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Quarta CNC destaca a participação social nas políticas para a cultura

A quarta Conferência Nacional de Cultura (4ª CNC), encerrada nessa sexta-feira (8), voltou a dar destaque à participação social nas políticas públicas sobre cultura, após mais de dez anos desde a última conferência nacional, em dezembro de 2013.

O resultado foi a aprovação de 30 propostas prioritárias que irão compor o documento final do encontro para dar rumo ao setor no Brasil na próxima década. O Plano Nacional de Cultura será escrito com base nas decisões da conferência e com mais debates com os conselhos de cultura nos estados e municípios.

De acordo com o Ministério da Cultura (MinC), responsável pela realização da conferência, quase cinco mil pessoas estiveram no Centro de Convenções Ulysses Guimarães, em Brasília, para o evento.

Brasília (DF) – A ministra da Cultura, Margareth Menezes, durante entrevista coletiva sobre a 4ª Conferência Nacional de Cultura Foto:  Marcelo Camargo/Agência Brasil

Após cinco dias de intensas atividades, como análises, consultas, escutas, sugestões, debates e embates e, por fim, as votações e as aprovações do que teve consenso da maioria dos votantes, as experiências vividas em Brasília, de forma geral, foram bem avaliadas pelos participantes: delegados eleitos de todas as regiões do país, representantes de governos municipais, estaduais e federal e convidados da classe artística e de variados segmentos da sociedade civil.

Na abertura da plenária final, ainda na quinta-feira (7) à noite, a ministra da Cultura, Margareth Menezes, realçou o compromisso da atual gestão federal com a democracia, após dez anos de ausência de um debate nacional mais amplo e participativo. “Foi uma resistência da democracia e nós resistimos, nós merecemos essa Conferência, o setor cultural, a sociedade.”

Em entrevista à Agência Brasil, a presidente da Fundação Nacional de Artes (Funarte), do MinC, Maria Marighella, defendeu o espaço democrático da 4ª CNC, que evidenciou o protagonismo dos fazedores de cultura em suas próprias histórias. “Agente fez uma vitória, primeiro a imensa vitória de reconstituir, de restituir a participação no país, numa conferência histórica maior da história do país. E o setor cultural realmente merecia e precisava do compromisso da democracia com a participação. Depois que não existe política pública sem participação e política pública se conjuga no plural e os fazedores de cultura são parte fundamental da política pública,” disse.

O presidente do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), do Minc, Leandro Grass, comemorou o momento. “É um passo muito importante para consolidar a cultura como política de Estado e não só como política de governo; para fortalecer o Ministério da Cultura, as secretarias [de Cultura] e política cultural.” Grass realçou que a conferência foi histórica para o Brasil. “É um divisor de águas na história do Ministério da Cultura e que renderá frutos no curto, no médio e no longo prazo. Nosso papel é traduzir tudo isso em ações concretas, em orçamento para atender todas as necessidades que o movimento cultural.”

Brasília (DF) 07/03/2024 – Presidente da Fundação Cultural Palmares, João Jorge Rodrigues dos Santos durante 4ª CNC Foto: José Cruz/Agência Brasil

Outro órgão do MinC, a Fundação Cultural Palmares, foi representada pelo presidente, João Jorge Rodrigues. Ele, que também é fundador do grupo afro-percussivo Olodum, na Bahia, falou que a conferência fortalece a instituição que vem sendo reconstruída há pouco mais de um ano, no governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. “A Palmares tem a missão de apoiar as ações de 102 milhões de brasileiros, os afro-brasileiros pretos e pardos, além de apoiar aqueles que não são pardos,” afirmou.

“A cultura é um vestido ou um paletó com a gravata que um país veste. Se não está bem-vestido, não se apresenta bem. A cultura é isso: é o que nós somos, é o que nós seremos, é o que nós somos”, define o presidente da Fundação Cultural Palmares, João Jorge Rodrigues.

O secretário Executivo do MinC, Márcio Tavares, fez um balanço positivo da conferência. “Foram cinco dias de intenso debate. A plenária final, que é composta pela sociedade civil, pelos delegados que foram eleitos no processo das conferências estaduais e municipais, se expressa, dá sua opinião livremente e, com isso, conseguimos ter um conjunto de propostas que está muito alinhado com aquilo que o governo defende e que vai contribuir muito com as nossas diretrizes de trabalho, de reconstrução do Plano Nacional de Cultura”, afirmou.

Sociedade Civil

À Agência Brasil, o ator Francisco Díaz Rocha, conhecido como Chico Díaz, presente à 4ª CNC, considerou fundamental a retomada da construção da integração cultural promovida durante o encontro. E ainda defendeu os direitos dos trabalhadores da cultura. “Há que se reconhecer o terreno onde se vive as agruras do fazer cultural. Mas, há que se reconhecer o terreno que se vive primeiro. E o vasto espectro que a cultura brasileira oferece, da Amazônia a Porto Alegre, do Atlântico ao Peru, à Bolívia. Há que se reconhecer a potência criativa, a potência de como fazer sobreviver esses trabalhadores da cultura. Então, há que se diagnosticar primeiro para poder construir”, declarou o ator de TV, cinema e teatro.

O ator Chico Diaz na 4ª Conferência Nacional de Cultura, por José Cruz/Agência Brasil

A delegada da 4ª CNC de Pedreiras, no Maranhão, Francinete Braga, comemorou os avanços do grande encontro desta semana e fez um balanço, a partir do ponto de vista de quem contribui para escolha do que deve ser priorizado na cultura do Brasil. “Quase todas as propostas de diversos eixos que debatemos contemplam a questão da mulher negra, da mulher de terreiro. Ressalto a questão dos povos indígenas, dos ciganos, que é um povo que está um pouco visibilizado. Logo, esses segmentos, essas culturas, produtores culturais, esses fazedores de cultura, terão recursos para melhorar aquele fazer que eles já sabem tão bem”, projeta Francinete Braga.

Outra delegada e representante dos povos indígenas no Conselho Nacional de Política Cultural Daiara Hori Figueroa Sampaio, do povo indígena Tukano, do Alto Rio Negro na Amazônia brasileira, informou que 60 delegados eleitos nas conferências estaduais, além de convidados que participaram dos conselhos anteriores, representantes de pontos de culturas e museus indígenas e articuladores de cultura indígena de todo o Brasil, reforçaram o diálogo sobre o setor das culturas indígenas.

Brasília (DF) 07/03/2024 – 4ª Conferência Nacional de Cultura Foto: José Cruz/Agência Brasil – José Cruz/Agência Brasil

Para Daiara Tukano, marcar a presença indígena em todos os eixos da conferência surtiu efeito. “Conseguimos aprovar diversos projetos que incluem os povos indígenas, com destaque ao projeto de criar um plano nacional para as culturas indígenas, levando em consideração a transversalidade de nosso setor. Afinal, estamos em todas as linguagens. Somos indígenas artistas, músicos do circo, temos patrimônio material, de patrimônio material”, disse.

A professora Neide Rafael, do Distrito Federal, foi à conferência como convidada e entende que não existe cultura sem educação e vice-versa. Para ela, os desafios na afro educação ainda persistem no Brasil. “Salve toda a possibilidade de continuação de vida para a nossa juventude negra, onde o Hip-hop não será espaço de demérito, mas espaço de cultura viva e que a periferia esteja presente em todas as manifestações culturais no âmbito de respeito da cultura brasileira,” afirmou.

Dentro do Hip-hop, destacado pela educadora, um dos 80 representantes do segmento nesta conferência foi Cristiano Martins de Souza, de Goiânia (GO). Nome de batismo que quase ninguém conhece. Em grupos de rappers, Cristiano é o Mc Baiano. Ele participou de todas as quatro conferências nacionais de cultura e se admira com o crescimento da categoria no evento. “Esta foi uma das melhores conferências de cultura que já participei. O Hip Hop vem aqui como movimento de inclusão social. Nós conquistamos aprovar a cadeira do Hip Hop nos municípios e nos estados. Esse era um dos nossos objetivos”, ressaltou.

A produtora da área de audiovisual e mestra de cultura negra, Ângela Maria do Vale, de São Paulo, destacou o respeito aos elementos orais da cultura, preservados pelas pessoas idosas em vários fóruns de debates da conferência. Apesar dos diferentes pontos de vista em várias questões, Ângela disse que houve sensibilidade coletiva com os guardiões da memória da cultura brasileira. “Hoje, eu vejo resgatado nessas discussões que foram feitas aqui, a questão das matrizes africanas.  Houve respeito pela forma como foram colocados os saberes orais dos mestres de cultura tradicionais,” disse.

A opinião sobre a valorização dos mestres da cultura foi compartilhada com Rita Santos, de Salvador (BA), que exerce o cargo de ekedi na religião Candomblé, que auxilia pai ou mãe de santo e trabalha como uma espécie de zeladora dos orixás, divindades da mitologia africana. “Nós conseguimos fazer a lei de mestres e mestras de culturas. Essa garantia é importante para todos eles. Nós temos muitos mestres que morrem à míngua em lugares distantes. Então, é uma vitória, na preservação dos valores e tradições da nossa cultura”, destacou.

