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Ouvidoria e famílias denunciam execuções pela PM na Baixada Santista

A Ouvidoria de Polícia do Estado de São Paulo divulgou nesta segunda-feira (25) um relatório em que denuncia 11 casos em que a Polícia Militar (PM) teria feito execuções na Baixada Santista, no litoral paulista. A região tem sido alvo de grandes operações policiais desde julho do ano passado.

O documento foi apresentado em uma audiência pública na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, no Largo São Francisco, centro paulistano. Parentes e amigos das vítimas, assim como pessoas que residem em comunidades atingidas pela violência policial lotaram o salão nobre da faculdade. “Hoje, está aqui a população que chora”, disse Sandra, mãe de Luiz Fernando, morto pela polícia em fevereiro de 2023.

Durante o evento, os depoentes se identificaram apenas pelo primeiro nome e houve a solicitação de que não se divulgassem imagens que permitissem identificar possíveis testemunhas.

Operações

A primeira edição da chamada Operação Escudo, lançada após a morte de um policial militar em Santos (SP), resultou em 28 mortes em um período de 40 dias. Uma nova edição da operação foi iniciada no fim de janeiro deste ano e acumulava, até o último dia 18 de março, 48 mortes.

Nos três primeiros meses de 2024, policiais militares em serviço mataram 69 pessoas nos municípios da Baixada Santista, segundo os dados disponibilizados pelo Ministério Público de São Paulo até o último dia 22.

No início de março, a Ouvidoria de Polícia esteve na baixada em uma missão conjunta com o Conselho Estadual de Defesa da Pessoa Humana de São Paulo (Condepe) e diversas entidades de direitos humanos, como o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, o Instituto Sou da Paz e a Rede de Proteção e Resistência contra o Genocídio.

Foram colhidos depoimentos, analisados boletins de ocorrência, certidões de óbito e laudos necroscópicos. Foram identificadas 11 pessoas que morreram em situações com diversos indícios de execução. O relatório aponta ainda para um caso de uma mulher vítima de bala perdida e dois sobreviventes a tentativas de execução.

O Condepe também entrou com uma representação no Ministério Público pedindo que o secretário estadual de Segurança Pública, Guilherme Derrite, seja investigado por não dar transparência às operações policiais. O órgão, vinculado à Secretaria de Justiça e Cidadania afirma que os pedidos de informação são sistematicamente negados.

Audiência Pública Operação Escudo/Verão, organizada pela Ouvidoria de Polícia de São Paulo e Ouvidoria Nacional dos Direitos Humanos, na Faculdade de Direito da USP – Rovena Rosa/Agência Brasil

Depoimentos

Em depoimento, Beatriz contou que a versão apresentada para a morte de seu marido Leonel, não é crível e não poderia ter acontecido. Segundo ela, ele não seria capaz de trocar tiros com os policiais militares por ser deficiente físico desde os 14 anos de idade. “Não teve troca de tiro, que nem o que o policial falou, porque ele mal conseguia segurar as muletas dele”, afirmou. “Ele deu entrada no hospital morto”, acrescentou.

“A gente veio aqui pedir força pra toda a minha família, para todas as minhas filhas. Todos os dias a gente chora”, disse Ana Alice ao narrar o assassinato de seu ex-marido, José Marcos, em fevereiro: “os policiais pegaram ele, na metade do beco, levaram para dentro da casa dele e deram três tiros.”

“A gente foi avisado pelo vizinho, que escutou os disparos de tiro. Chegando lá eles [policiais] pediram para a gente ‘sair fora’”, conta. O homem, segundo ela, fazia consumo abusivo de drogas, mas não tinha envolvimento com o crime e vivia de catar materiais recicláveis. “Eles fingiram socorro, levaram até o PS [pronto-socorro] de São Vicente”.

Secretaria

Em defesa dos policiais, a Secretaria de Segurança Pública de São Paulo afirma que “as mortes registradas decorreram de confrontos com criminosos, que têm reagido de forma violenta ao trabalho policial”.

Ainda segundo a pasta, “todos os casos de morte decorrente de intervenção policial são rigorosamente investigados pelas polícias Civil e Militar, com o acompanhamento das respectivas corregedorias, Ministério Público e Poder Judiciário”.

Sobre a representação do Condepe, a secretaria diz que teve “conhecimento informal” da solicitação de investigação e que “irá responder aos questionamentos assim que acionada pelo Ministério Público”.

Kate Middleton sofre de câncer; anúncio vem dois meses após “doença misteriosa”

22 de março de 2024

 

Kate em 2019

Pouco mais de dois meses depois do Palácio de Kensington anunciar que Kate Middleton, a Princesa de Gales precisaria ficar afastada das atividades por cerca de três meses após uma cirurgia abdominal, hoje ela mesma revelou que sofre de câncer. À época ela pediu respeito à privacidade pelo bem dos filhos, George, Charlotte e Louis, mas devido a uma onda de rumores e uma tentativa recente de hacking de sua ficha médica, ela e o marido, William, decidiram tornar seu diagnóstico público.

No entanto, ela não disse qual o órgão acometido, mas disse que está fazendo quimioterapia e está “bem e cada dia mais forte”.

Este é o terceiro choque para os britânicos este ano, já que em 17 de janeiro, quando sua cirurgia foi revelada, a Casa Real também comunicou que o Rei Charles III faria uma cirurgia devido a próstata aumentada. O diagnóstico de câncer do Rei veio no início de fevereiro e desde então sua agenda está limitada.

Cronologia dos fatos

17 de janeiro de 2024: anúncio de que Kate tinha sido operada e precisaria ficar afastada e de que Charles seria operado no dia seguinte
05 de fevereiro de 2024: anúncio de que Charles tinha câncer
22 de março de 2024: anúncio de que Kate sofre de câncerNotícias Relacionadas
Rei Charles e Kate Middleton necessitam de cirurgias; anúncio foi feito num único dia
Rei Charles padece de câncer e se afastará das atividades
 
 
 
 
 
 

Justiça absolve PMs envolvidos em caso de mulher arrastada por viatura

O Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ) absolveu seis policiais militares envolvidos no caso da morte da auxiliar de serviços gerais Claudia Silva Ferreira, em 2014. Ela foi baleada perto de casa, no Morro da Congonha, em Madureira, no subúrbio do Rio de Janeiro. O caso ganhou notoriedade porque um vídeo flagrou o corpo da Claudia sendo arrastado por cerca de 300 metros por uma viatura da Polícia Militar durante tentativa de socorro.

A morte de Claudia completou dez anos no último sábado (16). A decisão que absolveu os PMs é do juiz Alexandre Abrahão Dias Teixeira, e foi tomada no último dia 22 de fevereiro. O processo tratou de duas acusações. Os PMs Rodrigo Medeiros Boaventura e Zaqueu de Jesus Pereira Bueno eram acusados por homicídio, por terem atirado em direção à vítima. À época, ambos chegaram a ser presos.

Em outra linha de acusação, além dos dois PMs citados, Adir Serrano Machado, Alex Sandro da Silva Alves, Rodney Miguel Archanjo e Gustavo Ribeiro Meirelles eram acusados de fraude processual por terem removido o corpo da vítima do local em que ela foi baleada.

Legítima defesa

O juiz entendeu que não houve indícios suficientes sobre a autoria dos disparos que atingiram Claudia. Ela tinha saído de casa para comprar pão quando foi surpreendida por uma troca de tiros entre os dois policiais e traficantes.

Nos autos do processo, o juiz Alexandre Abrahão cita o depoimento do delegado Julio Cesar Phyrro de Carvalho, que afirmou que o local onde os acusados estavam era “no alto da comunidade, em região densa de mata, com pouca visibilidade”. Além disso, não foi possível recuperar o projétil que acertou Claudia, para que fosse realizado confronto balístico com as armas dos PMs.

Na ocasião, foram apreendidos na comunidade três pistolas, diversas munições deflagradas, rádio comunicador e grande quantidade de drogas. “Diante do conjunto probatório existente nos autos, infere-se que os acusados agiram em legítima defesa”, diz trecho da sentença.

Depoimentos

Sobre a remoção do corpo, a Justiça entendeu que os policiais o colocaram na viatura em uma tentativa de socorrer Claudia em uma unidade de saúde. Nos depoimentos, os PMs alegaram que acreditavam que a vítima ainda mantinha sinais vitais e acrescentaram que moradores da comunidade partiram para cima dos agentes com postura hostil, dificultando o socorro.

