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Comício da Candelária, 40 anos: o legado sociopolítico das Diretas Já

Ali, no meio de uma multidão que se espremia nas avenidas Rio Branco e Presidente Vargas, no centro do Rio, uma adolescente de 16 anos olhava impressionada para a movimentação ao redor. Era a primeira vez que participava de uma manifestação política, mas já sabia que se tratava de um momento histórico. O Comício da Candelária, segundo jornais da época, reuniu cerca de 1,2 milhão de pessoas. Foi um dos principais atos do movimento das Diretas Já, que fez o povo voltar às ruas depois de 20 anos de repressão violenta da ditadura militar.

Para alguns, o momento era de recuperar a voz de protesto represada durante anos. No caso de Adriana Ramos, que tinha acabado de entrar para a faculdade, era um despertar político.

“Eu não tinha consciência política. Vinha de uma família bem conservadora, de direita. Na escola, praticamente todos os colegas eram filhos de militares. Na época, vi toda a mobilização e os colegas de faculdade se organizando para ir ao comício. Lembro da minha mãe e da minha avó ficarem apreensivas. Mas, até pela ignorância de não saber muito o que significava aquela manifestação, fui na onda”, lembra Adriana. “Foi algo que marcou muito minha relação com a política dali para a frente”.

Lívia de Sá Baião também era estudante universitária na época. Estudava economia na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC Rio). Tinha 19 anos e trabalhava como estagiária em um banco próximo à Candelária, quando se encontrou com amigos para assistir ao comício.

“Aquele momento foi um marco na minha vida. Lembro muito da emoção de estar lá, de participar daquele momento, ouvir aqueles líderes falando” disse Lívia. “Ouvi o Brizola, o Tancredo Neves. A gente estava ali em um momento crucial”.

O jornalista Alceste Pinheiro também esteve no Comício da Candelária, mas como manifestante. Ele lembra que ficou na Avenida Rio Branco, onde ouvia os discursos, mas não tinha uma visão tão completa como a das pessoas que ficaram de frente para o palanque.

Rio de Janeiro – O jornalista Alceste Pinheiro, na Igreja da Candelária, local do histórico comício pelas Diretas – Foto Tomaz Silva/Agência Brasil

“Mas lembro dos ônibus superlotados, da cidade toda se movimentando naquela direção. Lembro do êxtase e da confiança das pessoas, do sentido dos discursos, muito bem preparados, bem armazenados na memória, do que se cantou. Lembro do que se gritou: Diretas Já! O Povo quer votar!”.

Cobertura jornalística

O fotógrafo Rogério Reis trabalhava na revista Veja em 1984. Às vésperas do comício, a revista percebeu que o evento prometia ser grandioso, por causa do número de doações espontâneas feitas para os organizadores em uma conta do Banco do Estado do Rio de Janeiro (Banerj).

“Esse foi o primeiro sinal que a gente teve, uma semana antes, de que o público estava disposto a colaborar para um grande evento, com produção de faixas e todo o material que envolve um grande comício”, disse o fotógrafo.

Outro sinal era o fato de o governador fluminense à época ser o gaúcho Leonel Brizola, afinado com a proposta das Diretas Já. Ele se dispôs a interditar toda a Avenida Presidente Vargas para que o evento pudesse ocorrer. Foram colocados balões iluminados com gás hélio.

A revista escalou três fotógrafos para acompanhar o evento: um faria fotos aéreas de um helicóptero alugado, outro ficaria em frente ao palanque e o terceiro, que era Rogério Reis, circularia mais solto entre a multidão, para fazer aspectos de comportamento.

“Eu classifico como uma das coberturas que raramente você, como jornalista, está acostumado a vivenciar. A gente tem certo distanciamento das cenas. Mas, nesse processo de abertura, vi muito profissional trabalhando emocionado. Como ocorreu também na chegada dos exilados. Lembro que na chegada do (Miguel) Arraes (deposto do cargo de governador de Pernambuco em 1964) no (aeroporto do) Galeão, tinha muito repórter e fotógrafo trabalhando chorando”.

Comício

Por volta das 16h do dia 10 de abril, começou o Comício da Candelária. Os manifestantes gritavam palavras de ordem, agitavam bandeiras, faixas e cartazes, vibravam com os discursos de diferentes líderes da oposição ao regime militar, e cantavam em coro músicas dos artistas presentes.

Fafá de Belém conduziu o Hino Nacional e a música Menestrel das Alagoas, que virou um dos hinos da Diretas Já. Em seguida, foi libertada uma pomba branca, que saiu voando, assustada com a multidão. Milton Nascimento levou o público às lágrimas ao interpretar Nos bailes da vida. O advogado Sobral Pinto, aos 90 anos de idade, leu o que se tornaria o artigo 1º da Constituição Brasileira: “Todo poder emana do povo”.

Durante seis horas, diferentes personalidades alternaram-se no palco. Entre os políticos estavam Leonel Brizola (PDT-RJ), Franco Montoro (PMDB-SP), Tancredo Neves (PMDB-MG), Ulisses Guimarães (PMDB-SP), Luís Inácio Lula da Silva (PT-SP) e Fernando Henrique Cardoso (PMDB-SP), que dividiram o mesmo palanque.

Entre os artistas, Chico Buarque, Maria Bethânia, Lucélia Santos, Cidinha Campos, Chacrinha, Cristiane Torloni, Erasmo Carlos, Ney Matogrosso, Paulinho da Viola, Bruna Lombardi, Maitê Proença, Walmor Chagas. Também havia famosos como o jogador de futebol Reinaldo, o cartunista Henfil, a apresentadora Xuxa e a atleta de vôlei Isabel. E na apresentação principal, a voz do “locutor das diretas”, o radialista esportivo Osmar Santos.

Luta por democracia

O evento na Candelária era parte de uma série de manifestações de rua que tomaram conta do país em 1983 e 1984. Os governos militares começam a enfrentar crises econômicas mais agudas na década de 70, com endividamento externo e inflação alta. Na gestão de Ernesto Geisel (74-79) fala-se pela primeira vez em abertura política, mesmo que “lenta e gradual”. Na gestão de João Batista Figueiredo (79-85) são restabelecidas as eleições diretas para os governos estaduais. Em 1982, a oposição conquista o governo de nove estados, com destaque para São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro.

Em 2 de março de 1983, o deputado federal Dante de Oliveira (PMDB-MT) apresenta emenda à Constituição, assinada por 199 congressistas, para restaurar a eleição direta para presidente a partir de 1985. Nos meses seguintes, muitos atos públicos foram feitos em defesa da pauta. O primeiro comício com articulação centralizada ocorreu em Goiânia, com 5 mil pessoas, em 15 de junho.

Cidades de todas as regiões do país passam a ter manifestações. O destaque é para a chamada Caravana das Diretas, em fevereiro de 1984, que percorre cidades do Norte, Nordeste e Centro-Oeste. Em 24 de fevereiro, Belo Horizonte registra até ali o maior público de um comício, cerca de 400 mil pessoas. Esse número só seria superado pelo comício do Rio de Janeiro, na Candelária, e pela passeata de São Paulo, que saiu da Praça da Sé até o Vale do Anhangabaú. Ambos, ocorridos em abril, ultrapassaram a marca de 1 milhão de pessoas.

Apesar de toda essa mobilização popular, semanas depois, em 25 de abril, é votada a Emenda Dante de Oliveira no Congresso. A derrota vem por diferença de 22 votos. O primeiro presidente da República depois da ditadura militar, Tancredo Neves, seria escolhido por eleição indireta no Colégio Eleitoral.

Frustração

Já naquela época, o jornalista Alceste Pinheiro acreditava que a emenda constitucional não passaria, por todas as circunstâncias e pressões que existiam de vários lados. Havia os que não queriam a aprovação e os que preferiam adiar para uma situação que, politicamente, fosse mais favorável.

“Eu achava isso e falava para algumas pessoas. Mas, entre as pessoas da minha relação, todas tinham esperança muito grande de que a emenda passaria. Eu desconfiava. Mesmo assim, fui à Cinelândia quando se votou a emenda, que foi derrotada. Foi absolutamente distinto do que ocorreu na Candelária”, disse Alceste.