No encerramento da 4ª CNC, os participantes ainda tiveram a oportunidade de assistir ao show da cantora baiana Daniela Mercury, na noite dessa sexta-feira (8), no estacionamento do Centro de Convenções Ulysses Guimarães, gratuitamente.

4ª CNC aprova 30 propostas de políticas públicas para cultura

A 4ª Conferência Nacional de Cultura (4ª CNC), realizada pelo Ministério da Cultura (Minc), chegou ao último dia, nesta sexta-feira (8), em Brasília, com o tema central Democracia e Direito à Cultura.

Na plenária final, iniciada na noite de quinta-feira (7) e encerrada nesta sexta-feira (8), os delegados apresentaram à ministra da Cultura, Margareth Menezes, as 30 propostas consideradas prioritárias, dos seis eixos temáticos da conferência. Após a análise, debates e votações durante 4 dos 5 dias da conferência, os mais de 1.200 delegados ainda ordenaram as propostas vencedoras em uma escala de votos recebidos.

A 4ª CNC encerrou o intervalo de mais de 10 anos, desde a última conferência, em dezembro de 2013. O evento começou com 140 propostas acolhidas nos municípios, estados e Distrito Federal. Os grupos de trabalho escolheram 84 prioridades, que se transformaram em 30, nas plenárias dos seis eixos temáticos.

Durante a manhã desta sexta-feira, na plenária final, os delegados ainda discutiram, modificaram, aprovaram e rejeitaram algumas propostas apresentadas durante a realização da 4ª CNC.

As dezenas de moções aprovadas em bloco na plenária final não entram no texto final das 30 propostas aprovadas pela conferência. Servem para marcar posicionamentos ou prestar apoio a ideias.

4ª Conferência Nacional de Cultura – Foto: José Cruz/Agência Brasil

Avanços

A conselheira do Conselho Nacional de Política Cultural (CNPC) produtora Mariana Queiroz apontou que entre os avanços do texto final da conferência estão, sobretudo, a valorização e visibilidade dada ao protagonismo dos mestres e mestras das culturas populares; o olhar para a cultura indígena como grande influenciadora da formação da identidade cultural brasileira. 

De acordo com a conselheira, outro ponto amplamente defendido foi a ampliação de representações de setores culturais no CNPC, como o audiovisual, a capoeira, a cultura digital, entre outros.  

Para o Colegiado Setorial de Culturas Populares, que faz parte da estrutura do CNPC, houve pedido para divisão em vários colegiados das culturas populares, devido às várias vertentes dentro da cultura popular. “Avalio que são inovações que teremos nesse próximo Plano Nacional de Cultura. Acho que passaremos 20 anos olhando para essa conferência de 2024, porque se produziu muito material”, disse Mariana Queiroz. 

Outra questão aprovada entre as 30 propostas está o fortalecimento da Política Nacional das Artes, do Eixo 6 – Direito às artes e linguagens digitais. A previsão é de publicação de mais editais públicos para financiar projetos culturais que valorizem a inclusão e a diversidade de gênero, racial, cultural e artística brasileira.

Em entrevista à Agência Brasil, a presidente da Fundação Nacional de Artes (Funarte), Maria Marighella, comentou a missão da entidade nesse processo. “Coordenaremos o grupo de trabalho que levantará os insumos no prazo de 1 ano. Esse grupo apresentará os elementos de construção da Política Nacional das Artes e precisará ser validado em uma plenária de cultura”.

Próximos passos

O secretário Executivo do MinC, Márcio Tavares, explicou que após 60 dias da realização da CNC, as propostas serão encaminhadas aos conselhos municipais, estaduais e do Distrito Federal, pontos de cultura, além de delegados e secretarias estaduais e municipais de Cultura. As propostas servirão para o ministério elaborar, em conjunto com a sociedade civil, o novo Plano Nacional de Cultura.

“Conseguimos ter um conjunto de propostas que está muito alinhado com o que o governo defende e que vai contribuir muito com as nossas diretrizes de trabalho, de reconstrução do Plano Nacional de Cultura”, avaliou positivamente o secretário Executivo do MinC.

A previsão é que, até outubro deste ano, o texto da proposta seja enviado para apreciação do Congresso Nacional. Somente após toda a tramitação no Poder Legislativo, se aprovado, a lei seguirá para sanção presidencial para se materializar, enfim, em Plano Nacional de Cultura, com duração de 10 anos.

Programa de aceleração de economia criativa apoia projetos em MT

Uma produtora independente de eventos, sediada em Cuiabá (MT) tem capacitado e gerado oportunidades de trabalho e renda a pessoas trans no estado. A Cidadão Oddly oferece seis cursos voltados ao entretenimento do público LGBTQIAPN+ e ao audiovisual (social media, fotografia, disc jockey, video maker, produção cultural e bartender – profissionais que preparam bebidas.

As pessoas trans, habilitadas pela organização não governamental (ONG), têm atuado no mercado local, como em uma festa de réveillon para 1.500 convidados e, mais recentemente, no Carnaval de Blocos e Escolas de Samba, para 15 mil pessoas, na capital mato-grossense. O cocriador da produtora, Victor Hugo Rocha, diz que gerar oportunidades no mercado de trabalho transforma a vidas de pessoas trans que antes, muitas vezes, se dedicavam à prostituição para sobreviver. “Pouco a pouco, esses cursos vêm mudando a vida das pessoas, dão dignidade a essas vidas, criando oportunidades de trabalho. E esse simples fato já faz grande diferença.”

Economia Criativa

A realização dos cursos para pessoas trans foi possível após a produtora passar por um programa de aceleração para economia criativa que apoia iniciativas, projetos ou negócios de impacto social, com ou sem fins lucrativos, sediados ou que atuem em Mato Grosso. O MOVE_MT é promovido pela Secretaria de Cultura, Esporte e Lazer de Mato Grosso, em parceria com Instituto Ekloos e o Instituto Oi Futuro, que atua para estimular o intercâmbio de conhecimento com mais diversidade e inclusão.

Foi assim que a Cidadão Oddly e outras 19 iniciativas do estado passaram por cursos e mentorias, em um ciclo de aceleração com 1.700 horas de formação nas áreas de gestão, inovação, impacto social, comunicação, gestão financeira e captação de recursos.

Após esse período, a Cidadão Oddly se tornou uma ONG focada em empregabilidade trans. No início deste ano, a Cidadão Oddly e mais quatro iniciativas foram premiadas na segunda edição do programa, o MOVE_MT 2. Juntas, a Cidadão Oddly, Hip Hop Atemporal, Pé de Folclore – Cáceres, Rios e Lendas, Produtora Audiovisual Quariterê e Tece Arte dividem a premiação de R$ 356,43 para investir e estimular os negócios.

Cuiabá – ONG Cidadão Oddly oferece cursos voltados ao entretenimento do público LGBTQIAPN+ e o audiovisual – Foto ONG cidadão

Futuro

Com esse aporte, a Cidadão Oddly quer crescer. Para 2024, a ONG planeja executar três ciclos de capacitação, com duração de três meses. Cada um deles deve preparar para o segmento de produção cultural 60 beneficiários, totalizando 180 pessoas trans e não binárias capacitadas e inseridas no mercado de trabalho até dezembro.

À frente da ONG, Victor Hugo quer causar impacto social ainda maior. Para o ano que vem, tem a meta de abrir os cursos para toda a comunidade LGBTQIPN+ [Lésbicas, Gays, Bi, Trans, Queer, Intersexo, Assexuais, Pan/Pôli, Não binárias e mais]. “Porque a gente entende a necessidade de dar oportunidade a esse público que está vulnerável dentro da comunidade. Então, a gente quer conseguir ofertar mais cursos para mais pessoas e trabalhar com todas as siglas da comunidade LGBTQI e PN+. Esse é o nosso plano de crescimento”.

Tradição e futuro 

Outro projeto destacado pelo MOVE_MT 2 é o Tece Arte, da Associação das Redeiras de Limpo Grande, Várzea Grande, na região metropolitana da capital mato-grossense. A entidade é formada por 55 mulheres, que tecem redes em teares herdados de indígenas guanás, da etnia Chané-Guaná, em tradição ancestral passada de mães para filhas.

Várzea Grande (Mato Grosso) – Artesanato do coletivo de mulheres redeiras _ Foto Divulgação Tece Arte

Nesse caso, o programa de aceleração da economia criativa buscou aliar os conhecimentos tradicionais à valorização dos produtos, agregando valor e, assim, promover o desenvolvimento sustentável na comunidade. A presidente da Tece Arte, Jilaine Maria da Silva Brito, explica como participar do programa que desenvolve de forma objetiva e acelerada os empreendedores contribuiu para fortalecer os negócios da associação. “Foi muito importante para nossa gestão. Evoluímos, nos fez entender a nossa importância no mercado e, fazer parte dos 8,5 milhões de artesãos no Brasil. Somos da economia criativa e nossos produtos são de impacto positivo.”

