destruídas pelo ciclone Idai, tendo até o momento sido recuperadas 1400.

Ρara Francisco Ndofa, encarregado de educação, não se justifica que o governo não tenha ainda criado as mínimas condições nas escolas arrasadas pelo Idai.

“O governo deve priorizar nas suas políticas o melhoramento de escolas”, desabafa Ndofa.

Os professores, forçados a lecionar debaixo de árvores, dizem que o aproveitamento dos alunos é afetado.

“Temos tido uma experiência dolorosa e lamentável (…) no tempo de chuva somos forçados a parar com as aulas, isso nos obriga a alterar o programa do ensino estabelecido pelo próprio governo”, diz o professor José Alfredo.

A directora provincial da Educação em Sofala, Dilza Solange reconhece que processo de reconstrução está a ser lento, mas não enumera os motivos.

Ela promete que os 38 mil alunos afetados terão salas apropriadas no primeiro trimestre.

O ciclone Idai atingiu o centro de Moçambique, em Março de 2019.

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“Ciclone Idai matou 48 pessoas em Moçambique e 39 no Zimbabwe”, Wikinotícias, 17 de março de 2019.
“22 mortes no Ciclone Idai em Moçambique”, Wikinotícias, 16 de março de 2019.
“Ciclone Idai atinge Moçambique”, Wikinotícias, 15 de março de 2019.
 

Brasil registrou 155 assassinatos de pessoas trans no ano passado

Em 2023, houve 155 mortes de pessoas trans no Brasil, sendo 145 casos de assassinatos e dez que cometeram suicídio após sofrer violências ou devido à invisibilidade trans. O número de assassinatos aumentou 10,7%, em relação a 2022, quando houve 131 casos.

Os dados são na 7ª edição do Dossiê: Assassinatos e violências contra travestis e transexuais brasileiras em 2023  da Associação Nacional de Travestis e Transexuais do Brasil (Antra), divulgado nesta segunda-feira (29) no Ministério dos Direitos Humanos, como parte da programação dos 20 anos do Dia da Visibilidade Trans, celebrado anualmente em 29 de janeiro..

Em 2023, a média foi de 12 assassinatos de trans por mês, com aumento de um caso por mês, em relação ao ano anterior. De acordo com o levantamento, dos 145 homicídios ocorridos no ano passado, cinco foram cometidos contra pessoas trans defensoras de direitos humanos.

No ano passado, também foram registradas pelo menos 69 tentativas de homicídio – 66 contra travestis e mulheres trans, além de três homens trans/pessoas transmasculinas (aqueles que, ao nascer, foram designadas como sendo do sexo feminino, mas se identificam com o gênero masculino).

Segundo a Antra, a publicação do dossiê tem o objetivo de contribuir para a erradicação da transfobia, da travestifobia, do transfeminicídio e de outras violências diretas e indiretas contra a população trans no país. A secretária de Articulação Política da Antra, Bruna Benevides, afirma que as trocas de informações pretendem assegurar o direito à vida de pessoas trans. “O dossiê lança luz sobre o problema sistemático que acontece no Brasil, e a gente precisa assumir o compromisso para garantir que a população trans pare de ser assassinada, temos esse desafio”, diz Bruna, que é responsável pela coordenação e análise de dados para produção do dossiê.

A secretária de Articulação Política da Antra, Bruna Benevides, destaca aumento de crimes contra pessoas trans em 2023 – José Cruz/Arquivo/Agência Brasil

 

Em entrevista à Agência Brasil e à Rádio Nacional, Bruna Benevides questionou o por quê de, mesmo com a redução de 4,09% de Crimes Violentos Letais Intencionais (CVLI) (40.464 casos, em 2023, no Brasil), os atos violentos contra pessoas trans estarem na contramão e crescerem no último ano. “Chama muito a nossa atenção pelo fato de que os homicídios diminuíram no contexto geral na sociedade brasileira, em 2023. Então, isso acende um alerta de que a comunidade trans continua sendo assassinada.”

O dossiê da Antra menciona também o monitoramento internacional feito pelo Trans Murder Monitoring (TMM), que analisa relatórios de homicídios de pessoas trans e com diversidade de gênero, em todo o planeta, desde 2008. O documento assinala o Brasil como o país que mais mata pessoas trans no mundo, pelo 15º ano consecutivo.

Na divulgação mais recente do TMM, em novembro de 2023, pelo Dia Internacional da Memória Transgênero, foram contabilizados mundialmente 321 assassinatos, registrados entre outubro de 2022 e setembro de 2023. Pelo menos 100 deles foram no Brasil (31% do total).

Localidade dos assassinatos

O dossiê informa que, no ano passado, São Paulo foi o estado em que mais ocorreram assassinatos de pessoas trans, com 19 casos, o que representa aumento de 73%, em relação a 2022. No Rio de Janeiro, o número de assassinatos dobrou de 8, em 2022, para 16, em 2023 e saiu da quinta posição para a segunda no ranking de homicídios contra este grupo.

Os estados do Ceará, com 2 casos, do Paraná, com 12, e Paraná, com 12, ocupam, respectivamente, a terceira, quarta e quinta posições. A Antra não encontrou casos de assassinatos, em 2023, nos estados do Acre, de Roraima, Santa Catarina, Sergipe e do Tocantins, mas pode haver subnotificação.

A maior concentração de assassinatos foi observada na Região Sudeste (37% dos casos); seguida pelo Nordeste (36%); Sul (10% dos assassinatos); Norte (9%); e a região Centro-Oeste (7%).

Os crimes ocorrem majoritariamente em locais públicos (60%), principalmente, em via pública, em ruas desertas. Dos 40% restantes, em locais privados, a residência da vítima aparece com o local onde mais houve casos, além de motéis, unidades de saúde e ainda residências de terceiros.

A maior parte dos assassinatos ocorreu no período noturno, com 62% dos casos brasileiros.

Em 2023, a Associação Nacional de Travestis e Transexuais do Brasil também identificou 5 assassinatos de travestis/mulheres transexuais brasileiras no exterior, sendo 2, na Itália; 2, na Espanha; e 1, no Paraguai.

Perfil

Dentre as 145 pessoas trans assassinadas no ano passado, 34 casos não tinham informações sobre a idade das vítimas. Se considerados apenas os 111 casos com identificação da idade, 90 das vítimas tinham entre 13 e 39 anos, o que representa 81% do total. A idade média das vítimas foi de 30,4 anos. A mais jovem trans assassinada no ano passado foi uma adolescente de 13 anos. “Quando vemos determinadas bandeiras falando de proteção das infâncias, sempre questionamos quais são as infâncias que estão sendo protegidas no país?”, reflete Bruna.

Sobre o contexto social em que viviam as vítimas, a prostituição é a fonte de renda mais frequente. O estudo chama a atenção para o fato 57% dos assassinados serem de travestis e mulheres trans que atuam como profissionais do sexo, consideradas mais expostas à violência direta, mais estigmatizadas e marginalizadas. “Buscamos, não apenas proporcionar condições seguras para o exercício dessa atividade, mas também criar oportunidades para aquelas que desejam buscar outras formas de emprego ou geração de renda”, propõe o dossiê.

No último ano, dentre os casos de homicídios em que foi possível identificar a raça da vítima, a Antra observou que, pelo menos, 72% das vítimas eram pessoas trans negras (pretas e pardas).

O estudo indica também que uma pessoa trans, que não fez modificações corporais e não expressa sua inconformidade de gênero claramente, não está exposta às mesmas violências que as demais,”porque não confronta a sociedade cisgênero” (quando a identidade de gênero corresponde ao gênero que lhe foi atribuído no nascimento).

“É possível afirmar que tanto a raça quanto a identidade de gênero são fatores de risco de morte para a população trans negra. Sobretudo considerando que são as pessoas trans negras as que menos acessam as tecnologias de gênero, seja por meio da transição social, física, hormonal ou cirúrgica e, por consequência, acabam sendo muito mais facilmente sendo lidas a partir do olhar da cisgeneridade e da patrulha de gênero, como alguém que não pertenceria ao gênero que expressa”, diz o estudo.

Quanto à identidade de gênero, aumentou 4,6% o número de travestis e mulheres trans assassinadas em 2023, na comparação com 2022. Das 145 vítimas de assassinatos localizadas e consideradas na pesquisa, 136 eram travestis/mulheres trans. Já homens trans e pessoas transmasculinas são minoria em crimes de assassinatos: 9 casos.