“No banco traseiro da viatura havia alguns armamentos. A população estava revoltada e tentou tomar para si as armas, bem como agredir os policiais. Como os agentes tinham que socorrer Claudia, não houve tempo hábil para retirar as armas do banco. Em razão disso, eles a colocaram dentro da caçapa da viatura”, afirmou em depoimento Wagner Cristiano Moretzsohn, comandante do 9º Batalhão de Polícia Militar à época.

“Não esperei a chegada da ambulância porque havia risco de novo confronto armado e era necessário socorrê-la rapidamente”, justificou em depoimento o PM Rodrigo Boaventura.

Outros policiais envolvidos citaram em depoimentos a dificuldade em realizar o socorro.

“Coloquei Claudia dentro da boleia enquanto era agredido com tapas e chutes por diversos populares. Tais pessoas também balançaram e chutaram bastante a viatura, inclusive os vidros”, afirmou o policial Adir Serrano Machado. Ele disse ainda que, durante o trajeto para o hospital, não percebeu o momento em que a vítima caiu do carro.

“Em determinado momento, quando estávamos percorrendo a Estrada Intendente Magalhães, olhei para trás e vi a porta aberta. Claudia não estava no veículo. Imediatamente mandei a viatura parar e corri achando que ela havia caído. Percebi que ela estava presa no reboque. Coloquei ela novamente na viatura. Nesse momento já não percebi mais os sinais vitais. Em momento nenhum ninguém avisou que Claudia estava presa, nem o rapaz que filmou o ocorrido”, declarou.

No processo, o juiz levou em consideração também o depoimento da enfermeira Danusa de Souza Ramos, que estava de plantão no Hospital Estadual Carlos Chagas. Ela afirmou que quando Claudia chegou na viatura, “não percebemos que ela estava morta. Achávamos que ela poderia estar viva. Mas na sala de trauma percebemos que ela já estava sem os sinais vitais”.

Ao justificar a absolvição dos seis PMs do crime de fraude processual, o juiz escreveu que “restou comprovado que os acusados não inovaram de forma artificiosa. Pelo contrário, evidencia-se que eles tentaram socorrer a vítima de imediato, em que pese vários populares agirem de modo a impedir o socorro”.

Procurado

O processo também trata de Ronald Felipe dos Santos. Ele é apontado como sendo um dos criminosos que trocaram tiros com os policiais. No mesmo dia ele foi preso após dar entrada em uma Unidade de Pronto Atendimento (UPA). Atualmente, Ronald está foragido. O juiz manteve o pedido de prisão preventiva contra Ronald Felipe.

Indenização

Menos de um mês após a morte de Claudia, que tinha 38 anos, o governo do Rio de Janeiro entrou em acordo com a família dela para o pagamento de uma indenização por danos morais e materiais. O valor do pagamento não foi divulgado. Os beneficiários foram o então marido e quatro filhos.

Museu paulistano completa 50 anos com mostras, palestras e concertos

Uma homenagem de um marido em luto para a falecida esposa. Foi assim que nasceu a Fundação Maria Luisa e Oscar Americano. Era março de 1974, dois anos após a morte de Maria Luisa, quando o engenheiro paulistano Oscar Americano de Caldas Filho (1908-1974) decidiu transformar a casa da família, na Avenida Morumbi, zona sul paulistana, em um espaço de lazer e cultura. 

Oscar Americano era um conhecido engenheiro de grandes obras no país e proprietário da Companhia Brasileira de Projetos e Obras (CBPO). “Oscar Americano foi um dos grandes responsáveis pelo crescimento e urbanização da cidade [de São Paulo], especialmente da região do Morumbi”, disse Luiz Ventura, diretor administrativo e financeiro da fundação. Já Maria Luisa Ferraz Americano de Caldas (1917-1972) era mecenas, uma patrocinadora de artistas.

“Essa transição de uma casa para museu vem de uma ideia do Oscar Americano para homenagear Maria Luisa. Os dois morrem jovens: ela com 54 e ele com 66 anos, em um intervalo de dois anos entre a morte de um e outro. Durante o luto, ele teve essa ideia de fazer reformas [na casa] e deixar um fundo de dinheiro pra cuidar desses primeiros anos de expansão do acervo e foi assim que se organizou essa homenagem. O acervo começa com essa ideia da casa, do parque e da coleção do casal sendo doados para que outras pessoas pudessem prestigiar e acessar um pouco da visão e do cotidiano deles”, explicou Gloria Maria dos Santos, educadora da fundação.

Foi assim que a casa modernista onde o casal viveu, projetada pelo famoso engenheiro-arquiteto Oswaldo Arthur Bratke (1907-1997) e rodeada por um vasto parque com paisagismo de Octavio Augusto Teixeira Mendes (1907-1988), foi doada à cidade de São Paulo, junto com uma vasta coleção de obras de arte. Vizinha do Palácio dos Bandeirantes, sede do governo paulista, a fundação foi tombada em 2018 pelo Conselho de Preservação do Patrimônio Histórico, Cultural e Ambiental da Cidade de São Paulo (Conpresp). Antes disso, a fundação já havia sido declarada de utilidade pública pelo governo de São Paulo.

Neta do Oscar e Maria Luisa, Patrícia Americano Vidigal Simón, conselheira da fundação, não conheceu os avós, mas mesmo assim, diz que o espaço tem um significado muito especial para ela. “Aqui sempre foi uma referência da minha família, mostrando como eles viviam. Sempre tive curiosidade de entender como é que era essa dinâmica familiar, mesmo porque a minha mãe era a mais nova da família, a filha temporã. A história que eu escuto é que ela teve um cômodo adaptado para ela”, contou ela à Agência Brasil.

“Infelizmente não os conheci [os avós]. Queria muito ter vivido aqui nessa casa, enquanto ela era casa, mas fui saber mais sobre ela com a minha participação na fundação”, acrescentou.

Hoje, o endereço onde o casal Oscar Americano e Maria Luisa viveu por 20 anos com os cinco filhos é um espaço cultural e arquitetônico formado por uma casa-museu, um parque com espécies nativas da Mata Atlântica e uma vasta programação cultural, que inclui os tradicionais domingos com concerto musical no auditório da casa e encontros literários. “O que a família almeja é que permaneça esse legado dos meus avós no sentido da cultura, da música, da arte e do parque. A fundação precisa ser um parque artístico e cultural”, reforçou Patrícia.

Fundação completa 50 anos com mostras dedicadas aos 500 anos de Camões e 200 anos da primeira Constituição brasileira. Foto: Júlio Acevedo

Acervo

Entre 1974, ano em que foi instituída a Fundação Maria Luisa e Oscar Americano, e 1980, quando a sede foi aberta ao público, a casa sofreu adaptações para permitir a distribuição organizada do acervo para visitação.

A coleção inicial teve como base os objetos de arte pertencentes à família, composto por pinturas, esculturas, porcelanas, pratas e mobiliário. Ao longo do tempo, novas peças foram sendo incluídas ao vasto acervo, que abriga objetos que ajudam a compor um retrato do país. “Todas as peças aqui conversam com a história do Brasil”, explicou Luís Henrique Rodrigues, educador da fundação.

O acervo é constituído, por exemplo, por mobiliários, pratarias, arte sacra e pinturas do artista holandês Frans Post, que ajudam a contar o período do Brasil Colônia; até louças, comendas, cartas e adereços do Brasil Império. “A nossa coleção Imperial, possivelmente, está entre as três coleções mais importantes do Brasil junto ao Museu Imperial [em Petropólis-RJ] e o Museu Mariano Procópio [em Juiz de Fora-MG]”, conta Eduardo Monteiro, diretor cultural da Fundação.

Há no acervo também muitas obras representativas do Modernismo brasileiro, com pinturas e esculturas de Di Cavalcanti, Cândido Portinari, Lasar Segall e Victor Brecheret.

“A narrativa que a gente tende a seguir é essa que conta 400 anos de Brasil. Então a gente pensa a representação do Brasil colonial, Brasil imperial e também de artistas modernos. Nesse caráter de coleção do modernismo ainda entram a casa e o parque”, esclareceu Gloria Maria dos Santos. “Quando a gente está lidando com um acervo que passa tanto pelo [período] colonial e pelo imperial, [precisamos] justamente entender que eram tempos diferentes. Agora, quando já temos um outro olhar, podemos ir revisitando essas obras”, disse a monitora.

