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Cracolândia: fator favela reduz valor das desapropriações dos imóveis

Para a construção de um novo centro administrativo, o governo de São Paulo pretende desapropriar quatro quadras inteiras no entorno da Praça Princesa Isabel, na região central da capital paulista. Decreto assinado pelo governador Tarcísio de Freitas declarou de utilidade pública os imóveis onde atualmente funcionam lojas de autopeças, restaurantes, padarias, casas e prédios de apartamentos residenciais.

Nos últimos processos de desapropriação feitos no local, em processos judiciais abertos pela prefeitura paulistana, a proximidade com a Favela do Moinho e com a aglomeração de pessoas em situação de rua e com consumo abusivo de drogas, conhecida como Cracolândia, reduziu o valor das indenizações. Em diversas decisões, os técnicos do Tribunal de Justiça recomendaram a diminuição dos valores pelo conceito do “fator favela”, que estima depreciação em 30% do preço das propriedades na área.

São Paulo – Casarões lacrados na rua Helvétia, região da Cracolândia. Foto: Rovena Rosa/Agência Brasil

Desalojamentos

Dentro do perímetro previsto para as demolições estão 280 habitações. Segundo o secretário estadual de Projetos Estratégicos, Guilherme Afif Domingos, a estimativa inclui apartamentos e casas, inclusive as usadas como cortiços.

Há ainda dois empreendimentos habitacionais. Um, já em fase avançada de construção, é uma parceria da prefeitura de São Paulo com a União das Lutas de Moradia e Cortiço. O outro, tem um stand, maquete e diversos corretores, que fazem simulações do projeto previsto para ser lançado nos próximos dias. Os vendedores negam, entretanto, que o empreendimento esteja dentro da área que será liberada para construção de torres de 30 andares que deverão abrigar a burocracia estadual.

O decreto assinado no dia 27 de março pelo governador Tarcísio de Freitas é claro ao declarar de utilidade pública a totalidade das quadras 25, 34, 46 e 48, além de nove lotes da Quadra 52.  A estimativa do governo é que 22 mil funcionários públicos passem a dar expediente diariamente no entorno da praça, que se tornaria uma grande esplanada, integrando o Palácio dos Campos Elíseos. O casarão construído no fim do século 19 abriga atualmente o Museu das Favelas.

Projeto arquitetônico

Foi aberto um concurso para escolha do projeto arquitetônico e urbanístico para construção do novo centro, com previsão para os resultados em julho. A empresa vencedora deverá elaborar um projeto executivo para ser submetido à consulta pública. Segundo o secretário, a previsão é que a licitação ocorra no início de 2025.

A ideia, de acordo com Afif, é aumentar a ocupação do centro paulistano. “Hoje, temos um centro abandonado à mercê das populações de rua e do tráfico de drogas”, disse.

Incertezas

Apesar do anúncio, os moradores da região afetada ainda não têm certeza se efetivamente serão despejados ou como o projeto será implementado. O comerciante Richard Martinez, que mora em um pequeno prédio, tem dificuldades em entender as propostas do poder público para o bairro dos Campos Elíseos.

Ele chama a atenção para a reforma feita na Praça Princesa Isabel, em frente onde mora. O local chegou a abrigar o chamado fluxo da Cracolândia em alguns momentos, após as dispersões promovidas pelas operações policiais.

No ano passado, o espaço foi completamente reformado e tem recebido manutenção constante, com limpeza e jardinagem. Porém, a praça, que ganhou status de parque, foi gradeada e fica na maior parte do tempo fechada ao público. “Essa praça, aí”, aponta o comerciante. “Faz tempo que não abre. Um monte de crianças todos os dias fica só olhando”, diz Martinez, que tem uma filha.

A possibilidade de ter que deixar a região, onde vive há dez anos, também preocupa Martinez. “A gente já sabia que ia ter uma mudança. Mas tão rápido assim, eu não sabia”, diz o comerciante que optou por morar no centro pela facilidade de locomoção, importante para seu trabalho.

