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CNJ aponta dificuldade de acesso de adolescentes internos a documentos

À frente da sala de aula, o professor e sociólogo brasiliense Emerson Franco, de 34 anos, mergulha na própria memória para ensinar. Adolescentes do sistema de ressocialização escutam a história do rapaz que, aos 15 anos (no ano de 2004), viu-se envolvido em furtos, foi apreendido e, depois de adulto, preso. Aos garotos, ele explica o que aprendeu e diz que é possível dar a volta por cima. Quem sabe se tornar um professor como ele. 

Em uma das aulas, Emerson fala sobre a necessidade de conhecer direitos elementares, como o de ter um documento. “Eu tinha meu RG [documento de identidade], certidão de nascimento, mas isso está longe de ser uma regra”, afirmou, em entrevista à Agência Brasil.  Inclusive, a dificuldade de adolescentes com documentação vai ao encontro de uma pesquisa divulgada nesta quarta (13) pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), intitulada Diagnóstico da Emissão de Documentos Básicos no Sistema Socioeducativo: Atendimento Inicial em Meio Fechado

O levantamento inédito revela que seis unidades federativas (Goiás, Alagoas, Espírito Santo, São Paulo, Distrito Federal e Santa Catarina) têm projetos específicos para emissão de documentos para adolescentes envolvidos em atos infracionais. Não proporcionar programas nesse sentido pode gerar impacto direto nas vidas de adolescentes e jovens, mostra a pesquisa. Segundo o CNJ, cerca de 12 mil adolescentes cumprem medidas em meio fechado, e mais de 117 mil em meio aberto no Brasil. 

A pesquisa foi realizada entre outubro e dezembro de 2022 pelo programa Fazendo Justiça, coordenado pelo CNJ em parceria com o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud) para transformar a privação de liberdade.

Direito básico

Conforme testemunha o professor Emerson Franco, que atualmente é palestrante voluntário no sistema socioeducativo, com o projeto Papo Franco (que ele realiza há sete anos), ainda há, de fato, dificuldades para que o adolescente no cumprimento da medida possa obter a primeira documentação. “Da delegacia para o sistema de internação, acontece de sumir documentação de adolescente ou mesmo de chegar sem nenhum tipo de documentação.”

Emerson entende, porém, que, conforme garantia do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), há mais atenção. “A  documentação é um direito básico, inclusive de segurança, e para a pessoa reconquistar sua cidadania.”

Esse tema é abordado nas palestras do professor Emerson. “Eu sempre converso com os assistentes sociais e com os psicólogos para saber como está a documentação de cada adolescente. É básico para a pessoa receber algum tipo de benefício ou progressão.”

Isenções

O estudo do CNJ chama a atenção ainda para o fato de que o acesso à Central de Informações do Registro Civil (CRC), que é utilizada para localizar registros de nascimento, está disponível em somente em seis estados: Amazonas, Tocantins, Ceará, Pernambuco, Rio de Janeiro e Santa Catarina. 

Para obter a documentação, a maior parte dos estados isenta grupos vulnerabilizados (como são os adolescentes em sistema de ressocialização) da taxa para a emissão da segunda via do RG. No entanto, não adotam essa política os estados do Acre, Ceará, de Mato Grosso do Sul, do Paraná, de Roraima, São Paulo e do Tocantins, segundo o levantamento.

Estratégias

Para o coordenador do Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário e do Sistema de Execução de Medidas Socioeducativas do CNJ, Luís Lanfredi, viabilizar o acesso à documentação civil de adolescentes no âmbito do sistema socioeducativo é medida crucial para superação de estigmas e também para evitar métodos invasivos de identificação compulsória. “O CNJ entende que o direito à documentação é fundamental porque viabiliza diversos outros direitos para o pleno exercício da cidadania”, afirmou Lanfredi, em texto divulgado pelo conselho.  

Para o juiz Edinaldo César Santos Junior, também do CNJ, que atua na área socioeducativa, uma das principais recomendações do estudo é a realização de convênios e o estímulo a legislações que garantam a gratuidade da documentação para jovens e adolescentes em cumprimento de medida socioeducativa. A gratuidade e a facilidade de acesso são estratégias indicadas no estudo.

“O relatório é um chamado à ação. Nós, como sociedade, temos a responsabilidade de agir com base nessas descobertas para garantir que cada adolescente e jovem tenha acesso irrestrito aos documentos que são fundamentais para o exercício pleno da cidadania”, ressaltou o juiz.