Celebrações

Os 50 anos da fundação, completados neste mês de março, vai ser celebrado com programação diversa. A agenda prevê palestras sobre a história do Brasil, encontros literários, concertos musicais, exposições e até chá com membros da Academia Paulista de Letras (APL).

Em abril, por exemplo, um evento literário vai falar sobre os 500 anos de nascimento do poeta e dramaturgo Luís de Camões (nascimento estimado em 1524 e morte em 1580), destacando uma peça do acervo da fundação: uma cópia do livro Os Lusíadas que foi feita especialmente para homenagear Dom Pedro II.

Haverá também homenagens aos 80 anos de nascimento do poeta brasileiro Paulo Leminski (1944-1989) e aos 200 anos da primeira Constituição brasileira, de 1824. Para a celebração da Constituição, por exemplo, a fundação vai destacar um exemplar do seu acervo: um estojo contendo uma miniatura da Constituição Imperial, outorgada por D. Pedro I.

A Constituição de 1824 foi a de duração mais longa do país, num total de 65 anos. A Carta continha 179 artigos e é considerada pelos historiadores como uma imposição do imperador. Entre as principais medidas dessa Constituição estava o fortalecimento do poder pessoal de Dom Pedro, com a criação do Poder Moderador, que estava acima dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário.

Medalha-estojo da Constituição Imperial outorgada por d. Pedro em 1824. Foto – Acervo Fundação Maria Luisa e Oscar Americano

“Temos esse exemplar, em miniatura, da Constituição de 1824. Vamos fazer uma mostra para expor essa peça no hall de entrada porque ela é uma peça única. É incrível que está tudo escrito ali, em papel. É uma medalha-estojo, com a Constituição ali dentro”, disse Monteiro.

A instituição também está se preparando para os 200 anos de nascimento de Dom Pedro II, que serão completados em 2025. Para isso ela vai realizar uma série de palestras sobre a história do Brasil, que vão culminar com uma exposição sobre Dom Pedro II, a partir de novembro.

A Fundação Maria Luisa e Oscar Americano tem entrada gratuita às terças-feiras. Mais informações podem ser obtidas no site da instituição

MPF pede prisão preventiva de agentes da PRF por morte de jovem no Rio

O Ministério Público Federal (MPF) pediu, por meio de denúncia, a prisão preventiva de quatro policiais rodoviários federais pela morte da estudante de enfermagem Anne Caroline Nascimento Silva, de 23 anos, em junho do ano passado. Anne Caroline estava no carro com o marido quando o veículo foi alvejado, na Rodovia Washington Luiz, no Rio de Janeiro, por sete tiros de fuzil e um deles a atingiu. A estudante foi socorrida, mas não resistiu aos ferimentos.

De acordo com o MPF, além do crime de homicídio qualificado, pelo qual devem responder, com pena que pode chegar a 30 anos de reclusão, os quatro policiais da PRF foram acusados de cometer fraude processual, tentativa de homicídio e lesão corporal grave na modalidade culposa, por que um outro tiro disparado pelos agentes atingiu um Corsa Max que também seguia pela Washington Luiz. Nesse segundo veículo a vítima foi a diarista Cláudia dos Santos. “Ela foi atendida, passou por cirurgias e precisou ficar afastada do trabalho”, relatou o Ministério Público.

Conforme a denúncia, os agentes da PRF Thiago da Silva de Sá, Jansen Vinícius Pinheiro Ferreira, Diogo Silva dos Santos e Wagner Leandro Rocha de Souza estavam de plantão no dia 17 de junho de 2023. Alexandre Mello, marido de Anne Caroline, disse em depoimento que por volta 22h, uma viatura policial, com os faróis apagados, se aproximou do Jeep Renegade que ele dirigia e passou a perseguir o carro. “Pouco depois, os policiais ligaram o giroflex e, sem que houvesse tempo para ordem de parada ou qualquer outra forma de abordagem policial adequada, iniciaram a sequência de oito disparos de fuzil”, completou o MPF.

No entendimento do MPF, o homicídio de Anne Caroline é qualificado porque a vítima não teve chance de defesa, uma vez que os sete tiros de fuzil de longo alcance que atingiram o carro em que ela estava foram disparados pela traseira do veículo. O Ministério Público Federal apontou que, apesar de somente um dos agentes ter feito os disparos, os outros devem responder pelo crime.

“A autoria delitiva não se resume à prática da ação nuclear descrita no tipo penal. Basta que haja prévia confluência de vontades para que se configure o liame subjetivo necessário à configuração da coautoria”, apontou o procurador da República, Eduardo Benones.

O procurador destacou que os depoimentos mostram que o policial autor dos tiros teria sido instigado pelos colegas a disparar.

“Disparar oito tiros de fuzil contra a traseira de determinado veículo em movimento que, evidentemente, estava sendo conduzido por alguém, é um inegável atentado contra a vida”, observou.

Na visão de Benones, ao atirar, os policiais teriam assumido o risco de matar alguém, circunstância que motivou a denúncia pelo crime de tentativa de homicídio no caso de Alexandre. “A morte do motorista do Jeep Renegade só não ocorreu por circunstâncias alheias à vontade dos denunciados”, concluiu.
A denúncia indicou que no caso da diarista Cláudia, que, de fato, foi ferida, o crime apontado é lesão corporal grave culposa e a pena poderá ser aumentada em um terço se o agente não procurar diminuir as consequências do seu ato. “Ao longo das investigações, não foram encontrados indícios de que os denunciados tenham tomado qualquer providência para minimizar as consequências das lesões corporais suportadas por Cláudia dos Santos”, relatou o procurador.

Outro fator apontado pelo MPF é que no momento em que o policial assumiu o volante do carro atingido e saiu do local, os quatro denunciados “teriam violado o dever funcional de isolar o local do crime e preservar os vestígios deixados na via e nos veículos envolvidos, o que configura fraude processual”. A denúncia revelou que a pouca distância do local havia um destacamento da polícia. “Os policiais rodoviários federais envolvidos poderiam ter pedido reforços para socorrer a vítima e, ao mesmo tempo, preservado o local do crime, atitude que é dever de qualquer autoridade naquela situação”, explicou o órgão.

Socorro e intimidação

Ainda segundo o MPF, depois dos disparos e do ferimento em Anne Caroline, Alexandre parou o carro, imediatamente, e saiu com as mãos levantadas. Ao notarem que a jovem estava ferida, um dos policiais assumiu o volante do Jeep e seguiu para o Hospital Estadual Getúlio Vargas, na Penha, zona norte do Rio de Janeiro. A viatura policial foi atrás. “Enquanto Anne Caroline era atendida, os quatro policiais teriam adotado atitude de intimidação para com Alexandre, numa espécie de interrogatório prévio e informal. A jovem chegou ao hospital às 22h45 e teve a morte declarada às 2h50 da manhã”, acrescentou o MPF.

Eduardo Benones classificou os fatos relativos à investigação como de extrema gravidade e cometidos, “não só com violência e grave ameaça, mas no contexto de abuso da atividade policial”. Para o procurador, os denunciados se valeram dos meios e recursos providos pelo Estado, enquanto o exercício de suas funções, “para a prática de crimes em flagrante violação de seus deveres funcionais, sendo evidente que suas condutas justificam, de maneira veemente, a prisão preventiva”.

Junto ao pedido de recebimento da denúncia e da condenação dos quatro policiais, o MPF pediu uma indenização para reparação dos danos morais e materiais causados a Alexandre e Cláudia, nos valores de R$ 1,5 milhão e R$ 1 milhão, respectivamente.

A Agência Brasil não conseguiu contato com as defesas dos policiais denunciados pelo MPF.

Inca realiza, no Rio, oficina de resgate de autoestima para mulheres

O Ambulatório de Sexualidade do Hospital do Câncer II (HC II), do Instituto Nacional de Câncer (Inca), promoveu nesta quinta-feira (14), no Rio de Janeiro, a Oficina Resgate da Autoestima, em razão do Dia Internacional da Mulher. A meta foi criar um ambiente de cuidado e valorização pessoal no qual as mulheres em tratamento possam desfrutar de atividades para elevar a autoestima.

