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PF prende suspeito de tentar invadir o Palácio da Alvorada

A Polícia Federal (PF) informou, por volta das 17h deste sábado (24), que prendeu o motorista suspeito de tentar invadir o Palácio da Alvorada, residência oficial do presidente da República, na madrugada de hoje. O veículo modelo Ford Focus também foi apreendido. O incidente está sendo investigado pela PF.

Segundo informação da própria PF, ele seria um morador da região e teria errado o caminho para casa. O suspeito ainda prestará mais informações em depoimento.

O carro teria desrespeitado o bloqueio, mas sem conseguir se aproximar do palácio, cuja portaria fica a cerca de 400 metros de distância do edifício. Em seguida, o indivíduo fugiu do local no próprio automóvel usado na tentativa de invasão.  

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva e a primeira-dama Janja Silva estavam na residência no momento da ocorrência, mas em segurança. Sem dar detalhes sobre o ocorrido, a PF disse, em nota, que aguarda informações do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) da Presidência da República, responsável pelos bloqueios e abordagens nas imediações dos prédios e residências oficiais do presidente e vice. 

À reportagem, o GSI informou que houve tentativa de furar o bloqueio na via que dá acesso aos palácios Jaburu – residência do vice-presidente Geraldo Alckmin – e Alvorada. 

A reportagem procurou a Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República (Secom), que confirmou o incidente, sem detalhes. 

Após desobedecer à ordem de parada no bloqueio e prosseguir na via, o automóvel teve os pneus furados pelo dispositivo com perfuradores de metal usado para evitar o avanço de veículos não autorizados. Os seguranças efetuaram disparos com arma de fogo, mas, apesar disso, o motorista conseguiu deixar o local sem ser detido. 

Outras tentativas de invasão

Este não é o primeiro episódio de tentativa de invasão das residências oficiais do presidente e vice-presidente da República em Brasília. Há diversas ocorrências documentadas nas últimas décadas. Na manhã do dia 5 de outubro de 2008, por exemplo, um homem identificado como Denis tentou invadir o Palácio da Alvorada e acabou baleado na perna. Ele chegou a atravessar o espelho d’água e correu em direção ao prédio. A segurança presidencial fez um disparo para o alto e depois o acertou. Denis foi socorrido em um hospital e operado. Ele não explicou o motivo da tentativa de invasão.

Cinco anos antes, em 10 de junho de 2003, o mecânico de veículos Carlos Xavier Filho, 39 anos, também tentou invadir o Palácio da Alvorada. Ele chegou a investir contra o portão de ferro da entrada da residência oficial com um automóvel Fiat Uno.  Foi barrado pelo dispositivo de segurança que furou os pneus do carro. Mesmo assim, prosseguiu e bateu no portão. Acabou preso e alegou que tentava agendar uma audiência com o presidente Lula.

Em 2011, no dia 18 de janeiro, um homem também tentou invadir a residência oficial com um automóvel. Ele foi detido e levado para a delegacia.

Sob a gestão de Michel Temer, no dia 28 de junho de 2011, um adolescente tentou invadir o mesmo prédio durante a noite. O rapaz acelerou o carro em que estava na direção do bloqueio de segurança e ultrapassou a grade de proteção. Foram relaizados disparos de advertência. O veículo só parou numa área interna do palácio.

Sacolão popular em SP recebe primeiros alimentos fornecidos pelo PAA

Alimentos produzidos por agricultores familiares da Cooperativa Mista de Produção Comercialização e Serviços da Terra foram entregues neste sábado (24) ao Instituto Irmão Pedro Betancur, em evento realizado na região da Mooca, zona leste da capital paulista. Foi a primeira entrega de produtos fornecidos pelo Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) para atendimento à cozinha solidária.

A primeira entrega de alimentos adquiridos por meio do programa marcou a inauguração do Sacolão Popular Irmão Pedro Betancur. Parceria entre a Pastoral do Povo de Rua do Padre Júlio Lancellotti e o Movimentos dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), o sacolão tem o objetivo de vincular a produção feita nos assentamentos ou por pequenos agricultores, tornando-os mais acessíveis à população, com preços mais justos.

O nome do sacolão é homenagem a um santo guatemalteco, explicou o Padre Júlio, que chegou ao evento carregando uma imagem do santo para ser instalada na frente do estabelecimento. “São Pedro de Betancur caminhava com uma sacolinha, onde levava pão e alimentos. E também um sininho, que ia tocando pelas estradas para que o povo fosse até ele encontrar alimentação”, contou o padre durante o evento.

São Paulo – Primeira entrega de produtos fornecidos pelo Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) – Foto Paulo Pinto/Agência Brasil

“Este [sacolão] será um espaço de acolhida. Um espaço artesanal e que vai construir, junto com os ministérios e vários órgãos do governo federal, esse caminho de fazer chegar a alimentação [ao povo]. Tudo aqui será feito para ter também a participação dos irmãos e das irmãs em situação de rua”, acrescentou o religioso.

Segundo a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), o instituto recebeu hoje 1.322 quilos de alimentos, como banana, feijão e mandioca, entre outros. Em todo o projeto, que será executado ao longo deste ano, a Conab vai comprar cerca de 63,48 toneladas de alimentos. Esses produtos serão destinados ao instituto e deverão atender 770 pessoas em situação de insegurança alimentar e nutricional. Para isso, a Conab deve destinar R$ 495 mil, recursos que deverão beneficiar 33 produtores.

“O sacolão é uma ideia antiga. Vem lá de Franco Montoro [ex-governador de São Paulo] e [da ex-prefeita de São Paulo) Luiza Erundina. A intenção é criar uma rede de sacolões populares, principalmente nos lugares mais distantes dos centros, onde está o povo pobre e que não se alimenta adequadamente”, explicou Gilmar Mauro, da coordenação nacional do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST) em entrevista à Agência Brasil. Nesse sacolão, disse ele, os produtos “serão comercializados a preço de custo ou na perspectiva de que, quem pode, paga um pouco a mais para ajudar a subsidiar quem não tenha”.

Segundo Mauro, a ideia inicial do projeto é que o governo financie a produção feita nesses assentamentos ou por pequenos produtores e que, mais tarde, serão disponibilizadas em sacolões populares. “Infelizmente ainda não avançamos nisso com o governo. Mas a ideia é discutir com o governo federal e as prefeituras para que isso ocorra. Assim, resolveríamos um problema grave do povo brasileiro, que é a fome e a miséria. E, concomitantemente, slucionaríamos um problema grave dos agricultores pobres deste país para ter acesso a financiamento”.

O MST também pretende levar a ideia desse sacolão popular a outros locais da cidade e outras regiões do país.

Em entrevista à Agência Brasil, o ministro do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar, Paulo Teixeira, que participou do evento, admitiu que o projeto está nos planos do governo. “Temos um recurso voltado à promoção de feiras livres, de armazéns, de facilitação da comercialização desses produtos da agricultura familiar. Então, precisamos replicar essa experiência”.

Com a inauguração do espaço, também se pretende impulsionar outras formas de oferecer alimentos para a população em situação de rua, como as marmitas solidárias e os banquetaços . “A ideia é continuar servindo marmitas também, mas uma vez por mês queremos sentar nas mesas com esse povo, para resgatar a ideia de dignidade humana”, disse Gilmar Mauro.

Lançamento de publicação

Durante a entrega dos alimentos, foi lançado o Atlas dos Sistemas Alimentares do Cone Sul, publicação que pretende fazer um diagnóstico sobre a crise alimentar nos países do Cone Sul (Argentina, Chile, Brasil, Paraguai e Uruguai).

São Paulo – Primeira entrega de produtos fornecidos pelo Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) – Foto Paulo Pinto/Agência Brasil

Jorge Pereira Filho, coordenador de projetos da Fundação Rosa Luxemburgo e um dos organizadores da publicação, explicou que o Atlas tem dois principais objetivos: “O primeiro é discutir as causas da crise alimentar que a região passou e segue vivendo. A outra é sistematizar experiências de outro modelo de sistema alimentar tanto de produção quanto de circulação e distribuição, que apontasse a superação desse problema”, disse.

Para ele, apesar de os países do Cone Sul terem uma das maiores áreas agriculturáveis do mundo, eles vivem uma crise alimentar, com grande número de famintos. “Isso se deve, sobretudo, ao modelo de apropriação do uso de terra e também de produção agrícola que privilegia, sobretudo, commodities e a produção do agronegócio. Isso ocorre ao mesmo tempo em que faltam políticas que estimulam a produção de alimentos consumidos pela própria população. Nesses cinco países identificamos diminuição da produção de alimentos consumidos internamente, per capita, tanto de área quanto de produtividade, mas com aumento exponencial daquilo que é exportado”.

Segundo o coordenador, a ideia do Sacolão Popular ou de outros comércios populares, pode ajudar no enfrentamento desse tipo de problema. “Na publicação, falamos de experiências de comércios populares que existem no Brasil, na Argentina e no Paraguai e que estimulam o contato direto entre o produtor e o trabalhador. Isso é fundamental porque combate o modelo de intermediários, que não tem compromisso nenhum com o combate à fome. E você aproxima quem produz de quem consome”.

É importante destacar vida de pessoas pretas na periferia, diz artista

A comunidade Barro, zona oeste de Recife, Pernambuco, é o berço de tudo. Ali, Jefferson Alan Mendes Ferreira da Silva nasceu, cresceu e, como promete, vai ficar para sempre. Lá também, aos quatro anos, já fazia os primeiros desenhos. Pouco tempo depois, a inspiração deixou de ser os desenhos vistos na televisão que reproduziam, por exemplo, o Pokémon, passando a ser os amigos, pessoas das quebradas e das comunidades retratados nas suas telas.