Entre as estratégias para enfrentar tal situação, destaca-se a necessidade de reforçar, na educação dos adolescentes, uma compreensão aprofundada do papel dos documentos e sua conexão com os direitos básicos. É preciso “entender a função de cada um dos documentos a ser emitido, a relação desses documentos com o exercício dos direitos civis, políticos, sociais e culturais, bem como o acesso permanente às informações e aos documentos emitidos”, diz o levantamento. 

Mobilizar os adolescentes para buscarem identificação e se sentirem como plenos em direitos de cidadania pode ser o primeiro passo para a mudança de rumo, enfatiza o professor Emerson Franco. As lembranças de garoto e de ex-detento não estão omitidas. “Busco conscientizar para que eles não façam as coisas erradas que eu fiz. Falar com eles é uma missão de vida para mim”, desabafa. Uma missão de um homem livre, com crachá de professor e identidade renovada.

Especialistas discutem alternativas a tratamentos manicomiais

A 5ª Conferência Nacional de Saúde Mental recebe em Brasília cerca de 2 mil profissionais para formular propostas para a Política Nacional de Saúde Mental. Tendo por base as comprovações de ineficácia dos tratamentos manicomiais, especialistas e profissionais do ramo debaterão temas como internação compulsória, comunidades terapêuticas e o principal, o cuidado em liberdade, com garantia de direito à cidadania.

A conferência teve início nesta segunda-feira (11), e segue até a quinta-feira (14). A expectativa dos organizadores não é pequena, uma vez que o encontro não ocorre há 13 anos. Entre especialistas e usuários do Sistema Nacional de Saúde Mental, uma unanimidade é que os manicômios estão longe de representarem qualquer solução enquanto tratamento. Em contraposição, a absoluta maioria defende o chamado tratamento em liberdade.

“Manicômios eram depósitos punitivos de pessoas. Não havia cuidado ou respeito aos direitos daqueles que lá viviam. Já o tratamento em liberdade é o oposto. Entende que a loucura é tratável; que a pessoa [com transtornos mentais] pode ser acolhida e tem potencial e capacidade para trabalhar. É tudo uma questão de adaptação”, explicou à Agência Brasil a coordenadora adjunta da conferência e integrante dos conselhos Nacional de Saúde e Federal de Psicologia, Marisa Helena Alves.

Psicóloga e professora universitária, Marisa explica que saúde mental é “o completo bem-estar”, e que isso envolve elementos como qualidade de vida, moradia, empregabilidade, bem-estar social, direitos e, principalmente, o cuidado em liberdade. “Neste caso, o ofertado pelo SUS [Sistema Único de Saúde]”, complementa.

É tendo em mente esses objetivos que ela e os demais participantes da conferência vão elaborar propostas para a Política Nacional de Saúde Mental.

“Estamos em um momento de retomar e reorganizar essa política, após anos de descaso e 13 anos sem conferência. O Departamento de Saúde Mental foi criado recentemente e ampliado sua atuação para aqueles que vivem situações com álcool e drogas”, disse ao ressaltar que vários problemas e a piora na assistência às pessoas com transtornos mentais ficaram ainda mais expostos após a pandemia.

Desafios

Ela destaca a necessidade de o país melhorar os atendimentos nas redes e centros de Atenção Psicossocial; e de mais investimentos, inclusive para a criação de serviços, visando o atendimento local nas situações de crise.

Entre os desafios a serem enfrentados pela política a ser implementada está o de retirar “estigmas excludentes e o ranço histórico” que associam loucura a perigo. “No passado, essa associação não existia. Veja o caso dos bobos da corte. Eram doidos com acesso à sociedade. Com o passar do tempo, esse conceito e olhar sobre o louco mudou, associando a ele uma suposta periculosidade que, na verdade, abrange todos os grupos de pessoas. Essa associação perigosa é fruto de preconceito”, argumentou a professora universitária.

Ela explica que, no surto, qualquer pessoa diz o que pensa, e que isso afeta poder, governo e público. “Por ser algo incômodo, acabou resultando no afastamento entre loucos e sociedade”, acrescentou ao explicar que os manicômios foram então a solução encontrada para esse afastamento.

Liberdade e direitos

“Enquanto tratamento, os manicômios não têm nenhum benefício. Já os tratamentos em liberdade têm sido um sucesso, e por isso são o pilar da reforma psiquiátrica que queremos para o país. É uma forma de tratamento que garante respeito aos direitos do cidadão. Toda pessoa com transtorno mental é um cidadão de direito, e merece ser tratado como tal. Não se pode punir ninguém apenas por ter transtorno”, defende ao alertar sobre o risco de novas versões de manicômios virem disfarçadas de comunidades terapêuticas.