Com a parte do prêmio MOVE_MT2, promovido pela instituição, Jilaine Maria pretende iniciar projeto piloto de uma primeira turma de curso para a comunidade sobre o modo de fazer a rede e divulgar essa arte. “Isso mudou a vida das 50 mulheres que fazem parte de nosso coletivo e vai gerar renda. Assim, também vamos dar continuidade à perpetuação da tradição”, afirma.

Diversidade nas telas  

Outra iniciativa premiada pelo programa MOVE_MT 2 é a produtora Aquilombamento Audiovisual Quariterê, também de Cuiabá.

Desde 2017, o coletivo social luta pelo acesso de profissionais de diferentes recortes sociais (raça, gênero e sexualidade) a toda a cadeia produtiva do segmento audiovisual. O grupo realiza mostras, sessões de exibição de filmes, cineclube e produz filmes.

A cineasta e membro do Aquilombamento Audiovisual Quariterê Juliana Segóvia acredita que faltava algo antes de a produtora passar pelas 1.700 horas de capacitação do programa estadual. “Ainda não havia entre nós a estrutura estabelecida de negócio/empresa, porém sempre existiu, desde o início, a garantia de que cada um daqueles que pertencem a essa coletividade tem o objetivo de garantir, em suas realizações e produções individuais, a presença das pessoas pertencentes aos recortes sociais que trazemos ao debate”

Protagonismo

Cuiabá (Mato Grosso) – Produtora audiovisual da Quariterê – Foto divulgação Quariterê

Agora, com o prêmio, a produtora quer ir além de propor, debater, influenciar e monitorar políticas públicas nos âmbitos municipal e estadual, que convergem em ações afirmativas. A iniciativa quer que os produtos audiovisuais realizados pela equipe reflitam a população do estado, por meio de novo olhar para os consumidores e o mercado regional. “A Quariterê terá a oportunidade de sair do papel como um negócio que se estabelecerá no mercado mato-grossense, com o intuito de viabilizar o protagonismo racial de indígenas e negros, em suas equipes de trabalho cinematográfico/audiovisual”

MOVE_MT 2

O programa MOVE_MT 2 surgiu após a Secretaria de Cultura, Esporte e Lazer de Mato Grosso idealizá-lo e buscar a parceria do Instituto Oi Futuro para desenvolvê-lo, a fim de formar empreendedores da economia criativa. Desde 2017, no estado do Rio de Janeiro, onde o instituto está localizado, o Oi Futuro acelerou mais de 1.150 empreendedores de 143 negócios e organizações.

A gerente executiva de Programas, Projetos e Comunicação do instituto, Carla Uller, destaca como essa formação impacta as comunidades locais. “Esses empreendedores têm enorme impacto em seus territórios, gerando trabalho, renda, inclusão e transformação social efetiva. É um estado que está trabalhando para fortalecer seu próprio ecossistema, mas também se conectar com a cena de outras regiões do país.”

De acordo com o Oi Futuro, o objetivo agora é replicar o modelo de sucesso do MOVE_MT para outros estados, com novos parceiros.

Antropólogos propõem incluir povo indígena em debate sobre bioeconomia

O estudo Bioeconomia indígena: saberes ancestrais e tecnologias sociais, destaca que a bioeconomia, embora tenha chegado há pouco tempo no Brasil, já era praticada há milhares de anos pelos povos originários do país e deve destacar o protagonismo indígena nas discussões sobre esse tema.

A publicação, lançada em Brasília nesta semana, foi produzida pelos antropólogos indígenas Braulina Baniwa e Francisco Apurinã, ou Yumuniry, em colaboração com o instituto de pesquisa WRI Brasil, faz parte do World Resources Institute.

Segundo Braulina, a pesquisa foi construída em conjunto com lideranças indígenas da Amazônia. O objetivo é trazer a diversidade de entendimento sobre o que significa economia para os povos indígenas. Para esse trabalho, foi considerado o conhecimento das mulheres do povo Baniwa. “E tudo que é escrito nesse lugar, a partir das grafias, é nossa ciência”.

“O desafio para a academia ainda é demarcar nossos processos, enquanto povos indígenas, a partir do nosso entendimento. Muitas pessoas fora da Amazônia falam da Amazônia. Mas nunca saberão o que de fato é ser da Amazônia. Nós também nos desafiamos a ocupar esses lugares para trazer as nossas realidades”, disse a antropóloga.

Braulina afirmou que os povos indígenas têm a sua economia, que precisa de valorização, reconhecimento, a partir do lugar ocupado por esses povos.

“Precisamos superar a palavra povos indígenas participam e dizer povos indígenas também produzem e colaboram para construir uma economia a partir do entendimento deles. Acho que esse é o grande desafio. É uma alegria poder mostrar a tecnologia social, mostrar que as mulheres têm esse conhecimento e suas ciências, que precisam de valorização”.

Ciência milenar

Brasulina afirmou que a bioeconomia é apenas um conceito dos não indígenas para falar dos conhecimentos indígenas. “Então, precisamos trazer nossos conceitos para esse lugar”. Ela disse que não se deve esquecer que as mulheres indígenas, por várias gerações, têm assegurado que são produtoras de uma ciência milenar, que precisa ser valorizada e fortalecida para que esse conhecimento não se perca.

O antropólogo Francisco Apurinã, por sua vez, enfatizou que não existe bioeconomia indígena dissociada dos territórios, que são constituídos por vários ecossistemas, protegidos por guardiões e seres que ali habitam.

“Não tem como falar sobre bioeconomia, educação, saúde, sem dissociar dos territórios. Para nós, o que existe é um diálogo entre todos os territórios e todos os seres, e os povos indígenas são mais um componente”.

Apurinã disse que por não entender o alcance da ciência indígena, todas as ações feitas dentro dos territórios indígenas sem a sua participação não vão dar certo, porque “tudo tem de ser construído a partir da participação dos povos indígenas”. Indicou que a partir do momento em que os órgãos fazedores de leis olharem e respeitarem as leis que existem nos mais de 300 povos indígenas no Brasil, talvez tenham algo mais próximo da realidade.

Sustentabilidade

Braulina lembrou que é necessário que os pesquisadores indígenas tenham a oportunidade de defender não só a Amazônia, mas os povos de todos os territórios no Brasil, de todos os biomas, e que todos no país saibam que os pesquisadores e mulheres indígenas produzem ciência e fazem parte do processo de sustentabilidade.

Segundo Apurinã, as primeiras pessoas a perceber mudanças na região foram os indígenas, os povos originários, os seringueiros. Para ele, as mudanças climáticas e do meio ambiente são um problema planetário. “E a gente precisa encontrar o remédio para curar essa doença”. Se não existir mais floresta, não haverá mais vida, sinalizou.

“Os cientistas não indígenas devem aprender com os indígenas, apesar destes serem tão marginalizados historicamente no país. A ciência branca tem falhado nas soluções propostas e deve aproveitar o conhecimento dos povos indígenas de todos os biomas do Brasil”, disse diretor do WRI, Rafael Barbieri.

A conclusão é que o conceito de bioeconomia tem sido debatido por diferentes setores da sociedade brasileira sem dar, entretanto, a devida importância e espaço para os povos originários, que são profundos conhecedores desse tema. Para os povos indígenas, o conceito de bioeconomia se confunde com o conceito indígena de economia. “Garantir o fortalecimento da bioeconomia por meio do conhecimento ancestral indígena é o mesmo que garantir o manejo, a manutenção e sustentabilidade da natureza ou daquilo que se convencionou chamar de meio ambiente e biodiversidade”, ressalta Apurinã.

O estudo indica também que, ao contrário da lógica capitalista, que via o lucro, a economia indígena se baseia na produção sustentável, em harmonia com a natureza e com base na garantia do bem viver da coletividade. 

TV Brasil reprisa bate-papo com escritora Ana Maria Gonçalves

 A TV Brasil reprisa nesta quarta-feira (21), às 22 horas, entrevista com a escritora Ana Maria Gonçalves sobre o romance histórico Um Defeito de Cor, que inspirou o enredo da escola de samba Portela no carnaval do Rio de Janeiro deste ano. A entrevista exclusiva foi ao programa Trilha das Letras.

Clássico literário nacional no ritmo de samba

Publicado em 2006, o título Um Defeito de Cor é um marco da literatura brasileira que migrou das livrarias para a Marquês de Sapucaí e de lá para um novo perfil de leitores. Com quase mil páginas, a obra foi vencedora do importante Prêmio Casa de Las Américas no ano de seu lançamento. No embalo do desfile da agremiação azul e branco do bairro de Oswaldo Cruz, na zona norte do Rio, as vendas do romance Um Defeito de Cor cresceram exponencialmente. A performance da Portela na Passarela do Samba com desfile sobre a obra rendeu à agremiação o quinto lugar na apuração do Grupo Especial e o prestigiado prêmio do Estandarte de Ouro nas categorias melhor escola e enredo.

A autora Ana Maria Gonçalves destaca a emoção de ver seu livro ganhar novos ares em manifestações culturais diversas, como a literatura e a folia. A celebrada convidada se surpreende com a concepção ampliada na adaptação para a cadência do samba.