Segundo o Inca, para muitas mulheres em tratamento, enfrentar a doença [câncer] pode afetar não apenas o corpo, mas também a autoconfiança e a sensação de feminilidade.

A diretora do HC II, Priscila Marietto, destaca a importância de auxiliar pacientes nesse resgate. “A jornada do tratamento pode impactar negativamente a imagem corporal, a confiança e a identidade. Fortalecer a autoestima, promover o bem-estar emocional, melhorar a qualidade de vida e contribuir para a resiliência no tratamento podem proporcionar uma perspectiva mais positiva e encorajadora frente à doença”, afirma.

Março Lilás

A coordenadora do Laboratório de Sexualidade do HC II, Carmen Lúcia de Paula, lembra que a oficina  comemorou também na mesma data o Março Lilás, mês de mobilização social e prevenção do câncer de colo do útero.

“Para chamar a atenção da sociedade de forma geral sobre as medidas de prevenção desse tipo de câncer, que é evitável e tem até 100% de cura, se for diagnosticado nas fases iniciais. Nós destacamos a importância da vacina contra o HPV (sigla em inglês para Papilomavírus Humano) para meninas e meninos de nove a 14 anos, a recomendação do Ministério da Saúde quando ao exame de Papanicolau para mulheres de 25 a 64 anos e o uso de preservativos nas relações sexuais”, diz. Essas são as medidas de prevenção para o câncer de colo de útero. “É chamar a atenção para a importância de promover a saúde da mulher”, frisa.

Para isso, Carmen Lúcia sustenta que o Inca estava promovendo a Oficina de Resgate de Autoestima, em edição especial, com profissionais que estavam ali para ajudar nos cuidados com as mulheres, melhorar a autoestima e promover um dia diferente com presentes e leveza sobre como manter o bem-estar e a qualidade de vida, a partir do diagnóstico e dos efeitos adversos causados pelos tratamentos.

Lado emocional

Durante as consultas na enfermagem, nas diferentes fases do tratamento, a coordenadora diz que as profissionais observaram como o lado emocional e a autoestima dessas mulheres ficam desestruturados. Por isso, além dos protocolos de tratamento, as enfermeiras identificaram a necessidade de haver um espaço de acolhimento e de comunicação, onde as pacientes possam, principalmente, verbalizar suas queixas em relação à intimidade.

“Porque elas não encontram de uma forma fácil espaço para abordar a sua intimidade e falar sobre as suas queixas sexuais. Nós, profissionais, sabemos que os tratamentos causam diminuição da libido, menopausa precoce e um impacto grande na saúde e na qualidade de vida nessas mulheres. Então, como nós temos a proposta de cuidar do integral e abordar a sexualidade, promover a saúde dessas mulheres como um todo faz parte do cuidado do nosso Laboratório de Sexualidade de Ginecologia do Hospital do Câncer”, explica Carmen Lúcia.

A equipe de voluntários – composta por maquiadores, cabeleireiras e floristas – é liderada pela estilista de vestidos de noiva Ana Carolina Caetano. Além das atividades de beleza, o evento contou com palestra sobre autoestima e promoção da saúde, seguida por apresentação musical, ambas realizadas pelos próprios funcionários do hospital.

Abismo

Kênia dos Santos Bastos, 45 anos, dona de casa, é ex-paciente do HC II. Ela foi diagnosticada com câncer de colo do útero em 2016 e teve alta em 2021. Kênia era atleta, nadava, corria, pedalava, tinha uma vida normal e teve que parar com todas as atividades. “Quanto recebi o diagnóstico, mudou tudo. Meu mundo caiu. Eu não apresentava sintoma nenhum. Foi devastador. A sensação que eu tive é como se estivesse caindo em um abismo. A última coisa que eu esperava era uma notícia dessa”, recorda.

Toda a família ficou arrasada. Kênia acentua que recebeu todo o amor dos parentes e do marido. “Ele mostrou realmente que me amava. Eu posso dizer que só quem tem câncer sabe o que é. Toda a dor que eu senti ele sentiu por mim, mas nós superanos. Continuamos casados como se fosse o primeiro ano. Foram oito anos, porque foram cinco anos de tratamento e três de alta”, lembra.

Kênia dos Santos Bastos: “a dor costuma unir as pessoas. Somos uma grande família na dor e na alegria” – Divulgação/Inca

Kênia recebeu grande apoio para enfrentar a doença também da parte do Instituto Nacional de Câncer e continua participando das atividades propostas pelo órgão, vinculado ao Ministério da Saúde.

Ela salienta que a dor costuma unir as pessoas. “E junto com a dor, também vêm os momentos bons de amizade e de troca de experiências. Somos uma grande família, uma apoiando a outra, na dor e na alegria”, sintetiza. Sobre o tratamento que recebeu, garante que “se eu não estivesse no Inca, não teria sobrevivido. Fui muito bem assistida em tudo. Eles me ampararam, me acolheram, me deram o melhor medicamento. Só tenho a agradecer”, finaliza.

Há 60 anos, Jango fazia seu histórico comício na Central do Brasil

Março de 1964. Sexta-feira, 13. Em cima do mesmo palanque que Getúlio Vargas usava para falar com a população em atos públicos, João Belchior Marques Goulart, o presidente da República João Goulart, ou apenas Jango, está diante de 200 mil pessoas reunidas na Praça da República – como registraram os jornais do dia seguinte – em frente à Estação Pedro II da malha ferroviária da cidade do Rio de Janeiro, a Central do Brasil.

Às 20h46, Jango inicia seu discurso, sem texto escrito, no Comício da Central, para se dirigir “a todos os brasileiros, não apenas aos que conseguiram adquirir instrução nas escolas, mas também aos milhões de irmãos nossos que dão ao Brasil mais do que recebem, que pagam em sofrimento, em miséria, em privações, o direito de ser brasileiro e de trabalhar sol a sol para a grandeza deste país.”

Do palanque, o presidente podia ler faixas de apoiadores com dizeres radicais como “Jango, defenderemos tuas reformas a bala”; eleitoreiras como “Cunhado não é parente, Brizola presidente”; ecumênicas como “PCB: teus direitos são sagrados”; ou ainda “Sexta Feira 13 não é de agosto”, em referência ao suicídio de Getúlio.

Em sua fala, o presidente tratou das reformas de base, em especial da reforma agrária; da diminuição dos valores dos alugueis; do decreto permitindo a desapropriação de terras para reforma agrária na faixa de dez quilômetros às margens de rodovias, ferrovias, açudes e barragens assinado; e do decreto transferindo para a União o controle das refinarias de petróleo de Ipiranga (RS) e Capuava (SP).

“A reforma agrária não é capricho de um governo ou programa de um partido. É produto da inadiável necessidade de todos os povos do mundo. Aqui no Brasil, constitui a legenda mais viva da reinvindicação do nosso povo, sobretudo daqueles que lutaram no campo.”

O comício foi organizado pelo Comando Geral dos Trabalhadores (CGT) – que junto ao Partido Comunista Brasileiro (PCB) e a Frente de Mobilização Popular (FMP), formada por diferentes entidades sindicais e de representação de categorias, como a União Nacional dos Estudantes (UNE) e as correntes mais à esquerda do PTB -, apoiava e pressionava João Goulart para adotar uma agenda de mudanças sociais, em momento de forte oposição no Congresso Nacional e de dificuldade de articulação política, inclusive com aliados e ex-apoiadores.

De acordo com o jornalista Elio Gaspari, autor de cinco livros sobre a ditadura cívico-militar (1964-1985), além da crise política, o país vivia um declínio econômico. “Os investimentos estrangeiros haviam caído à metade. A inflação fora de 50% em 1962 para 75% no ano seguinte. Os primeiros meses de 1964 projetavam uma taxa anual de 140%, a maior do século. Pela primeira vez desde o fim da Segunda Guerra, a economia registrara uma contração de renda per capita dos brasileiros. As greves duplicaram de 154 em 1962, para 302 em [19]63. O governo gastava demais e arrecadava de menos, acumulando déficit de 504 bilhões de cruzeiros, equivalente a mais de um terço do total das despesas.”