Em tratamento psiquiátrico há 27 anos, a usuária do SUS Saúde Mental Helisleide Bomfim dos Santos, de 51 anos de idade, defende não apenas os cuidados em liberdade, mas também a regionalização do tratamento, com redes psicossociais locais para atendimentos emergenciais, de forma a evitar a necessidade de longos deslocamentos para pessoas que se encontrarem nessa situação.

“Manicômio não cura. Tortura”, disse ao ressaltar a importância do autocuidado; do amor-próprio e da autoestima como elementos colaborativos para a eficiência dos tratamentos, desde que em liberdade.

No caso de Helisleide, que iniciou o tratamento após uma depressão pós-parto, uma atividade que em muito ajudou na superação das crises foi o teatro. “O teatro me ajuda e me fortalece. O prazer que ele me proporciona acaba por me ajudar, principalmente a me cuidar. A sensação que tenho é de que ele é o remédio que me faltava”, acrescentou ao enfatizar que, tendo cuidado, a vida de quem carrega essa patologia pode ser boa e repleta de conquistas.

“Eu viajo sozinha, faço teatro, tenho autonomia, sou empoderada, feminista e antiproibicionista, com relação ao uso de drogas enquanto ferramenta para redução de danos”, disse, esclarecendo que danos podem estar relacionados a drogas ou a relações interpessoais. “No meu caso, faço uso de maconha por identificar nela um problema menor”, explicou.

Helisleide é técnica em enfermagem aposentada. A vivência profissional associada aos tratamentos feitos ao longo da vida deu a ela um olhar apurado sobre a situação não apenas dos pacientes, mas dos profissionais de saúde.

“Precisamos de políticas públicas voltadas tanto aos usuários do sistema como para os profissionais ligados a ele. Precisamos dar atenção especial aos profissionais da saúde, porque têm uma rotina complicada. Há um índice alto de profissionais, inclusive que trabalham com saúde mental, que acabam ficando mentalmente adoecidos”, alerta ao defender que as propostas a serem elaboradas durante a conferência tenham também foco nesses profissionais.

Israel e Hamas libertam um grupo de reféns no primeiro dia de trégua

Equipe resgata corpos em meio aos escombros

25 de novembro de 2023

 

Militantes do Hamas libertaram esta sexta-feira um primeiro grupo de reféns no âmbito de um acordo de trégua que começou ao início da manhã, incluindo 13 israelenses que estiveram detidos durante quase sete semanas, informaram as autoridades.

Doze tailandeses também foram libertados, segundo a primeira-ministra da Tailândia, Srettha Thavisin. A libertação do grupo de tailandeses não havia sido anunciada anteriormente como um dos termos da troca de prisioneiros.

No total, 50 cativos serão libertados durante a trégua de quatro dias. Israel libertará 150 palestinos dentro desse prazo como parte do acordo, 39 deles nesta sexta-feira.

Um grupo de reféns em Gaza foi transferido para a Cruz Vermelha na sexta-feira e dirigia-se para a passagem da fronteira com o Egito. A Cruz Vermelha Internacional confirmou que as suas equipes iniciaram uma operação para facilitar transferência de reféns da Faixa de Gaza e de prisioneiros palestinos para a Cisjordânia.

“A profunda dor das famílias separadas dos seus entes queridos é indescritível. Estamos aliviados por alguns estarem reunidos depois de uma longa agonia”, disse Fabrizio Carboni, diretor regional da Cruz Vermelha.

A trégua acordada entre Israel e o Hamas entrou em vigor esta sexta-feira, às 7 horas (local), na primeira trégua em 48 dias de conflito que devastou o enclave palestino, mas ambos os lados alertaram que a guerra estava longe de terminar.

Muitos palestinos alegres mas cautelosos saíram de abrigos improvisados ​​na sexta-feira, no início do cessar-fogo de quatro dias em Gaza, para iniciar a longa viagem de regresso às suas casas.

Por exemplo, na cidade de Khan Younis, no sul, que acolheu milhares de famílias deslocadas, incluindo as do norte de Gaza, fortemente bombardeada, as ruas estavam cheias de pessoas em movimento.

Centenas de pessoas dirigiam-se para norte, apesar de Israel ter espalhado panfletos alertando-os para não regressarem ao local descrito como ainda uma zona de guerra perigosa.