Assim surgiu o artista plástico Jeff Alan, autor das 40 obras que compõem a mostra Comigo Ninguém Pode – A Pintura de Jeff Alan, no Centro Cultural da Caixa, no Passeio, região central do Rio de Janeiro, com entrada gratuita. Aberta de terça a sábado, das 10h às 20h, e aos domingos e feriados, das 11h às 18h. A exposição conta com legendas em braile e QR code com a audiodescrição das peças.

Antes de chegar ao Rio, a mostra esteve por pouco mais de dois meses no Centro Cultural da Caixa, no Recife, onde foi vista por 85 mil pessoas. A primeira apresentação dos trabalhos foi na Casa Estação da Luz, em Olinda, centro cultural do cantor e compositor Alceu Valença.

A mãe, a manicure Lucilene, de 53 anos, foi a grande incentivadora e ainda hoje Jeff pede opiniões dela quando está criando uma obra. “Minha mãe sempre foi uma inspiração para mim, não só artística, mas de ser humano mesmo”, revela. No início os trabalhos eram em preto e branco. Não era apenas uma tendência. Jeff não sabia, mas era daltônico.

A descoberta foi aos 20 e poucos anos, quando, segundo ele, “pagou alguns micos”. Na faculdade tinha feito um quadro com fundo rosa, que descreveu como vermelho. Os colegas apontaram que estava trocando as cores. Fez alguns testes e comprovou que tinha daltonismo.

Trabalhos de Jeff Alan podem ser vistos no Centro Cultural da Caixa  – Foto Cristina Indio do Brasil

Embora tenha começado com o preto e branco, já estava trabalhando com cores antes de saber que era daltônico. Jeff conta que costuma confundir o azul com verde, o verde com marrom ou cinza, laranja claro e rosa com vermelho. As trocas dependem das cores próximas. Nada disso é problema para o pintor. “A descoberta foi pagando alguns micos e algumas cores eu já tinha decorado. Tenho a minha paleta de trabalho reduzida, então, para mim foi tranquilo”, destaca.

As cores dos fundos das obras determinam a mensagem que o artista quer passar. O azul é o sonho, o vermelho a coragem e o amarelo o ouro, a conquista de um lugar. O nome da exposição que tem entrada grátis é uma referência também à planta Comigo ninguém pode, que o artista via em muitas ruas do Barro.

Em entrevista para a Agência Brasil, Jeff Alan comentou as características do seu trabalho, a vontade de destacar pessoas da periferia e reforçar o viver do povo preto.

“Eu quero elevar a auto estima do meu povo, quero ver a juventude vivendo os seus sonhos. Esse trabalho vem aqui para denunciar, reafirmar, reivindicar e para dizer que este espaço aqui é nosso. A gente não quer só ocupar, a gente quer estar. Muita gente fala em ocupar. Ocupar para mim é uma coisa temporária. A gente quer fazer parte do corpo. A gente quer gerir. A gente também quer ditar as regras do jogo”.

Origem

“A exposição Comigo Ninguém Pode surgiu no bairro do Barro, zona oeste do Recife, periferia na esquina do Bar do Beco, do meu tio Albérico Mendes da Silva, que faleceu há dois anos. O título é uma forma de trazer o meu tio, uma homenagem e também uma reafirmação dos fazeres do povo preto. Saber que com a gente ninguém pode. A exposição fala sobre coragem, muita luta, sobre sonhos, sobre o caminho da escola, sobre o caminho vermelho, esse desejo de descobrir o caminho azul. Costumo dizer que o vermelho é a cor de coragem e o azul de sonhos”, enfatiza o artista.

Comigo Ninguém Pode

“Em todas as ruas do meu bairro vai ter uma casa que tem [a planta] comigo ninguém pode e lá em Olinda fizemos instalações com a planta natural, buscamos soluções que a gente encontra na periferia. Usar um balde de tinta, uma lata de manteiga para trazer o que de fato a gente encontra. Eu tenho um autorretrato, acho que de 2020, que tem uma Comigo Ninguém Pode ao meu lado e também tenho uma foto minha aos seis anos que tem uma Comigo Ninguém Pode atrás. Eu não lembrava e encontrei a foto depois que fiz a pintura”, recorda.

Desde cedo

Jeff Alan prossegue: “eu pinto desde criança. Lembro que na escola, quando tinha trabalho em grupo, pediam para fazer a capa. Eu costumava fazer a capa. Eu gostava muito de estudar até a oitava série, mas o que era chato no ensino fundamental e ensino médio é que você é obrigado a estudar aquilo. Já na faculdade é outra coisa. Estuda uma parada que você escolheu e eu gostava muito de matemática. O meu sobrinho Guilherme, de seis anos, faz o mesmo.

Trajetória

O pintor lembra que decalcava, usava muito papel carbono e foi crescendo fazendo muito desenho que assistia na TV. “Cavaleiros do zodíaco, Dragon Ball Z, Pokémon. Folheando minhas pastas antigas de 20 anos atrás encontrei retratos de pessoas que não sabia quem era. Acho que foram estudos que contribuíram para chegar a este resultado. Em 2008, comecei a pichar, depois grafitar e a fazer intervenções urbanas. Comecei a conhecer os movimentos de arte urbana e de 2008 até 2014 consegui desenvolver o meu estilo que era abstrato. Uns traços orgânicos e fiquei conhecido por este trabalho que me criou uma zona de conforto. De 2014 para cá já estava na faculdade de Arquitetura e passei a ter muita relação com escritório de arquitetura de design de interiores. Esse meu trabalho abstrato é muito comercial. Eu sentia que este trabalho não ia me levar ao museu, a uma galeria, a uma exposição como essa”, diz.

Pandemia

Ele conta, a seguir, que quando a pandemia de covid-19 chegou ao Brasil, “eu tive que desacelerar e passei a olhar mais para dentro. Passei a me envolver mais com a minha família, me conectei mais com meus ancestrais. Aí eu fiz O que vai ser de mim? Em um quarto minúsculo, eu fico muito só no quarto quando não estou pintando, nasceu a série Olhar para Dentro. A primeira obra foi um jovem com uma garrafa de cola na mão. Essa obra nasceu a partir de um retrato que eu tinha no meu celular. Lembro de outra obra que foi de um retrato de uma avó com a netinha na comunidade Nossa Senhora do Pilar, no Recife antigo. Aquela foto eu fiz para o meu trabalho de conclusão de curso e fui fotografar cena e tem aquele caminhar da avó com a netinha. A foto – acho que foi em 2016 e em 2020 – eu fiz essa obra. Uma obra que eu fiz, eu estava em uma janela de ônibus e vi um rapaz com um fardamento azul e ele estava folheando alguma coisa. Lembro bem desse dia. Foi no bairro de Afogados, defronte à igreja do Largo da Paz. O ônibus parou exatamente naquele local. Lembro também de um poema de Miró da Muribeca [poeta urbano do Recife que morreu em 2022] que diz que a janela de ônibus é danada para botar a gente para pensar, principalmente quando a viagem é longa. É muito inspirador. Naquele momento fiz uma foto rápida. Não pude conversar com ele porque estava dentro do ônibus, mas o que me chamou atenção foi o fato dele estar com fardamento [que remetia ao pai] e estava folheando uma coisa e que provavelmente se estivesse em ambiente de trabalho seria chamado atenção e poderia perder o emprego por estar lendo, estudando, buscando um conhecimento. Aquele momento foi muito marcante para mim. Gostaria que aquela obra estivesse aqui, mas está muito longe [não revelou onde está] porque foi vendida. É uma obra muito importante. Um desenho em aquarela com lápis de cor sobre o papel”, acrescenta.

Histórias

O artista se diz “um contador de histórias. Não faria sentido algum eu chegar aqui, te receber e dizer que essa aqui é Ivana [Pires]. É uma pintura tinta acrílica sobre tela. Quem é Ivana? Ivana é uma jovem de Salvador. Modelo que está rodando o mundo com seu rosto estampado nas principais revistas de moda. Fazendo um grande trabalho, realizando seu sonho. O que foi que emocionou Ivana? Foi ver a foto dela na capa do catálogo. Ela publicou isso e disse para mãe que era capa de um livro, que é um catálogo de uma exposição. Acho que essa reação da Ivana após esse trabalho ser concluído é porque ela entende que o trabalho foi feito por um artista preto, que tem vivências parecidas com as dela. Um artista preto que vai dialogar com tantas outras meninas que querem estar nesses lugares que Ivana está alcançando.”

Conhecer personagens

Sobre os seus trabalhos, ele diz: “muitas obras que estão aqui são de pessoas que eu conheci e me conectei, como estou me conectando com você [repórter] e tive uma troca. Facilita o meu trabalho. Aqui também tem obras de pessoas que eu não conheço, referências de filmes, de alguma coisa que vi em uma rede social, de uma pessoa que cruzou o meu caminho de forma virtual, aí vou misturando. Mas muitas obras também são autorretratos. Ao passar o tempo está cada vez mais difícil pintar pessoas que eu não conheço, por isso não aceito encomenda, porque não conseguiria apresentar uma obra sem conhecer a história daquela pessoa. Ao longo da exposição há obras que consigo me debruçar e passar horas e horas apresentando aquele trabalho, porque eu conheço aquela pessoa que está viva e em processo de mudanças. Muitas obras estão em andamento, mas o que define que uma obra está concluída e se são pessoas reais? Hoje sou uma pessoa e amanhã posso ser outra. Registrei o momento”.