Ameaças de atentado

Naquela noite, há 60 anos, o presidente estava tenso. Durante o discurso de 65 minutos de duração, enxugou o rosto 35 vezes. De acordo com o seu biógrafo, o historiador Jorge Ferreira, “o ambiente político era de radicalização” e havia ameaças de atentado. “Cartas anônimas garantiam que tiros seriam disparados do prédio da Central do Brasil ou que bombas explodiriam o palanque”, descreve em livro sobre João Goulart.

Lembrando das orientações médicas, a então primeira-dama Maria Thereza Goulart aconselhou ao marido não participar do comício. Não o convenceu, e decidiu, contra a vontade do presidente, acompanhá-lo. “Eu não poderia faltar”, afirma a ex-primeira-dama no livro de Ferreira. “Tinha que estar no palanque para ver o que aconteceria. Mas eu estava muito assustada. Primeiro, minha fobia de multidão, e ali havia muita gente. Depois, ameaças de tiros e bombas. Por fim, medo de que Jango passasse mal. Para mim foi muito difícil, mas eu tinha de estar do lado dele.” Dona Maria Thereza “estava certa de que aconteceria um atentado” após o discurso do presidente.

“Ela sempre foi uma mulher muito corajosa. Enfrentar o exílio não é uma coisa muito fácil com duas crianças. E ainda mais um exílio prolongado, que no começo a gente pensava que seria uma das tantas quarteladas que o Brasil já tinha tido até aquele momento”, recorda-se em entrevista à Agência Brasil João Vicente Goulart, à época com seis anos, filho mais velho de Maria Thereza e Jango

As fotos de Maria Thereza, “com aquele coque bonito”, ao lado de Jango no comício da Central do Brasil fazem parte da memória familiar da socióloga Bárbara Goulart, neta do antigo casal presidencial e sobrinha de João Vicente. Para ela, a presença da avó no ato político demonstra a importância que teve em um momento que eram raras as mulheres no cenário político ou em cargos públicos. “Eu acho que quando a gente fala sobre o governo João Goulart, às vezes a gente tende a não tratar das figuras femininas”, assinala a socióloga que é autora do livro “O passado em disputa: memórias políticas sobre João Goulart.”

A primeira-dama Maria Thereza Goulart aconselhou ao marido não participar do comício, não o convenceu. Decidiu, então, ficar ao seu lado. Foto: Arquivo Nacional

Mesmo sob a ameaça de disparo de tiro, Maria Thereza ficou do lado direito de Jango. Do outro lado foi escalado como escudo humano o corpulento Oswaldo Pacheco, ex-presidente do Sindicato dos Estivadores de Santos (SP), ex-deputado constituinte comunista em 1946, que teve mandato cassado em 1948 – quando o PCB foi posto na ilegalidade. A segurança ostensiva do presidente da República foi feita pelo Exército. A Central do Brasil está a 133 metros de distância do Palácio Duque de Caxias, onde funciona o Quartel-General do Comando Militar do Leste, antigo prédio do Ministério da Guerra.

“Não tiram o sono as manifestações de protesto dos gananciosos, mascarados de frases patrióticas, mas que, na realidade, traduzem suas esperanças e seus propósitos de restabelecer a impunidade para suas atividades anti-sociais.” (Jango, 1964).

Segundo o livro de Jorge Ferreira, “sob as ordens do general Moraes Ancora, comandante do I Exército, foram empregadas as tropas dos Dragões da Independência, do Batalhão de Guardas, do 1º Batalhão de Carros de Combate, do 1º Batalhão de Polícia do Exército, do Regimento de Reconhecimento Mecanizado e uma Bateria de Refletores da Artilharia da Costa. No interior do Ministério da Guerra, uma tropa ficaria em alerta para reforço eventual. Nove carros de combate e três tanques cercaram a Praça Duque de Caxias, enquanto seis metralhadoras estavam assentadas no Panteão de Caxias. Carros de choque do Exército perfilaram-se em funil no acesso ao palanque.”

Reformas de base

O clima era nervoso mesmo para o discurso legalista, pacífico e sem extremismo de Jango em favor das chamadas “reformas de base”. Essa era bandeira política que João Goulart abraçara como programa de governo desde quando teve reestabelecidos seus poderes de presidente da República em regime presidencialista, após o referendo de janeiro de 1963, que extinguiu o parlamentarismo instituído em setembro de 1961. “O caminho das reformas é o caminho do progresso pela paz social. Reformar é solucionar pacificamente as contradições de uma ordem econômica e jurídica superada pelas realidades do tempo em que vivemos”, disse o presidente durante sua fala.

Como registra o Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil, o CPDOC da FGV, as reformas de base incluíam propostas encaminhadas ao Legislativo e defendidas durante 1963 e 1964: a reforma agrária, consagrando o direito de propriedade, mas com uso condicionado ao bem-estar social; a reforma administrativa; a reforma universitária, para ampliar as garantias de liberdade docente e abolir o sistema de cátedra; a reforma bancária, para a implantação de um órgão centralizado e autônomo para a direção da política monetária (ainda não existia o Banco Central); a reforma eleitoral contra o então impedimento do voto dos analfabetos, praças e sargentos; e a reforma fiscal para eliminar o déficit do Tesouro, modernizando tributos e combatendo a sonegação de impostos.

As reformas agrária, universitária e eleitoral exigiam modificações na Constituição de 1946 a serem votadas pelo Congresso Nacional, onde o partido do presidente (PTB) tinha menos de 30% dos deputados, e estava sofrendo defecções. Três dias antes do comício, o principal aliado (PSD) anunciará ruptura com o governo, agravando a necessidade de sustentação parlamentar.

O Comício da Central seria o primeiro ato público de Jango para demonstrar ao Congresso o apoio popular às reformas de base. Os comícios seguintes seriam em Belo Horizonte (21 de abril, Dia de Tiradentes) e em São Paulo (1º de maio, Dia do Trabalhador), lembra Marcus Dezemone, professor do Instituto de História e Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal Fluminense (UFF).

Para o acadêmico, apesar das dificuldades políticas e do “discurso das reformas de base atingir interesses consolidados”, o Comício da Central do Brasil não foi responsável por levar o país ao golpe militar. Naquele instante histórico, o rompimento da ordem institucional “não era uma coisa inescapável”. Poderia acontecer, mas era “uma possibilidade ainda em aberto.” Os sinais de ruptura se intensificaram em eventos seguintes.

Marcha e revolta

Seis dias depois do comício da Central do Brasil, dia 19 de março, Dia de São José, “padroeiro das famílias” conforme a Igreja Católica, viria uma resposta ao ato no Rio, às decisões tomadas naquele dia e às reformas de base. Entidades como a Sociedade Rural Brasileira, Fraterna Amizade Urbana e Rural, a Campanha da Mulher pela Democracia e a União Cívica Feminina promovem na Praça da Sé, em São Paulo, a “Marcha da Família com Deus pela Liberdade” –

A manifestação de grande adesão popular na capital paulista revela os temores de quem se opunha a João Goulart. “É uma marcha da família, que adota o discurso de que a família é a célula básica da sociedade e que se vê ameaçada pela efervescência política. É uma marcha com Deus, em oposição ao materialismo e ao ateísmo, que eram características do socialismo, principalmente aquele do modelo soviético”, destaca Dezemone, lembrando que a Revolução Cubana (1959) também mobilizava os temores quanto à possibilidade do Brasil se tornar comunista.

O historiador assinala que havia antes do comício da Central do Brasil movimentos que desejavam a derrubada de João Goulart e outros que atuavam só para o seu enfraquecimento, tendo em perspectiva as próximas eleições (1965), quando desejavam que eventual candidato apoiado por Jango ficasse em desvantagem. Não havia reeleição para cargos do Poder Executivo na época, o presidente não poderia concorrer. Os nomes mais prováveis eram do ex-presidente Juscelino Kubistchek (PSD), Carlos Lacerda (UDN) e Leonel Brizola (PTB).

Mas apesar desses movimentos e do comício na Central do Brasil, os militares ainda se dividiam quanto à deposição de João Goulart e eventual intervenção militar – como desejava Lacerda, defendendo “uso legítimo das forças armadas.”