“É uma experiência única de entender o que é ver o livro ser transformado em enredo, ir para a Avenida e com certeza alcançar um público que a literatura não alcança”, pondera a escritora no bate-papo com a apresentadora do Trilha de Letras.

“Acho que isso talvez seja furar a bolha de leitores para contar essa história num outro lugar, de um outro modo, através de uma linguagem tipicamente brasileira. O samba tenho por mim que é a inscrição do Brasil no mundo”, afirma Ana Maria Gonçalves.

A escritora Ana Maria Gonçalves é entrevistada pela apresentadora Eliana Alves Cruz. Foto: Tânia Rêgo/Agência Brasil

Trama de ficção com perspectiva histórica

O romance ficcional com referências históricas retrata a escravidão e confere protagonismo a uma mulher negra. A obra conta a história de uma africana que viaja para o Brasil em busca de um filho. Na narrativa da publicação de Ana Maria Gonçalves, os fatos históricos estão imersos no cotidiano dos personagens.

“Me interessei pela história da Rebelião Malê, que nunca tinha estudado em aula de história. A gente aprende mais sobre essas guerras como a de Peloponeso e Constantinopla, do que sobre as rebeliões escravas que estiveram aqui perto da gente e com certeza tiveram uma influência muito maior na história do país”, avalia.

Rio de Janeiro – Desfile da Portela em 2024 foi inspirado na obra da escritora. Foto: Alex Ferro | Riotur

Este ano, outras escolas de samba do Grupo Especial do Rio de Janeiro como Grande Rio, Viradouro e Porto da Pedra também inspiraram seus enredos em livros. A tendência mostra que a combinação de obras literárias e carnaval fomenta novas gerações de leitores e dá samba.

Sobre o programa 

A entrevista exclusiva com Ana Maria Gonçalves marcou o início da quinta temporada da produção o canal público e também a estreia da autora Eliana Alves Cruz como titular do programa Trilha de Letras. O conteúdo exibido originalmente em novembro está disponível no app TV Brasil Play e no YouTube da emissora.

A conversa semanal sobre o universo dos livros gravada na BiblioMaison também pode ser acompanhada em formato podcast nas plataformas digitais. O programa ainda tem uma versão radiofônica que vai ao ar às quartas, mais tarde, às 23h, pela Rádio MEC.

O Trilha de Letras busca debater os temas mais atuais discutidos pela sociedade por meio da literatura. A cada edição, o programa recebe um convidado diferente. A atração foi idealizada em 2016 pela jornalista Emília Ferraz, atual diretora do programa que entrou no ar em abril de 2017. Nesta temporada, os episódios foram gravados na BiblioMaison, biblioteca do Consulado da França no Rio de Janeiro 

A TV Brasil já produziu três temporadas do programa e recebeu mais de 200 convidados nacionais e estrangeiros. As duas primeiras temporadas foram apresentadas pelo escritor Raphael Montes. A terceira, por Katy Navarro, jornalista da Empresa Brasil de Comunicação (EBC). A jornalista, escritora e roteirista Eliana Alves Cruz assume a quarta temporada, que também ganha uma versão na Rádio MEC. 

A produção exibida pelo canal público às quartas, às 22h, tem horário alternativo aos domingos, às 23h. O Trilha de Letras ainda vai ao ar nas madrugadas de quarta para quinta e de domingo para segunda, na telinha. Já na programação da Rádio MEC, o conteúdo é apresentado às quartas, às 23h. 

Ao vivo e on demand   

Acompanhe a programação da TV Brasil pelo canal aberto, TV por assinatura e parabólica. Sintonize: https://tvbrasil.ebc.com.br/comosintonizar.   

Seus programas favoritos estão no TV Brasil Play, pelo site http://tvbrasilplay.com.br ou por aplicativo no smartphone. O app pode ser baixado gratuitamente e está disponível para Android e iOS. Assista também pela WebTV: https://tvbrasil.ebc.com.br/webtv.   

Serviço
Trilha de Letras – quarta, dia 21/2, às 22h, na TV Brasil
Trilha de Letras – quarta, dia 21/2, às 23h, na Rádio MEC
Trilha de Letras – quarta, dia 21/2, para quinta, dia 22/2, às 3h30, na TV Brasil
Trilha de Letras – domingo, dia 25/2, às 23h, na TV Brasil
Trilha de Letras – domingo, dia 25/2, para segunda, dia 26/2, às 4h30, na TV Brasil 

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Pesquisadora surda defende tese de doutorado em libras na UFRJ

Uma tese de doutorado sobre a língua brasileira de sinais (libras) defendida na própria língua brasileira de sinais. O ineditismo da conquista da doutora em linguística Heloise Gripp Diniz, de 48 anos, dá uma ideia dos obstáculos que ela enfrentou até ser a primeira surda a conquistar o título no Programa de Pós-Graduação em Linguística da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

Em entrevista por e-mail à Agência Brasil, a pesquisadora carioca conta que é filha de pais surdos e faz parte de uma geração que reivindica o protagonismo também na academia. “Nada sobre nós sem nós”, resume Heloise com a frase que é usada por minorias que buscam participar e liderar a produção do conhecimento sobre si próprias.

Heloise é formada em letras-libras e tem mestrado em linguística pela Universidade Federal de Santa Catarina. Na UFRJ, além de doutora, é professora do Departamento de Libras da Faculdade de Letras.

Sua tese foi sobre Variação fonológica das letras manuais na soletração manual em libras. Afinal, se o português e as outras línguas faladas têm suas variações, as línguas de sinais, como a libras, também têm, explica a doutora. Mas, como fazer uma pesquisa de variações “fonológicas”, sonoras, em uma língua de sinais? Assim como os sons das letras formam as palavras no português, dimensões como  a configuração da mão, a orientação da palma, o movimento, a direção e a locação são as partes que compõem o significado transmitido com os sinais.

“Minha pesquisa evidencia que há variação fonológica nas letras manuais de acordo com a soletração manual, destacando a diversidade e a riqueza linguística presentes nesse aspecto da libras”. 

Chegar a uma universidade prestigiada e defender uma pesquisa acadêmica sobre sua língua por meio dela própria é não apenas uma honra ou conquista individual, conta ela, mas parte de um avanço de toda uma comunidade surda em ascensão. “Este avanço não apenas celebra as conquistas individuais, mas também fortalece o movimento mais amplo em prol dos direitos, inclusão social e reconhecimento dos povos surdos e das comunidades surdas, tanto acadêmicas quanto não acadêmicas. Essa conquista simboliza um passo significativo rumo à valorização, visibilidade e respeito pelas contribuições e perspectivas únicas dos surdos em todos os aspectos da sociedade.

Confira a entrevista da pesquisadora à Agência Brasil: 

Agência Brasil – Como você avalia o cenário da pesquisa linguística em Libras hoje no Brasil?
Heloise Gripp Diniz – As pesquisas linguísticas na área da libras eram anteriormente conduzidas mediante comparação com a língua portuguesa, sem considerar devidamente a estrutura linguística própria da libras. Com o reconhecimento legal da libras como a língua de sinais, conforme estabelecido pela Lei nº 10.436/2002, houve uma mudança significativa na abordagem dessas pesquisas. Agora, as investigações linguísticas em libras são realizadas não apenas em comparação com o português, mas também em conexão com outras línguas de sinais de diversos países, além das línguas orais. Atualmente, a libras é reconhecida como uma língua de sinais legítima, equiparada às línguas naturais, tanto aquelas sinalizadas quanto as orais.

Agência Brasil – A comunidade surda participa dessas pesquisas como pesquisadora ou ainda está mais no lado dos pesquisados? Como vê esse protagonismo?
Heloise Gripp Diniz – Inicialmente, os povos surdos eram convidados a participar como informantes em pesquisas, algumas vezes com a presença de intérpretes de libras. A partir da década de 2000, reconhecidos como minorias linguísticas e culturais, os povos surdos começaram a ser respeitados e valorizados. Um marco desse avanço foi a formação da primeira turma com o maior número de estudantes surdos no primeiro curso de graduação à distância de Letras Libras (licenciatura e bacharelado), oferecido pelos 15 polos credenciados pela Universidade Federal de Santa Catarina, em 2006. Ao longo dos anos, esses estudantes surdos tornaram-se docentes em diversas universidades e instituições escolares, tanto públicas quanto particulares, em todo o Brasil. Atualmente, o protagonismo surdo está em ascensão, com a presença de mestres e doutores surdos, surdos-cegos, surdos com baixa visão e surdos indígenas em diversas áreas acadêmicas. Esse avanço demonstra uma mudança significativa no reconhecimento e valorização das contribuições dos surdos para o ambiente acadêmico e para a sociedade em geral.