Recomeço

Jeff Alan explica que, “ao longo da exposição, a gente vai ver que aparece um céu estrelado, diferente da maioria das obras, aquele desejo de poder contemplar o céu em paz, de ver as estrelas. Acho que, quando a gente olha, o céu reacende a vontade de sonhar, quando falo muito de céu eu lembro de muitas memórias da minha infância quando eu deitava no chão e ficava olhando o céu, as nuvens e ficava brincando com aquilo e desenhando. Acredito que esse sonho azul é o céu de sonhos, é o céu do recomeço. Tem uma obra minha que se chama Recomeçar, que não está aqui, mas estava no Recife, ela fala sobre um jovem que está no Casem, que é a casa de semiliberdade da Funase [Fundação de Atendimento Socioeducativo do Recife], que eu conheci durante uma atividade eu fui fazer lá. Esse jovem se encontra em dois lugares. No Casem e no museu. E aí nas visitas mediadas acontecem muitas provocações e lá [alguém] perguntava. ‘Quem foi conhecer a história desse jovem no Casem?’. Ninguém, mas vocês estão vindo aqui ao museu. Será que é preciso colocar uma obra dentro de um museu para que vocês conheçam esses jovens? Para que entendam que esses jovens existem, têm sonhos e queriam estar agora aqui conosco? Então, esse azul dessa obra é de recomeço”.

Novidade

O artista explica que “a obra de Caíque é a grande novidade dessa exposição no Centro Cultural da Caixa, no Rio. O retrato tem escrito coragem atrás com uma parede vermelha manchada. Esse vermelho que eu falei ser de coragem muitas vezes é um caminho de sangue. É o caminho que a gente atravessa, seja no caminho para a escola, para o trabalho e até para o lazer. Como é atravessar esse caminho sangrento e não perder a vontade de sonhar e viver de seus sonhos? É muito desafiador a vida do jovem, não só do jovem, mas do povo periférico, do povo preto. Então, vejo o Caíque atravessando esse caminho vermelho em busca do sonho dele de ser jogador de futebol, que é o que ele quer agora. Ele já joga, mas que ele seja o que quiser e tenha liberdade de sonhar e ver os seus sonhos, como a gente está vendo aqui em outra obra onde está escrito em uma bolsa Sonhos Vivos e aparece com o fardamento [uniforme] azul da rede pública do Recife. O que eu quero dizer com isso? Que o caminho da escola para mim foi de sonhos, de descobertas. Foi no caminho da escola que comecei a pichar, fazer grafites, foi onde comecei a me entender enquanto artista e qual o lugar quero ocupar dentro da cidade”.

Invisibilidade

O pintor pernambucano pergunta: “quem se preocupa com os sonhos da população de rua? Muitas das obras falam da vontade de sonhar, de viver os seus sonhos e em paz, não mais um caminho vermelho de sangue, mas de amor. Na infância me ensinaram que vermelho era amor. Eu cresci e fui vendo que vermelho é a cor que interrompe muitos sonhos da nossa juventude. Que vermelho é a cor dos nossos corpos estirados no chão. É uma mancha na parede na casa de Douglas, de Caíque, da minha casa e de tantas outras que vivem nesse caos. A gente não quer mais falar nesse vermelho amor. Espero que, no próximo encontro, a gente possa falar sobre conquistas, afeto. Aqui as obras não aparecem sorrindo. É todo mundo muito atento, meio que penetra. Acho que isso vem muito do estranhamento de visitar ambientes de cultura e não me ver representado ao longo de todos esses anos. Hoje a coisa já está mudando. Pronto, aqui mesmo no Rio a gente tem o MAR [Museu de Arte do Rio], acredito que é um museu que tem a cara do povo. Esse diálogo que trago aqui nesta exposição já acontece no MAR e em outros equipamentos de cultura do Brasil todo. Demorou muito para que a gente tivesse este espaço, mas a gente vai escrever uma outra história que não vai desrespeitar o que nossos ancestrais fizeram”.

Reflexo da vida

“Tudo que acontece nesta exposição, acontece nas ruas, então, não fará sentido algum se as pessoas que vierem aqui continuarem ignorando as pessoas nas calçadas, no caminho da escola. Essas pessoas existem. São pessoas que têm sonhos e vontade de viver. Estou muito feliz de estar aqui e otimista com as relações que a gente vai construir ao longo dessa exposição. O espaço está aberto para receber, principalmente, gente de quebrada, de favela, maloqueiro e que essas obras sejam vistas como espelho. Não fará sentido algum essa exposição aqui para um público branco contemplar. Não que seja um problema, mas antes de tudo é importante que as pessoas se vejam e se identifiquem nestas obras. Que sejam espelhos” observa.

Público

Pensando na capital pernambucana, Jeff diz que “lá no Recife ganhei mais de cinco mil seguidores. Tem um depoimento de uma senhora de 56 anos. Ela falou: ‘Essa é a primeira vez que venho a um museu. Sempre achei que era lugar de patrão’. Ela é trabalhadora doméstica e escutava muita história dos patrões indo viajar. Ela ganhou um convite. A gente buscou esse público que nunca tinha ido a um museu, porque, do contrário, fica sempre dentro da mesma bolha. A gente chamou pessoas que estavam atravessando a rua, comerciantes, pessoas em situação de rua. Pessoas que são a cara da exposição. Isso eleva muito a auto estima. Depois que foi lá, foi de novo e passou a entender que arte também é para ela”.

Caminhos

Ele enfatiza que há “caminhos vermelho, azul e amarelo. Tem composição com amarelo. O que é esse amarelo? Eu sou daltônico, então a minha paleta é muito reduzida. As cores se repetem muito e são cores que me apresentaram na infância. Uso muito o azul, que vem muito do fardamento [macacão] que meu pai usava [ele era mecânico da CBTU – Companhia Brasileira de Trens Urbanos]. A memória que tenho do azul vem muito disso. O amarelo, nesses brincos que se repetem em muitas obras e mudam de tamanho, representa o ouro. Em algum momento eu disse que ia substituir esse amarelo por uma folha de ouro, deixei levar e meio que se criou identidade e eu mantive. O amarelo é para representar o ouro que é nosso, que foi roubado e a gente quer de volta. A gente quer portar ouro, prata, enfim, portar joias. Em algumas obras aparecem acessórios, búzios”.

Vermelho nos olhos

Ainda sobre cores, o artista afirma que “o vermelho nos olhos vem muito da expressão sangue nos olhos. Parte de muita indignação que resultou nesta exposição. Posso dizer que fiquei muito tempo com sangue nos olhos, por falta de visibilidade, falta de espaço, por não me sentir representado. Isso tem muito de indignação. Eu pinto muito quando estou triste, mas pinto muito mais quando estou feliz. Acho que essa necessidade de pintar em um momento de tristeza é para colocar para fora o que eu tenho de melhor, para me sentir vivo, me sentir útil. Essas obras são resultado de muitas emoções, de muita revolta e também de muita alegria e de muitos sonhos”, confessa.

Família

Em outro ponto da entrevista, o artista diz que, “pela primeira vez a minha família viajou para o Rio de Janeiro [veio para a abertura da exposição na quarta-feira (21)]. Minha mãe, dona Lucilene, na primeira vez que andou de avião foi para ver a exposição do filho dela e com dinheiro de arte. Minhas irmãs estão aqui, meu sobrinho com seis anos de idade fez a primeira viagem de avião. Eu fiz quando já estava com mais de 20 anos. Poder proporcionar isso para minha família, vivendo do meu sonho, é algo que eu sempre quis. Desde criança quis viver de arte. Até os 15 anos ficava dividido entre futebol e artes visuais, mas nunca deixei de pintar”.

Mostra é rica em cores e expressão – Foto Cristina Indio do Brasil

Sonho

O artista finaliza o seu depoimento falando de sonhos. “Um dos meus principais sonhos é construir uma Escola de Arte no meu bairro. Não só uma escola de arte, mas uma escola para potencializar sonhos. Venho juntando recursos para realizar e viver esse sonho. [Vamos perguntar] Qual é teu sonho? ‘Ser jogador de futebol’. Como podemos ajudar a concretizar isso? Bora fazer vídeos teus jogando. Se quer ser costureira bora fazer parcerias com grandes marcas. Isso que estou vivendo há muitos anos é muito gostoso. É muito prazeroso viver dos sonhos. É muito bom”.

É importante destacar vida de pessoas pretas na periferia, diz artista

A comunidade Barro, zona oeste de Recife, Pernambuco, é o berço de tudo. Ali, Jefferson Alan Mendes Ferreira da Silva nasceu, cresceu e, como promete, vai ficar para sempre. Lá também, aos quatro anos, já fazia os primeiros desenhos. Pouco tempo depois, a inspiração deixou de ser os desenhos vistos na televisão que reproduziam, por exemplo, o Pokémon, passando a ser os amigos, pessoas das quebradas e das comunidades retratados nas suas telas.

Assim surgiu o artista plástico Jeff Alan, autor das 40 obras que compõem a mostra Comigo Ninguém Pode – A Pintura de Jeff Alan, no Centro Cultural da Caixa, no Passeio, região central do Rio de Janeiro, com entrada gratuita. Aberta de terça a sábado, das 10h às 20h, e aos domingos e feriados, das 11h às 18h. A exposição conta com legendas em braile e QR code com a audiodescrição das peças.

Antes de chegar ao Rio, a mostra esteve por pouco mais de dois meses no Centro Cultural da Caixa, no Recife, onde foi vista por 85 mil pessoas. A primeira apresentação dos trabalhos foi na Casa Estação da Luz, em Olinda, centro cultural do cantor e compositor Alceu Valença.

A mãe, a manicure Lucilene, de 53 anos, foi a grande incentivadora e ainda hoje Jeff pede opiniões dela quando está criando uma obra. “Minha mãe sempre foi uma inspiração para mim, não só artística, mas de ser humano mesmo”, revela. No início os trabalhos eram em preto e branco. Não era apenas uma tendência. Jeff não sabia, mas era daltônico.

A descoberta foi aos 20 e poucos anos, quando, segundo ele, “pagou alguns micos”. Na faculdade tinha feito um quadro com fundo rosa, que descreveu como vermelho. Os colegas apontaram que estava trocando as cores. Fez alguns testes e comprovou que tinha daltonismo.