Perfil dos suspeitos

A maior parte dos suspeitos, em geral, não costumam ter relação direta, social ou afetiva com a vítima, aponta o Dossiê de 2023.

Entre os casos em que os suspeitos foram efetivamente reconhecidos, 11 tinham algum vínculo afetivo com a vítima, como namorado, ex ou marido. Outros 12 casos ocorreram em contextos de programas sexuais contratados pelos suspeitos. Em diversos casos, a pesquisa identificou a narrativa em que os suspeitos tentaram transferir a responsabilidade ou justificar o assassinato, sob alegação de legítima defesa.

Violência e crueldades

O dossiê divulga também dados sobre os meios usados para cometer o assassinato, como tiro, facada, espancamento, estrangulamento, apedrejamento e outros.

Os casos ocorrem em sua maioria (54%) com uso excessivo de violência e requintes de crueldade.

Dos 122 casos com informações, 56 (46%) foram cometidos por armas de fogo; 29 (24%) por arma branca; 12 (10%) por espancamento, apedrejamento, asfixia e/ou estrangulamento e 25 (20%) de outros meios, como pauladas, degolamento e corpos carbonizados. Houve, ainda, 24 casos de clara execução, com número elevado de tiros ou a queima-roupa ou de alto número de perfurações por objeto cortante.

Antigênero

O dossiê conclui que a permanência das violências contra a comunidade trans faz parte de um projeto político conservador, que, de acordo com a Antra, tornou-se preocupante para as pautas de interesse desse grupo no Congresso Nacional.

Bruna Benevides, rebate o que considera ser um ambiente social e político hostil que tem como alvo as pessoas trans, devido à existência de uma pauta antigênero. “Em 2023, foram mais de 300 projetos de lei que pretendiam institucionalizar a transfobia, no âmbito da Câmara Legislativa Federal. Temos preocupação porque os acenos que esses representantes, que esses políticos e figuras públicas fazem, é que as nossas vidas não importam, o aceno que fala para a juventude é que não há um futuro para elas existirem”, lamenta Bruna.

Subnotificação e impunidade

A Antra aponta ainda a ausência de dados e a dificuldade de acesso a registros de violência LGBTfóbica, somada à subnotificação de casos deste tipo, que prejudica a realização de pesquisas.

Segundo a associação, que não existem referências demográficas sobre a população trans brasileira que possibilitem o cálculo da proporção por habitantes, dos casos de violência contra esse público no Brasil. O que se torna um grande desafio na produção de estatísticas, ressalta Bruna.  “O aumento [do número de assassinatos] simboliza também um chamado urgente para que os órgãos de segurança pública em todos os âmbitos: federal, municipal e estadual, se comprometam a ter dados, porque este é o primeiro ponto. O Estado brasileiro não produz dados sobre violência, sobretudo, o assassinato contra a comunidade trans. E a sociedade civil tem que produzi-los”, acrescenta.

A associação destaca ainda a ausência de ações de enfrentamento da violência contra pessoas LGBTQIA+ por parte do Estado brasileiro; a falta de rigor nas investigações policiais de casos de transfobia; a constante ausência, precariedade e fragilidade de dados usada para ocultar ou simular uma diminuição dos casos, na realidade, contribuem para impunidade, que favorece novos assassinatos e gera insegurança na população trans.

“Ficou como um resquício da ditadura [militar] em relação à comunidade trans. Algumas narrativas nos colocam como inimigas. Então, as pessoas trans não vão confiar na segurança pública, que é uma potencial violadora de seus direitos, de sua própria segurança. Então, além de sofrer toda essa violência, as pessoas não se sentem seguras”, constata Bruna Benevides.

Evento 

O dossiê foi apresentado nesta segunda-feira (29) em cerimônia em homenagem aos 20 anos da Visibilidade Trans, promovida pelo  Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania (MDHC).  A atividade aconteceu no âmbito da campanha do MDHC alusiva aos 20 anos da visibilidade trans. 

“Esse dossiê é um pedido de socorro para que nós possamos definitivamente enfrentar e erradicar a transfobia e os assassinatos contra a nossa comunidade”, disse a secretária de articulação política da Antra, Bruna Benevides. 

Durante o evento, a secretária nacional dos Direitos das Pessoas LGBTQIA+, Symmy Larrat, disse que a meta do governo é entregar uma política nacional dos direitos das pessoas LGBTQIA+. “Ainda é a semente do que a gente quer, que essa política continue promovendo acesso, dignidade, respeito e autonomia para a nossa população que é tão vulnerabilizada e tão atacada”. 

Para o ministro Silvio Almeida, as questões relacionadas aos direitos das pessoas LGBTQIA+ se desdobram em questões de interesse nacional. “Se falarmos em políticas de saúde, educação, trabalho, emprego e renda e segurança pública sem falar das pessoas trans, não estamos falando de nenhuma dessas políticas da maneira que elas devem ser faladas. Não existirá cidadania, democracia e desenvolvimento econômico no Brasil se as pessoas LGBTQIA+ não poderem exercer seus direitos”, disse. 

O MDHC também entregou o Troféu Fernanda Benvenutty para iniciativas de promoção da conquista de direitos e à formulação de políticas voltadas à cidadania e à dignidade das pessoas trans ao longo dos últimos 20 anos.

Brasília(DF), 29/01/2024 – O ministro dos Direitos Humanos e da Cidadania, Silvio Almeida participa da comemoração dos 20 anos do Dia Nacional da Visibilidade Trans. Foto:Wilson Dias/Agência Brasil 

Brasil registrou 145 assassinatos de pessoas trans no ano passado

Em 2023, houve 155 mortes de pessoas trans no Brasil, sendo 145 casos de assassinatos e dez que cometeram suicídio após sofrer violências ou devido à invisibilidade trans. O número de assassinatos aumentou 10,7%, em relação a 2022, quando houve 131 casos.

Os dados são na 7ª edição do Dossiê: Assassinatos e violências contra travestis e transexuais brasileiras em 2023  da Associação Nacional de Travestis e Transexuais do Brasil (Antra), divulgado nesta segunda-feira (29) no Ministério dos Direitos Humanos, como parte da programação dos 20 anos do Dia da Visibilidade Trans, celebrado anualmente em 29 de janeiro..

Em 2023, a média foi de 12 assassinatos de trans por mês, com aumento de um caso por mês, em relação ao ano anterior. De acordo com o levantamento, dos 145 homicídios ocorridos no ano passado, cinco foram cometidos contra pessoas trans defensoras de direitos humanos.

No ano passado, também foram registradas pelo menos 69 tentativas de homicídio – 66 contra travestis e mulheres trans, além de três homens trans/pessoas transmasculinas (aqueles que, ao nascer, foram designadas como sendo do sexo feminino, mas se identificam com o gênero masculino).

Segundo a Antra, a publicação do dossiê tem o objetivo de contribuir para a erradicação da transfobia, da travestifobia, do transfeminicídio e de outras violências diretas e indiretas contra a população trans no país. A secretária de Articulação Política da Antra, Bruna Benevides, afirma que as trocas de informações pretendem assegurar o direito à vida de pessoas trans. “O dossiê lança luz sobre o problema sistemático que acontece no Brasil, e a gente precisa assumir o compromisso para garantir que a população trans pare de ser assassinada, temos esse desafio”, diz Bruna, que é responsável pela coordenação e análise de dados para produção do dossiê.

A secretária de Articulação Política da Antra, Bruna Benevides, destaca aumento de crimes contra pessoas trans em 2023 – José Cruz/Arquivo/Agência Brasil

 

Em entrevista à Agência Brasil e à Rádio Nacional, Bruna Benevides questionou o por quê de, mesmo com a redução de 4,09% de Crimes Violentos Letais Intencionais (CVLI) (40.464 casos, em 2023, no Brasil), os atos violentos contra pessoas trans estarem na contramão e crescerem no último ano. “Chama muito a nossa atenção pelo fato de que os homicídios diminuíram no contexto geral na sociedade brasileira, em 2023. Então, isso acende um alerta de que a comunidade trans continua sendo assassinada.”

O dossiê da Antra menciona também o monitoramento internacional feito pelo Trans Murder Monitoring (TMM), que analisa relatórios de homicídios de pessoas trans e com diversidade de gênero, em todo o planeta, desde 2008. O documento assinala o Brasil como o país que mais mata pessoas trans no mundo, pelo 15º ano consecutivo.

Na divulgação mais recente do TMM, em novembro de 2023, pelo Dia Internacional da Memória Transgênero, foram contabilizados mundialmente 321 assassinatos, registrados entre outubro de 2022 e setembro de 2023. Pelo menos 100 deles foram no Brasil (31% do total).