Agência Brasil – Você foi a primeira surda a ser doutora pelo Programa de Pós-Graduação em Linguística da UFRJ, e a primeira a defender uma tese inteiramente em libras no programa. O que isso representa?
Heloise Gripp Diniz – É uma imensa honra para nossos povos surdos e as comunidades surdas que, ao longo do século 19 até os dias de hoje, estiveram e ainda estão engajados na luta por movimentos linguísticos e socioculturais. Essa luta visa reivindicar os direitos linguísticos e culturais dos povos surdos, surdos-cegos, surdos com baixa visão e surdos indígenas, incluindo as línguas de sinais de suas comunidades, além da libras. Como filha de pais surdos, reconhecemos que somos os protagonistas das gerações surdas, dando início ao princípio de “Nada sobre nós sem nós”. Esse reconhecimento representa uma continuidade na formação dos primeiros doutores surdos em relação ao mundo de surdos e à libras, destacando figuras inspiradoras como a professora surda Gladis Perlin, que se tornou doutora em 2003. Este avanço não apenas celebra as conquistas individuais, mas também fortalece o movimento mais amplo em prol dos direitos, inclusão social e reconhecimento dos povos surdos e das comunidades surdas, tanto acadêmicas quanto não acadêmicas. Essa conquista simboliza um passo significativo rumo à valorização, visibilidade e respeito pelas contribuições e perspectivas únicas dos surdos em todos os aspectos da sociedade.

Agência Brasil – Seu trabalho de doutorado foi sobre variações fonológicas das letras feitas com as mãos na língua de sinais. Pode explicar um pouco como a fonologia, que é o estudo do som, é abordada no estudo da libras?
Heloise Gripp Diniz – Na libras, a produção de sinais, equivalentes às palavras em português, e o uso de expressões não manuais e corporais fazem parte da modalidade viso-gestual. Nessa modalidade, a comunicação ocorre no aparelho articulatório de maneira tridimensional, diferentemente da produção de palavras no aparelho fonador, que segue uma abordagem linear. Cada sinal em libras é formado pelos parâmetros fonológicos específicos das línguas de sinais, que incluem a configuração da mão, orientação da palma, movimento, direção e locação. Além da produção de sinais, existe o uso de letras manuais por meio do alfabeto manual, no qual cada letra é representada pela forma da mão. Minha pesquisa evidencia que há variação fonológica nas letras manuais de acordo com a soletração manual, destacando a diversidade e a riqueza linguística presentes nesse aspecto da libras.

Agência Brasil – O português falado no Brasil tem muitas variações regionais e até dentro de uma mesma região. Pode falar um pouco sobre a variedade linguística da língua brasileira de sinais? Heloise Gripp Diniz – Assim como ocorre em todas as línguas humanas, a libras apresenta variedades linguísticas, nas quais os sinais podem ter suas variantes. Semelhante ao português, os aspectos culturais e históricos das comunidades surdas de uma região específica podem influenciar a representação de certos conceitos em sinais, resultando em variação regional na libras. Isso inclui sinais específicos para localidades, tradições locais, alimentos típicos e eventos culturais.

Agência Brasil – Quais são as dificuldades de pesquisar a língua brasileira de sinais quando consideramos, por exemplo, referências acadêmicas, observação dos objetos de estudos e recursos disponíveis?
Heloise Gripp Diniz – A maioria das publicações resultantes de pesquisas linguísticas sobre as línguas de sinais é predominantemente textual, muitas vezes carecendo de ilustrações ou apresentando apenas algumas imagens estáticas. Esse enfoque limitado prejudica a compreensão plena da estrutura linguística da libras. A língua de sinais não se resume apenas aos sinais, mas é complementada pelos morfemas classificadores e pelas expressões não manuais e corporais, bem como pelo espaço da sinalização e o contato do olhar.  Além disso, as pesquisas linguísticas nessas línguas muitas vezes são conduzidas principalmente por meio de referências bibliográficas, com uma quantidade reduzida de estudos baseados em experiências e interações diretas com os povos surdos e a libras, bem como com os povos indígenas e suas línguas. Recentemente, contudo, as pesquisas linguísticas sobre as línguas de sinais têm adotado recursos tecnológicos avançados, como o uso de links de vídeos, códigos de barras digitais e QR Codes. São inovações que têm contribuído significativamente para uma representação mais dinâmica e fiel da linguagem de sinais, respeitando, assim, sua verdadeira estrutura linguística. Essa mudança na abordagem de pesquisa promove uma compreensão mais aprofundada e autêntica das nuances presentes nas línguas de sinais.

Agência Brasil – No seu percurso acadêmico, como a falta de acessibilidade já a prejudicou na hora de acompanhar aulas, apresentar trabalhos e conseguir empregos?
Heloise Gripp Diniz – Durante o meu percurso acadêmico no doutorado, enfrentei desafios relacionados à falta de intérpretes de libras e algumas vezes com alguns intérpretes pouco habilitados em nível superior em algumas aulas, o que resultou em prejuízos para o meu aprendizado e participação nas discussões com a turma em sala de aula. A maioria dos professores não tem conhecimento acerca das línguas de sinais e da escrita de sinais, e há uma escassez de conteúdos específicos sobre o tema. Para contornar a questão, alguns professores enviam seu material com antecedência para a equipe de intérpretes de libras, permitindo estudo dirigido antes das interpretações em sala de aula.
Além disso, reuniões com professores orientadores às vezes são adiadas devido à disponibilidade limitada da equipe de intérpretes de libras. Esses desafios destacam a necessidade de uma maior conscientização sobre as demandas específicas dos alunos surdos no contexto acadêmico, buscando estratégias mais eficazes para garantir sua plena participação e acesso ao conhecimento.

Agência Brasil – Você é professora do Departamento de Libras na UFRJ. Como avaliaria a inclusão de alunos com deficiência auditiva no seu curso e compararia com a universidade como um todo?
Heloise Gripp Diniz – Os estudantes surdos que ingressam no nosso curso de letras libras para se formarem professores de libras têm acesso a algumas informações acadêmicas da universidade através de vídeos gravados em libras, disponíveis no site do nosso departamento, e de materiais didáticos acessíveis, como traduções do português para libras por meio de vídeos gravados, uso de legendas e realização de atividades acadêmicas em duas línguas: libras e português, com avaliação diferenciada respeitando a estrutura da libras, conforme previsto no Decreto nº 5.626/2005. Algumas disciplinas são ministradas por professores não fluentes em libras, contando com a presença de intérpretes nas salas de aula e com recursos visuais. Ao avaliar a inclusão dos estudantes surdos na universidade, levamos em consideração as políticas de acessibilidade adotadas pela faculdade de letras aos poucos, pois há um esforço constante para conscientizar toda a comunidade acadêmica ouvinte da universidade sobre os direitos linguísticos e culturais dos alunos surdos. No entanto, reconhecemos a necessidade de melhorias contínuas para assegurar plenamente esses direitos para os alunos, inclusive para nós, os docentes surdos nos espaços administrativos. Isso inclui a avaliação da qualidade de formação e profissionalismo dos intérpretes de libras, bem como o desenvolvimento de cursos de libras destinados a profissionais e técnicos de diversas áreas, capacitando-os para atuação em ambientes escolares e administrativos. Estamos cientes de que ainda há desafios a serem superados, especialmente considerando a presença de estudantes surdos em outros cursos de graduação, como medicina, direito, educação e cursos de pós-graduação em linguística, educação e ciências da literatura na UFRJ.

Salgueiro focará na essência yanomami e não na tragédia, diz enredista

 

Há um ano, uma série de ações governamentais foi anunciada para fazer frente a uma tragédia humanitária que se arrastava há alguns anos na Terra Indígena Yanomani, no extremo norte do Brasil. A crise, relacionada com o avanço do garimpo ilegal na região, se traduzia em fome, contaminação e alarmante aumento de diferentes doenças, sobretudo a malária. Segundo dados do Ministério dos Povos Indígenas, apenas em 2022, morreram 99 crianças da etnia com menos de cinco anos, na maioria dos casos por desnutrição, pneumonia e diarreia.

Rios contaminados têm coloração e margem afetadas pela atuação de garimpo ilegal na região do Surucucu, dentro da Terra Indígena Yanomami, Oeste de Roraima Foto:  Fernando Frazão/Agência Brasil

A repercussão da tragédia gerou comoção nacional e sensibilizou lideranças do Salgueiro. A escola de samba do Rio de Janeiro levará para o desfile do carnaval deste ano o enredo Hutukara. Será a terceira agremiação a atravessar a Marquês de Sapucaí no domingo, 11 de fevereiro. Mas Igor Ricardo, enredista do Salgueiro, adverte: o foco não será a crise humanitária.

“Nós até vamos abordar a tragédia em um momento específico do desfile, mas o desfile não é sobre a tragédia. O desfile é sobre a essência do povo Yanomami. Quem é verdadeiramente o povo Yanomani? Na televisão, os yanomamis só aparecem quando veiculam notícias sobre a malária ou sobre os impactos do garimpo nas suas terras. Aquilo não é o indígena. É o resultado que a ação de garimpeiros e forasteiros gera nos indígenas. Mas o que esse povo faz? Do que se alimenta? Como trabalham?”.