Trabalhos de Jeff Alan podem ser vistos no Centro Cultural da Caixa  – Foto Cristina Indio do Brasil

Embora tenha começado com o preto e branco, já estava trabalhando com cores antes de saber que era daltônico. Jeff conta que costuma confundir o azul com verde, o verde com marrom ou cinza, laranja claro e rosa com vermelho. As trocas dependem das cores próximas. Nada disso é problema para o pintor. “A descoberta foi pagando alguns micos e algumas cores eu já tinha decorado. Tenho a minha paleta de trabalho reduzida, então, para mim foi tranquilo”, destaca.

As cores dos fundos das obras determinam a mensagem que o artista quer passar. O azul é o sonho, o vermelho a coragem e o amarelo o ouro, a conquista de um lugar. O nome da exposição que tem entrada grátis é uma referência também à planta Comigo ninguém pode, que o artista via em muitas ruas do Barro.

Em entrevista para a Agência Brasil, Jeff Alan comentou as características do seu trabalho, a vontade de destacar pessoas da periferia e reforçar o viver do povo preto.

“Eu quero elevar a auto estima do meu povo, quero ver a juventude vivendo os seus sonhos. Esse trabalho vem aqui para denunciar, reafirmar, reivindicar e para dizer que este espaço aqui é nosso. A gente não quer só ocupar, a gente quer estar. Muita gente fala em ocupar. Ocupar para mim é uma coisa temporária. A gente quer fazer parte do corpo. A gente quer gerir. A gente também quer ditar as regras do jogo”.

Origem

“A exposição Comigo Ninguém Pode surgiu no bairro do Barro, zona oeste do Recife, periferia na esquina do Bar do Beco, do meu tio Albérico Mendes da Silva, que faleceu há dois anos. O título é uma forma de trazer o meu tio, uma homenagem e também uma reafirmação dos fazeres do povo preto. Saber que com a gente ninguém pode. A exposição fala sobre coragem, muita luta, sobre sonhos, sobre o caminho da escola, sobre o caminho vermelho, esse desejo de descobrir o caminho azul. Costumo dizer que o vermelho é a cor de coragem e o azul de sonhos”, enfatiza o artista.

Comigo Ninguém Pode

“Em todas as ruas do meu bairro vai ter uma casa que tem [a planta] comigo ninguém pode e lá em Olinda fizemos instalações com a planta natural, buscamos soluções que a gente encontra na periferia. Usar um balde de tinta, uma lata de manteiga para trazer o que de fato a gente encontra. Eu tenho um autorretrato, acho que de 2020, que tem uma Comigo Ninguém Pode ao meu lado e também tenho uma foto minha aos seis anos que tem uma Comigo Ninguém Pode atrás. Eu não lembrava e encontrei a foto depois que fiz a pintura”, recorda.

Desde cedo

Jeff Alan prossegue: “eu pinto desde criança. Lembro que na escola, quando tinha trabalho em grupo, pediam para fazer a capa. Eu costumava fazer a capa. Eu gostava muito de estudar até a oitava série, mas o que era chato no ensino fundamental e ensino médio é que você é obrigado a estudar aquilo. Já na faculdade é outra coisa. Estuda uma parada que você escolheu e eu gostava muito de matemática. O meu sobrinho Guilherme, de seis anos, faz o mesmo.

Trajetória

O pintor lembra que decalcava, usava muito papel carbono e foi crescendo fazendo muito desenho que assistia na TV. “Cavaleiros do zodíaco, Dragon Ball Z, Pokémon. Folheando minhas pastas antigas de 20 anos atrás encontrei retratos de pessoas que não sabia quem era. Acho que foram estudos que contribuíram para chegar a este resultado. Em 2008, comecei a pichar, depois grafitar e a fazer intervenções urbanas. Comecei a conhecer os movimentos de arte urbana e de 2008 até 2014 consegui desenvolver o meu estilo que era abstrato. Uns traços orgânicos e fiquei conhecido por este trabalho que me criou uma zona de conforto. De 2014 para cá já estava na faculdade de Arquitetura e passei a ter muita relação com escritório de arquitetura de design de interiores. Esse meu trabalho abstrato é muito comercial. Eu sentia que este trabalho não ia me levar ao museu, a uma galeria, a uma exposição como essa”, diz.

Pandemia

Ele conta, a seguir, que quando a pandemia de covid-19 chegou ao Brasil, “eu tive que desacelerar e passei a olhar mais para dentro. Passei a me envolver mais com a minha família, me conectei mais com meus ancestrais. Aí eu fiz O que vai ser de mim? Em um quarto minúsculo, eu fico muito só no quarto quando não estou pintando, nasceu a série Olhar para Dentro. A primeira obra foi um jovem com uma garrafa de cola na mão. Essa obra nasceu a partir de um retrato que eu tinha no meu celular. Lembro de outra obra que foi de um retrato de uma avó com a netinha na comunidade Nossa Senhora do Pilar, no Recife antigo. Aquela foto eu fiz para o meu trabalho de conclusão de curso e fui fotografar cena e tem aquele caminhar da avó com a netinha. A foto – acho que foi em 2016 e em 2020 – eu fiz essa obra. Uma obra que eu fiz, eu estava em uma janela de ônibus e vi um rapaz com um fardamento azul e ele estava folheando alguma coisa. Lembro bem desse dia. Foi no bairro de Afogados, defronte à igreja do Largo da Paz. O ônibus parou exatamente naquele local. Lembro também de um poema de Miró da Muribeca [poeta urbano do Recife que morreu em 2022] que diz que a janela de ônibus é danada para botar a gente para pensar, principalmente quando a viagem é longa. É muito inspirador. Naquele momento fiz uma foto rápida. Não pude conversar com ele porque estava dentro do ônibus, mas o que me chamou atenção foi o fato dele estar com fardamento [que remetia ao pai] e estava folheando uma coisa e que provavelmente se estivesse em ambiente de trabalho seria chamado atenção e poderia perder o emprego por estar lendo, estudando, buscando um conhecimento. Aquele momento foi muito marcante para mim. Gostaria que aquela obra estivesse aqui, mas está muito longe [não revelou onde está] porque foi vendida. É uma obra muito importante. Um desenho em aquarela com lápis de cor sobre o papel”, acrescenta.

Histórias

O artista se diz “um contador de histórias. Não faria sentido algum eu chegar aqui, te receber e dizer que essa aqui é Ivana [Pires]. É uma pintura tinta acrílica sobre tela. Quem é Ivana? Ivana é uma jovem de Salvador. Modelo que está rodando o mundo com seu rosto estampado nas principais revistas de moda. Fazendo um grande trabalho, realizando seu sonho. O que foi que emocionou Ivana? Foi ver a foto dela na capa do catálogo. Ela publicou isso e disse para mãe que era capa de um livro, que é um catálogo de uma exposição. Acho que essa reação da Ivana após esse trabalho ser concluído é porque ela entende que o trabalho foi feito por um artista preto, que tem vivências parecidas com as dela. Um artista preto que vai dialogar com tantas outras meninas que querem estar nesses lugares que Ivana está alcançando.”

Conhecer personagens

Sobre os seus trabalhos, ele diz: “muitas obras que estão aqui são de pessoas que eu conheci e me conectei, como estou me conectando com você [repórter] e tive uma troca. Facilita o meu trabalho. Aqui também tem obras de pessoas que eu não conheço, referências de filmes, de alguma coisa que vi em uma rede social, de uma pessoa que cruzou o meu caminho de forma virtual, aí vou misturando. Mas muitas obras também são autorretratos. Ao passar o tempo está cada vez mais difícil pintar pessoas que eu não conheço, por isso não aceito encomenda, porque não conseguiria apresentar uma obra sem conhecer a história daquela pessoa. Ao longo da exposição há obras que consigo me debruçar e passar horas e horas apresentando aquele trabalho, porque eu conheço aquela pessoa que está viva e em processo de mudanças. Muitas obras estão em andamento, mas o que define que uma obra está concluída e se são pessoas reais? Hoje sou uma pessoa e amanhã posso ser outra. Registrei o momento”.

Recomeço

Jeff Alan explica que, “ao longo da exposição, a gente vai ver que aparece um céu estrelado, diferente da maioria das obras, aquele desejo de poder contemplar o céu em paz, de ver as estrelas. Acho que, quando a gente olha, o céu reacende a vontade de sonhar, quando falo muito de céu eu lembro de muitas memórias da minha infância quando eu deitava no chão e ficava olhando o céu, as nuvens e ficava brincando com aquilo e desenhando. Acredito que esse sonho azul é o céu de sonhos, é o céu do recomeço. Tem uma obra minha que se chama Recomeçar, que não está aqui, mas estava no Recife, ela fala sobre um jovem que está no Casem, que é a casa de semiliberdade da Funase [Fundação de Atendimento Socioeducativo do Recife], que eu conheci durante uma atividade eu fui fazer lá. Esse jovem se encontra em dois lugares. No Casem e no museu. E aí nas visitas mediadas acontecem muitas provocações e lá [alguém] perguntava. ‘Quem foi conhecer a história desse jovem no Casem?’. Ninguém, mas vocês estão vindo aqui ao museu. Será que é preciso colocar uma obra dentro de um museu para que vocês conheçam esses jovens? Para que entendam que esses jovens existem, têm sonhos e queriam estar agora aqui conosco? Então, esse azul dessa obra é de recomeço”.