Para quem alimentou por meses a esperança de que poderia escolher finalmente o ocupante do cargo mais alto do país, a euforia deu lugar à frustração.

“Foi uma grande decepção quando a Emenda Dante Oliveira foi rejeitada na Câmara, poucos dias depois do comício. Fiquei arrasada. E aí deu no que deu. Só tivemos eleições em 1989”, disse Lívia de Sá.

“Uma mobilização daquele tamanho e, no final, a emenda não foi aprovada? Foi um balde de água fria, de mostrar um limite da mobilização da sociedade. Mas, sem dúvida, tinha esse entendimento de que a gente estava entrando em nova época. Com mais demandas e mais possibilidades de participação da sociedade”, afirmou Adriana Ramos, que hoje é ambientalista.

Legado democrático

Para o historiador Charleston Assis, da Universidade Federal Fluminense (UFF), é importante olhar além dos objetivos imediatos do movimento das Diretas Já e entender o significado mais amplo dele no contexto de redemocratização do país.

Assis lembra que apenas três anos antes aconteceu o atentado do Riocentro, em que um grupo de militares tentou intimidar, ferir e matar jovens em um show para retardar a abertura política. A tentativa terminou em fracasso, mas mostrou os perigos que esse grupo representava. Assim, voltar às ruas e pedir eleições diretas para presidente era um ato de coragem e de resistência ao silêncio imposto pela ditadura.

“O movimento das Diretas Já tem inúmeros ganhos. Essa emergência popular vai fazer com que o povo se torne um ator político muito decisivo. A partir daquele momento, as demandas não podem mais ser ignoradas. O país vai ter conquistas como a ampliação da rede de proteção social, do acesso à casa própria, mais tarde do acesso à universidade pela juventude preta e indígena. Isso tudo estava ali nos anos 80, e a luta pelas Diretas trazia uma série de sonhos coletivos desse povo enquanto nação”, diz o historiador.

Charleston entende que, por causa das recentes tentativas de golpe de Estado e do fortalecimento de discursos retrógrados, lembrar da mobilização popular da década de 1980 é importante para valorizar as conquistas sociais das últimas décadas.

“É muito necessário que a gente rememore essa campanha por conta daquilo que ela traz de oposição ao autoritarismo e de defesa da democracia. A ditadura militar foi uma tragédia social, política e econômica. Basta lembrar que nossa dívida externa passou de R$ 3 bilhões em 1964 para R$ 100 bilhões no fim do governo militar. As Diretas Já mostraram que o povo brasileiro se colocou decididamente contra a ditadura e a rejeitou em bloco”.

Amigos se despedem de Ziraldo e lembram seus traços contra a ditadura

Antes de ser conhecido como o pai do Menino Maluquinho e ícone da literatura infanto-juvenil, o cartunista Ziraldo, falecido no sábado (6), aos 91 anos, teve atuação marcante como jornalista em defesa de democracia. Durante a ditadura militar, usou seus traços para combater o regime autoritário e defender a liberdade de expressão.

O corpo do desenhista foi velado neste domingo, 7 de abril, data que marca o Dia do Jornalista. O velório foi no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, cidade onde o mineiro de Caratinga morreu de causas naturais.

A Agência Brasil conversou com amigos, ex-colegas de profissão e familiares, que ressaltaram a atuação de Ziraldo nos anos de repressão e censura.

O Pasquim

A maior representação de Ziraldo nesse ofício está no jornal O Pasquim, que teve o desenhista entre seus fundadores e principais colaboradores. Ao seu lado, nomes como Jaguar, Sérgio Cabral e Tarso de Castro.

O veículo de imprensa circulou nas décadas de 70 e 80 e era uma das resistências à ditadura, tendo enfrentado censura, perseguição e rendido aos seus responsáveis prisões durante o regime de exceção.

“Era o deboche, a piada, a gozação para afetar o regime ditatorial na base do deboche”, lembra o jornalista Marcelo Auler, hoje conselheiro da Associação Brasileira de Imprensa (ABI) e que compartilhou a redação de O Pasquim com Ziraldo a partir de 1974.

Um capricho do destino fez com que Ziraldo fosse sepultado no Dia do Jornalista. Foto – Tânia Rêgo/Agência Brasil

“É um outro tipo de jornalismo, muito crítico e sempre de oposição”, classifica. Ele conta que, apesar de repórteres fazerem entrevistas que duravam várias horas, os textos mais longos não eram a característica principal da publicação.

“O Pasquim era um jornal de piada, de cartum, desenhos. O [cartunista] Henfil, com o seu [personagem] Fradim, atingia muito mais que muito texto de jornalismo. O Ziraldo, com suas charges, atingia muito mais que muito texto de vários jornalistas”.

Contra a censura

O ex-deputado federal e ex-ministro das Comunicações Miro Teixeira acrescentou que, por meio do tabloide, Ziraldo e a equipe conseguiram fazer chegar à população as violações que estavam sendo acobertadas pela censura de Estado.

“O Pasquim era censurado também, mas conseguia atravessar com a arte algumas brechas deixadas pela ditadura. Foi útil para levar ao povo o conhecimento do que se passava nos cárceres, porque as pessoas não tinham conhecimento, a classe média não tinha conhecimento. Foi graças a pessoas como o Ziraldo que isso chegou ao conhecimento da população”, conta Miro, que também é jornalista.

O cartunista Ricardo Aroeira aponta legado de Ziraldo em toda a imprensa brasileira. “Como jornalista, ele abriu três, quatro, seis projetos diferentes que, na verdade, mudaram a linguagem jornalística. Nenhum jornal brasileiro é o mesmo depois de O Pasquim. O texto do jornal é diferente, a abordagem da reportagem, um certo senso de humor e leveza, isso tudo é Ziraldo”, diz.

Família

Irmão mais novo do cartunista, o designer gráfico Gê Pinto lembrou de um momento difícil da trajetória de Ziraldo, a prisão durante a ditadura. Um dos prováveis motivos foi a participação em O Pasquim. “Eu estava na casa dele no dia em que ele foi preso. Ainda menino, levei um susto danado”, rememora.

Familiares, amigos e fãs se despediram do cartunista Ziraldo em velório, no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro(MAM). Foto: Tânia Rêgo/Agência Brasil

“O Ziraldo sempre teve esse compromisso com a liberdade e com a democracia. A gente sentia em cada gesto dele, em cada atitude e nas charges. Foi um orgulho ver como ele foi resistência”, afirma.

Para a cineasta Fabrizia Pinto, filha de Ziraldo, o pai salvou o Brasil do regime militar e enfatizou que Ziraldo não deixou o país no período mais difícil para a imprensa e a sociedade. “Ele ficou no Brasil para lutar contra a ditadura. Ele lutou com a pena, um papel, ideias pequenas e pérolas. Uma pessoa como essa nunca vai se esvair, não vai embora”.

A diretora do Instituto Ziraldo, Adriana Lins, que também é sobrinha do desenhista, enumera fatores que, na visão dela, forjaram Ziraldo como jornalista.

“Ele é um crítico de costumes, um crítico político, um observador curioso desde o dia em que nasceu. Na hora em que você tem todos esses dons, essa sagacidade, essa curiosidade, essa inteligência, acaba virando jornalista”, afirma.

“Ele fez todo mundo saber de tudo de uma maneira tão sagaz, minimalista, em épocas que não podia se falar tudo às claras”, ressalta a sobrinha. O Instituto Ziraldo é uma instituição que preserva o trabalho intelectual do artista.

Jornais e revistas

Ziraldo frequentava redações antes do começo da ditadura militar, iniciada por um golpe que completou 60 anos em 2024. Em 1954, começou uma página de humor no jornal A Folha de Minas. Passou também pelo semanário O Cruzeiro – que tinha enorme circulação nacional – e pelo Jornal do Brasil. O mineiro também trabalhou na revista Pif-Paf, dirigida por Millôr Fernandes.