Localidade dos assassinatos

O dossiê informa que, no ano passado, São Paulo foi o estado em que mais ocorreram assassinatos de pessoas trans, com 19 casos, o que representa aumento de 73%, em relação a 2022. No Rio de Janeiro, o número de assassinatos dobrou de 8, em 2022, para 16, em 2023 e saiu da quinta posição para a segunda no ranking de homicídios contra este grupo.

Os estados do Ceará, com 2 casos, do Paraná, com 12, e Paraná, com 12, ocupam, respectivamente, a terceira, quarta e quinta posições. A Antra não encontrou casos de assassinatos, em 2023, nos estados do Acre, de Roraima, Santa Catarina, Sergipe e do Tocantins, mas pode haver subnotificação.

A maior concentração de assassinatos foi observada na Região Sudeste (37% dos casos); seguida pelo Nordeste (36%); Sul (10% dos assassinatos); Norte (9%); e a região Centro-Oeste (7%).

Os crimes ocorrem majoritariamente em locais públicos (60%), principalmente, em via pública, em ruas desertas. Dos 40% restantes, em locais privados, a residência da vítima aparece com o local onde mais houve casos, além de motéis, unidades de saúde e ainda residências de terceiros.

A maior parte dos assassinatos ocorreu no período noturno, com 62% dos casos brasileiros.

Em 2023, a Associação Nacional de Travestis e Transexuais do Brasil também identificou 5 assassinatos de travestis/mulheres transexuais brasileiras no exterior, sendo 2, na Itália; 2, na Espanha; e 1, no Paraguai.

Perfil

Dentre as 145 pessoas trans assassinadas no ano passado, 34 casos não tinham informações sobre a idade das vítimas. Se considerados apenas os 111 casos com identificação da idade, 90 das vítimas tinham entre 13 e 39 anos, o que representa 81% do total. A idade média das vítimas foi de 30,4 anos. A mais jovem trans assassinada no ano passado foi uma adolescente de 13 anos. “Quando vemos determinadas bandeiras falando de proteção das infâncias, sempre questionamos quais são as infâncias que estão sendo protegidas no país?”, reflete Bruna.

Sobre o contexto social em que viviam as vítimas, a prostituição é a fonte de renda mais frequente. O estudo chama a atenção para o fato 57% dos assassinados serem de travestis e mulheres trans que atuam como profissionais do sexo, consideradas mais expostas à violência direta, mais estigmatizadas e marginalizadas. “Buscamos, não apenas proporcionar condições seguras para o exercício dessa atividade, mas também criar oportunidades para aquelas que desejam buscar outras formas de emprego ou geração de renda”, propõe o dossiê.

No último ano, dentre os casos de homicídios em que foi possível identificar a raça da vítima, a Antra observou que, pelo menos, 72% das vítimas eram pessoas trans negras (pretas e pardas).

O estudo indica também que uma pessoa trans, que não fez modificações corporais e não expressa sua inconformidade de gênero claramente, não está exposta às mesmas violências que as demais,”porque não confronta a sociedade cisgênero” (quando a identidade de gênero corresponde ao gênero que lhe foi atribuído no nascimento).

“É possível afirmar que tanto a raça quanto a identidade de gênero são fatores de risco de morte para a população trans negra. Sobretudo considerando que são as pessoas trans negras as que menos acessam as tecnologias de gênero, seja por meio da transição social, física, hormonal ou cirúrgica e, por consequência, acabam sendo muito mais facilmente sendo lidas a partir do olhar da cisgeneridade e da patrulha de gênero, como alguém que não pertenceria ao gênero que expressa”, diz o estudo.

Quanto à identidade de gênero, aumentou 4,6% o número de travestis e mulheres trans assassinadas em 2023, na comparação com 2022. Das 145 vítimas de assassinatos localizadas e consideradas na pesquisa, 136 eram travestis/mulheres trans. Já homens trans e pessoas transmasculinas são minoria em crimes de assassinatos: 9 casos.

Perfil dos suspeitos

A maior parte dos suspeitos, em geral, não costumam ter relação direta, social ou afetiva com a vítima, aponta o Dossiê de 2023.

Entre os casos em que os suspeitos foram efetivamente reconhecidos, 11 tinham algum vínculo afetivo com a vítima, como namorado, ex ou marido. Outros 12 casos ocorreram em contextos de programas sexuais contratados pelos suspeitos. Em diversos casos, a pesquisa identificou a narrativa em que os suspeitos tentaram transferir a responsabilidade ou justificar o assassinato, sob alegação de legítima defesa.

Violência e crueldades

O dossiê divulga também dados sobre os meios usados para cometer o assassinato, como tiro, facada, espancamento, estrangulamento, apedrejamento e outros.

Os casos ocorrem em sua maioria (54%) com uso excessivo de violência e requintes de crueldade.

Dos 122 casos com informações, 56 (46%) foram cometidos por armas de fogo; 29 (24%) por arma branca; 12 (10%) por espancamento, apedrejamento, asfixia e/ou estrangulamento e 25 (20%) de outros meios, como pauladas, degolamento e corpos carbonizados. Houve, ainda, 24 casos de clara execução, com número elevado de tiros ou a queima-roupa ou de alto número de perfurações por objeto cortante.

Antigênero

O dossiê conclui que a permanência das violências contra a comunidade trans faz parte de um projeto político conservador, que, de acordo com a Antra, tornou-se preocupante para as pautas de interesse desse grupo no Congresso Nacional.

Bruna Benevides, rebate o que considera ser um ambiente social e político hostil que tem como alvo as pessoas trans, devido à existência de uma pauta antigênero. “Em 2023, foram mais de 300 projetos de lei que pretendiam institucionalizar a transfobia, no âmbito da Câmara Legislativa Federal. Temos preocupação porque os acenos que esses representantes, que esses políticos e figuras públicas fazem, é que as nossas vidas não importam, o aceno que fala para a juventude é que não há um futuro para elas existirem”, lamenta Bruna.

Subnotificação e impunidade

A Antra aponta ainda a ausência de dados e a dificuldade de acesso a registros de violência LGBTfóbica, somada à subnotificação de casos deste tipo, que prejudica a realização de pesquisas.

Segundo a associação, que não existem referências demográficas sobre a população trans brasileira que possibilitem o cálculo da proporção por habitantes, dos casos de violência contra esse público no Brasil. O que se torna um grande desafio na produção de estatísticas, ressalta Bruna.  “O aumento [do número de assassinatos] simboliza também um chamado urgente para que os órgãos de segurança pública em todos os âmbitos: federal, municipal e estadual, se comprometam a ter dados, porque este é o primeiro ponto. O Estado brasileiro não produz dados sobre violência, sobretudo, o assassinato contra a comunidade trans. E a sociedade civil tem que produzi-los”, acrescenta.

A associação destaca ainda a ausência de ações de enfrentamento da violência contra pessoas LGBTQIA+ por parte do Estado brasileiro; a falta de rigor nas investigações policiais de casos de transfobia; a constante ausência, precariedade e fragilidade de dados usada para ocultar ou simular uma diminuição dos casos, na realidade, contribuem para impunidade, que favorece novos assassinatos e gera insegurança na população trans.

“Ficou como um resquício da ditadura [militar] em relação à comunidade trans. Algumas narrativas nos colocam como inimigas. Então, as pessoas trans não vão confiar na segurança pública, que é uma potencial violadora de seus direitos, de sua própria segurança. Então, além de sofrer toda essa violência, as pessoas não se sentem seguras”, constata Bruna Benevides.

Evento 

O dossiê foi apresentado nesta segunda-feira (29) em cerimônia em homenagem aos 20 anos da Visibilidade Trans, promovida pelo  Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania (MDHC).  A atividade aconteceu no âmbito da campanha do MDHC alusiva aos 20 anos da visibilidade trans. 

“Esse dossiê é um pedido de socorro para que nós possamos definitivamente enfrentar e erradicar a transfobia e os assassinatos contra a nossa comunidade”, disse a secretária de articulação política da Antra, Bruna Benevides. 

Durante o evento, a secretária nacional dos Direitos das Pessoas LGBTQIA+, Symmy Larrat, disse que a meta do governo é entregar uma política nacional dos direitos das pessoas LGBTQIA+. “Ainda é a semente do que a gente quer, que essa política continue promovendo acesso, dignidade, respeito e autonomia para a nossa população que é tão vulnerabilizada e tão atacada”. 