Novidade

O artista explica que “a obra de Caíque é a grande novidade dessa exposição no Centro Cultural da Caixa, no Rio. O retrato tem escrito coragem atrás com uma parede vermelha manchada. Esse vermelho que eu falei ser de coragem muitas vezes é um caminho de sangue. É o caminho que a gente atravessa, seja no caminho para a escola, para o trabalho e até para o lazer. Como é atravessar esse caminho sangrento e não perder a vontade de sonhar e viver de seus sonhos? É muito desafiador a vida do jovem, não só do jovem, mas do povo periférico, do povo preto. Então, vejo o Caíque atravessando esse caminho vermelho em busca do sonho dele de ser jogador de futebol, que é o que ele quer agora. Ele já joga, mas que ele seja o que quiser e tenha liberdade de sonhar e ver os seus sonhos, como a gente está vendo aqui em outra obra onde está escrito em uma bolsa Sonhos Vivos e aparece com o fardamento [uniforme] azul da rede pública do Recife. O que eu quero dizer com isso? Que o caminho da escola para mim foi de sonhos, de descobertas. Foi no caminho da escola que comecei a pichar, fazer grafites, foi onde comecei a me entender enquanto artista e qual o lugar quero ocupar dentro da cidade”.

Invisibilidade

O pintor pernambucano pergunta: “quem se preocupa com os sonhos da população de rua? Muitas das obras falam da vontade de sonhar, de viver os seus sonhos e em paz, não mais um caminho vermelho de sangue, mas de amor. Na infância me ensinaram que vermelho era amor. Eu cresci e fui vendo que vermelho é a cor que interrompe muitos sonhos da nossa juventude. Que vermelho é a cor dos nossos corpos estirados no chão. É uma mancha na parede na casa de Douglas, de Caíque, da minha casa e de tantas outras que vivem nesse caos. A gente não quer mais falar nesse vermelho amor. Espero que, no próximo encontro, a gente possa falar sobre conquistas, afeto. Aqui as obras não aparecem sorrindo. É todo mundo muito atento, meio que penetra. Acho que isso vem muito do estranhamento de visitar ambientes de cultura e não me ver representado ao longo de todos esses anos. Hoje a coisa já está mudando. Pronto, aqui mesmo no Rio a gente tem o MAR [Museu de Arte do Rio], acredito que é um museu que tem a cara do povo. Esse diálogo que trago aqui nesta exposição já acontece no MAR e em outros equipamentos de cultura do Brasil todo. Demorou muito para que a gente tivesse este espaço, mas a gente vai escrever uma outra história que não vai desrespeitar o que nossos ancestrais fizeram”.

Reflexo da vida

“Tudo que acontece nesta exposição, acontece nas ruas, então, não fará sentido algum se as pessoas que vierem aqui continuarem ignorando as pessoas nas calçadas, no caminho da escola. Essas pessoas existem. São pessoas que têm sonhos e vontade de viver. Estou muito feliz de estar aqui e otimista com as relações que a gente vai construir ao longo dessa exposição. O espaço está aberto para receber, principalmente, gente de quebrada, de favela, maloqueiro e que essas obras sejam vistas como espelho. Não fará sentido algum essa exposição aqui para um público branco contemplar. Não que seja um problema, mas antes de tudo é importante que as pessoas se vejam e se identifiquem nestas obras. Que sejam espelhos” observa.

Público

Pensando na capital pernambucana, Jeff diz que “lá no Recife ganhei mais de cinco mil seguidores. Tem um depoimento de uma senhora de 56 anos. Ela falou: ‘Essa é a primeira vez que venho a um museu. Sempre achei que era lugar de patrão’. Ela é trabalhadora doméstica e escutava muita história dos patrões indo viajar. Ela ganhou um convite. A gente buscou esse público que nunca tinha ido a um museu, porque, do contrário, fica sempre dentro da mesma bolha. A gente chamou pessoas que estavam atravessando a rua, comerciantes, pessoas em situação de rua. Pessoas que são a cara da exposição. Isso eleva muito a auto estima. Depois que foi lá, foi de novo e passou a entender que arte também é para ela”.

Caminhos

Ele enfatiza que há “caminhos vermelho, azul e amarelo. Tem composição com amarelo. O que é esse amarelo? Eu sou daltônico, então a minha paleta é muito reduzida. As cores se repetem muito e são cores que me apresentaram na infância. Uso muito o azul, que vem muito do fardamento [macacão] que meu pai usava [ele era mecânico da CBTU – Companhia Brasileira de Trens Urbanos]. A memória que tenho do azul vem muito disso. O amarelo, nesses brincos que se repetem em muitas obras e mudam de tamanho, representa o ouro. Em algum momento eu disse que ia substituir esse amarelo por uma folha de ouro, deixei levar e meio que se criou identidade e eu mantive. O amarelo é para representar o ouro que é nosso, que foi roubado e a gente quer de volta. A gente quer portar ouro, prata, enfim, portar joias. Em algumas obras aparecem acessórios, búzios”.

Vermelho nos olhos

Ainda sobre cores, o artista afirma que “o vermelho nos olhos vem muito da expressão sangue nos olhos. Parte de muita indignação que resultou nesta exposição. Posso dizer que fiquei muito tempo com sangue nos olhos, por falta de visibilidade, falta de espaço, por não me sentir representado. Isso tem muito de indignação. Eu pinto muito quando estou triste, mas pinto muito mais quando estou feliz. Acho que essa necessidade de pintar em um momento de tristeza é para colocar para fora o que eu tenho de melhor, para me sentir vivo, me sentir útil. Essas obras são resultado de muitas emoções, de muita revolta e também de muita alegria e de muitos sonhos”, confessa.

Família

Em outro ponto da entrevista, o artista diz que, “pela primeira vez a minha família viajou para o Rio de Janeiro [veio para a abertura da exposição na quarta-feira (21)]. Minha mãe, dona Lucilene, na primeira vez que andou de avião foi para ver a exposição do filho dela e com dinheiro de arte. Minhas irmãs estão aqui, meu sobrinho com seis anos de idade fez a primeira viagem de avião. Eu fiz quando já estava com mais de 20 anos. Poder proporcionar isso para minha família, vivendo do meu sonho, é algo que eu sempre quis. Desde criança quis viver de arte. Até os 15 anos ficava dividido entre futebol e artes visuais, mas nunca deixei de pintar”.

Mostra é rica em cores e expressão – Foto Cristina Indio do Brasil

Sonho

O artista finaliza o seu depoimento falando de sonhos. “Um dos meus principais sonhos é construir uma Escola de Arte no meu bairro. Não só uma escola de arte, mas uma escola para potencializar sonhos. Venho juntando recursos para realizar e viver esse sonho. [Vamos perguntar] Qual é teu sonho? ‘Ser jogador de futebol’. Como podemos ajudar a concretizar isso? Bora fazer vídeos teus jogando. Se quer ser costureira bora fazer parcerias com grandes marcas. Isso que estou vivendo há muitos anos é muito gostoso. É muito prazeroso viver dos sonhos. É muito bom”.

Esperança de justiça une mães de vítimas da violência policial no Rio

A longa espera por justiça é uma realidade presente entre as mães de vítimas da violência policial do Rio de Janeiro. Deise Silva de Carvalho, coordenadora e fundadora do Núcleo de Mulheres vítimas da violência do Estado, perdeu o filho Andreu Luiz Silva de Carvalho, em 2008, na época com 17 anos. O adolescente estava internado no Centro de Triagem e Reabilitação (CRT) na Ilha do Governador, zona norte do Rio.

Segundo a mãe, Andreu foi submetido à tortura por uma hora e meia por seis agentes do sistema socioeducativo no CTR na Ilha do Governador.

“Não estou falando de um jovem que se encontrava vulnerável dentro da favela e tomou um tiro [dado] pela PM [Polícia Militar], mas de um jovem que se encontrava sob a tutela do Estado, que veio a óbito com traumatismo craniano, cortes contundentes, mandíbula deslocada, pescoço quebrado, deslocamento da retina dos olhos. Segundo depoimento dos jovens, Andreu foi torturado com um saco plástico sobre seu rosto”, contou Deise, sobre parte da violência sofrida pelo filho morto e pelo qual luta por justiça há 16 anos.

“No Brasil, não vivemos um estado democrático de direito e sim um estado de violação ao direito da dignidade humana desses jovens. Andreu deveria pagar dentro das margens da lei, e não este estado democrático decidir quem vai viver ou morrer”, afirmou. “O Estado cometeu um crime e deve pagar pelo seu ato criminoso”, acrescentou.

Fundadora do Grupo Mães de Manguinhos, Ana Paula luta há 10 anos pela punição dos responsáveis pela morte do filho Johnatha – Tomaz Silva/Agência Brasil

Há quase 10 anos, a fundadora do Grupo Mães de Manguinhos, Ana Paula Oliveira, luta pela punição dos envolvidos no crime que provocou a morte do filho Jhonatha, no dia 14 de maio de 2014, quando voltava da casa da namorada, às 16h30. Na época, o jovem tinha 19 anos e foi baleado com um tiro nas costas.

Segundo Ana Paula, o policial autor do disparo já respondia, naquele momento, por triplo homicídio e duas tentativas de homicídio, além de ter sido preso um ano antes por causa de outros crimes. “Fato é que ele vivia livre, leve e solto com a certeza da impunidade dentro da favela de Manguinhos, fazendo uma nova vítima que infelizmente foi o meu filho”, acrescentou Ana Paula.

O  julgamento do policial no Tribunal de Justiça do Rio estava previsto para 2 de fevereiro, mas foi transferido para 5 de março. “O que eu e minha família esperamos é que haja condenação”, afirmou.

Escuta Popular

Em busca da mudança do cenário de violência que as mães costumam vivenciar, a plataforma de Direitos Humanos Dhesca Brasil [Direitos Humanos, Econômicos, Sociais, Culturais e Ambientais], com apoio das organizações filiadas Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (Ibase) e Justiça Global, reuniu integrantes de movimentos sociais, defensores de direitos humanos, pesquisadores e familiares para a Escuta Popular sobre a Letalidade Policial e seus Impactos nas Infâncias Negras. O encontro foi no auditório do Ibase, na sede da Ação da Cidadania, na Gamboa, região portuária da capital.