Após a redemocratização, Ziraldo acreditou em mais projetos editorais, como as revistas Palavra e Bundas, as duas em 1999. A segunda ridicularizava o culto a celebridades. Em 2002 lançou O Pasquim 21. Era uma tentativa de reviver os tempos áureos do tabloide de oposição. Mas a iniciativa durou apenas até 2004.

Estátua

O compositor Antônio Pinto, um dos filhos do desenhista, adiantou que existe o objetivo de criar no Rio de Janeiro um centro cultural em homenagem a Ziraldo.

“Meu pai é uma figura enorme, um cara que criou por mais de 70 anos para o Brasil. A gente tem na nossa casa, onde era o estúdio dele, um material vastíssimo, mais de mil desenhos. A gente quer, de alguma maneira, colocar isso para as pessoas verem”.

Outra forma de legado é um desejo antigo da filha Fabrizia Pinto e que mudaria a paisagem do Rio de Janeiro. Uma estátua na orla da praia de Copacabana, onde já há uma homenagem a outro mineiro, o poeta Carlos Drummond de Andrade (1902-1987).

“Eu gostaria muito que ele ficasse sentadinho do lado dele, Drummond e meu pai, porque eles se amavam muito, eles eram muito amigos”, pediu emocionada.

“Nós é que pedimos. Então vamos fazer todas as homenagens que ele merece e não são poucas”, respondeu o prefeito do Rio de Janeiro, Eduardo Paes.

Vacinação: escola é o lugar central para a saúde, diz ministra

Samuel Santos, 14 anos, é aluno do 6º ano da rede pública de Brasília e precisou ficar 21 dias internado recentemente após contrair dengue. O medo de contrair outra doença prevenível foi um incentivo a mais para que ele participasse nesta quinta-feira (13) do Movimento Nacional pela Vacinação na Comunidade Escolar. Ele foi imunizado contra o HPV e destacou a importância de manter as doses do calendário vacinal em dia. “Fiquei com medo, mas é bem de boa. A moça tem a mão leve”, brincou. “Acho muito importante. O recado é para todo mundo se vacinar”, acrescentou.

O estudante Gabriel Mota, 11 anos, também cursa o 6º ano na rede pública do Distrito Federal e, como Samuel, foi imunizado contra o HPV durante ação promovida pelo Ministério da Saúde.

“É bem importante vacinar contra o HPV para evitar doenças futuramente. O recado que eu dou é para os meus colegas se vacinarem porque é bem importante essa vacina”, disse. “Já tive gripe, fiquei com alguma coisa na barriga que doeu muito. Agora, estou bem tranquilo, graças a Deus. Mas o importante é vacinar”, garantiu.

Ana Gabriela Feitosa, 13 anos, aluna do 7º ano da rede pública da capital federal, foi a terceira estudante a ser imunizada contra o HPV na ação promovida pelo governo federal.

Após receber a dose, ela pediu aos colegas que participem do movimento pela vacinação nas escolas. “Se vacinem, por favor. Vacina ajuda a não contrair gripe e muitas outras coisas. É muito importante. Minha irmã e minha mãe ficaram gripadas. Minha mãe também pegou dengue. É importante se vacinar”, afirmou.

Para Pedro Pimentel, diretor do Centro de Ensino Fundamental da Asa Norte, em Brasília, onde a ação ocorreu, é preciso “reconstruir a confiança na escola, na ciência e, sobretudo, na vida”.

“É tempo de reconstruir a confiança na saúde, na educação e na vacina. Porque a vacina salva as nossas vidas”, disse, ao final, a ministra da Saúde, Nísia Trindade. “Esse esforço é de todos. Da saúde, da educação, da comunicação e é de todos aqueles que querem defender a vida e que sabem que a vacina é um dos instrumentos mais importantes para isso.”

“A escola sempre foi um lugar central para a saúde e assim continuará”, concluiu a ministra.

Vacinação nas escolas

Promovido pelos Ministérios da Saúde e da Educação, o Movimento Nacional pela Vacinação na Comunidade Escolar tem como meta atualizar a caderneta de crianças e adolescentes menores de 15 anos com imunizantes ofertados na multivacinação infantil. Doses contra poliomielite, febre amarela, meningite e HPV, além da tríplice viral (sarampo, caxumba e rubéola), são alguns dos destaques para a faixa etária.

Dados do Ministério da Saúde mostram que, em 2023, quase quatro mil municípios brasileiros adotaram a estratégia. Ao longo de todo o ano passado, foram aplicadas, por exemplo, mais de 6,1 milhões de doses da vacina contra o HPV – o maior número desde 2018 e um aumento de 42% em relação a 2022.

Saúde na Escola

O Programa Saúde na Escola foi criado em 2007 com a proposta de melhorar a saúde dos alunos, reduzir a evasão escolar e a intermitência de frequência por problemas de saúde, além de reforçar os compromissos e pactos estabelecidos pela saúde e pela educação no Brasil.

*Colaborou Renato Ribeiro, repórter da Rádio Nacional

Governo inaugura, no Rio, primeiro curso de graduação do Impa

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva participou, nesta terça-feira (2), da inauguração do Impa Tech, com o primeiro curso de graduação do Instituto de Matemática Pura e Aplicada (Impa), no Rio de Janeiro. O ato marca o início das aulas da primeira turma de Matemática da Tecnologia e Inovação, com quatro anos de duração.

Em discurso, Lula destacou a importância da Olimpíada Brasileira de Matemática das Escolas Públicas (Obmep), promovida pelo Impa desde 2005, no interesse dos alunos do ensino básico público pelo estudo nas áreas das ciências exatas e tecnológicas. Ao longo dos anos, a Obmep se tornou a maior olimpíada científica do mundo em número de participantes.

“Eu acho que todo filho da pessoa mais humilde, da pessoa de classe média baixa, tem o direito de ter oportunidade de chegar à universidade e ter um diploma de doutor. Educação não é privilégio para rico, educação é um direito de todos e a educação não é gasto, é investimento e o Estado precisa assumir responsabilidade”, disse o presidente.

“Nosso papel é criar as condições para vocês [estudantes] subirem mais degraus, porque quem vai ganhar com isso não são vocês individualmente. Quem vai ganhar com isso é o orgulho do pai e da mãe de vocês, é o orgulho dos irmãos de vocês e é o orgulho desse país, que vai ter mão de obra altamente qualificada para disputar com o mundo, com qualquer país do mundo, qualidade, produtividade e, por que não, de evolução científica e tecnológica”, acrescentou Lula.

Credenciamento

Referência em pós-graduação, em dezembro de 2023 o Impa foi credenciado como instituição de educação superior. A seleção dos alunos do Impa Tech também ocorreu no fim do ano passado, com 80% das vagas destinadas a estudantes com melhor desempenho em olimpíadas do conhecimento.

Gratuito, o Impa Tech tem como meta capacitar os estudantes para entrar de forma efetiva no mercado de trabalho de tecnologia e inovação. Ele está localizado no Porto Maravalley, polo de tecnologia desenvolvido pela prefeitura do Rio de Janeiro, na zona portuária da cidade, e vai dividir um galpão de 10 mil metros quadrados com startups e empresas de tecnologia.

Os estudantes terão acesso a alojamento estudantil, sob responsabilidade da prefeitura do Rio, e apoio financeiro do governo federal, com bolsa de R$ 500 e auxílio-alimentação de R$ 1.290 por mês. O bacharelado em Matemática da Tecnologia e Inovação vai atender 100 alunos no primeiro ano, com investimento de R$ 18,7 milhões, podendo chegar a 400 alunos ao fim de quatro anos.

Reconhecimento

De Rolim de Moura, interior de Rondônia, o novo aluno do Impa Tech, Caio Victor Ferreira da Costa, compartilhou memórias da sua vida estudantil e falou da importância Obmep.

“Eu gosto de pensar que todos aqui começaram a contar com a ajuda dos pais, usando os dedinhos, até mesmo os grandes matemáticos aqui presentes, doutores e mestres, começaram assim. E a vida é construída a partir desses pequenos passos. E uma etapa muito importante na minha vida e na vida dos demais colegas que hoje ingressam no Impa Tech é a Obmep”, garantiu Caio.