A Terra Yanomani ocupa mais de 9 milhões de hectares e se estende pelos estados de Roraima e do Amazonas. É a maior reserva indígena do país. Os resultados do Censo 2022 divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) apontam que mais de 27 mil indígenas vivem nessa área.

Mulheres e crianças yanomami em Surucucu, na Terra Indígena Yanomami. Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil

A principal referência para o desenvolvimento do enredo foi o livro A Queda do Céu, assinado pelo xamã yanomani Davi Kopenawa e pelo antropólogo francês Bruce Albert. A obra foi lançada na França em 2010 e teve sua primeira edição traduzida para o português em 2015.

“O yanomami é um povo desconhecido pra gente. Quem lê o livro vai descobrir um universo fantástico. Traduzir isso para o desfile é difícil, foi complexo. O carnaval já tem muita tradição de falar sobre o povo negro, os povos de raiz africana. E com o tempo, fomos nos familiarizando. A gente tem maior conhecimento, por exemplo, sobre Oxum, sobre Ogum. Mas ainda somos muito carentes de conhecimento sobre os povos indígenas. Desenvolvendo esse enredo do Salgueiro, percebi na verdade que a gente não conhece quase nada da cultura indígena”, observa Igor.

O enredista afirma que, no Dia do Índio, celebrado anualmente em 19 de Abril, as escolas costumam organizar apresentações das crianças vestidas com cocares ou sainhas com penas. Segundo ele, essas representações ocorrem muitas vezes a partir de estereótipos. Também tem ocorrido nos últimos anos, sobretudo nas redes sociais, discussões acaloradas em torno da tradição de se usar fantasias com adereços indígenas durante o carnaval. Críticos veem desrespeito à cultura desses povos, enquanto outros consideram se tratar de uma homenagem.

Para o enredista, umas das missões do Salgueiro é mostrar que há uma diversidade entre os indígenas, destacando as especificidades. Para isso, há uma esforço em ser o mais fidedigno possível à representação yanomami. O próprio Davi Kopenawa esteve no barracão para dar o seu parecer sobre as fantasias.

“A gente está tentando ao máximo respeitar os yanomamis como eles são. É a pintura corporal específica deles, é o cocar deles, são os adereços que eles usam no braço. O Salgueiro está se preocupando muito com relação a isso. A gente está muito seguro porque a gente buscou o tempo inteiro se guiar pelo olhar do próprio yanomami. Esculturas que estarão no carro do Salgueiro foram referenciadas em imagens feitas na própria aldeia”, conta Igor.

Mulheres e crianças yanomami em Surucucu. Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil

O desfile também irá apresentar a mitologia yanomami, as práticas culturais, as atividades cotidianas. “O Davi Kopenawa fala que para você respeitar um povo, é preciso conhecê-lo verdadeiramente. Então é um convite ao mundo para conhecer verdadeiramente o povo yanomami, que tanto tem sofrido pela ação do homem branco”.

No final do desfile, esse convite será estendido para que o público procure conhecer também as populações de outras etnias. “São povos que lutam para preservar a língua, lutam contra o desmatamento, contra o tráfico de drogas, contra o risco de despejo. Mas a gente busca mostrar cada esses povos pelas particularidades de cada um deles. Não pela tragédia, mas pela beleza única e exclusiva que eles têm”.

Igor dá um exemplo. “Os Xoklengs têm aparecido muito na mídia por conta do seu protagonismo na resistência contra a tese do Marco Temporal. Mas as notícias não destacam quem são os Xoklengs? Então, por exemplo, eles têm a tradição de fazer um manto de urtiga. Como eles estão em Santa Catarina, eles precisam no inverno de muita proteção contra o frio. E eles produzem um manto bem característico. E nós vamos representá-los no desfile com esse manto”.

Mundo Yanomami

Carnavalesco Edson Pereira (e), enredista Igor Pereira (d) e xamã yanomani Davi Kopenawa (c) Foto: Divulgação/Salgueiro

A palavra Hutukara, título do enredo, é traduzido por Igor como terra-floresta. Ele alerta, porém, para a complexidade do significado do termo. Em 2013, durante uma conferência realizada na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e documentada em uma publicação da instituição, Davi Kopenawa ofereceu um explicação mais aprofundada.

“Nós, povo Yanomami, conhecemos há muitos anos, mais de quinhentos anos, o que nosso pai colocou como Hutukara. Hutukara é uma terra, o branco chama de ‘mundo’, outros falam a palavra ‘universo’. É assim que o branco fala, branco fala que o mundo é redondo. Para nós, povo indígena aqui do Brasil, outros povos indígenas, cada um chama diferente: alguns chamam Hutukara, outros chamam Tupã, outros chamam diferente, mas é uma só. É uma Hutukara só. E nós estamos aqui sentados na barriga da nossa terra mãe. A Hutukara fica junto com a pedra, terra, com a areia, o rio, o mar, o sol, a chuva e o vento. Hutukara é um corpo, um corpo que é unido, ela não pode ficar separada”, disse o xamã.

Para retratar o mundo yanomami de forma mais fidedigna, a linguagem tem sido uma aposta do Salgueiro. A sinopse do enredo faz uso de diversas palavras do idioma yanomami, muitas das quais foram levadas também para o samba-enredo Ya temi xoa! Aê, êa! Ya temi xoa! Aê, êa!.

música é assinada por oito compositores. “Tem gente que tem mais facilidade para mexer com melodia, outros mais facilidade para poesia. Mas todo mundo faz um pouquinho de cada coisa. Nossa parceria, graças a Deus, é bem servida de tanto poetas quanto de músicos”, explica um deles, Marcelo Motta.

Em sua visão, a composição soa como um manifesto. “Não podemos mais aceitar que seres humanos sejam vítimas da exploração em suas terras, ocasionando danos à sua vida e às suas famílias. A mensagem é um verdadeiro manifesto a favor dos povos originários e contra a ganância do homem branco, contra a mineração destrutiva, contra a exploração das terras que pertencem àquele povo”, diz.

De acordo com Marcelo Motta, o processo de produção do samba-enredo envolveu uma imersão no mundo yanomani. “Cada um dos compositores foi se aprofundando mais individualmente também. Eu assisti documentários, entrevistas do Davi Kopenawa nas redes sociais. E depois fizemos reuniões onde cada um trazia suas ideias.”

O resultado agradou o enredista Igor. “O yanomami não fala português na aldeia. O yanomami tem a própria língua. E o samba-enredo foi muito feliz em trazer expressões yanomamis que pouquíssimas pessoas conhecem. E pela visibilidade que o carnaval possui, vai gerar interesse nessa língua”, avalia.

Desfile

Igor destaca que esse trabalho de pesquisa foi encampado com entusiasmo por todos envolvidos na construção do desfile deste ano. Embora o livro A Queda do Céu tenha sido seu principal guia, outros conteúdos também se tornaram referência para a elaboração da sinopse do enredo.

Ele afirma já ter lido 15 obras e cinco artigos, além de ter assistido diversos vídeos. Igor precisa entregar ao corpo de jurados com a defesa do enredo e, por isso, continua lendo outros materiais para fundamentar seus argumentos.

“Hoje eu considero que consigo entender, que consigo dialogar com as pessoas sobre a cultura yanomami. Foi um processo intenso de pesquisa e de estudo porque foi tudo muito novo. E nós vamos mostrar isso. Será um passeio pelo universo yanomami, que tem uma mitologia riquíssima. O desfile começa mostrando o Omama, que é o Deus da criação”, conta.

O Salgueiro também destacará a importância da pesca e da caça como práticas cotidianas, bem como o trabalho das mulheres na roça e na colheita de frutos e principalmente da pupunha, que é característica da Amazônia. “Vamos retratar a Festa da Pupunha. Mas é importante destacar que iremos mostrar o dia a dia de uma aldeia, a maior de Terra Yanomani. Porque são mais de 200 aldeias espalhadas por todo o território”, ressalta Igor Ricardo.

A chegada do garimpo e a cobiça pelo metais preciosos serão representadas em um setor específico. A forma como os yanomamis veem essa situação, a partir da sua mitologia, também será apresentada. “Se tem o Deus da criação que é o Omama, eles acreditam no Deus da destruição que é o Yoasi”, explica o enredista.

Fatos relevantes relacionados com a história e a cultura destes povos também serão apresentados ao público. Será feita referência a artistas plásticos yanomamis que estão expondo fora do Brasil, em diferentes países da Europa e também na China e nos Estados Unidos. Haverá também menção ao livro Ana Mopö: Cogumelos Yanomanis, resultado de um trabalho de pesquisadores indígenas e não indígenas. A obra foi premiada em 2017 na 59ª edição do Prêmio Jabuti de Literatura, na categoria Gastronomia. “Isso deu muito orgulho a eles. Mas recebeu pouco destaque. Foi notícia? Foi. Mas não com tanta repercussão quanto a tragédia humanitária”, destascA Igor.