Para o ministro Silvio Almeida, as questões relacionadas aos direitos das pessoas LGBTQIA+ se desdobram em questões de interesse nacional. “Se falarmos em políticas de saúde, educação, trabalho, emprego e renda e segurança pública sem falar das pessoas trans, não estamos falando de nenhuma dessas políticas da maneira que elas devem ser faladas. Não existirá cidadania, democracia e desenvolvimento econômico no Brasil se as pessoas LGBTQIA+ não poderem exercer seus direitos”, disse. 

O MDHC também entregou o Troféu Fernanda Benvenutty para iniciativas de promoção da conquista de direitos e à formulação de políticas voltadas à cidadania e à dignidade das pessoas trans ao longo dos últimos 20 anos.

Brasília(DF), 29/01/2024 – O ministro dos Direitos Humanos e da Cidadania, Silvio Almeida participa da comemoração dos 20 anos do Dia Nacional da Visibilidade Trans. Foto:Wilson Dias/Agência Brasil 

* Colaborou Sabrina Craide

Joinville decreta emergência após vazamento de ácido sulfônico

Um caminhão carregado de ácido sulfônico – produto químico usado na fabricação de detergentes e desengraxantes para obtenção de espuma – tombou na manhã desta segunda-feira (29) na estrada estadual SC-301, que dá acesso à Serra Dona Francisca, no município de Joinville, em Santa Catarina.

O acidente foi por volta das 7 horas, após o motorista perder o controle do veículo e se chocar contra uma ribanceira. O primeiro atendimento foi realizado pela Polícia Rodoviária Militar que interditou a pista.

Ainda pela manhã, a prefeitura de Joinville decretou situação de emergência e interrompeu a captação de água da Estação de Tratamento de Cubatão, para evitar o recebimento do produto e a contaminação do sistema. A medida foi preventiva, já que a substância foi despejada no Rio Seco, que é um afluente do rio Cubatão.

Derramamento

Um gabinete de crise foi criado para evitar que o derramamento do produto cause danos maiores ao meio ambiente e prejudique a população. Segundo o major Ruy Florêncio Teixeira Júnior, da Polícia Militar Ambiental de Santa Catarina, o produto possui baixa toxidade e a situação já está sendo controlada, por meio de uma empresa terceirizada contratada para realizar a limpeza do local.

“Como qualquer produto químico ele tem algum grau de toxidade, mas a Polícia Militar Ambiental não identificou até o momento alguma mortandade de peixes ou animais relacionados ao vazamento”, explica.

Policial observa derramamento de ácido sulfônico na estrada SC301, em Joinville. Polícia Militar Ambiental de SC/Divulgação

Ainda segundo o militar, amostras do material foram recolhidas para apuração criminal e administrativa referente à infração ambiental.

Segundo informou, por nota, a prefeitura do Joinville, o motorista do caminhão, um homem de 59 anos que não foi identificado, foi resgatado no local do acidente com ferimentos pelo corpo, mas consciente. Ele foi encaminhado ao Hospital Municipal São José e tem quadro de saúde estável, mas permanece em observação.

Luta pela visibilidade trans reúne ativistas em Brasília

Travestis e Transexuais de diversas partes do Brasil se reuniram em Brasília, desde a tarde até a noite deste domingo (28), na primeira marcha pela visibilidade trans, que celebra os 20 anos do Dia Nacional da Visibilidade Trans, em 29 de janeiro.

A “Marsha” Trans Brasil é organizada pela Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra) e pelo Instituto Brasileiro de Transmasculinidades (Ibrat). A “Marsha”, grafada com S, faz referência à ativista norte-americana Marsha P. Johnson. A drag queen se identificava como gay e travesti e lutou pelos direitos da comunidade LGBTQIA+, entre o fim da década de 1960 e meados dos anos 1970.

As deputadas federais Erika Hilton (PSol-SP) e Duda Salabert (PDT-MG), as primeiras parlamentares federais trans do país, são madrinhas desta marcha.

1ª Marsha Nacional pela Visibilidade Trans, em Brasília, pela garantia dos direitos e sobrevivência das pessoas trans, não binárias e travestis. Foto: José Cruz/Agência Brasil

A secretária de Articulação Política da Antra, Bruna Benevides, afirma que a pauta prioritária do movimento é o direito à vida das pessoas trans, com o fim da transfobia. “A comunidade trans ainda não tem assegurado o direito à vida plenamente no Brasil. Isso é muito grave! Porque, se nós temos uma violência sistemática que alcança a nossa comunidade, como é que a gente vai pensar em outras políticas públicas?”, questiona.

Bruna Benevides também cobra a efetivação de políticas públicas, a ratificação de conquistas, além da destinação de recursos financeiros à Secretária Nacional LGBTQIA+ do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania.

“Neste momento, que o governo federal saia do armário e assuma um compromisso com a vida das pessoas trans”, cobra. “Porque, quando a gente vê a luta antirracista avançar, a luta das mulheres, o combate à misoginia, o combate à violência de gênero, o combate ao genocídio dos nossos povos originários, ou mesmo a proteção de povos indígenas e de nossas crianças e idosos, a gente fica espantado e pergunta: quando vai chegar a comunidade LGBTQIA+? Porque a gente ainda não está posicionado na centralidade desse processo?”, acrescenta.

A transexualidade é um aspecto da diversidade de gênero, em que os indivíduos não se identificam com o gênero que lhes foi atribuído no nascimento e pode não se alinhar com os padrões tradicionais masculinos ou femininos.

Festa e luta

Na concentração, no início da tarde, em frente ao Congresso Nacional, uma bandeira com as cores do movimento trans (rosa, azul e branco) recebeu mensagens escritas e assinaturas das pessoas presentes. E ao redor da bandeira, centenas de ativistas dançaram ao som do verso da canção “Flutua”, do cantor brasileiro Johnny Hooker e da cantora trans Liniker: “Ninguém vai poder querer nos dizer como amar”.

A responsável pela discotecagem, no alto de trio elétrico, a DJ [disc jockey] Ella Nasser, de 32 anos, afirma que os corpos trans são vítimas preferenciais da violência no país. “Somos as primeiras a morrer. E a gente não pode deixar os outros confortáveis em matar a gente, nos violentar e nos colocar em vulnerabilidade. Precisamos, realmente, mostrar para as pessoas que não devem fazer barulho só para a população, mas, principalmente, para o governo. Mostrar para eles que a gente existe.”

Laynna Souza participa da 1ª Marsha Nacional pela Visibilidade Trans, em Brasília. “Quero mais dignidade e respeito” Foto: José Cruz/Agência Brasil

A trans Laynna Souza, que conquistou o título Miss Brasil Diversidade 2022, ostentou a faixa e a coroa na marcha trans. Ela veio a Brasília pela primeira vez, vinda Manaus (AM), onde tem um salão de beleza e também trabalha com transexuais em situação de rua, no projeto “Viva melhor com sua identidade de gênero”. “Quero mais dignidade, mais respeito, mais compaixão e que não as vejam apenas como corpos e, sim, como pessoas, como seres humanos. Essas vidas são importantes para nós.”

Crença e religiosidade

O respeito à crença e religiosidade das pessoas trans foi outra bandeira levantada durante a marcha, em Brasília. A coordenadora Nacional da Conexão Nacional de Mulheres Transsexuais e Travestis de Axé (Conat), Fernanda de Oya de Xangô, de 52 anos, entende que a luta nunca pode parar para não serem invisibilizadas e pede inclusão. “Infelizmente, o acolhimento a nós ainda não existe totalmente. Só queremos ser reconhecidas, ter a nossa identidade feminina dentro das casas de axé. Por causa do colonialismo, por causa desse patriarcado, que é fundamentalista, não vê muitas de nós como mães de santo”.

Brasília (DF), 28.01.2024 – “Queremos ser reconhecida, ter nossa identidade feminina reconhecida”, afirma Fernanda Oya de Xangô. Foto – José Cruz/Agência Brasil

Vestida da cabeça aos pés de rosa choque, maquiada e segurando um leque enorme, a assistente social Camila Lima, de 39 anos, chamou a atenção do público e foi bastante procurada para tirar fotos. Ela coordena uma unidade de acolhimento do albergue municipal de Primavera do Leste (MT) e conta que tem 20 anos de trajetória como ativista e representante da resistência da população trans.

“Chegou o momento de a gente soltar a nossa voz, expor as nossas necessidades e mostrar que os preconceitos ainda nos batem muito fortemente. E nossas dificuldades e obstáculos ainda são muitos. Temos necessidades específicas.”