“Para um estudante de escola pública, assim como eu, não é apenas uma medalha. Com uma medalha vêm reconhecimento e oportunidades. E eu estou aqui hoje graças a essas oportunidades”, acrescentou.

A ministra de Ciência, Tecnologia e Inovação, Luciana Santos, destacou que a Matemática é transversal e necessária em diversas áreas de conhecimento. “A Matemática está em todo lugar. Quando a gente olha para as obras de Oscar Niemeyer, nós temos que lembrar do pernambucano Joaquim Cardoso, que Niemeyer pensou aquela arquitetura extraordinária, mas alguém teve que ir fazer os cálculos”, afirmou.

“Se nós formos olhar o que acontece hoje no lançamento de satélite, na base de Alcântara, ou se a gente for estudar o que acontece na Biologia, na nanotecnologia, na biotecnologia, tudo isso tem Matemática. E é por isso que nós precisamos fazer a ciência básica, mas com essa visão aplicada que é que o Impa faz hoje em dia, aliás, faz desde 1952. Então, essa é, nada mais nada menos, a perspectiva que a gente está dando no dia de hoje, porque, afinal, é uma junção da educação com a tecnologia que se unem para esse futuro promissor”, destacou a ministra.

O Impa é um centro de pesquisa e pós-graduação em Matemática de renome internacional, com cursos de doutorado, mestrado e mestrado profissional. Qualificado como organização social, é vinculada ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) e ao Ministério da Educação (MEC).

A ministra da Ciência, Tecnologia e Inovação, Luciana Santos, disse que a Matemática é necessária em várias áreas de conhecimento – Foto: Tomaz Silva/Agência Brasil

Durante o evento, a Agencia Brasileira de Desenvolvimento Industrial (ABDI) e a Secretaria de Ciência e Tecnologia da prefeitura do Rio também assinaram convênio que prevê aporte de R$ 4 milhões, por parte da ABDI, para criação de um hub de pesquisa e inovação em inteligência artificial no Porto Maravalley. A ABDI é vinculada ao Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços.

Entenda o que é o transtorno do espectro autista

A infância e a adolescência, em Volta Redonda, no sul fluminense, foram difíceis para Ricardo. Ele não conseguia conversar com outras pessoas da sua idade e evitava ambientes muito cheios. Era incompreendido pelos colegas e, por não conseguir se enturmar, foi vítima de bullying.

“Eu sempre tive a compreensão de que eu era diferente. Que eu não conseguia fazer as mesmas coisas que as pessoas faziam. Falavam que eu era chato, enjoado, antissocial”, relembra ele. “Eu achava que era só isso. Não imaginava que tivesse um diagnóstico para isso”.

Ricardo Fulgoni hoje é juiz de direito e atua na Justiça estadual do Paraná, onde tomou posse em 2022, pouco depois de descobrir o motivo de ter tanta dificuldade para se relacionar com outras pessoas.

“Os anos foram passando. Na vida adulta, eu, com a compreensão de que era diferente, fui seguindo minha vida. Sabia que não conseguia fazer algumas coisas, mas fui seguindo, criando estratégias para superar as minhas dificuldades”.

Quando chegou a pandemia de covid-19, ele ainda era oficial de Justiça e se preparava para o concurso da magistratura. A mudança de rotinas, provocada pelo isolamento social, prejudicou seu cronograma de estudos e isso o afetou muito.

“Eu tinha provas já marcadas e eu estava com um cronograma de estudos muito bem desenhado. Eu sempre fui muito apegado ao planejamento, ao cronograma, à programação. Preciso disso para me sentir confortável. Imprevistos sempre foram muito difíceis para mim. E a pandemia foi uma quebra de rotina gigantesca. Eu tinha o roteiro todo traçado, com as datas das provas que eu ia fazer e aquilo me derrubou”.

Afetado pelas grandes mudanças e sem vontade de sair da cama, Ricardo pensou que estava com depressão, procurou ajuda profissional e começou a se tratar com antidepressivos. Mas isso não resolveu o problema.

“Depois de vários meses, nessas idas e vindas, tentando entender o que estava acontecendo comigo, veio a sugestão de que essas minhas crises de ficar de cama o dia inteiro poderiam não ser decorrentes da depressão, mas ser algo típico do autismo. Tem até um nome para isso: shutdown, que é o desligamento. Quando você está num nível de sobrecarga sensorial muito forte, seu corpo simplesmente desliga”.

O diagnóstico foi um choque, inicialmente, para Ricardo. Ele tinha a visão de que o autista era uma pessoa incapaz, que não conseguia trabalhar e que dependia da família. Não era o seu caso, ele trabalhava desde os 18 anos, quando se tornou servidor público do INSS.

“Então passei por uma avaliação neuropsicológica e veio a confirmação. Nesse processo, eu passei a estudar o tema e, quando eu comecei a ler sobre o que era o autismo, os sintomas, as características, estava ali um manual de instruções da minha vida. Estavam explicadas todas as dificuldades que eu tive ao longo da vida. O diagnóstico foi libertador porque tirou de mim toda a carga de culpa que eu carregava, de ser antissocial, ser chato, ser enjoado”, explicou.

Mesmo com dúvidas sobre se conseguiria tornar-se juiz depois do diagnóstico, ele seguiu em frente e foi aprovado no concurso. “Muita gente me questiona. Para que você quer saber esse diagnóstico agora na vida adulta, colocar esse rótulo de autista. Bem, rótulos eu tive a vida inteira. Fui sempre rotulado de chato, enjoado, antissocial, rótulos errados que eu tive a vida inteira. Se eu falar abertamente que sou autista, pelo menos vão me colocar o rótulo correto”.

Nesta terça-feira (2), celebra-se o Dia Mundial de Conscientização sobre o Autismo, criado em 2007 pela Organização das Nações Unidas (ONU), com o objetivo de levar informação à população e reduzir o preconceito contra indivíduos que apresentam o transtorno do espectro autista (TEA).

“O transtorno do espectro do autismo é uma condição do desenvolvimento neurológico atípico, que se manifesta nos anos iniciais do desenvolvimento e que acarreta atipicidade nas áreas de interação social e de comunicação social”, explica o neuropsicólogo Mayck Hartwig, que trabalha com o atendimento clínico de adultos autistas.

O juiz Ricardo Fulgoni é uma das pessoas que tiveram um diagnóstico tardio de TEA, mas é possível saber se a pessoa tem essa condição logo no início da infância. Segundo Hartwig, os primeiros sinais do autismo já podem ser percebidos a partir dos 18 meses de idade.

“O diagnóstico do autismo é feito de forma multidisciplinar. Envolve tanto um médico especialista, que é geralmente um psiquiatra ou um neurologista; o neuropsicólogo, que vai fazer também uma avaliação do comportamento; e pode incluir também outros profissionais da área de saúde que têm uma capacitação para identificação do autismo”, explica. “Em alguns casos, já é possível haver uma indicação diagnóstica e o encaminhamento para terapia. Em outros casos é mais difícil conseguir fazer um diagnóstico precoce”.

Lucinete Andrade descobriu que sua filha, Mayara, era autista quando a menina tinha cerca de dois anos de idade.

“Quando você recebe esse diagnóstico, primeiramente você tem muita insegurança em relação ao futuro do seu filho. Depois, você passa a ter insegurança em relação ao desenvolvimento dele, se ele vai conseguir acessar um serviço, uma escola, uma profissionalização. Então é uma constante insegurança”, conta. “Aquela primeira expectativa que você tinha na maternidade não existe mais. Então é preciso aceitar a situação do seu filho e entender que você pode ajudá-lo muito mais se entender e aceitar essas diferenças”.

Depois de receber o diagnóstico e aceitar a situação da filha, Lucinete Andrade passou a tentar ajudar não só a filha como também outras pessoas que não têm condições de pagar por tratamentos e terapias.

Hoje Mayara tem 20 anos e Lucinete preside a Associação Brasileira de Autismo, Comportamento e Intervenção (Abraci-DF), que oferece terapia ABA (Análise do Comportamento Aplicada) para 130 crianças e adolescentes do Distrito Federal.