Jornalista britânico Dom Phillips e indigenista Bruno Pereira – Reuters/Ueslei Marcelino

O desfile reservará ainda espaço para homenagear o indigenista Bruno Pereira e o repórter britânico Dom Phillips, mortos no ano de 2022 em uma emboscada no Vale do Javari, no Amazonas. “Como diz o Davi Kopenawa, não é que os brancos não possam conhecer verdadeiramente os indígenas. É que a gente realmente não conhece. Mas existem alguns brancos que entenderam quem são verdadeiramente os indígenas. E o Bruno e o Dom foram dois deles. Eles conheceram profundamente os povos Matis que vivem no Vale do Javari. E o Salgueiro está fazendo agora esse movimento: é uma escola de samba não-indígena que está tentando entender quem são os indígenas”.

SP: carnaval na rua como ativo cultural foi chave para festa explodir

O Carnaval de rua de São Paulo tem crescido exponencialmente nos últimos anos. A festa popular, que contava com menos de 50 blocos em 2013, passou a ter mais de 500 cordões cadastrados em 2024 e deverá atrair 15 milhões de pessoas, segundo a prefeitura. 

Segundo o pesquisador Guilherme Varella, o aumento excepcional dos foliões nas ruas paulistanas passou a ocorrer quando a festa foi desburocratizada e vista, pela administração municipal, como um ativo cultural da cidade. “O carnaval de rua é a forma mais radical de ocupação cultural da cidade”, destaca Varella que é professor da Universidade Federal da Bahia (UFBA). 

O pesquisador foi um dos responsáveis, na gestão de Fernando Haddad na prefeitura de São Paulo (2013 a 2016), pela implantação da política municipal que deu vazão à demanda reprimida dos foliões de ocuparem as ruas da capital paulista. 

“[Antes de 2013] os blocos eram criminalizados, entre aspas, não penalmente, porque não existia uma lei que fizesse isso, mas empiricamente, no cotidiano da gestão. O bloco queria sair, a prefeitura falava: claro, você pode sair, só que para isso você tem que me dar essa autorização, aquele certificado, aquela licença, pedir a autorização do Corpo de Bombeiros, da Polícia Militar, um sem número de documentos que, na prática, impedia que um bloco saísse”, conta Varella, que é autor do livro Direito à Folia – O Direito ao Carnaval e a Política Pública do Carnaval de Rua na Cidade de São Paulo.

De acordo com o pesquisador, nessa época, só conseguiam ir para a rua os blocos que tinham apelo comercial ou apoio financeiro. Os demais cordões tinham duas opções: ou deixavam de sair, ou saíam “irregularmente”, e eram objeto de ação policial.

“Na década de 90, 2000, São Paulo foi muito marcado por uma característica política dos governos locais, que era a de entender a cidade como algo que deveria ser muito normatizado. A cidade como atenção à propriedade privada, a cidade com um recrudescimento policial, porque havia a ideia de segurança pública como esvaziamento da cidade, não como ocupação”.

Varella frisa que o carnaval de rua, como manifestação cultural da cidade de São Paulo, sempre existiu historicamente, desde o início do século XX. No entanto, o poder público ora negligenciava a festa, ora coibia. “Reprimia quando via que essa coisa estava tomando um tamanho que era considerável, que era relevante para a cidade, que de alguma maneira interferia no cotidiano da cidade”.

Segundo o pesquisador, os primeiros cordões carnavalescos da cidade começaram a ganhar espaço na cidade, principalmente nas várias regiões em que havia a tradição do samba, como na Barra Funda, no Glicério e no Bixiga.

“A cada vez que eles cresciam e também ocupavam a cidade, eles sofriam uma tentativa de controle por parte do poder público. Passavam a ser confinados, ordenados, regrados, institucionalizados, e foi quando eles passaram a se converter em escolas de samba, na década de 40, na década de 50”, conta.

Ressurgimento dos blocos

De acordo com Varella, em 2013, algumas dezenas de blocos carnavalescos criaram o Manifesto Carnavalista, com a reivindicação de direito à folia e de tomar o espaço público. A demanda, segundo ele, encontrou acolhimento em uma nova visão de cidade da gestão de Haddad que, segundo o pesquisador, era baseada na ocupação pública, na abertura dos espaços.

“Tem um fenômeno que é conjuntural também, que é o crescimento da pauta, em todas as grandes cidades do mundo, do direito à cidade. E o carnaval de rua vira propriamente uma pauta de direito à cidade. E essa reivindicação encontra eco na própria agenda política institucional da prefeitura, naquele momento”.

Segundo o pesquisador, outras políticas, nesse mesmo sentido – de dar resposta às demandas da população de mais acesso à cidade – foram implementadas no mesmo período, como a abertura da Avenida Paulista aos pedestres, a instalação de internet em praças públicas, e os coletivos de ocupação noturna da cidade. 

“Esse encontro faz com que a reivindicação do movimento carnavalesco seja atendida como política pública. E se cria propriamente uma política pública para o carnaval de rua de São Paulo”. A nova política, segundo Varella, foi baseada em dois pilares: o carnaval de rua passou a ser visto, pela prefeitura, como um ativo cultural da cidade, um ativo da sua diversidade; e a administração municipal desburocratizou o processo: para saírem, os blocos precisavam basicamente avisar a prefeitura. 

“Essa mudança de chave fez com que o carnaval crescesse exponencialmente. Abriram-se as comportas que estavam represadas. São Paulo tinha um desejo de fazer carnaval que era reprimido. Criou-se um conjunto de fatores que permitiram que os blocos saíssem, no seu protagonismo, com seu conteúdo, sem que a administração interferisse nesse conteúdo”.

Memorial atrasa inauguração por impasse entre atingidos e mineradora

Um pavilhão com cerca de 1,5 mil metros quadrados de área construída, integrado a um amplo jardim, em um terreno de 9 hectares. Trata-se do memorial onde familiares das vítimas da tragédia ocorrida em Brumadinho no dia 25 de janeiro de 2019 poderão se conectar com seus parentes e prestar suas homenagens. Também será um espaço de denúncia.

Nesta quinta-feira (25), a tragédia completou cinco anos. No episódio, milhões de metros cúbicos de rejeitos foram liberados no ambiente, soterrou 270 vidas e gerou ainda devastação ambiental e poluição na bacia do Rio Paraopeba. As famílias das vítimas contabilizam 272 mortes, levando em conta que duas mulheres estavam grávidas.

Pavilhão consruído é integrado a jardim, em terreno de 9 hectares. Foto:  Jomar Bragança/Arquitetos Associados/Divulgação

O memorial fica localizado próximo à mina Córrego do Feijão, onde ficava a barragem da Vale que se rompeu devastando comunidades e poluindo o meio ambiente. Sua construção foi uma exigência dos atingidos na tragédia. A Vale arcou com o custo da obra. Apesar do financiamento, a Associação dos Familiares das Vítimas e Atingidos pelo Rompimento da Barragem em Brumadinho (Avabrum) não aceita que a mineradora administre o espaço.

Gestão

As obras físicas estão concluídas desde 2022, mas sua inauguração está atrasada justamente devido ao impasse entre os atingidos e a mineradora envolvendo a gestão. Segundo a engenheira civil Josiane Melo, integrante da diretoria da Avabrum, a entidade buscou o Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) e o governo mineiro para auxiliar nas tratativas.

Em agosto de 2023, foi finalmente selado um acordo. Para administrar o espaço, está sendo estruturada a Fundação Memorial de Brumadinho, que terá protagonismo dos familiares das vítimas.

 Parentes poderão homenagear vítimas da tragédia. Foto: Jomar Bragança/Arquitetos Associados/Divulgação

Josiane, que era funcionária da Vale na época, estava de férias na data da tragédia. No entanto, sua irmã, que estava grávida, perdeu a vida no episódio. “A ideia do memorial começou a nascer em 2019, da indignação de familiares que, após enterrar seus entes queridos, recebiam notícias de que mais segmentos corpóreos foram encontrados. E as pessoas não queriam ir ao IML [Instituto Médico Legal] para viver todo aquele processo novamente”, afirmou à Agência Brasil.

“Nos disseram que esses novos segmentos seriam então destinados a uma vala comum, sem identificação. Daí nasceu essa ideia do memorial como um cemitério para que a gente pudesse destinar os segmentos corpóreos de uma forma mais digna, identificando as vítimas. E o projeto foi depois tomando outras proporções, para fazer uma homenagem às vítimas e trazer relatos sobre a verdadeira história da tragédia-crime.”

Pavilhão traz o nome de cada uma das vítimas. Foto: Jomar Bragança/Arquitetos Associados/Divulgação

Kenya Lamounier, que perdeu o marido Adriano na tragédia, e também integra a diretoria da Avabrum, diz que uma longa batalha foi travada com a mineradora. “Esse espaço não é da Vale, porque quem mata não rende homenagem. Quem mata tem que ser punido. A gente não aceitaria que a Vale tivesse a governança”, disse.

Segundo ela, com o acordo assinado em agosto, a mineradora já saiu de cena.

“Ela ficou como instituidora, vai ter que arcar financeiramente para sempre, mas não vai administrar. Agora já temos uma diretoria da Fundação Memorial Brumadinho e estamos avançando com a documentação jurídica. É importante lembrar que a Vale ainda não fez nenhum depósito, mas a diretoria já está trabalhando, resolvendo as pendências para que possa ser inaugurado”, explicou.