Ludmila Santiago, integrante da associação pelos direitos de travestis e transexuais do gênero feminino do Distrito Federal, Nave Trans, protesta contra a manutenção na nova Carteira Nacional de Identidade (CNI) da distinção entre os nomes de registro civil e social e também o campo “sexo”, no documento, o que ela considera um retrocesso. “Depois de muito diálogo com o movimento social, infelizmente, voltaram com a ideia de colocar e demarcar o ‘sexo’ nesse documento, o que faz com que ele seja extremamente transfóbico para a apresentação de pessoas travestis e transexuais”, avalia a representante da Nave Trans.

Direitos

A Defensoria Pública do Distrito Federal itinerante esteve presente na marcha para atuar na defesa e promoção de direitos das pessoas trans, em questões jurídicas específicas como retificação de nome e gênero no registro civil, reparação por violações de direitos, cometidas pelo Estado, pessoas e entes privados, explicou o defensor Público, Ronan Figueiredo.

“A sociedade, como um todo, é estruturalmente transfóbica. Nenhum equipamento, nenhuma instituição está livre disso, seja o sistema de justiça, seja da saúde, seja da educação. Mas, eu posso falar que a Defensoria Pública do Distrito Federal tem um compromisso radical de uma atuação anti discriminatória e anti transfóbica, em especial”, garantiu o defensor.

Eventos

Em São Paulo, também, neste domingo, ocorreu a VIII Caminhada Trans com o tema Pelo Direito de Sobreviver, Existir e Resistir, coordenada pela organização não governamental (ONG) Projeto Séforas. Nesta edição, a caminhada partiu do vão do Museu de Arte de São Paulo (Masp), na Avenida Paulista, seguiu pela rua Augusta até chegar ao Largo do Arouche, no centro da capital paulista.

VIII Caminhada Trans, na Avenida Paulista, em São Paulo, com o tema ‘Pelo Direito de Sobreviver, Existir e Resistir’, coordenada pela ONG Projeto Séforas. Foto – Paulo Pinto/Agência Brasil

Na segunda-feira (29), às 10h, uma sessão solene no Congresso Nacional marcará os 20 anos da data criada, em 2004, após sessão legislativa de apresentação da campanha Travesti e Respeito, do Ministério da Saúde. O dia da Visibilidade Trans.

Às 18h, nesta segunda-feira, a Antra apresentará, no auditório do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania (MDHC), o Dossiê Assassinatos e violências contra travestis e transexuais brasileiras – 2024, com dados de 2023.

Na ocasião, está prevista a entrega do troféu Fernanda Benvenutty, em homenagem à militante transsexual de João Pessoa (PB), que atuou em defesa os direitos de transgêneros, morta em 2020, aos 57 anos.

Na terça-feira (30), o seminário Travestis e Mulheres Trans na Política Internacional marcará o encerramento das atividades relacionadas aos 20 anos da data que destaca a visibilidade trans.

Chacina de Unaí revelou Brasil profundo, diz pesquisador

Os assassinatos de três auditores-fiscais e um motorista do Ministério do Trabalho, em crime que ficou conhecido como “Chacina de Unaí”, completou 20 anos neste domingo (28). Foram assassinados os auditores Eratóstenes de Almeida Gonsalves, João Batista Soares Lage e Nelson José da Silva e o motorista Aílton Pereira de Oliveira.

O episódio, ocorrido na cidade mineira de Unaí em 28 de janeiro de 2004, revelou a dificuldade de coibir o trabalho análogo à escravidão e o Brasil profundo da ação dos privilegiados contra os mais desassistidos. Essa é a avaliação do historiador Gladysson Pereira, pesquisador da Universidade Estadual de Alagoas.

“O crime revela o Brasil de uma desigualdade profunda e mostra inúmeros aspectos históricos. É óbvio que o processo de abolição foi feito de uma forma que não impactava na vida daqueles que eram os ‘donos do Estado’”, afirmou o pesquisador.

A falta de condições adequadas de fiscalizar, mesmo em período democrático, mostra, para o professor, como os privilegiados agem contra os desassistidos. E como esse comportamento mantêm a força mesmo contra servidores públicos federais.

O professor contextualiza que demorou mais de um século, desde a Abolição da Escravatura (1888), para que o Estado brasileiro reconhecesse, em 1994, que havia “trabalho escravo”. “Quando o Grupo Móvel de Fiscalização do Ministério do Trabalho, naquele ano, começa a atuar, mexe numa antiga ferida. Os latifundiários mantiveram os trabalhadores sob condições de vida e de trabalho, semelhantes a escravos, durante muito tempo em larga escala”.

Ferida e convicção

A auditora fiscal aposentada Valderez Monte, hoje com 79 anos, foi integrante e uma das coordenadoras do grupo móvel de fiscalização. Ela atuou em 151 ações fiscais de 1995 a 2003, que resgataram 2.409 trabalhadores de condições subumanas de vida e trabalho.

Ela recorda que a chacina de Unaí deixou a categoria ferida e mais temerosa. “Mas quem trabalha nessa atividade faz por convicção, amor e certeza de que é possível ajudar pessoas de situações muito degradantes”.

Valderez trabalhava principalmente em operações nas regiões Norte e Centro-Oeste. Embora conhecesse os colegas assassinados em Minas Gerais, não tinha trabalhado com eles. “Sabíamos que precisávamos de mais apoio, mas esse crime não fez com que a gente parasse. Brigamos por melhores condições de trabalho, mas temos convicção do que precisa ser feito”.

Atualmente, ela atua como pesquisadora Instituto do Trabalho Digno, uma entidade sem fins lucrativos que elabora pesquisas sobre a atividade laboral no Brasil. “Precisamos de, pelo menos, três mil auditores, e temos cerca de mil. O país é continental e as práticas dos latifundiários não é muito diferente do que naquela época”.

Ela recorda ter testemunhado situações muito degradantes, de lavradores que trabalhavam por uma refeição por dia e sequer conheciam dinheiro. “Muito triste. Isso nos dá força para continuar mesmo com as ameaças que os grandes proprietários fazem contra nós”, afirma.

Resgates

Durante o dia, representantes do governo federal recordaram que, neste domingo, que marca os 20 anos da chacina de Unaí, é o Dia Nacional do Combate ao Trabalho Escravo. O ministro-chefe da Secretaria de Comunicação Social, Paulo Pimenta, afirmou que, em 2023, 3.151 pessoas foram resgatadas em condições análogas à escravidão no Brasil. Esse é o maior número registrado desde 2009.

Ele acrescentou que, em comparação a 2022, as denúncias aumentaram 61%. “Seguimos fortalecendo as instituições de fiscalização do trabalho. Temos um longa jornada pela frente, mas estamos o rumo certo”, apontou no microblog X, antigo Twitter.

Disque 100

O ministro Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania, Silvio Almeida, também na rede social, lamentou que ainda hoje o trabalho análogo à escravidão seja uma realidade. Ele destacou as ações do governo federal e pediu apoio da população. “Cada um de nós desempenha papel vital na erradicação dessa prática inaceitável e desumana”. Para isso, pediu que denúncias cheguem ao Disque 100.

Brumadinho: corte fragiliza direito de vítimas, avaliam assessorias

Assessorias técnicas que prestam suporte às vítimas da tragédia ocorrida em Brumadinho (MG) afirmam que um corte nos seus orçamentos, comunicado no ano passado, trouxe impactos significativos para a sua atuação. A contratação dessas entidades foi um direito conquistado judicialmente pelas comunidades impactadas e seu custo deve ser arcado pela mineradora Vale. Elas são escolhidas pelos próprios atingidos e contam com profissionais de áreas variadas, como direito, sociologia, psicologia, arquitetura, engenharia e agronomia. A medida busca assegurar que as vítimas da tragédia estejam amparadas e tenham informações técnicas para pleitear seus direitos.

Na quinta-feira (25), a tragédia completou cinco anos. No episódio, o rompimento da barragem da mina Córrego do Feijão, da mineradora Vale, liberou uma avalanche de milhões de metros cúbicos de rejeitos, soterrando 270 vidas e gerando ainda devastação ambiental e poluição em diversos municípios mineiros, localizados na Bacia do Rio Paraopeba. As famílias das vítimas contabilizam 272 mortes, levando em conta que duas mulheres estavam grávidas.