Há, segundo o neuropsicólogo Mayck Hartwig, três níveis de autismo, que definem a necessidade de suporte que o autista necessitará ao longo da vida. Uma pessoa com nível 1, por exemplo, só precisa de um leve suporte. Já uma diagnosticada com o nível 3 precisa de suporte substancial.

“O autismo hoje é compreendido como um espectro de manifestação fenotípica bastante heterogênea, ou seja, existem várias manifestações diferentes do autismo. E essas manifestações ocorrem também com sinais mais ou menos evidentes em algumas pessoas”, pontua Hartwig.

Além da dificuldade para se comunicar e interagir com outras pessoas, que é comum a todos os autistas, o TEA também pode ter outras manifestações, como comportamentos repetitivos, interesses restritos, problemas em lidar com estímulos sensoriais excessivos (som alto, cheiro forte, multidões), dificuldade de aprendizagem e adoção de rotinas muito específicas.

“É um transtorno que tem um impacto muito grande, porque ele afeta principalmente a cognição social, os pilares da linguagem. Esse espectro tem diversas nuances que compõem o quadro. E é um quadro heterogêneo. De um lado você tem autistas com altas habilidades e outros com deficiência intelectual. Alguns com hiperatividade e outros mais calmos”, afirma Luciana Brites, especialista em Distúrbios do Desenvolvimento e coautora do livro Mentes Únicas.

Luciana, que também é diretora do Instituto Neurosaber, voltado para a disseminação de conhecimento sobre neurodesenvolvimento na infância e adolescência, afirma que o dia 2 de abril é uma data importante para se combater o preconceito e informar a população sobre questões como o diagnóstico precoce. “Quando a gente consegue fazer a detecção antes dos três anos de vida, a gente consegue, muitas vezes, mudar a realidade dessa criança, desse adolescente, desse adulto”.

Segundo ela, a data é importante também para ressaltar a importância da inclusão das crianças com autismo nas escolas e do acesso delas ao tratamento. “As políticas públicas de educação e saúde precisam ser muito bem sustentadas para que a gente consiga avançar no desenvolvimento dessas crianças, que vão virar adolescentes e adultos”.

Mayck Hartwig destaca que, no Brasil, as pessoas com autismo ainda encontram desafios importantes, não só em relação ao acesso a tratamento e terapias, como também à sua inserção nas universidades e no mercado de trabalho, quando adultas.

“Ainda existe um desafio importante em relação ao acesso a terapias e tratamentos em equipamentos públicos. Então boa parte das pessoas vai recorrer a tratamentos clínicos particulares. Aqueles que estão em situação de vulnerabilidade social e financeira não conseguem acessar esse tratamento. Tão importante quanto o diagnóstico é o acesso ao suporte clínico, social, de inserção e permanência nas universidades, de inserção e permanência no mercado de trabalho”.

Ainda não se sabe o que causa o autismo. Pesquisas mostram, no entanto, que essa condição do neurodesenvolvimento atípico é multifatorial e ocorre pela interação de componentes genéticos e ambientais.

Uso de imóveis privados para tortura une civis e militares na ditadura

Uma casa discreta em um bairro residencial, um sítio usado para churrascos em fim de semana e até uma sala do complexo industrial de uma multinacional, lugares com pouco em comum, além de terem sido usados para tortura e execuções. Ao longo dos anos, pesquisadores e ativistas têm lembrado em diversos momentos que a ditadura que comandou o Brasil entre 1964 e 1985 não era apenas militar, mas foi conduzida também por tentáculos civis. Inclusive a violenta repressão contra os opositores teve participação de agentes sem vínculo direto com os quartéis.

Essas conexões ficam claras na existência de diversos pontos onde eram conduzidos interrogatórios e desaparecimentos forçados fora de qualquer estrutura militar ou governamental. Apesar de conhecidos, o caráter completamente não oficial desses imóveis em relação a estruturas públicas deixou poucas evidências para que seja possível saber exatamente quantos eram e o que se passou nesses locais.

“Esses espaços clandestinos possibilitaram uma articulação exatamente para fora das institucionalidades. E isso acho que dava mais margem para organizações paralelas atuarem nesses espaços. Ao mesmo tempo em que também criava laços de participação da sociedade civil nesses processos”, diz a historiadora e pesquisadora do Memorial da Resistência Julia Gumieri.

A existência desses locais surge em diversas investigações feitas sobre os crimes cometidos pela ditadura ao longo dos anos. A Comissão Nacional da Verdade mapeou a existência de centros de tortura em vários estados, como Rio de Janeiro, Pará e Minas Gerais.

Na comissão parlamentar de inquérito (CPI) aberta pela Câmara Municipal de São Paulo em 1990, as investigações passaram por um sítio apontado como local de tortura e execuções em Parelheiros, extremo sul paulistano.

Ossadas de presos políticos no Cemitério Dom Bosco, em Perus, São Paulo – Marcelo Vigneron/Memorial da Resistência

O alvo inicial dos trabalhos da CPI era a vala clandestina no Cemitério Dom Bosco, em Perus, zona norte paulistana, onde foram ocultados os restos mortais de opositores assassinados pela repressão. Porém, os trabalhos também investigaram a existência da Fazenda 31 de Março, na região de Marsilac, no extremo sul da capital paulista, próximo à divisa com Itanhaém e Embu-Guaçu.

Difícil identificação

Havia a suspeita de que esse teria sido o lugar para onde o dramaturgo e militante Maurício Segall, filho do pintor Lasar Segall, foi levado ao ser sequestrado pelo regime. Ao depor na Câmara Municipal, Segall não reconheceu o local pelas fotos apresentadas pelos vereadores.

“Estou olhando isto aqui e diria que não é a casa onde estive. Por duas razões: a primeira é que, mesmo vendado – isso me lembro perfeitamente – eu desci uma escadinha de onde o carro estava parado para chegar à entrada da casa. Isso me lembro na ida e na volta. Eu ia meio amparado, porque estava vendado. E aqui, me parece pelo menos, não há possibilidade de ter escada, não tem nada”, respondeu ao ver as fotos do local na investigação feita pelos vereadores em 1990, puxando da memória o que havia passado em 1970.

Escritor e ex-preso político Ivan Seixas foi coordenador da Comissão Estadual da Verdade de São Paulo  – Arquivo Pessoal/Memorial da Resistência

A fazenda era de propriedade do empresário Joaquim Rodrigues Fagundes, que morreu antes de ser ouvido pela CPI. O escritor e ex-preso político Ivan Seixas disse que o filho de um dos militares que frequentavam o sítio contou que o local também servia de ponto de confraternização para os agentes da repressão. “Tinha o filho de um milico, do capitão Enio Pimentel Silveira, que era funcionário da prefeitura. A gente pediu e ele concordou em ir [até a Fazenda 31 de Março], porque ele ia lá para churrascos. O pai dele e o [delegado Sérgio] Fleury faziam churrascos e levavam os filhos”, disse em entrevista à Agência Brasil. Seixas foi coordenador da Comissão Estadual da Verdade de São Paulo e assessor especial da Comissão Nacional da Verdade.

É provável que Segall não tenha reconhecido o local porque a equipe do delegado Sérgio Fleury o levou para outro sítio, em Arujá, na Grande São Paulo, a norte da capital. Diversos depoimentos relatam que o delegado, um dos mais conhecidos torturadores da ditadura, tinha a sua disposição uma chácara, que nunca teve localização exata identificada.

Durante o tempo que esteve preso nesse sítio, Segall presenciou a morte de Joaquim Ferreira Câmara, conhecido pelo codinome de Toledo, um dos líderes da Ação Libertadora Nacional (ALN). Segundo relato de outro conhecido agente da repressão, Carlos Alberto Augusto, chamado de Carlinhos Metralha, após ser capturado no Rio de Janeiro e ficar em cativeiro em diversos locais, Eduardo Collen Leite, o Bacuri, também teria passado pelo sítio usado por Fleury em Arujá.