Para Marcus Dezemone, mais decisivo para a retirada do presidente constitucional teria sido o desfecho da Revolta dos Marinheiros (25 a 27 de março), com a exoneração do ministro da Marinha (Sílvio Mota) e a anistia concedida por Jango aos marinheiros, que se reuniram na sede do Sindicato dos Metalúrgicos do Rio de Janeiro para comemorar o segundo aniversário da fundação da Associação dos Marinheiros e Fuzileiros Navais do Brasil.

Vinte e dois dias depois do comício da Central do Brasil, João Goulart, sua esposa e seus filhos buscariam asilo político no Uruguai. A ditadura já se instalava no Brasil. Arquivo Nacional/Divulgaçāo

Três dias depois do episódio com a Marinha, em 30 de março, João Goulart participa e discursa na reunião de sargentos da Polícia Militar e das Forças Armadas do Brasil no Automóvel Clube, também no Rio. “Muitos analistas e observadores entendem que isso vai gerar um desequilíbrio nas Forças Armadas [contra João Goulart] por mexer com dois princípios fundamentais da estrutura militar: disciplina e hierarquia”, assinala o historiador.

Vinte e dois dias depois do comício da Central do Brasil, João Goulart, Maria Thereza Goulart e os filhos João Vicente e Denise desembarcaram no Uruguai em busca de asilo político. Nove anos depois, a família se muda para a Argentina. Jango morre em 6 de dezembro de 1976, quase três anos antes da Lei da Anistia no Brasil. O presidente constitucional, que sucedeu Jânio Quadros (UDN) após a renúncia, viveu seus últimos 12 anos no exílio sem poder voltar ao seu país.

Agenda de lembranças

Para intelectuais como Marcus Dezemone e Barbara Goulart, a citada neta de Jango, datas como os 60 anos do comício da Central do Brasil são oportunidades de resgatar memórias dos acontecimentos que levaram ao golpe e ajudam a “lembrar para não repetir”.

Nesta quarta-feira, a Associação Brasileira de Imprensa (ABI) realiza evento para marcar os 60 anos do Comício da Central do Brasil. O ato será às 16h na sede da ABI no Rio de Janeiro, com a presença de Dona Maria Thereza Goulart.

A partir do dia 18 de março, a passagem da sexta década do golpe militar será discutida no Seminário Internacional 1964+60, promovido pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), sem transmissão pela internet.

Em abril, a ABI volta ao tema e organiza em cinco cidades a 2ª Semana Nacional de Jornalismo.

 

Viúva de Jango participa de ato pelos 60 anos do comício na Central

O comício da Central do Brasil do dia 13 de março de 1964, em que o então presidente da República, João Goulart, conhecido como Jango, anunciou reformas estruturais para o Brasil, completa 60 anos nesta quarta-feira (13). Para Maria Thereza Goulart, viúva de Jango (na foto em destaque, no dia do comício), foi um dos momentos mais marcantes de sua vida.  

“Primeiro, porque foi uma expectativa muito grande do que poderia acontecer; um momento em que me senti muito orgulhosa de estar do lado do meu marido; e a preocupação, o pânico, o pavor que eu sempre tive de multidão. Foram três coisas importantíssimas. Acho que foi um dos momentos mais marcantes da minha vida”, relembra, em entrevista à Agência Brasil.

Os 60 anos do comício serão lembrados em ato que ocorrerá nesta quarta-feira (13), na Associação Brasileira de Imprensa (ABI). Antes do ato, o Museu Virtual Rio Memórias abrirá, às 16h, a exposição virtual e física “Rio 64 – a capital do golpe” sobre o golpe de 1964, que resultou na implantação da ditadura militar no Brasil. A mostra contém imagens marcantes do período que precedeu o golpe militar que culminou na deposição do então presidente João Goulart, o Jango.

O presidente da ABI, Otávio Costa, destaca a importância de se celebrar o que chama de  “último grande ato do governo João Goulart”, o comício da Central do Brasil, quando o governo Jango “tenta dar uma demonstração de unidade das forças progressistas, das forças populares, e anuncia as reformas de base”.

Costa lembra que essas eram reformas amplas que abrangiam várias áreas como a reforma agrária, reforma do ensino, reforma urbana, reforma tributária. “Você tinha ali várias propostas do governo João Goulart, todas atendendo demandas populares também, porque eram demandas dos sindicatos, dos partidos políticos de esquerda, de movimentos populares, do Comando Geral dos Trabalhadores, que, inclusive, foi uma das entidades que saiu à frente na convocação do comício”.

Ato histórico

Durante o evento, que antecedeu em duas semanas o golpe militar que colocaria o Brasil por 21 anos em uma ditadura, Jango anunciou que enviaria ao Congresso projetos de reformas que previam mudanças profundas no país, a começar pela reforma agrária, com desapropriação de latifúndios com mais de 500 hectares, e a encampação de refinarias de petróleo privadas.  Os partidos de direita e setores conservadores da sociedade argumentaram que Jango queria implantar o comunismo no país, e o depuseram no dia 1º de abril de 1964. A família foi exilada do Brasil em seguida.

Segundo o presidente da ABI, o comício foi um sucesso, reunindo mais de 200 mil pessoas na Central do Brasil. “Nós estamos falando de um país que tinha 80 milhões de habitantes. Estamos falando do Rio de Janeiro, que tinha 3 milhões de habitantes. Você imagina que 200 mil pessoas na Central do Brasil atenderam à convocação. Houve falas do presidente da União Nacional dos Estudantes (UNE), José Serra; do ex-governador Leonel Brizola, que era deputado federal; o (sociólogo e político) Darcy Ribeiro falou”.

Otávio Costa considera o discurso final, do Jango, “excepcional”. “Ele faz uma abertura, falando da questão da democracia. Havia as forças reacionárias – militares, empresários, a própria igreja – que diziam que Jango ia levar o país ao comunismo, que era subversivo”. O ex-presidente faz então uma introdução sobre democracia e acentuando que não era subversivo, mas estava ali falando em nome do povo. “Estou na praça do povo, falando em nome do povo. Subversivo é quem quer dar um golpe em um governo constitucionalmente eleito”, relembra Costa. 

Subversivo, para o ex-presidente, era quem estava contra a vontade do povo. Costa salientou que a ABI escolheu celebrar o episódio por considerar que o comício foi um ato importante e histórico. “E uma tentativa de mostrar aos golpistas que as forças populares, que as forças progressistas, que a esquerda do Brasil estavam unidas contra o golpe. Daí a importância desse evento”.

O ato da ABI contará com a presença da viúva do ex-presidente João Goulart, a filha deles, Denize, e netas. Também estarão no evento Clodsmidt Riani Filho, cujo pai foi organizador do comício; parentes do ex-governador Leonel Brizola; entidades do movimento social como o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e Coalizão Brasil por Memória, Verdade, Justiça, Reparação e Democracia; parlamentares, sindicatos, lideranças estudantis; o conselheiro da ABI, professor Ivan Proença, histórico defensor da democracia, que atuou na resistência ao golpe de 1964; além de Gabriel do Vale, cantor e neto do ‘poeta do povo”, João do Vale, que fará uma participação especial.

História

Em entrevista à Agência Brasil, a viúva de Jango afirma que os fatos ocorridos depois do comício afetaram sua vida para sempre. “Perdemos a nossa pátria, nossos sonhos, os amigos. Eu perdi meu pai e minha mãe. Para mim, foi muito marcante. Sempre me lembro muito de meus pais porque, quando fui para o exílio, eu perdi minha mãe, com 58 anos de idade, depois meu pai”.

Durante o exílio imposto pelo governo militar, a família Goulart sofreu muitas perseguições. “Nossa vida foi muito controlada. Tinha pessoas que controlavam tudo: aonde nós andávamos, a nossa casa, a nossa vida. Tudo, tudo. Nós fomos realmente perseguidos em outro país”. Maria Thereza admitiu, no entanto, que  o Uruguai, onde a família ficou exilada, foi sua segunda pátria. “Para mim, foi muito importante, porque meus filhos eram muito pequenos e eu pude educá-los no colégio. Eles fizeram amizades que até hoje conservam. Então, teve essa parte também”.

Maria Thereza considera que a pior parte do exílio foi a tristeza e o abatimento do Jango. “O resto eu tratei de tocar minha vida, porque eu tinha tão pouca idade. Acho que quando a gente tem pouca idade, parece que tem mais força; a gente encara melhor as situações, mas a nossa vida foi muito controlada”.