Ao todo, foram contratadas quatro entidades para atuar ao longo da Bacia do Rio Paraopeba. Atingidos das cidades de Brumadinho, Mário Campos, São Joaquim de Bicas, Betim, Igarapé e Juatuba selecionaram a Aedas. Em Esmeraldas, Florestal, Pará de Minas, Fortunas de Minas, São José de Varginha, Pequi, Maravilhas, Papagaios, Caetanópólis e Paraopeba, o Nacab foi o escolhido. Já o Instituto Guaicuy atende os municípios de Três Marias, Felixlândia, Abaeté, Morada Nova de Minas, Paineiras, Biquinhas e São Gonçalo do Abaeté. Por fim, as comunidades indígenas recebem suporte do Insea, entidade que foi contratada em um acordo específico e que não foi afetada por essa redução orçamentária.

O corte de recursos foi anunciado no ano passado com base no acordo judicial firmado em 2021 entre a Vale, o governo mineiro e três instituições: o Ministério Público de Minas Gerais (MPMG), o Ministério Público Federal (MPF) e a Defensoria Pública do estado. Foi estabelecido que a mineradora deve arcar com R$ 37,68 bilhões  para reparar os danos morais sociais e coletivos. O acordo prevê uma série de medidas envolvendo investimentos socioeconômicos, ações de recuperação socioambiental, ações para garantir a segurança hídrica, melhorias dos serviços públicos, obras de mobilidade urbana, entre outras. As indenizações individuais não entraram no acordo, sendo discutidas à parte, em negociações judiciais e extrajudiciais que já estavam em curso.

Para as assessoria técnicas, foi anunciado o valor R$ 150 milhões. De acordo com Flávia Gondim, coordenadora da Aedas, o corte foi de praticamente metade do que era previsto e pegou as entidades de surpresa. “Em março do ano passado, a gente foi informando por meio de um ofício das instituições de Justiça. Isso resulta em uma fragilização no direito das pessoas atingidas. Em julho, as instituições de Justiça nos chamaram para firmar um termo de compromisso com algumas disposições que já estavam decididas por elas”, conta.

Flávia Gondim explica que as assessorias técnicas começaram a atuar ainda em 2019, conforme decisão judicial no mesmo processo em que a Vale foi condenada a garantir a reparação integral dos danos. “Quando o acordo de reparação foi firmado e homologado judicialmente em 2021, os danos difusos e coletivos passaram a não ser mais objetos do processo. O acordo criou uma nova fonte de custeio e um novo escopo para a assessoria técnica. Mas, desde que ele foi firmado, há três anos, a gente batalha para aprovar o plano de trabalho, que organiza a atuação das assessorias técnicas.”

Flávia Gondim, coordenadora da Aedas, diz que corte de recursos pegou entidades de surpresa – Tânia Rêgo/Agência Brasil

As assessorias técnicas chegaram a fazer quatro planos de trabalho que não foram aprovados. O quinto, apresentado em fevereiro do ano passado, finalmente recebeu o aval das instituições de Justiça. Mas, já no mês seguinte, as entidades foram comunicadas que o valor previsto seria cortado pela metade. “Informamos que seria impossível executar completamente aquele plano de trabalho aprovado. Mas as instituições de Justiça reafirmaram o corte. Disseram que o valor seria referente ao restante do tempo de execução das assessorias técnicas, que é de três anos, contando a partir do início de 2023. A gente fez uma desmobilização de mais de 100 pessoas da equipe. E isso repercute na nossa atuação em campo e no direito das pessoas. E o tempo de atuação que a gente tem daqui em diante é de dois anos”, acrescenta a coordenadora da Aedas.

Demissões também foram realizadas pelo Instituto Guaicuy. “Precisamos iniciar um processo de redução no quadro de funcionários, desligando 40 pessoas”, anunciou a entidade em abril do ano passado”. Assim como a Aedas, o Nacab também critica o corte. A entidade, no entanto, afirma que poderia ter sido pior. Segundo nota divulgada em seu site, um primeiro anúncio indicava que o volume de recursos seria 48% inferior ao previsto. Por meio do diálogo, o percentual foi reduzido para 30%. “Durante todo esse período, o Nacab prezou por uma solução que atendesse à exigência das instituições de Justiça de uma atuação mais enxuta, mas que, atendesse a necessidade imediata de assessoria técnica das famílias atingidas”, diz o texto.

Com a mudança no orçamento, foi preciso então escrever o sexto plano de trabalho, observando atuações prioritárias listadas no termo de compromisso elaborado pelas instituições de Justiça. As entidades deverão prestar suporte aos atingidos nas seguintes medidas previstas pelo acordo: projetos de demandas das comunidades atingidas e das comunidades tradicionais, projetos para a Bacia do Paraopeba e para Brumadinho. São iniciativas que envolvem diretamente as populações impactadas. e caberá às assessorias técnicas atuar para viabilizar a participação informada dos atingidos.

Em nota, o MPMG anunciou o repasse de R$ 150 milhões para as assessorias técnicas, com prazo de 30 meses para realizar tarefas de apoio às pessoas atingidas e povos e comunidades tradicionais. O montante foi repartido entre todas as entidades que atuam na Bacia do Rio Paraopeba. Foi instituído também um processo de fiscalização das atividades, com monitoramento e avaliação da execução dos planos de trabalho.

“As assessorias técnicas independentes devem prestar contas com a máxima transparência, mediante a apresentação de relatórios trimestrais, finalísticos e financeiros”, informa o MPMG. Ainda de acordo com a nota, o termo de compromisso dá mais densidade regulatória na efetuação do direitos dos atingidos à assessoria técnica, e o ajuste foi necessário para compatibilizar a existência das diversas estruturas que atuam na prestação e fiscalização das atividades reparatórias.

Indenizações individuais

A reparação daqueles danos que não foram abarcados pelo acordo continua sendo tratada no processo judicial. Há discussões, por exemplo, sobre as indenizações individuais e os danos supervenientes, que incluem aqueles que ainda não foram devidamente identificados. O escopo de atuação das assessorias técnicas para estas questões também tem sido tratado no processo. “Sobre esses pontos, nós entregamos um plano de trabalho específico, e as instituições de Justiça levaram ao processo em 9 de março do ano passado”, conta Flávia Gondim. Ainda não houve, no entanto, uma decisão do juiz validando esse plano de trabalho nem definindo tempo de implementação e volume de recursos.

Há cerca de dez dias, o MPMG organizou uma apresentação de balanço da reparação passados cinco anos da tragédia. Junto com as demais instituições de Justiça, foi anunciado que foram selados mais de 23 mil acordos de indenização individual. Esses números se referem a acordos firmados com base em termos de compromisso negociados pela Vale com a Defensoria Pública de Minas Gerais e com o Ministério Público do Trabalho (MPT). Eles fixam parâmetros para os pagamentos.

Em nota, a Vale afirma que, desde 2019, mais de 15,4 mil pessoas fecharam acordos de indenização. “A Vale reafirma seu profundo respeito às famílias impactadas pelo rompimento da barragem e segue comprometida com a reparação de Brumadinho, priorizando as pessoas, as comunidades impactadas e o meio ambiente”, acrescenta o texto. A divergência entre os números apresentados pela Vale e os divulgados pela Defensoria Pública e pelo MPT pode se dar porque alguns atingidos têm direito a mais de um acordo, como no caso daqueles que perderam parentes e sofreram outros impactos.

Para Flávia Gondim, esses balanços não permitem ter uma dimensão correta da reparação. “Eles mostram quantitativos de pessoas indenizadas. Mas a nossa pergunta principal é outra. Não é quantas pessoas foram indenizadas. É quantas pessoas foram atingidas e quais são os danos que devem ser reconhecidos. E aí a gente consegue saber a proporção de pessoas que foram indenizadas frente ao total de atingidos. A gente tem uma bacia inteira”, diz ela.

Engenheira civil Josiane Melo perdeu irmã na tragédia de Brumadinho e critica processo indenizatório – Divulgação/TV Brasil

A Associação dos Familiares das Vítimas e Atingidos pelo Rompimento da Barragem em Brumadinho (Avabrum) avalia que esse processo indenizatório foi atropelado. A entidade considera que não houve negociação. Era aceitar a oferta ou recusar. “Até teve uma escuta, mas não havia espaço para argumentos. E foi tudo muito em cima do acontecido. A gente ainda estava com 197 pessoas não encontradas, em meio ao caos, e as reuniões sobre as indenizações já tinham começado”, diz a engenheira civil Josiane Melo, que integra a diretoria da Avabrum e faz duras críticas ao acordo. Ela perdeu sua irmã Eliane Melo, que estava grávida de cinco meses.