“O sítio aparentemente tinha dois quartos, uma sala/cozinha e um banheiro. Os choques elétricos aplicados no pau-de-arara eram gerados num aparelho, acionado por manivela manual”, contou Segall em depoimento à Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos. Também estavam presos no local Viriato Xavier de Mello Filho e Maria de Lourdes Rego Melo.

Durante a tortura, o artista viu um homem, que depois identificou como sendo Joaquim Câmara, com sintomas de um ataque cardíaco. Apesar de ter recebido atendimento médico, o líder da ALN morreu no local, o que fez com que os demais presos fossem levados de volta para o Departamento de Ordem Política e Social (Dops), no centro da capital paulista.

Também pertencente ao empresário Joaquim Rodrigues Fagundes, dono da transportadora Rimet e da Fazenda 31 de Março, a chamada Casa da Mooca era utilizada para manter presos durante dias opositores da ditadura. O relatório final da Comissão da Verdade da Assembleia Legislativa de São Paulo denuncia que o imóvel localizado na Rua Fernando Falcão, no bairro da Mooca, zona leste paulistana, foi colocado a serviço da repressão na década de 1970. Segundo o documento, o local também pode ter sido usado como cativeiro para Bacuri.

Lugares ainda não revelados

Sair vivo de um lugar como esse não era a regra. “Foram poucos sobreviventes desses espaços de modo geral, exatamente porque, como eles não eram parte das estruturas oficiais, o objetivo não era prender. O objetivo era recolher informações, torturar e executar, porque você não pode ter sobreviventes, testemunhas desses espaços não oficiais”, explica Julia Gumieri.

Sem registros e sem testemunhas, é possível, segundo a pesquisadora, que alguns desses locais não tenham sequer sido mencionados nas investigações feitas até agora. “Imaginando o que se perdeu de documentação não localizada e mesmo de falta de sobrevivente que os próprios colegas de militância não souberam, é muito provável que tenha existido muito mais, que seja uma camada ainda pequena que a gente sabe sobre”, acrescenta a historiadora.

 Sítio 31 de Março, onde teriam sido mortos os militantes Sônia Angel Jones e Antônio Carlos Bicalho Lana – Wikipedia

Na Fazenda 31 de Março, teriam sido mortos em 1973 os militantes da ALN Sônia Angel Jones e Antônio Carlos Bicalho Lana. Na CPI de 1990, o ex-deputado Afonso Celso, único sobrevivente conhecido do sítio, contou sobre o que passou lá. Apesar de vendado, ele se lembrava que atravessou uma linha férrea para chegar ao local. “Fui conduzido para um subterrâneo, ou uma sala subterrânea ou coisa assim, porque existiam quatro degraus. Quatro degraus, não, quatro lances de escada, e lá imediatamente me despiram e passaram a me torturar”, relatou aos vereadores.

“Eu provavelmente desmaiei ou qualquer coisa assim, das sevícias de que fui vítima. Depois acordei e vejo que me botaram já num outro tipo de tortura, que não era mais pau-de-arara”, segue a história contada por Celso. “Me puseram no que eles chamavam ‘piscina’, que era uma espécie de poço, de fundo cimentado, mas cheio de lodo. Eu pisava no lodo, e ali eles brincavam de afogamento. Me sufocavam, me afogavam”, disse na ocasião.

Fazenda em Araçariguama, na Rodovia Castelo Branco, usada para tortura e execução de opositores ao regime – Andréia Lago/Memorial da Resistência

Outros lugares só foram conhecidos por revelações dos próprios agentes da repressão, como Marival Chaves Dias do Canto, ex-sargento que atuou no Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-Codi). Mesmo estando dentro de um dos maiores centros de tortura da ditadura, Chaves negou ter participado desse tipo de violência ou operações de repressão na rua. Fez revelações em diversos depoimentos, tanto a CPI da Vala de Perus, como também a Comissão Nacional da Verdade. Foi o ex-agente da repressão que identificou a Boate Querosene, em Itapevi, e o Sítio em Araçariguama como locais usados para tortura e execução de opositores ao regime.

Em outros casos ainda existem dúvidas e lacunas. Até hoje não se sabe o local onde, em 1978, Robson Luz foi torturado e morto após ser preso acusado de roubar uma caixa de frutas. O processo relativo ao caso, que à época causou indignação e levou à formação do Movimento Negro Unificado, só foi desarquivado em 2022.

Ao analisar a documentação, a pesquisadora Renata Eleutério, do Centro de Pesquisa e Documentação Histórica Guaianás, diz que as informações são de que ele foi preso no 44º Distrito Policial, de Guaianases, zona leste paulistana. Porém, há indícios de que ele foi levado para outro local no período em que esteve sob poder dos policiais. “No processo, em um dos depoimentos, o rapaz indica que ele foi retirado daquela delegacia e levado para outro lugar. E aí depois foi jogado na delegacia, retirado de lá e jogado em qualquer outro canto”, revela a pesquisadora.

Não há clareza, no entanto, do local onde Luz teria recebido pancadas e choques elétricos. Mas existem diversos indícios de que alguns agentes da repressão à oposição política também atuavam na execução de presos por crimes comuns, como no caso da acusação feita contra Luz. “As estruturas e os executores estavam muito em diálogo, eventualmente eram até os mesmos, como o Esquadrão da Morte [grupo de extermínio], que era um grupo de policiais da Polícia Civil vinculados ao Dops [Departamento de Ordem Política e Social]”, exemplifica Julia Gumieri.

Boate Querosene, em Itapevi, foi identificada como local de tortura por um agente da repressão  – Cacalos Garrastazu/Memorial da Resistência

Não foi identificado, porém, até o momento que as casas e sítios usados pela repressão tenham abrigado outras atividades. “Eu não posso afirmar que o Esquadrão da Morte se utilizou de um desses espaços. Mas, se o Fleury é um delegado da polícia que é ativo nos processos de extermínio, tortura, e compõe o Esquadrão da Morte, assim, eventualmente, ele pode usar o mesmo espaço”, pondera a pesquisadora.

Essa rede de imóveis sem nenhuma ligação formal com o Estado é um aprofundamento dos procedimentos ilegais e clandestinos que já aconteciam no DOI-Codi e outras instalações militares. O que só era possível devido às diversas formas de apoio de empresários ao regime, com cessão de espaços, veículos, financiamento direto e até vigilância sobre os próprios empregados. A montadora Volkswagen reconheceu que ajudou a repressão a perseguir os próprios funcionários. O ferramenteiro Lúcio Bellentani contou que foi torturado dentro do complexo industrial em São Bernardo do Campo. A empresa fez um acordo de reparação com o Ministério Público Federal.

Doutrina de guerra

A tortura não era uma novidade para as instituições brasileiras. Na ditadura de Getúlio Vargas, os opositores também eram perseguidos e presos. “Durante os outros períodos, a repressão política era uma repressão feita por órgãos oficiais. Prendia, torturava e soltava”, diz Ivan Seixas. A ditadura instaurada a partir do golpe de 1964, no entanto, incorporou uma visão de guerra contra a própria população, baseada, em grande parte, nas guerras coloniais da França na Indochina (Vietnã) e na Argélia.

“A doutrina da guerra revolucionária, como os franceses chamavam, foi um elemento-chave para preparar a organização e a estruturação dos serviços de informação brasileiros, que foram calcados nos serviços de informações franceses durante a Guerra da Argélia [1954 a 1962]”, diz o pesquisador Rodrigo Nabuco de Araújo, autor do livro Diplomates en Uniforme [Diplomatas de Farda], que trata da atuação dos militares franceses a partir dos serviços de diplomacia no Brasil entre 1956 e 1974.

O nome mais conhecido por trazer as expertises francesas para o Brasil é o general Paul Aussaresses. Antes de morrer, em 2013, o oficial reconheceu ter utilizado a tortura para combater a insurgência argelina. “Ele disse que torturou, que matou, que formou torturadores, e por isso ele acabou perdendo tudo. Ele perdeu a patente de general, perdeu o salário de aposentadoria de general. Foi um golpe muito grande que ele levou depois de ter dito tudo o que disse”, contextualiza Araújo antes de afirmar que Aussaresses não foi o principal responsável por trazer as estratégias francesas para o Brasil.