A viúva de Jango ressalta que não consegue entender como ainda há quem defenda a volta da ditadura militar ao Brasil. “Acho horrível. Sinceramente, não entendo como as pessoas podem pensar dessa maneira, embora admito que cada pessoa tem o seu modo de pensar, de agir e de falar. Mas eu fico realmente impressionada como elas conseguem se adaptar nesse modelo de que não importa a ditadura. Eu não consigo acreditar”.

Para o Brasil de hoje, Maria Thereza espera um “milagre” para que o país tenha melhorias significativas. “Acho que cada um se acomoda no lugar e não acontece nada. Eu fico muito preocupada com a violência aqui no Brasil”. Quando retornou ao país após o exílio, ela teve a percepção de um ambiente violento,  pessoas nervosas e de pobreza permanente. 

Exposição

A exposição Rio 64 – a Capital do Golpe, que abarca o período compreendido entre 1º de janeiro de 1964 até 15 de abril do mesmo ano, quando o general Humberto Castelo Branco tomou posse como 26º presidente do Brasil e primeiro presidente do período da ditadura militar, tendo sido um dos articuladores do golpe ocorrido na madrugada do dia 1º de abril de 1964.

Fotorafia na exposição Rio 64 – a Capital do Golpe, aberta na ABI  – Rio Memórias/Divulgação

Idealizadora do Rio Memórias, Lívia Sá Baião disse à Agência Brasil que a mostra destaca outros acontecimentos históricos do período, como a fala de João Goulart durante reunião de sargentos no Automóvel Clube. No dia 30 de março de 1964; declarações do governador do então estado da Guanabara, Carlos Lacerda; entre outros fatos marcantes. “Tem todo o contexto cultural da época”, disse Lívia. “Foi o ano em que o surf chegou ao Rio, que a atriz francesa Brigitte Bardot veio ao Brasil, que os Beatles estavam fazendo muito sucesso, as músicas mais tocadas eram deles, a Bossa Nova ainda estava no auge. Enfim, todo o contexto histórico, cultural e intelectual também está na exposição”.

A exposição ficará em cartaz até o dia 13 de abril. Ela tem curadoria assinada por Heloisa Starling, escritora, historiadora, professora da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e coordenadora do Projeto República, e por Danilo Marques, doutor em história pela UFMG e pesquisador do Projeto República.

Simultaneamente à inauguração da exposição física, será lançada a versão virtual no site Rio Memórias , onde os visitantes já podem acessar na íntegra as memórias apresentadas na exposição física, além de outros acontecimentos.

Rio Memórias

O Rio Memórias é um museu virtual, fundado em 2019, que tem como missão registrar, valorizar e divulgar a história e a cultura do Rio de Janeiro. Além do museu virtual, o Rio Memórias promove atividades educativas em escolas públicas, exposições físicas e podcasts (programas de rádio que podem ser ouvidos na internet a qualquer hora) narrativos. As galerias do Rio Memórias são temáticas e narram a história da cidade sem seguir uma ordem cronológica, permitindo que os visitantes construam seus próprios roteiros pelas narrativas. Atualmente, o museu conta com 21 galerias. “Mais de mil “memórias” que são os textos narrativos com as imagens”, afirmou Lívia Sá Baião.

Empreendedoras gastam 3 vezes mais tempo que homem em serviços de casa

Para 80% das mulheres empreendedoras do estado do Rio, os cuidados com os filhos são a principal influência ao decidir abrir a sua empresa. Esse percentual cai para 51% quando perguntado para os homens. Para 5% das mulheres influenciou um pouco e 16% consideram que não teve interferência nessa decisão.

Em comparação aos homens, as mulheres empreendedoras gastam quase três vezes mais tempo diário com a família e afazeres domésticos. Por terem que dispender mais tempo cuidando da casa e da família do que os homens, 66% das mulheres acreditam que enfrentam mais dificuldades para ter um negócio do que os homens. É uma sensação que 48% dos homens compartilham. 

As informações estão na pesquisa Características dos Empreendedores: Empreendedorismo Feminino, do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresa (Sebrae), feita com base em dados disponibilizados pela Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

No Rio de Janeiro, quando uma mulher resolve abrir um negócio, pais, clientes, fornecedores e cônjuges são os principais incentivadores. No caso dos homens, amigos, cônjuge e clientes e fornecedores são os que mais orientam na abertura do negócio. Em relação a manter o negócio, homens e mulheres recebem mais incentivos dos seus cônjuges.

Equilíbrio

“A pesquisa reforça o que ouvimos em rodas de conversa e em nossas capacitações. As mulheres possuem uma dupla jornada de trabalho e procuram equilibrar com maestria tudo o que fazem. Apesar das dificuldades, a família é um dos pilares dos seus negócios e a força que elas precisam para continuar em frente”, afirma Carla Panisset, gerente de Empreendedorismo Social do Sebrae Rio.

“São as mulheres quando os filhos necessitam, ou a casa necessita que se abandone as tarefas da empresa são elas que abandonam. Menos de 40% dos homens o fazem. Assim, as duas maiores dificuldades têm a ver com a divisão das tarefas domésticas e a autoestima e liderança à frente dos negócios.”

Em relação ao preconceito de gênero, 83% das mulheres acreditam que não sofreram ao longo da carreira, enquanto 17% já sofreram preconceito por ser mulher no seu negócio. Já em relação de presenciar essa situação com outras mulheres, 55% não viram, 42% assistiram e 3% não sabem opinar

“No que diz respeito à confiança e segurança de si enquanto donos de negócios, os homens apresentam melhor desempenho que as mulheres. Entretanto, a pesquisa indica que elas são mais dispostas a buscar ajuda quando se sentem ansiosas e angustiadas. Dentro do Sebrae, as mulheres são as que mais procuram apoio para os seus negócios. Elas são resilientes, não desistem, constroem, buscam se aperfeiçoar e buscam conhecimento”, disse Carla.

Apesar dos desafios e da desigualdade ainda existente no mundo empreendedor, muitas mulheres encontram no empreendedorismo a única alternativa de conciliar a geração de renda e cuidado com seus familiares. “A necessidade de cuidar dos filhos e de estar perto de suas famílias influenciou mais as mulheres: 68% das empreendedoras dizem que consideraram isso para abrir seus negócios. Em relação aos homens esse número é de 56%. Empreender é sim uma alternativa de gerar renda e cuidar dos que estão próximos.”

Marianna com os filhos. Foto:  Arquivo pessoal/Divulgação

Pensando estar mais próxima dos dois filhos pequenos, Marianna da Silva Macedo, moradora da zona norte do Rio de Janeiro, começou a empreender com bolos e doces para festas. Ela conta que trabalhava com carteira assinada e começou a fazer doces como hobby. “Em 2020, veio minha filha mais nova que é neuroatípica. Foi quando começaram a vir os diagnósticos e eu precisei me ausentar com frequência do meu trabalho, e acabei sendo desligada. E aí a confeitaria foi minha principal fonte de renda e é assim até hoje”.

Segundo ela, o mercado de trabalho é mais difícil para mães com filhos pequenos. “A saída que eu tive foi continuar empreendendo. Como desafio ela aponta que sua agenda de trabalho fica refém da demanda dos filhos. “Fico sozinha com eles em tempo integral. Só à noite é que tenho um respiro, que é a hora que consigo produzir. Meu marido fica com as crianças. Deixo tudo organizado de comida, banho, medicações, para ele olhar as crianças e eu conseguir dar conta da produção.”

Apesar dos desafios do empreendedorismo, Marianna diz que não troca sua vida atual pela segurança de um trabalho com carteira assinada. “Segurança nenhuma paga ‘eu acompanhar o desenvolvimento e o crescimento’ dos meus filhos.”

Vanessa Ribeiro tem um salão de beleza em Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense. É formada em engenharia civil, mas optou por empreender, porque tem uma filha de 4 anos e está grávida de um menino. “Ser empresária, apesar de ter bastante trabalho, a gente consegue administrar o tempo para ficar mais com a família e com os filhos. Tenho meu dia de folga exclusivo com a minha filha, tenho os meus dias de atendimento na parte da tarde. Consigo dedicar tempo também para a minha casa.”