Liquidação coletiva

No mês passado, uma decisão do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) estabeleceu um novo ingrediente para o processo indenizatório. O juiz Murilo Silvio de Abreu acolheu pedido do MPMG e concordou com a possibilidade de liquidação coletiva. Dessa forma, os atingidos, caso quisessem, poderiam pleitear suas indenizações de forma conjunta. A Vale contesta a decisão e argumenta que a fase de liquidação não pode ser iniciada porque há estudos periciais ainda em curso, os quais serão suficientes para identificar todos os danos individuais e valorá-los. Também defendeu a liquidação de forma individual como meio mais adequado.

As assessorias técnicas consideram que a decisão é um avanço. “É fundamental que as pessoas tenham acesso à indenização justa e também ao reconhecimento. Isto é, as pessoas serem reconhecidas como atingidas. Em um processo coletivo, o juiz define quais são os parâmetros de indenização, quais são os parâmetros de reconhecimento e como vai se dar a execução. E a Vale vai ser obrigada a seguir as determinações. Então seria um avanço muito grande, porque, sem esse processo coletivo, as pessoas atingidas ficam discutindo e disputando ali com a Vale individualmente. E, tendo em vista todo o poderio da Vale, a disputa é bastante desigual. Ela tem estrutura, tem muitos advogados”, diz Flávia Gondim.

Na sua decisão, o juiz Murilo nomeou como perita a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Caberá à instituição prestar auxílio ao juízo na hora de arbitrar os valores indenizatórios. Documentos produzidos pelas assessorias técnicas poderão ser juntados ao autos para consideração no processo. Eles podem ser levados em conta para o estabelecimento de uma matriz de danos. É possível que uma liquidação coletiva beneficie inclusive aqueles que já firmaram acordo de indenização e receberam valores. Isso depende do que ficou pactuado em cada caso. Mas, havendo danos que não tenham sido contemplados, o atingido pode requerer valores adicionais.

“Estamos falando de uma indenização que não é referente a um dano causado de forma pontual. É um conjunto de danos extremamente complexo que modificou profundamente a vida das pessoas. Então no âmbito individual é muito mais difícil as pessoas conseguirem ter indenização justa. No processo coletivo, os parâmetros coletivos fixados pelo juiz vinculam a Vale. Não será ela a responsável por dizer quem é e quem não é atingido. Ela terá que aplicar os critérios de reconhecimento que forem fixados. Também não será a Vale que vai dizer quanto vai pagar para as pessoas. Esse é o grande avanço da liquidação coletiva”, acrescenta Flávia Gondim.

Balanço do acordo

No balanço da reparação passados cinco anos da tragédia, as instituições de Justiça fizeram uma avaliação positiva da execução do acordo até o momento. “Nós não conseguiríamos na Justiça de forma alguma o que foi estabelecido no acordo”, relata o procurador-geral do MPMG, Jarbas Soares Júnior. O Movimento dos Atingidos por Barragem (MAB), organização que luta contra os impactos causados pela atividade minerária em todo o país, tem outra visão e considera que a reparação não chegou às comunidades mais atingidas.

Para as assessorias técnicas, os montantes definidos para cada uma das medidas não correspondem à demanda. “O que a gente tem confirmado na execução do acordo é que esses valores foram estipulados sem ter uma projeção real do quantitativo de recurso que era necessário para reparação. Foi fechado o valor para depois mensurar o dano. Então é como se o valor orientasse o direito, quando deveria primeiro ter sido feito um diagnóstico dos danos, para estabelecermos o direito à reparação, e então mensurar o valor”, diz Flávia Gondim. Segundo ela, o acordo fez o inverso.

A coordenadora da Aedas afirma que os achados das assessorias técnicas indicam muitos desafios para a reparação. “Uma das coisas que a gente identifica muito como assessoria técnica é o profundo adoecimento das pessoas atingidas. É algo generalizado. Há uma contraposição entre o que é difundido pela Vale e o que a gente vê quando pisa no chão no solo atingido e conhece o que é vivenciado pelas pessoas. É completamente diferente.”

O direito à assessoria técnica já havia sido conquistado pelos atingidos em uma outra tragédia, ocorrida mais de três anos antes. Em novembro de 2015, 19 pessoas morreram no rompimento de uma barragem em Mariana (MG) pertencente à mineradora Samarco, joint-venture da Vale e da BHP Billiton. O episódio causou também grande devastação ambiental na Bacia do Rio Doce, atingindo cidades mineiras e capixabas até a foz. Apesar da conquista, divergências entre os atingidos e a mineradora atrasaram a implementação plena do direito.

“Em muitos territórios da Bacia do Rio Doce, os atingidos só tiveram assessoria técnica mais recentemente, oito anos depois. No epicentro, na cidade de Mariana e em cidades vizinhas, elas foram criadas um pouco depois do rompimento. Mas, no restante da bacia, demorou mais. Já na Bacia do Rio Paraopeba, a atuação das assessorias técnicas foi assegurada para todos os territórios logo depois do rompimento da barragem. Teve uma decisão judicial em que esse direito foi garantido”, explica Flávia Gondim.

Mais recentemente, o Congresso aprovou e o presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, sancionou a Lei Federal 14.755/2023, que institui a Política Nacional de Direitos das Populações Atingidas por Barragens (PNAB). Era uma demanda antiga dos atingidos.

Foram fixadas regras de responsabilidade social que devem ser observadas pelas mineradoras. Além disso, foram estabelecidos direitos para as populações que sofrem os impactos decorrentes das atividades envolvidas. Um deles é a assessoria técnica independente. Dessa forma, a atuação dessas entidades se tornou uma exigência legal. “Assessoria técnica é um direito fundamental para garantir o mínimo de paridade de armas na disputa judicial e extrajudicial contra a Vale e as mineradoras que cometem esses crimes”, acrescenta Flávia Gondim.

Medo da chuva faz morador de São Sebastião criar sistema alternativo

Moradores de vários bairros de São Sebastião, no litoral norte de São Paulo, criaram sistema de comunicação próprio pelas redes sociais onde repassam alertas da Defesa Civil, previsão do tempo, avisos de emergência. Nas últimas 24 horas a troca de mensagens se intensificou. O motivo: as chuvas que caem no litoral de São Paulo. Na noite de ontem (24), precipitação pluviométrica de grande intensidade atingiu São Sebastião, de acordo com a Defesa Civil Municipal.

A forte chuva alagou bairros como Juquehy, Barra do Sahy, Barra do Una, Camburí e Boraceia. Às 20h de ontem o Sistema de Alarme Remoto foi acionado. Sirenes de alerta dispararam e moradores tiveram de sair de casa. Na Vila do Sahy, um abrigo municipal foi mobilizado para acolher moradores em áreas de risco. De acordo com a prefeitura da cidade, quatro pessoas pernoitaram no abrigo. Não houve vítimas. 

No ano passado, em fevereiro, fortes chuvas provocaram deslizamentos que soterraram 64 pessoas em São Sebastião.

No bairro de Toque-Toque Pequeno houve remoção de três famílias. As residências estão em área de perigo de deslizamento. De acordo com a prefeitura de São Sebastião, essas pessoas foram levadas para o abrigo.

“Está chovendo a semana toda, mas chove mais à noite, de madrugada, só ontem não choveu durante o dia”, conta Raquel Kutrowatz, moradora no bairro Barequeçaba, em São Sebastião. Ela explica que os moradores interagem através dos grupos em rede social para trocar informações e alertas. “As pessoas aqui recebem SMS [da Defesa Civil], recebem informações de deslizamentos, se a chuva é forte, quantidade prevista. Nos grupos há muita interação. Isso ajuda mesmo”, explica.

Registro do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemanden) aponta que no Litoral Norte paulista o maior índice de precipitação ocorreu em Caraguatatuba, com 155 milímetros nas últimas 12 horas. Caraguatatuba é um município localizado entre São Sebastião e Ubatuba.

A prefeitura de Ubatuba informa que há 16 desabrigados nos municípios e sete pessoas desalojadas. Os pontos de alagamento nos bairros de Perequê-Açu, Anchieta, Estufa I, Botafogo, Arque Guarani e Usina Velha.

Rodovias interditadas

Na rodovia que liga São José dos Campos a Caraguatatuba, a força das águas sobre as pistas na Serra Antiga da Tamoios provocou a interdição do tráfego por volta das 22h de ontem.

Na Mogi-Bertioga, o Departamento de Estradas de Rodagem (DER) interrompeu o tráfego também na altura do km 84, entre os municípios de Biritiba-Mirim e Bertioga, devido a queda de barreira.