“Tem um outro que é muito mais insidioso do que o que o Aussaresses que é o Yves Boulnois”, destaca o pesquisador. Chegando ao Brasil em 1969, o coronel francês ajudou, segundo Araújo, na estruturação do DOI-Codi e esteve presente nas operações contra a guerrilha comandada por Carlos Lamarca no Vale do Ribeira. “Ele participou da organização da operação e depois da supervisão, da análise dos dados que foram colhidos durante os interrogatórios, durante as torturas”, detalha Araújo a respeito do papel estratégico de Boulnois.

O coronel chegou ao Brasil em 1969 como adido militar. Em correspondência enviada ao então ministro dos Exércitos da França, Pierre Messmer, Boulnois informava sobre os avanços na estruturação das forças da repressão brasileiras. “Com vários meses de treinamento adequado, cada unidade é, agora, capaz, independente de qual seja a missão específica, de participar de uma operação de guerrilha”, escreveu ao superior em correspondência acessada por Araújo e disponibilizada em seu livro.

 

Hierarquias paralelas

A experiência francesa de enfrentar guerrilhas em um ambiente urbano, como aconteceu na Argélia, influenciou, segundo o pesquisador, na criação da Operação Bandeirante, que reprimiu os grupos armados que lutavam contra a ditadura em São Paulo. “Os militares do 2º Exército em São Paulo se inspiraram amplamente das sessões administrativas especiais, que eram organizações civis e militares na Guerra da Argélia, para estruturar a Operação Bandeirantes e transformar essa experiência da guerra colonial francesa, na Guerra da Argélia, em algo possivelmente utilizável no Brasil”, explica Araújo.

“Se inspirou nessa centralização da informação, que é o caso francês, dessa reunião de civis e militares em um só comando, e da organização das operações, o que eles chamavam de hierarquias paralelas. Quer dizer, que você tinha uma rede de comando, uma hierarquia de comando que vem de cima para baixo, mas você tinha uma hierarquia paralela, uma organização e uma estrutura clandestina”, detalha o pesquisador.

As teorias dos militares franceses surgem também da tentativa de entender a derrota para as forças de libertação das antigas colônias. “Tinha a ver com uma negligência dos militares da dimensão política e psicológica do conflito”, diz a respeito das conclusões dos oficiais o coordenador do Laboratório de Análise em Segurança Internacional e Tecnologias de Monitoramento da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), Acácio Augusto.

O papel da tortura

“Para essa teoria, a sociedade está dividida em três grupos”, explica o professor. Esse pensamento estratégico parte, segundo ele, do princípio de que há uma minoria ativa, que luta contra a dominação colonial, no caso das ex-colônias francesas, ou contra a ditadura, no caso do Brasil. Há os apoiadores dos processos de dominação e há  “uma grande maioria, que eles chamam de neutra e pacífica, e que está à mercê de ser conquistada pela causa revolucionária, que deve ser disputada pelas forças da ordem”.

Por isso, para além do enfrentamento militar, foi feito, de acordo com Augusto, um esforço para evitar que o conjunto da população simpatizasse ou apoiasse os grupos de resistência. Ao mesmo tempo, os grupos de oposição são tratados como inimigos e desumanizados. “A tortura não era um ato de barbárie, não era um excesso do regime, era a própria forma de atuação do regime, inclusive gerida cientificamente. A ideia da tortura era produzir informação”, enfatiza.

O desaparecimento dos torturados, principalmente os que nunca foram registrados em estruturas oficiais do Estado, serve, segundo Araújo, a alguns propósitos. Por um lado, evita a responsabilização e repercussão pública das mortes, enquanto, por outro desestabiliza os opositores do regime.

“É uma forma de você criar uma incerteza muito grande em torno do que aconteceu com essa pessoa e dessa forma de criar uma impunidade em torno das pessoas que cometeram esses crimes”, diz o pesquisador.

O general francês Aussaresses, que ficou conhecido pelos cursos relacionados a tortura que promovia em Manaus, é também, segundo Araújo, protagonista de um evento que ilustra como a violência era instrumentalizada pelos colonialistas. “Ele solicitou o estádio de futebol da cidade. Ele torturou os presos em frente uns dos outros, depois matou todo mundo. Abriu uma vala comum, jogou todos os corpos ali, jogou cal quente em cima, e em cima disso ele jogou concreto armado. Quer dizer que não tem como saber quem está enterrado ali. Todos desapareceram”, conta o historiador sobre os fatos ocorridos na antiga cidade de Philippeville, atual Skikda, na Argélia.

Novas informações podem surgir sobre caso Marielle, diz Marcelo Freixo

Após as prisões neste domingo (24) dos irmãos Domingos Brazão, Chiquinho Brazão e do delegado Rivaldo Barbosa, apontados como mandantes do atentado contra Marielle Franco, que vitimou também o motorista Anderson Gomes, o presidente da Embratur e ex-deputado federal e estadual do Rio de Janeiro, Marcelo Freixo, acredita que “um tampão de bueiro” foi destampado. Para ele, novas informações, que inclusive vinculam funcionários do estado ao crime poderão surgir.

“O caso da Marielle destampa um tampão de bueiro que sempre existiu no Rio de Janeiro e que muita gente não teve coragem de meter a mão lá dentro. Agora vai ter que meter”, disse Freixo, nesta segunda-feira (24), no programa Sem Censura, da TV Brasil. Ele era do PSOL, mesmo partido de Marielle, trabalhou junto e era amigo dela.

Segundo Freixo, ao longo dos seis anos após o crime, buscava-se resposta para três perguntas: quem matou, quem mandou matar e quem não deixou investigar. Essas perguntas foram respondidas, mas elas abrem espaço para novas, uma vez que os três presos têm cargos públicos. Domingos Brazão é conselheiro do Tribunal de Contas do Estado (TCE-RJ), Chiquinho Brazão é deputado federal pelo União Brasil e o delegado Rivaldo Barbosa era chefe da Polícia Civil à época do atentado contra Marielle Franco.

“São três agentes do Estado que não têm qualquer cargo. Então, é evidente que abre nova pergunta sobre o que se faz com esse Rio de Janeiro. E nós tivemos diversos mandados de busca e apreensão, que vão poder colher material, que sem dúvida alguma vão trazer mais informação sobre o caso da Marielle e possivelmente sobre outros casos relacionados à questão do homicídio, da Delegacia de Homicídio, e a esses agentes que cometeram esse crime contra a Marielle. Então, por um lado, se responde às perguntas, por outro, novas coisas podem surgir”, diz.

O caso traz luz a um dos principais problemas do Rio de Janeiro, a segurança pública. Para Freixo, falta vontade política para combater o crime organizado. “A gente pode ficar dias falando de problemas do Rio de Janeiro, mas se a gente não resolver a questão da segurança pública do Rio de Janeiro, se não meter a mão na cumbuca, que diz respeito a qual o papel da polícia, quem controla a polícia, como vai ser a formação da polícia, se não retomar territórios, não fizer um projeto para o Rio de Janeiro que mexa e dê centralidade à questão da segurança pública, como diz a boa gíria carioca, esquece”, afirma.

O ex-deputado conta também que após as prisões, recebeu diversas ligações de policiais e de funcionários do Tribunal de Contas para prestar apoio e dizer que são diferentes dos colegas presos. Freixo acredita que a mudança venha pela política e pelas instituições. O caminho está, portanto, no fortalecimento das instituições. “Temos que olhar para as instituições e perceber que tem pessoas extraordinárias e conseguir que essas pessoas falem pelas instituições, não acabar com elas”.

Rio de Janeiro (RJ) 25/03/2024 – O presidente da Embratur, Marcelo Freixo, participa do programa Sem Censura, da TV Brasil, apresentado por Cissa Guimarães. Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil

Alívio e choque

A jornalista e ex-assessora de Marielle Franco, Fernanda Chaves, também participou do programa. Ela estava com Marielle no momento do atentado e foi a única sobrevivente. Ela falou sobre o que sentiu quando recebeu as informações sobre as prisões efetuadas nesse domingo.