A ideia era que histórias marcantes como as de Ana Paula e Deise fossem ouvidas. Para isso, segundo a diretora do Ibase, Rita Correia Brandão, mães de vítimas da violência policial foram convidadas a dar depoimento, que, ao fim, resultaram na carta compromisso com propostas para a resolução dos crimes. Rita destacou que o objetivo é implementar tais propostas de forma mais incisiva, mais comprometida.

Crianças correm atrás de bala, não são balas que correm atrás de crianças, diz Benilda Brito, do Coletivo de Mulheres Negras – Tomaz Silva/Agência Brasil

Como seguidora do Candomblé do Ketu, Benilda Brito, do Coletivo de Mulheres Negras de Belo Horizonte, que integra a plataforma Dhesca, evocou Ogum, orixá guerreiro e forte, para proteger o encontro. “É sob a proteção de Ogum que a gente está abrindo essa escuta para nós e para qualquer outra religião que as pessoas queiram”, enfatizou.

“Na nossa concepção africana, as crianças são as ibejis. As crianças correm atrás de bala, para chupar bala e comer doce, não são as balas que correm atrás de nossas crianças como a gente está vivendo hoje”, afirmou.

Benilda definiu a entidade como uma plataforma que denuncia violações e destacou que, na gestão atual, o coletivo tem sete mulheres negras na administração. “A gente vem adubando esperança em tanto tempo de morte. Sou Benilda Brito, mulher negra, lésbica, do axé, sou quilombola e venho carregando no meu corpo todas as violências ‘cotidiárias’ do racismo. É por isso que a gente está junto, por isso, que a gente luta tanto e conhece tanto a dor umas das outras. A gente sabe o que é ser mulher negra neste país”, desabafou.

Na defesa de que os casos de violações não podem ser esquecidos, Benilda lembrou um ditado africano. “‘A pessoa só morre quando é esquecida’. Nossos mortos têm voz e história e não serão esquecidos”, afirmou.

Lembrança

No início do encontro, antes da apresentação, que emocionou os presentes, o artista Dudu Neves, integrante do coletivo Nós da Rua, pediu a participação de todos, para que durante um minuto, aplaudissem e cada um lembrasse os nomes de vítimas da violência policial. Logo depois, por meio da poesia Conto Ancestral, falou de ancestralidade, de violência contra corpos pretos, de violação de direitos, da morte da vereadora Marielle Franco e de povos originários do Brasil.

“Querem me silenciar, minha história apagar, minha ancestralidade ocultar. Querem me botar para trabalhar, salário mínimo ganhar, pra mim tentar me sustentar, na crise desse país. Bara [orixá mensageiro divino, guardião dos templos, casas e cidades], que zele pela minha vida, me livre da dura da viatura, do homem do saco, do capitão do mato e das balas perdidas. É que assim se foram tantas vidas, sonhos mutilados, por causa da melanina!”, disse Dudu Neves, citando um dos versos do poema.

Relatos

Dentro da programação da Escuta Popular, Ana Paula e Deise atuaram como porta-vozes de outras mães, transmitindo aos presentes os depoimentos delas e dos pais de vítimas da violência policiais. Um dos depoimentos foi o de José Luiz Faria da Silva, pai de Maicon, que há 28 anos busca por justiça pela morte do filho de apenas 2 anos. A criança brincava na porta de casa em Acari, zona norte do Rio, quando foi baleada.

Deise contou que nenhum dos policiais militares envolvidos foi levado à Justiça e que o caso do menino foi registrado na época como auto de resistência. “O termo é usado por policiais que alegam estar se defendendo de matar alvo suspeito em trocas de tiros nas favelas e periferias. Maicon tinha 2 anos de idade e entrou no chamado auto de resistência, onde o poder judiciário, o Ministério Público e os nobres representantes da lei encontraram essa brecha. Estamos falando de uma criança de apenas 2 anos de idade”, ressaltou Deise.

Ela acrescentou que, no Brasil, o crime já prescreveu mas está em avaliação da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, que “infelizmente para a dor e desespero desta família ainda não deu uma sentença condenatória ao Brasil por este crime hediondo”.

Outro caso apresentado foi o de Sandra Gomes, mãe de Matheus Gomes, que junto a mais 27 pessoas, perdeu a vida no dia 6 de maio de 2021, na mais letal operação policial do Rio, conhecida como Chacina do Jacarezinho, na zona norte da cidade. Segundo testemunhas, no momento em que foi baleado, Mateus estava sentado em uma cadeira porque estava tendo uma convulsão. Se Matheus estivesse vivo, teria completado 24 anos na quarta-feira (21).

Sandra conta que a vida de outro filho, Felipe, de 17 anos, se transformou com a tragédia. Felipe sofre com as lembranças da morte do irmão, que viu ferido, e há três anos não passa da 1ª série do ensino médio. A preocupação com o filho mais novo, João Paulo, de 10 anos, também é grande.

Como outras mães de vítimas da violência policial, Sandra vive fazendo tratamento de saúde e, além das questões psicológicas, sofre com o agravamento da diabetes. Além disso, depois da chacina, ela viu diminuir o movimento de sua atividade comercial, com a venda de churrasquinho, que tinha com o marido. Agora, restou apenas um trailer.

“Dentro de mim, eu tenho esperança de justiça, e a gente vem porque não pode deixar que esse sistema, que nos oprime todos os dias, nos silencie. A gente vem para continuar a dar voz para nossos filhos”, disse Sandra à Agência Brasil.

Melisanda Trentin, da da área de Justiça Socioambiental e Climática da Justiça Global, durante evento sobre letalidade policial – Tomaz Silva/Agência Brasil

Segundo a coordenadora da área de Justiça Socioambiental e Climática da Justiça Global, Melisanda Trentin, além da presença de familiares das vítimas, o encontro da escuta popular teve participação de representantes do poder legislativo do Rio, do Ministério Público Federal e da Defensoria Pública, o que é importante para o surgimento de medidas que possam alterar o andamento lento e muitas vezes sem resultado dos processos na Justiça.

“Essa escuta faz parte de uma missão da plataforma Dhesca, assim como a gente já fez outras missões. O objetivo é a denúncia mesmo, para que se chegue à resolução desses casos, na reparação, no acesso à Justiça. Enfim, tratar isso não como casos individuais ou isolados, mas como um fenômeno que acontece no Rio de Janeiro, muito marcado pelo racismo nas favelas”, enfatizou.

Melisanda Trentin disse que o que unifica, desde a chacina da Candelária, que já tem 30 anos, e a de Acari, com 33 anos, até casos do ano passado e deste ano, é justamente a política aplicada, que ela chama de “genocida e racista” da polícia do Rio de Janeiro. “A gente espera mudança na abordagem policial. Tudo isso é resultado da falida guerra às drogas, do racismo, e a gente espera que a polícia tenha outro tipo de atuação, sem blindados [veículos das polícias], sem helicópteros [que fazem voos rasantes sobre as comunidades], que as investigações tenham prosseguimento e de fato se chegue à justiça.”

Ao fim do encontro, realizado terça-feira, foi divulgada uma carta compromisso com propostas de medidas para mudar a forma de tratamento dos crimes. “É uma carta ampla, que abarca todas as possibilidades que cada um dos casos, cada uma das chacinas apresentarem”, observou a diretora do Ibase, Rita Correia Brandão.

Entidades civis pedem mudança na apuração da violência policial no Rio

“As polícias foram responsáveis por 35,4% da letalidade na região metropolitana do Rio de Janeiro nos últimos três anos – ou seja, mais de um terço das mortes violentas ocorridas foram decorrentes de ações policiais”. Este é um dos principais pontos da Carta Compromisso com as Famílias Vítimas de Violência do Estado para as Autoridades, que resultou da Escuta Popular sobre a Letalidade Policial e seus Impactos nas Infâncias Negras.

Organizado pela plataforma de Direitos Humanos Dhesca Brasil [Direitos Humanos, Econômicos, Sociais, Culturais e Ambientais], com apoio das organizações filiadas ao Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (Ibase) e da Justiça Global, o encontro reuniu na terça-feira (20) integrantes de movimentos sociais, defensores de direitos humanos, pesquisadores e parentes de vítimas na sede da Ação da Cidadania, na Gamboa, região portuária do Rio.

Camisetas expostas em evento no Rio lembram jovens vítimas da violência policial no estado – Tomaz Silva/Agência Brasil

“O acirramento das operações policiais nas favelas e periferias do Rio de Janeiro tem gerado um cotidiano de mortes e violações de direitos, com o uso de um enorme aparato bélico colocando a vida de milhares de pessoas em risco, suspendendo o direito de ir e vir dos moradores, submetendo-os a invasões de casas, torturando e assassinando centenas de pessoas. Trata-se de um modelo baseado no uso da força, que promove, em nome de uma suposta “guerra ao tráfico”, inúmeras violações de direitos humanos à moradoras e moradores, sobretudo jovens e crianças das favelas do Estado”, diz outro  trecho da carta.

O documento pede a punição de policiais envolvidos em violações de direitos de moradores de periferias e favelas, o fortalecimento dos inquéritos, a apuração dos crimes e realização de perícias no local, além de reparações objetivas e financeiras e garantia de tratamento de saúde para parentes de vítimas de tais situações. “Ao nos tornarmos vítimas do Estado, nós, mães e familiares, não contamos com o apoio do Estado, que nos deve assistência psicossocial, reparação financeira e o acompanhamento das investigações dos casos”, enfatiza a Carta.