Servidão é filme sobre resistência, diz diretor de documentário

“Abolição já. A outra não valeu”. É com essa frase, estampada nos cartazes que distribuídos para salas de cinema de todo o Brasil, que é apresentado o novo filme de Renato Barbieri, o documentário Servidão.

“Servidão é uma peça de resistência que fizemos para fortalecer o movimento abolicionista brasileiro, contra a escravidão contemporânea, porque o cinema tem uma função social importante, de mobilizar, de engajar. E a gente reuniu um grupo incrível de abolicionistas, homens e mulheres, verdadeiros heróis e heroínas, porque muitos até arriscam a vida, outros perdem a vida. O filme trata disso, muitos tombaram defendendo a liberdade, defendendo a Constituição e defendendo os direitos humanos”, disse o cineasta Renato Barbieri, em entrevista à Agência Brasil.

Com narração da artista Negra Li, Servidão discute o quanto as marcas da escravidão continuam a permear as relações trabalhistas no mundo atual, embora sejam consideradas crime pelo Código Penal Brasileiro. Servidão é um alerta de que a Lei Áurea até pode ter abolido o direito de propriedade e de comércio dos escravizados, mas não transformou as relações de trabalho, já que ainda existem pessoas enfrentando situações em que são forçadas a trabalhos ou jornadas exaustivas ou a condições degradantes e sem liberdade.

“Muita gente pensa que a escravidão acabou em 13 de maio de 1888. O que muita gente não sabe é que a escravidão, em sua forma contemporânea, começou no dia seguinte, 14 de maio de 1888. Ou seja, o Brasil nunca teve um dia sequer como nação livre.

Para Barbieri, a escravidão moderna tem uma outra forma, diferente daquela clássica que tinha o tronco e as correntes de ferro. “As correntes hoje são muito mentais, de você desvalorizar e rebaixar a pessoa para dominá-la psicologicamente, corporalmente e psiquicamente, e com estratégias terríveis de enganação, de oferecer salário bom, emprego bom e, na verdade, quando chega no fim do mês, o trabalhador fica devendo. Isso é trágico, isso é covarde, isso é cruel e está entranhado na sociedade e no Estado brasileiros e, de alguma maneira, está entranhado na lei também. Temos que fazer uma refundação desse país, porque a gente tem cinco séculos de escravidão e uma mentalidade escravagista muito forte ainda”, acrescentou.

Para Barbieri, a escravidão moderna tem forma diferente daquela clássica, no tronco e com correntes de ferro. Foto: Reynaldo Zangrandi/Divulgação

Além de ouvir jornalistas, historiadores, auditores-fiscais e pessoas que lutam contra a exploração da força de trabalho, o longa também acompanhou alguns trabalhadores rurais escravizados em frentes de desmatamento na Amazônia brasileira. E com isso, ele conseguiu demonstrar que, na maior parte desses casos, as pessoas que são submetidas a situações de exploração têm baixa escolaridade e estão em situação de extrema pobreza. Situação que não ocorre somente no campo, mas também na construção civil, nas confecções e nos quartinhos de empregada.

Um dos personagens do filme é o maranhense Marinaldo Soares Santos, de 52 anos. Marinaldo começou a trabalhar na roça, junto com os pais, aos dez anos de idade. “Somos de uma família bem pobre e o começo da nossa infância foi trabalhando na roça com nossos pais. Não tínhamos renda nenhuma. Minha mãe era quebradeira de coco e meu pai trabalhava na roça. E o que a gente aprendeu foi esse serviço de trabalhar na roça, plantar e colher”, disse à reportagem.

Por causa disso, Marinaldo só conseguiu ir para a escola mais tarde, aos 16 anos. Mas por pouco tempo. Com a mesma idade ele começou a trabalhar em fazendas da região. “Eu ainda tinha 16 anos na primeira vez que eu saí para trabalhar, na região do Pará. Trabalhei e ganhei um dinheirinho bacana. Nesse primeiro serviço, trabalhei e não fui enganado, então aquilo ali me deu a ambição para sair mais outras vezes. Aí, nas outras vezes eu acabei quebrando a cara.”

Com pouca escolaridade e precisando de dinheiro, Marinaldo acabou sendo vítima de trabalho escravo. Por 13 vezes. “Em busca de recurso pra minha família, acabei sendo escravizado a maior parte das vezes em que eu trabalhei. Eu tinha meu direito negado. Na verdade, eu nem conhecia meu direito. Aquilo que eu estava passando, achava que estava passando por causa da minha precisão, porque eu era pobre”.

Por muitas vezes, Marinaldo trabalhou sem receber dinheiro. “A gente trabalhava com fome às vezes. Na maioria das vezes, quando dava três horas, a gente estava fraco de fome. Também não tinha ‘dormida’ adequada. Dormia debaixo de pé de árvore, debaixo de barracos de lona. Tinha vezes que chovia e a gente só podia dormir depois que a chuva passava: se chovesse a noite toda, a gente tinha que ficar segurando a lona para não se molhar. Isso era uma coisa muito complicada para a gente, mas a gente não tinha como reivindicar o nosso direito. Trabalhava das seis às seis, sem ter descanso nenhum, sábado, domingo. A água que a gente bebia era a mesma água que o animal bebia também. Era uma coisa muito triste que só da gente contar e lembrar o que a gente passou é sofrer duas vezes”.

A situação só foi superada quando ele conheceu seus direitos. Na verdade, não só quando conheceu seus direitos mas quando lhe foi oferecida uma oportunidade de conseguir deixar aquela situação. Com isso, ele acabou virando um agente de mudança. Hoje ele trabalha como vigia em uma escola e desempenha um papel de agente de cidadania no Centro de Defesa da Vida e dos Direitos Humanos Carmen Bascarán, em Açailândia (MA), ajudando outras pessoas a lutarem por seus direitos. “Hoje eu vivo lutando para que outras pessoas não passem pelo que a gente já passou porque ser escravizado é muito triste. Infelizmente eu já passei [por isso], então eu conto a minha história. Não tenho vergonha e nem medo de contar porque se a gente calar a boca esse é mais um meio para ter facilidade para outro ser escravizado”, afirmou.

Mudanças

Marinaldo atualmente faz rodas de conversa para dar dicas para que as pessoas não sejam submetidas a essa forma de trabalho escravizado. Entre as dicas que ele dá, estão a necessidade da pessoa sempre comunicar à família o endereço de seu trabalho e também buscar mais informações sobre a empresa ou pessoa para quem vai trabalhar. Também é importante fazer um contrato de trabalho para estabelecer as funções e salário. “E qualquer coisa que der errado, eles não devem se desesperar: é só procurar fazer denúncia, porque nós somos humanos. Então, se somos humanos, nossos direitos são iguais e temos que reivindicar nossos direitos”, reforçou.

Documentário estreia no Dia Nacional de Combate ao Trabalho Escravo. Foto: Reynaldo Zangrandi/Divulgação

Ele também defende que o governo brasileiro se empenhe na solução do problema, não só melhorando a fiscalização, mas disponibilizando cursos profissionalizantes para as comunidades mais carentes. Com isso, disse, as famílias poderiam ter sua própria renda e não necessitariam se deslocar para dentro das matas e se submeter a condições degradantes. Marinaldo diz ainda que o governo precisa oferecer condições para que a pessoa saia dessa situação. “Precisa oferecer um meio da pessoa ter um lucro, um ganho. Porque senão ela vai voltar a ser explorada”, destacou.

Já Barbieri defende que o combate à escravidão moderna só será possível com a participação de toda a sociedade. “Acho que está na hora da nossa geração, dos viventes, assumir essa missão para si e começar a escrever um novo livro do Brasil. Não é nem escrever uma nova página, é escrever um novo livro, um livro de uma nação livre.”

Cenas do filme Servidão. Foto: Reynaldo Zangrandi/Divulgação – Reynaldo Zangrandi/Divulgação

 

Filme

O filme, que chega hoje (25) aos cinemas, marca o Dia Nacional de Combate ao Trabalho Escravo, que completa 20 anos no dia 28 de janeiro. A data foi instituída em homenagem aos auditores fiscais do trabalho Eratóstenes de Almeida Gonçalves, João Batista Soares Lage e Nelson José da Silva e ao motorista Aílton Pereira de Oliveira. Eles foram mortos em 28 de janeiro de 2004 quando investigavam denúncias de trabalho escravo em fazendas na cidade mineira de Unaí, no episódio que ficou conhecido como a Chacina de Unaí.