“É difícil nomear, mas foi muito chocante, muito impactante. Ao mesmo tempo que veio algum alívio, porque foram seis anos de angústia, ver que paralelamente acontecia um movimento para atrapalhar a investigação. Na mesma medida, deu um choque muito grande quando se sabe do envolvimento das figuras que estão sendo apontadas na investigação como os pensantes, os que arquitetaram esse crime. É muito impactante e é, sobretudo, perturbador”, diz.

Ela descreveu o delegado Rivaldo Barbosa como uma pessoa acessível e do diálogo. “Revendo as coisas do passado, a gente começa a perceber o quanto isso é maquiavélico”, diz. “Isso é inacreditável, isso descortina muito a situação que o Rio de Janeiro se encontra hoje”.

Caso Marielle descortinou Rio carcomido pelo crime, diz sobrevivente

Sobrevivente do atentado contra a vereadora Marielle Franco, a jornalista Fernanda Chaves afirma que “revolta” é a palavra mais próxima de resumir seu sentimento com as informações reveladas pela operação que prendeu os acusados de encomendar a morte da vereadora com quem trabalhava. 

“Foi preciso que mais de meia década se passasse, foi preciso que um novo presidente da República assumisse para que esse caso recebesse o devido tratamento que merece: o de maior relevância da história política do Brasil desde a redemocratização. Foi preciso que uma força tarefa federal assumisse a frente das investigações para que avançássemos nas investigações e, mais, descortinássemos a bizarra situação do Rio de Janeiro, absolutamente carcomido na sua institucionalidade pela atuação de organizações criminosas”.

Na manhã deste domingo (24), a operação Murder Inc. cumpriu três mandados de prisão preventiva e 12 mandados de busca e apreensão, expedidos pelo Supremo Tribunal Federal (STF), todos na cidade do Rio de Janeiro. De acordo com fontes ligadas à investigação, foram presos Domingos Brazão, atual conselheiro do Tribunal de Contas do Rio, Chiquinho Brazão, deputado federal do Rio, e Rivaldo Barbosa, ex-chefe da Polícia Civil do Rio.

Estado falhou

Fernanda afirma que, como única sobrevivente do crime que mobilizou o mundo, ela e sua família seguem cotidianamente sofrendo os impactos, ainda que tanto tempo depois. “Foram muitas promessas e pouco resultado. O Estado do Rio de Janeiro falhou miseravelmente quando permitiu que uma autoridade de seu principal e mais cosmopolita município fosse brutalmente assassinada, metralhada, em pleno Centro da Cidade, a poucos metros da sede da prefeitura, sob câmeras de trânsito, ao voltar de um dia comum de trabalho”. 

“Marielle Franco não merecia. O Rio de Janeiro não merecia. O Brasil e o mundo não mereciam. Marielle Franco apenas cumpria (sim, com todo afinco, firmeza e dedicação que lhes eram característicos) a missão pela qual batalhou: defender, lutar pelos direitos daqueles e daquelas que fazem uma cidade acontecer: os trabalhadores. Pelos direitos das mulheres, negros e periféricos. Ela foi arrancada do convívio de sua família, amigos e carreira por fazer apenas o que lhe era devido”. 

A jornalista declarou solidariedade à família e aos colegas de trabalho de Marielle e Anderson e agradeceu à força-tarefa da Polícia Federal, “por todo o cuidado durante o processo; ao Ministério da Justiça por reconhecer a magnitude deste caso e tomá-lo como prioridade desde o primeiro dia do governo Lula”.

“Seguimos, agora, na luta pela devida responsabilização dos envolvidos nesse assassinato, mas também na luta para que o estado do Rio de Janeiro supere o caos a que está submetido, que impacta sobretudo a população mais pobre, subjugada pela atuação de grupos criminosos que dominam quase a totalidade do território fluminense”.

Mauro Cid reafirma conteúdo de delação em audiência no STF

O tenente-coronel Mauro Cid reafirmou nesta sexta-feira (22) ao Supremo Tribunal Federal (STF) o conteúdo da delação premiada que assinou com a Polícia Federal (PF). O ex-ajudante de ordens de Jair Bolsonaro foi chamado a prestar depoimento após a revista Veja publicar áudios em que o militar critica a atuação do ministro Alexandre de Moraes e a Polícia Federal.

Durante a audiência, Mauro Cid confirmou que mandou mensagem de áudio a amigos em tom de “desabafo”. Ao contrário do que disse nas mensagens, o militar também reafirmou que decidiu espontaneamente delatar os fatos que presenciou durante o governo Bolsonaro e que não houve pressão da PF ou do Judiciário para fazer as acusações. 

No início da tarde de hoje, Cid recebeu voz de prisão após ser ouvido.  A prisão foi determinada por descumprimento de cautelares impostas por Moraes e por obstrução de Justiça ao falar sobre a delação nos áudios com terceiros. 

De acordo com a reportagem da Veja, Cid afirmou que foi pressionado pela PF a delatar episódios dos quais não tinha conhecimento ou “o que não aconteceram”. O ex-ajudante também afirmou, segundo a publicação, que a Procuradoria-Geral da República e Alexandre de Moraes, relator das investigações sobre o militar no STF, têm uma “narrativa pronta” e estariam aguardando somente o momento certo de “prender todo mundo”.

Defesa

Após a divulgação da matéria de Veja, a defesa de Mauro Cid, em comunicado, não negou a autenticidade dos áudios. Os advogados disseram que as falas “não passam de um desabafo em que relata o difícil momento e a angústia pessoal, familiar e profissional pelos quais está passando, advindos da investigação e dos efeitos que ela produz perante a sociedade, familiares e colegas de farda”.

Mauro Cid ficará preso em batalhão da polícia do Exército

O tenente-coronel Mauro Cid foi levado para o Batalhão da Polícia do Exército, em Brasília, onde ficará preso por determinação do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF).

Cid recebeu ordem de prisão após depoimento prestado nesta sexta-feira (22) ao gabinete do ministro.  O ex-ajudante de ordens de Jair Bolsonaro foi chamado a prestar esclarecimentos após a revista Veja publicar áudios em que o militar critica a atuação de Moraes e da Polícia Federal.

Após ser preso, Mauro Cid passou por exame de corpo de delito na Superintendência da Polícia Federal (PF) e foi levado para o batalhão militar por ser oficial do Exército, cargo que não permite a prisão em presídio comum.

Enquanto prestava depoimento, o ex-ajudante de ordens foi alvo de busca e apreensão da PF na sua residência, localizada no Setor Militar Urbano (SMU), na capital federal.

Cid assinou acordo de colaboração premiada após ter sido preso no âmbito do inquérito que apura fraudes em certificados de vacinação contra covid-19. Além do caso referente às vacinas, Cid cooperou também com o inquérito sobre uma tentativa de golpe de Estado que teria sido elaborada no alto escalão do governo Bolsonaro.

Ele estava em liberdade desde setembro do ano passado, quando teve a delação homologada por Alexandre de Moraes.

Depoimento

O depoimento durou cerca de uma hora e foi presidido pelo desembargador Airton Vieira, juiz instrutor do gabinete de Moraes. Também esteve presente um representante da Procuradoria-Geral da República (PGR), além da defesa do militar.

Após ser informado de que seria preso, Cid passou mal e foi atendido por uma equipe de brigadistas do Supremo. 

Ele voltou a ser preso por descumprir medidas cautelares impostas por Alexandre de Moraes e pelo crime de obstrução de justiça. 

De acordo com a reportagem da Veja, Cid afirmou que foi pressionado pela PF a delatar episódios dos quais não tinha conhecimento ou “o que não aconteceram”.

O ex-ajudante também afirmou, segundo a publicação, que a Procuradoria-Geral da República e Alexandre de Moraes, relator das investigações sobre o militar no STF, têm uma “narrativa pronta” e estariam aguardando somente o momento certo de “prender todo mundo”.

A defesa de Mauro Cid afirmou que as falas “não passam de um desabafo em que relata o difícil momento e a angústia pessoal, familiar e profissional pelos quais está passando, advindos da investigação e dos efeitos que ela produz perante a sociedade, familiares e colegas de farda”.