Outra cobrança é de mais rigor no controle externo das ações policiais. “Nós, familiares de vítimas da violência do Estado, vimos a público cobrar que o controle externo da atividade policial seja feito com mais rigor, exigindo das polícias a redução da letalidade e do uso da força e colaborando para a diminuição de operações e ações violentas por parte das polícias Civil e Militar, que suspendem diariamente os direitos dos moradores de favelas, expondo suas vidas à violência do Estado.”

Atingidos

A carta compromisso reproduz números levantados pelo Instituto Fogo Cruzado, considerados alarmantes pelas entidades organizadoras da escuta popular. “De julho de 2016 a julho de 2023, 286 crianças e adolescentes foram atingidos por armas de fogo durante operações policiais, resultando na morte de 112 e deixando outras 174 feridas.”

Conforme o Instituto, no período de agosto de 2016 a 31 de julho de 2023, houve 283 chacinas policiais no Grande Rio, que terminaram em 1.137 civis mortos, o que representa média de três chacinas por dia dentro do período de sete anos. “Dezoito dessas chacinas ocorreram após a morte de um policial, sendo consideradas como um ato de vingança”, diz o Fogo Cruzado.

De acordo com dados do relatório mensal da instituição, o bairro do Jacarezinho, na zona norte do Rio, teve em 2024 o pior começo de ano dos últimos oito anos. Foram 20 tiroteios e disparos de arma de fogo em janeiro. “O número é o maior dos últimos oito anos, o equivalente a 14% do total mapeado na cidade do Rio de Janeiro, que concentrou 132 tiroteios em janeiro.”

O levantamento mostra ainda que o Jacarezinho concentrou número de baleados maior do que toda cidade de São João de Meriti, na Baixada Fluminense, segundo município com mais tiroteios mapeados em janeiro. Desde 2022, o Jacarezinho é ocupado pelo Cidade Integrada, um projeto do governo do estado.

“Após a ocupação pela polícia, a região viu o número de tiroteios crescer 79%”, diz a carta compromisso, ressaltando que isso ocorre também em outros locais e ambientes, como a Maré, a Baixada Fluminense, Acari, Candelária e áreas periféricas.

A diretora executiva do Ibase, Rita Corrêa Brandão, em evento sobre letalidade policial no Rio – Tomaz Silva/Agência Brasil

A diretora do Ibase, Rita Correia Brandão, disse acreditar que a participação de representantes do Legislativo fluminense e de integrantes de diversos órgãos e instituições no processo da escuta popular pode garantir um compromisso dessas partes para a reversão do quadro de violência sofrida por moradores de favelas e espaços populares.

Rita lembrou que as chacinas de Acari e da Candelária ocorreram há 30 anos e ainda não tiveram resolução. “O que a gente espera da reunião de tantas instâncias do Parlamento, de instituições e de justiça – tem Defensoria e Ministério Público – é que saia daqui um grande pacto para acabar com a letalidade policial e construir reparação para esses familiares”, disse.

Cobrança de justiça

Rita Brandão comentou ainda relatos de familiares de vítimas que cobram maior presença da justiça tanto no acompanhamento das investigações quanto no cumprimento das penalidades.

“O caso do Maicom, um menino de 2 anos, foi enquadrado como auto de resistência. Dá para ter justiça? Quando eles falam disso, falam de investigação séria e de uma punição adequada, em que os direitos sejam preservados. A população tem direito de não ter sua casa invadida, de não ter seus filhos mortos. Este é um caso emblemático se a gente pensa em justiça. O caso foi arquivado porque foi enquadrado em auto de resistência. Só que ele tinha 2 anos de idade”, afirmou.

Deise Silva de Carvalho, que perdeu o filho Andreu Luiz Silva de Carvalho, em 2008, na época com 17 anos, foi porta-voz de alguns parentes de vítimas da violência e comentou o caso do menino. “A morte do pequeno Maicon é um exemplo do extermínio da população negra nas favelas e periferias. A brutalidade do Estado contra crianças e adolescentes no Brasil precisa ter punição na esfera do poder judiciário e internacionalmente. Esperamos que as comissões internacionais de direitos humanos possam garantir a justiça da qual o Estado brasileiro se omite e falou em promover para Maicon e sua família”, afirmou Deise.

Respostas

Em resposta à Agência Brasil, a Secretaria de Polícia Civil do Rio de Janeiro disse que lamenta profundamente o grande número de vítimas da violência no estado, “principalmente pela atuação de organizações criminosas armadas extremamente violentas” e que, por isso, se solidariza com os familiares de cada uma e reafirma o compromisso dos policiais civis em defesa da segurança e dos direitos humanos da população.

A secretaria diz que que cumpre “rigorosamente toda a legislação relativa à atividade policial, às operações policiais e ao emprego da força policial em suas ações” e que “atua em situações de extrema dificuldade e alto risco, em operações em que a probabilidade de confronto é muito alta, devido à presença de criminosos fortemente armados no Rio de Janeiro”.

Para a Polícia Civil, as facções criminosas que existem no país desafiam o estado. “No caso do Rio de Janeiro, as polícias enfrentam uma verdadeira insurgência criminal, ou uma megaviolência organizada, de acordo com estudiosos do assunto”, completou. “Não se trata apenas de um problema de segurança pública, mas de uma verdadeira guerra assimétrica, em que aqueles que desafiam o Estado constituído menosprezam o Estado Constitucional de Direito”.

A Polícia Civil contestou as acusações de violações de direitos nas operações. “Sem a devida contextualização sobre o ambiente em que ocorrem as operações da Polícia Civil, é impossível ter uma dimensão real dos problemas enfrentados, o que abre espaço para narrativas oportunistas que acusam a polícia de violações de direitos humanos e de uso desproporcional da força.”

A instituição defendeu ainda o uso de helicópteros e veículos blindados durante as operações nas comunidades do Rio. “O número de policiais feridos ou mortos em ações com o emprego de aeronaves é próximo de zero e inexistem registros de inocentes mortos por disparos equivocados de aeronaves, dados que reforçam que as aeronaves são necessárias à preservação da vida. De igual forma, reduz-se drasticamente o risco de confrontos durante as operações.”

De acordo com a Polícia Civil, o emprego de helicópteros e veículos blindados da força nas operações de segurança pública “é imprescindível para levantamento de informações de áreas conflagradas, transporte e desembarque de equipes em locais de risco ou de difícil acesso, orientação em tempo real das equipes de solo e cobertura aproximada da progressão de policiais, além do resgate e evacuação de feridos”.

A Polícia Civil informou que, desde 22 de janeiro, os agentes da Coordenadoria de Recursos Especiais usam as câmeras operacionais portáteis, seguindo cronograma aprovado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) e reconhece que a medida é importante para dar maior transparência às atividades realizadas durante as operações.

Polícia Militar

A Secretaria de Estado de Polícia Militar disse que as ações da corporação são pautadas por critérios estratégicos e técnicos, sempre sendo conduzidas dentro do previsto na legislação vigente. “O comando da corporação ressalta que não corrobora com o cometimento de excessos ou crimes por parte de seus entes, punindo com rigor os envolvidos quando constatados os fatos”, afirmou.

A PM informou ainda que a ouvidoria da corporação está sempre à disposição da população por meio do telefone (21) 2334-6045 ou por este e-mail.

“Vale destacar que, de acordo com os dados compilados pelo Instituto de Segurança Pública (ISP), o indicador estratégico de morte por intervenção de agente do Estado apresentou diminuição de 35% em 2023 com relação ao ano anterior. Este foi o menor índice para o acumulado desde 2015”, informou a PM, destacando que quase 13 mil câmeras de uso corporal estão sendo usadas pelo efetivo nas ruas.

Até o fechamento dessa reportagem, o Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro e o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro não tinham respondido aos pedidos de declaração encaminhados pela Agência Brasil.

Campanha no Rio Open de tênis faz João Fonseca subir 313 posições

O tenista brasileiro João Fonseca (foto), de 17 anos, subiu 313 posições no ranking mundial da Associação de Tenistas Profissionais (ATP), saindo do 655º lugar para o posto 342, depois da campanha no Rio Open, primeiro ATP 500 do Brasil.

O atleta, depois de passar por Arthur Fils (36º do mundo) e Cristian Garín (campeão em 2020), caiu nas quartas para o argentino Mariano Navone. A derrota foi de virada por 2 sets a 1 (6/2, 3/6 e 3/6) em 2h20min de jogo.

O resultado rendeu também ao brasileiro o convite (wildcard) para o ATP 250 de Santiago (Chile), evento que está acontecendo na capital chilena até 3 de março.

Finais

As semifinais do Rio Open serão disputadas a partir das 17h deste sábado (24) e não terão brasileiros.

O argentino Sebastian Báez, que passou pelo brasileiro Thiago Monteiro por 2 sets a 1, pegará o compatriota Francisco Cerúndolo, que superou o sérvio Dusan Lajovic também por 2 a 1. Na outra semifinal, Mariano Navone terá pela frente o britânico Cameron Norrie, que foi melhor do que o brasileiro Thiago Wild por 2 sets a 1 na etapa anterior.

O único brasileiro ainda competindo no torneio do Rio é Rafael Matos. Ao lado do colombiano Nicolas Barrientos, ele superou os italianos Simone Bolelli e Andrea Vavassori na semifinal do torneio de duplas masculinas por 2 sets a 1 (2/6, 6/3 e 10/5) e tentará o título.

O gaúcho busca o primeiro título de um brasileiro no evento neste domingo (25) contra os vencedores do duelo deste sábado entre os franceses Fabien Reboul e Sadio Doumbia e os austríacos Alexander Erler e Lucas Miedler.

Temporal no estado do Rio deixou pelo menos nove mortos

O temporal que atingiu o estado do Rio de Janeiro quarta-feira (21) deixou nove mortos. A última vítima encontrada debaixo dos escombros foi uma criança de 6 anos que estava desaparecida após deslizamento de terra no município em Mendes.