Em nota, a Vale confirmou a assinatura do acordo e disse que ele fixa regras e procedimentos para a gestão e conservação do espaço. “Foi criada a Fundação Memorial de Brumadinho, fundação privada sem fins lucrativos, responsável pela gestão do Memorial, e que realiza de forma exclusiva a sua manutenção e operacionalização”, registra o texto.

Percurso

O pavilhão contará com um grande espaço meditativo. Ele terá vista para o jardim do memorial, onde 272 ipês amarelos estarão plantados em homenagem a cada uma das vidas perdidas. Na parte externa, também se avista uma grande escultura geométrica suspensa, que representa uma “cabeça que chora”.

Tragédia ocorreu em 25 de janeiro de 2019. Foto: Jomar Bragança/Arquitetos Associados/Divulgação

O memorial conta com uma série de referências às vítimas. Foram incorporadas, por exemplo, algumas peças retiradas dos escombros. São artigos que testemunharam a tragédia o projeto busca ressignificar, usando-as para criar sombra e uma sensação de proteção.

Ao entrar no pavilhão, o visitante deverá encontrar um ambiente escuro, que terá apenas frestas de luz no teto, como se a onda de rejeitos estivesse atingindo o edifício. Ao sair desse espaço, ele percorrerá uma fenda. Nas paredes laterais, estarão os nomes de cada uma das pessoas que se foram. Um espaço de memórias permitirá a projeção de imagens, vídeos, cartas e mensagens.

O visitante atravessará um percurso de 230 metros que se apresenta como uma linha do tempo e provocará reflexões sobre as consequências da tragédia e o luto. Ao fim, se depara com a “cabeça que chora”, onde há também a queda de uma corrente de água que chega por um canal.

Projeto

O projeto do memorial é assinado pelo arquiteto Gustavo Penna. A escolha foi das próprias vítimas, a partir de um processo seletivo que contou com cinco candidaturas e foi concluído em março de 2020. “Era um projeto que dialogava muito com a nossa realidade”, avalia Josiane.

“O ipê, árvore símbolo do Brasil, vem como exemplo de superação. No verão, ele se ergue com folhas para dar sombra, no inverno essas mesmas as folhas caem para deixar passar a luz do sol, e quando a seca aperta ele floresce para mostrar que, apesar de tudo, a vida continua”, registra o texto de apresentação do projeto publicado pelo escritório de Gustavo Penna.

Em entevista à Agência Brasil, o arquiteto conta que a luta das mulheres à frente da Avabrum foi fonte de inspiração. “Elas têm uma grandeza de sentimentos, uma entrega. Eu passei a admirá-las. Foram elas que exigiram tudo isso. Elas não esmoreceram e demonstram uma força impressionante.” Também diz que foi preciso absorver os diferentes níveis de impactos da tragédia.

Memorial Brumadinho fica próximo à mina Córrego do Feijão. Foto: Tânia Rêgo/Agência Brasil

“Impacta as famílias, impacta comunidade de Córrego do Feijão. As crianças e as pessoas ali nunca viram aquilo aquilo. Era uma uma vila tranquila, interiorana, pacífica e de repente começa a receber helicópteros e corpos. É um horror. As pessoas que estavam dentro do refeitório da mina, trabalhadores da própria Vale que foram colocados no caminho da lama. É uma vergonha deixar uma coisa dessa. A Vale falhou. A fiscalização falhou. A imagem brasileira também foi arrebentada. E agora a mineração precisando passar por uma revisão. Precisamos incorporar todos esses níveis no projeto.”

Gustavo Penna explica que o projeto se valeu de diversas simbologias.

“No meu modo de pensar, quem faz arquitetura são as palavras, não são os concretos. As palavras que modelam o concreto. Então eu usei muito a metáfora. A ‘cabeça que chora’, os ipês que tem floração na época da seca e mostram que a vida continua, o prédio que não é retilíneo e é todo quebrado, tudo é uma metáfora para que aquela pessoa sinta como é doido. E tudo é monocromático, não tem outra cor, porque tudo foi atingido com essa cor. Eu não poderia fazer um edifício que tivesse outras cores, eu não quero glamourizar uma tragédia dessa. É preciso ser denunciador”.

O arquiteto disse ainda se sentir privilegiado em ter seu projeto escolhido, o qual considera ter sido um dos mais complexos que já produziu. “O que me coube é tridimensionalizar essa dor. É como diz o João Cabral de Melo Neto: é faca só lâmina, não tem cabo. Ela corta de todos os lados que você pega. É uma faca só lâmina, é dor”.

Brasil à frente do G20 quer eficácia de bancos multilaterais, diz GT

Para combater a fome e reduzir a desigualdade global, que estão entre as prioridades para a presidência temporária do Brasil no G-20 (grupo das 20 maiores economias do mundo), é necessário tornar os bancos multilaterais de desenvolvimento mais eficazes. Essa foi uma das avaliações de servidores brasileiros que integram um grupo de trabalho para a “arquitetura financeira internacional” para o G-20.  Eles apresentaram resultados de discussões feitas na quarta (24) e nesta quinta (25) em Brasília.

Representantes do grupo de trabalho elencaram ainda que são prioridades também tornar a rede de segurança financeira global mais representativa e resiliente, tratar as questões de dívidas com os países nessa situação, identificar vulnerabilidades de sistemas de pagamento e promover fluxos de capitais para os países emergentes e economias em desenvolvimento.

Conexão com prioridades

“A presidência brasileira prioriza combate à fome e à desigualdade, acelerar a transição energética e o desenvolvimento sustentável, e reformar as instituições de governança global. O grupo de arquitetura financeira (IFA) se conecta diretamente com as prioridades da presidência (do Brasil no G-20)”, afirmou o Coordenador-Geral de Cooperação Econômica Internacional do Ministério da Fazenda, Felipe Antunes

Felipe Antunes fala sobre resultados da reunião do GT de Arquitetura Financeira Internacional do G20 – Wilson Dias/Agência Brasil

Antunes afirmou que o trabalho é para transformar as prioridades, trazidas de forma mais ampla, em ações concretas. Ele recordou que a arquitetura financeira teve um papel muito importante depois da crise de 2008 e 2009 para ajudar a gerar consenso para a reforma de organizações financeiras internacionais. “É um grupo que está, na verdade, conectado com a necessidade de manter a estabilidade financeira internacional, mas também de promover desenvolvimento que é sempre uma prioridade dos países do Sul global”, disse.

Antunes entende que o Brasil na presidência do G-20 tem a oportunidade de contar com  a estrutura financeira internacional para avançar nessas prioridades voltadas para os povos mais necessitados. O grupo de trabalho brasileiro acredita que é necessário promover uma discussão internacional sobre uma menor representação dos países desenvolvidos. “O Brasil pode valorizar a participação dos países devedores”. O grupo de trabalho pretende que seja realizado um evento ainda neste ano sobre dívida e com protagonismo para os países africanos.

Ousadia

De acordo com a coordenadora geral para a reforma dos bancos multilaterais de desenvolvimento no Ministério da Fazenda, Karin Vazques, o momento marca o início de jornada para um sistema de bancos multilaterais de desenvolvimento melhores, maiores e mais eficientes.  “Nós tivemos a participação de 160 representantes das capitais dos países do G-20, além de especialistas e organismos internacionais, entre eles 12 bancos multilaterais de desenvolvimento, como o Banco Mundial, o Banco Interamericano de Desenvolvimento, entre outros”, disse.  

A coordenadora explica que, para garantir que o desenvolvimento desse plano de ação continue como um processo colaborativo e inclusivo, a presidência brasileira do G20 introduziu duas inovações, do que pode ser uma ação ousada do Brasil. “A primeira delas é a criação de sessões dedicadas a bancos multilaterais de desenvolvimento (…) A segunda inovação é a colaboração que estamos estabelecendo e fortalecendo com o grupo de presidentes dos bancos multilaterais de desenvolvimento”.

Karin Vazquez defende que duas inovações são necessárias para que o plano de ação seja efetivado – Wilson Dias/Agência Brasil

Ela exemplificou que o financiamento desses bancos tem reduzido em termos relativos. “Como sabemos, os membros da ONU acordaram em 2015 cumprir 17 objetivos de desenvolvimento sustentável até 2030. No mesmo ano, também assinaram o Acordo de Paris para o enfrentamento das mudanças climáticas. Parte da solução é o financiamento para o desenvolvimento. Em grande medida, o financiamento desses bancos multilaterais de desenvolvimento”.

Karin Vazques entende que, além do desafio em termos de recursos, as necessidades não param de aumentar. “Existe a necessidade adicional de US$ 1,3 trilhão por ano até 2030 nos países emergentes e economias em desenvolvimento. Desse total, a grande maioria é para investimentos adicionais em ações climáticas e investimentos também para alcançar outros objetivos de desenvolvimento sustentável, entre eles em educação e saúde”.