Joyce Dias tem um salão de beleza, em Comendador Soares, na Baixada Fluminense, e passou a empreender para cuidar do filho autista de 8 anos. “Desde que eu tive meu filho, tive que mergulhar nesse universo de uma forma mais profunda porque eu não tive mais tempo de trabalhar fora. O meu filho faz terapias, ele estuda. Sou dona de casa também. Preciso conciliar meu tempo com as atividades do meu filho e o meu trabalho. Trabalho muito para sustentá-lo, principalmente finais de semana. Sou casada. Ele não é o pai biológico, mas me ajuda no que pode.”

Seis em 100 mulheres do país enfrentavam extrema pobreza em 2022

As mulheres vivendo na extrema pobreza, ou seja, com até R$ 200 por mês, somavam 6,1% da população brasileira em 2022, segundo dados divulgados nesta sexta-feira (8) pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). O percentual é superior ao dos homens (5,7%), de acordo com o instituto.

Considerando-se aquelas na pobreza, ou seja, que vivem com menos de R$ 637 por mês, o percentual chega a 32,3%. Nesse recorte de renda, a parcela dos homens também é menor (30,9%).

A pobreza separa mais negros dos brancos do que homens de mulheres. As brancas que convivem com a extrema pobreza e a pobreza representam 3,6% e 21,3% da população feminina dessa cor/raça. Já as negras nessa situação são 8% e 41,3% de sua população, ou seja, cerca do dobro.

Esses são alguns dos dados divulgados pelo IBGE, em publicação especial para o Dia Internacional da Mulher, celebrado em 8 de março. O levantamento mostra, por exemplo, que o rendimento recebido pelas mulheres equivale a 78,9% dos homens. A desigualdade aumenta com a idade, passando de 87,9% na faixa de 14 a 29 anos para 65,9% para 60 anos ou mais.

Entre os profissionais de ciências e intelectuais, o salário das mulheres representa apenas 63,3% do que recebem os homens.

Entre as mulheres de 25 a 54 anos, 63,3% estão ocupadas, enquanto entre os homens da mesma faixa etária, a taxa de ocupação é de 84,5%. Além do nível de ocupação menor, as mulheres inseridas no mercado também precisam enfrentar mais a informalidade (39,6%) do que os homens (37,3%). 

Comparando-se a taxa de informalidade das mulheres pretas ou pardas (45,4%) e dos homens brancos (30,7%), a diferença é ainda maior.

A presença de crianças de até 6 anos de idade em casa desfavorece a participação das mulheres no mercado de trabalho, mas favorece os homens. Enquanto o nível de ocupação de mulheres que vivem com crianças nessa faixa etária cai para 56,6%, o de homens sobe para 89%. As pretas e pardas nessa situação são mais afetadas (51,7% de ocupação) que as brancas (64,2%).

Não são só as crianças que impactam o acesso das mulheres ao mercado de trabalho. A realização de afazeres domésticos também desfavorece esse público. 

As mulheres dedicavam, em média, 21,3 horas semanais a afazeres domésticos ou cuidado de pessoas, em 2022. Isso representa quase o dobro do tempo que os homens gastavam nas mesmas tarefas (11,7 horas).

“Pede-se para estimar o conjunto de horas que foram dedicadas naquela semana de referência [a essas atividades]. A pesquisa pergunta se precisou levar ou buscar uma criança na escola, se ajudou a fazer tarefas de casa, se cuidaram de pessoas com deficiência ou idosos. E pede-se para estimar a quantidade de tempo que a pessoa dedicou a essas tarefas”, explica a pesquisadora Bárbara Cobo.

Segundo ela, desde 2012 não há mudança significativa no tempo dedicado por homens ou mulheres nessas tarefas. “A diferença entre homens e mulheres diminuiu pouco, continuam as mulheres mais ou menos fazendo o dobro de horas na semana em trabalho doméstico não remunerado que os homens”.

Ainda segundo o IBGE, as mulheres pretas ou pardas gastavam ainda mais tempo (22 horas) que as brancas (20,4) nas tarefas domésticas ou cuidado de pessoas, ou seja, 1,6 hora a mais.

O trabalho doméstico acaba representando dupla jornada para muitas mulheres que, fora de casa, têm empregos remunerados. Somando-se o tempo de trabalho remunerado e não remunerado, o público feminino também trabalha mais (54,4 horas) do que os homens (52,1 horas).

As tarefas domésticas também são um dos motivos que fazem com que mais mulheres tenham que assumir apenas trabalhos com carga horária menor, os chamados trabalhos parciais. Segundo o IBGE, 28% da população feminina ocupada estão em trabalho parcial. Entre os homens, o percentual é de apenas 14,4%.

As pretas e pardas têm percentual maior do que as brancas, em termos de população ocupada em trabalhos parciais: 30,9% ante 24,9%.

“Como o dia só tem 24 horas e as mulheres se dedicam mais a cuidar dos afazeres [domésticos], sobram menos horas para elas se inserirem no mercado de trabalho. Isso é histórico”, afirmou Bárbara.

Luta permanente

A sergipana Antônia do Perpétuo Socorro dos Santos chegou ao Rio de Janeiro aos 20 anos para ser empregada doméstica na casa de um casal em Ipanema, na zona sul da cidade. Passava o dia inteiro na residência, onde também dormia de segunda até a tarde de sábado, quando ia para casa.

Já casada, passou a trabalhar cuidando de duas crianças em uma casa no bairro do Flamengo, também na zona sul. Lá, também dormia no emprego e só se encontrava com o marido, que trabalhava em obras, no fim de semana, na comunidade de Rio das Pedras, na zona oeste. Quando Priscila, a primeira filha, hoje com 39 anos, nasceu, resolveu parar de trabalhar. Não levou muito tempo e aceitou o convite feito pela dona da casa para voltar ao serviço. Dois anos depois, se separou do marido que, conforme disse, “era muito sem responsabilidade”. A luta aumentou e deixou novamente o serviço de empregada doméstica para começar a trabalhar como diarista.

“Nessa época, eu morava em Caxias. Acordava às 4h30, pegava o trem, trabalhava e voltava de noite”.

Quando a filha completou três anos, foi morar na Rocinha. A comunidade era mais perto da creche no Jardim Botânico, onde Priscila passava o dia. “Eu trabalhava como diarista. Saía às 6h com ela e voltava às 18h. Quando chegava, era o período que tinha para lavar roupa, arrumar a casa e preparar a janta para a gente”, disse, ao descrever a rotina pesada de dupla jornada de muitas mulheres.

Para reforçar a renda, entre 1991 e 1993, arranjou um emprego de carteira assinada entre segunda e sexta-feira, no Jardim Botânico, sendo que na quinta, em acordo com a dona da casa, saía no início da tarde para um trabalho de diarista, que se juntava com outra casa no sábado. Também lá a filha passava o dia todo na escola no Humaitá, bairro próximo. “Precisei trabalhar mais ainda”, contou, revelando que, pelo período de dez meses, passou a dormir durante a semana na casa para conseguir juntar dinheiro para comprar uma casa na Rocinha.

Em 1997, com Antônio, o segundo marido, teve Yasmin, a filha mais nova. “A batalha era a mesma. Saía para trabalhar. Tinha a correria porque ela ficava na creche e tinha horário para pegar. Ao chegar em casa, a luta era maior porque tinha duas filhas, marido, tinha que passar roupa, arrumar a casa. Aquela lida de sempre”.

Hoje, aos 65 anos, Antônia disse que valeu a pena tudo que fez na sua trajetória. “Valeu a pena por eu ter me esforçado tanto, valeu a pena pelo que fiz pelas minhas filhas e como criei. Valeu a pena porque consegui comprar uma casa. Teve um período em que morei com a Priscila em um quarto e acordei um dia com três ratazanas que subiram pelo vaso. Então, toda essa batalha que passei vi resultado, porque tenho a minha casa”, completou.

O orgulho é de ver as filhas encaminhadas na vida. “Minhas filhas estudaram. Uma filha é enfermeira e tem outros cursos além da enfermagem. Hoje em dia trabalha em um hospital. A outra está se formando em fisioterapia, mas tem um trabalho maravilhoso. Tudo que fiz valeu a pena. Todo esforço de acordar cedo e dormir tarde, hoje em dia eu coloco a cabeça no travesseiro e agradeço a Deus por tudo que tenho, como agradeço a todas as pessoas com quem trabalhei que me deram a maior força”.