De acordo com a Defesa Civil municipal de Japeri, na Baixada Fluminense, houve duas mortes no município: um menino de 2 anos e uma mulher de 24 anos, em desabamentos em locais diferentes.

Em Barra do Piraí, no sul do estado, quatro pessoas morreram no Morro do Gama, depois que um deslizamento de terra atingiu uma casa de três andares. Quatro pessoas foram retiradas com vida dos escombros.

Em Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense, dois homens adultos morreram por causa das chuvas nos bairros Ipiranga e Jardim Pernambuco.

Reunião

Secretários do governo do estado se reuniram nessa sexta-feira (23), na Câmara Municipal de Japeri, na Baixada Fluminense, com representantes do governo federal e prefeitos de cidades atingidas pelas fortes chuvas desta semana, visando a facilitar e agilizar a redução dos impactos causado pelos temporais.

Os secretários de Governo, Bernardo Rossi, e de Defesa Civil, coronel Leandro Monteiro, receberam as demandas dos municípios para aprimorar as ações iniciadas de apoio à população.

Eles destacaram o investimento de R$ 4,3 bilhões em obras, por meio do programa Pacto-RJ, lançado em 2021, cujo objetivo é a retomada econômica e social do estado.

O programa prevê investimentos de R$ 17 bilhões para garantir o crescimento sustentável em todos os 92 municípios do Rio, nas áreas de infraestrutura, desenvolvimento social, saúde, educação, segurança, desenvolvimento econômico, meio ambiente, cultura e lazer.

Peça, documentário e música homenageiam mortos da Vila Socó

“Não devemos esquecer os nossos irmãos da Vila Socó, transformados em cinzas, lixo em pó. A tragédia da Vila Socó mostra como o trabalhador é explorado, esmagado sem nenhum dó”.

Foi assim que, em 1984, o compositor Gilberto Mendes (1922-2016) descreveu a peça que compôs para coro chamada Vila Socó Meu Amor. A peça foi sua forma de homenagear as vítimas do incêndio ocorrido na madrugada dos dias 24 e 25 de fevereiro de 1984, em Cubatão, e que devastou a população que vivia no bairro.

Em depoimento ao pianista, professor e amigo José Eduardo Martins, publicado na edição de dezembro de 1991 da revista Estudos Avançados, da Universidade de São Paulo (USP), Gilberto Mendes destacou ter escrito a música não só como uma homenagem, mas também como denúncia. “O descaso não tem fim”, escreveu o compositor na época.

“Com minha música, pretendi ter feito alguma coisa in memoriam dos mortos por aquela verdadeira bomba de Hiroshima que foi a explosão da Vila Socó. Por isso a lembrança, no título, do [diretor francês] Alain Resnais, da imensa piedade pelo destino dos homens, que seu extraordinário filme [Hiroshima meu amor] comunica. Meu colega Celso Delneri dirigia um coral feminino no Departamento de Música da Escola de Comunicações e Artes da USP e me havia pedido uma música. O horror diante da terrível notícia deu-me o impulso”, comentou Mendes.

Vila Socó Meu Amor não é a única expressão cultural que procura manter viva a memória daquele incêndio que, oficialmente, vitimou 93 pessoas, mas pode ter realmente matado 508. Outras manifestações culturais como o teatro e o cinema também têm buscado resgatar essa memória.

Teatro

Esse é o caso, por exemplo, da peça Vila Socó, do coletivo 302, que estreará ainda neste ano. A peça é parte de uma trilogia industrial sobre a cidade de Cubatão, que teve início com uma peça sobre a Vila Parisi, passou pela Vila Fabril e que se encerra com a Vila Socó. “Essa história representa a gente contar um pouco sobre nossos antepassados, sobre nossa cidade e entender como chegamos nesse ponto em que estamos hoje na cidade de Cubatão. Para nós, artistas, é uma maneira de se fazer Justiça nessa cidade e sermos contemporâneos de teatro”, explicou Matheus Lípari, 29 anos, performer e iluminador da peça.

Essa memória vem sendo reavivada há mais de um ano pelo coletivo por meio de pesquisas e depoimentos de pessoas que viveram o incêndio. E contará até mesmo com uma experiência pessoal. Um dos atores e diretores do coletivo, Douglas Lima, 34 anos, por exemplo, nasceu pouco tempo depois do incêndio e passou sua infância na Vila Socó. “Minha mãe e meu pai moravam na Vila São José (antiga Vila Socó) na época do incêndio. São sobreviventes”, contou ele à Agência Brasil.

Cinema

Antes da peça, o curta documental Uma Tragédia Anunciada, dirigido pelo produtor audiovisual Diego Moura e que pode ser assistido gratuitamente no YouTube, já buscava reavivar as lembranças e consequências daquele incêndio. Exibido pela primeira vez em 2014, quando a tragédia completou 30 anos, Uma Tragédia Anunciada entrevista diversas pessoas que presenciaram o incêndio.

“Eu cresci no bairro de Vila São José, a poucos metros de onde a tragédia aconteceu. Então, eu cresci ouvindo histórias, vendo vídeos registrados nas antigas fitas VHS e, em 2010, ingressei na faculdade de cinema. Com o tempo, percebi que a memória dessa lembrança estava se perdendo, os jovens não conheciam a história. O curta fez parte inicialmente de um mero trabalho para faculdade, mas acabou se tornando o impulsor para que a memória das vítimas da tragédia e da cidade fossem relembrados e, mais do que isso, para que fosse aberta uma nova discussão sobre os efeitos da industrialização desenfreada que aconteceu na cidade de Cubatão, nas décadas de 60 e 70, e que culminou nessa tragédia na década de 80”, disse Moura, à Agência Brasil.

Durante a produção do documentário, Moura se surpreendeu com os depoimentos das vítimas do incêndio. “Durante as gravações, conheci muitas histórias impactantes e, se há algo que me revolta até hoje, foi como esse processo foi conduzido na época da tragédia. Houve omissão total das autoridades: nos dados oficiais dizem que morreram ‘apenas 93 vítimas’, porém os relatos das pessoas do local dizem que foi muito mais que isso”, aponta.

Conhecer o passado

A intenção da música, da peça e do documentário para cinema sobre a Vila Socó é impedir o apagamento de um incêndio que pode ter sofrido uma tentativa de abafamento durante a ditadura militar. “Reduzir o impacto da tragédia tinha três objetivos básicos: evitar a repercussão nacional e internacional para a empresa [Petrobras], reduzir o custo das indenizações e garantir a impunidade. E isso tudo foi feito”, avaliou o advogado e jornalista Dojival Vieira, durante depoimento à Comissão Estadual da Verdade de São Paulo, em 2014.

Brasília (DF) 22/02/2024 – Vila Socó (hoje Vila São José), em Cubatão. O incêndio foi causado por vazamento de combustíveis de oleodutos que ligavam a Refinaria Presidente Bernardes de Cubatão (RPBC) ao terminal portuário da Alemoa. Foto: Biblioteca Municipal de Cubatão/Divulgação – Biblioteca Municipal de Cubatão/Divulgação

Mas levar a Vila Socó para os palcos e para a tela grande é também uma forma de buscar entender o passado e evitar sua repetição no futuro. “O papel da arte em contar uma história é, para mim, sempre trazer à tona as histórias em si para que elas não sejam esquecidas, para que o apagamento não aconteça. O papel da arte é fazer com que essa história não seja esquecida e para que as futuras gerações possam lembrar disso e saber sobre o que aconteceu, de fato, nesse dia. Com essa história, vamos tentar resgatar memórias, resgatar a ancestralidade e fazer com que isso não seja esquecido e para que não aconteça nunca mais”, disse Sandy Andrade, 30 anos, atriz e produtora da peça teatral.

“Cada vez mais, a arte e o cinema são usados para trazer para a atualidade temas que foram deixados de lado. Cada vez mais são produzidos conteúdos sobre nosso passado. E especialmente nesse caso da Vila Socó, o cinema foi a ferramenta que tínhamos para trazer essa memória tão desagradável. Eu acho que as vítimas mereciam isso, como uma forma de homenagem. Essas mesmas vítimas que foram esquecidas e negligenciadas pelas autoridades. Acredito que um dos papéis da arte é esse: mostrar e lembrar os nossos erros para que não sejam cometidos novamente”, acrescentou Moura.

STF condena mais 15 réus pelos atos antidemocráticos de 8/1

24 de fevereiro de 2024

 

O Supremo Tribunal Federal (STF) condenou mais 15 pessoas envolvidas nos atos antidemocráticos de 8 de janeiro de 2023. Até o momento, as acusações apresentadas pela Procuradoria-Geral da República (PGR) resultaram em 86 condenações.

Os réus, julgados na sessão plenária virtual encerrada em 20/2, foram sentenciados pela prática dos crimes de associação criminosa armada, abolição violenta do Estado Democrático de Direito, tentativa de golpe de Estado, dano qualificado e deterioração de patrimônio tombado.

Intenção de derrubar governo

A maioria do Plenário acompanhou o voto do relator, ministro Alexandre de Moraes, no sentido de que, ao pedir intervenção militar, o grupo do qual eles faziam parte tinha intenção de derrubar o governo democraticamente eleito em 2022. Ele observou que, conforme argumentado pela PGR, trata-se de um crime de autoria coletiva (execução multitudinária) em que, a partir de uma ação conjunta, todos contribuíram para o resultado.

Penas

As penas foram fixadas em 16 anos e 6 meses de prisão, para nove pessoas, e em 13 anos e 6 meses de prisão, para outras seis. Como na fixação das penas nenhuma proposta obteve maioria, as sentenças foram estabelecidas com base no voto médio.

Indenização

A condenação também abrange o pagamento de indenização por danos morais coletivos, no valor mínimo de R$ 30 milhões. Esse valor será quitado de forma solidária por todos os condenados, independentemente da pena.