Há quem acredite que as desapropriações possam ser uma boa oportunidade para mudar da região. A aposentada Marilene Freire disse que não acharia ruim deixar o apartamento onde reside há 40 anos. “Não saindo aqui do centro, mas para outro lugar. Está bom, mas a gente tem vontade de ir para uma coisa melhor. Maior, com mais espaço, pessoas novas”, disse.

O prédio onde Marilene vive fica de frente para o Liceu Coração de Jesus, um imóvel tombado. Fundado pela Ordem Católica dos Salesianos, em 1885, o colégio quase fechou as portas no ano passado devido à falta de alunos, consequência da proximidade da Cracolândia. As atividades só foram mantidas por um convênio firmado com a prefeitura de São Paulo para atendimento de crianças do ensino infantil e do fundamental.

São Paulo (SP) – Prédios interditados na rua Helvétia, em Campos Elísios. Foto:  Rovena Rosa/Agência Brasil

Fator favela e remoções

No entorno do liceu, no Largo Coração de Jesus, quase todos os imóveis foram desapropriados para construção de moradias em uma parceria público-privada (PPP). As famílias que viviam em pensões nos antigos casarões foram removidas, em uma ação iniciada após a megaoperação policial de maio de 2017, que retirou do local pessoas em situação de rua e com consumo abusivo de drogas. Apesar da desocupação, os imóveis ainda não foram completamente demolidos e os empreendimentos não começaram a ser construídos.

Parte das pessoas identificadas como em situação de vulnerabilidade recebeu auxílio-aluguel por alguns meses. Porém, segundo o pesquisador Ariel Machado, que estuda os projetos de parceria público-privada na região, em seu mestrado na Universidade de São Paulo (USP), o cadastro deixou parte dessa população de fora. “Poucas pessoas ali tinham cadastro da Secretaria de Habitação, porque ele foi feito, mas em 2016, e depois tentaram uma atualização. Mas essa remoção ocorreu só em 2021. Então, muitas famílias já não estavam mais ali e muitas outras pessoas tinham chegado”, lembra.

Para os proprietários, as indenizações foram rebaixadas com o argumento da proximidade com a Cracolândia e a Favela do Moinho, que fica a cerca de 1,5 quilômetro do Largo Coração de Jesus. “O ‘fator favela’ é um elemento usado pelo Cajufa [Centro de Apoio dos Juízes da Fazenda Pública da Capital] que é um setor de apoio das varas da Fazenda. Eles mobilizam os peritos para conseguir precificar imóveis ou terrenos a partir da localização”, explica o pesquisador, que analisou 40 processos de desapropriação na região.

Em uma decisão de dezembro de 2019 sobre a desapropriação de um imóvel de 14,1 mil metros quadrados em posse de uma empresa, o juiz Josué Vilela Pimentel, da 8ª Vara de Fazenda Pública, deixou claro que havia dois cenários. No primeiro, a propriedade estaria avaliada em mais de R$ 3,2 milhões e, no segundo, em R$ 2,3 milhões. Ao optar pela última, o Pimentel justificou: “a redução de 30% do valor obtido inicialmente, decorre das condições limitativas de interesse do mercado imobiliário privado no bem, vez que a região está ocupada de forma hostil e desordenada”.

As decisões divergem, no entanto, sobre a forma de calcular a depreciação dos imóveis. Em fevereiro de 2021, o juiz Randolfo Ferraz de Campos, da 14ª Vara de Fazenda Pública, o decidir sobre três imóveis pertencentes a uma família, diz que a orientação dos peritos era para não usar o “fator favela”. Segundo os técnicos, a perda de valor das propriedades era maior do que os 30% previstos pelo indicador. “Caso seja aplicado o ‘fator favela’ para a homogeneização dos elementos comparativos, o valor unitário sofreria elevação”, escreveu o magistrado.

Ainda sobre os três imóveis, o juiz destacou que as famílias que ocupavam as propriedades não deveriam ser removidas por causa da pandemia de covid-19 e a falta de atendimento social. “Não está sequer demonstrado que o cadastro dos moradores colecionado pela expropriante abarca os moradores dos imóveis aqui expropriados e nem está demonstrado estar a eles garantido ao menos atendimento habitacional provisório, por meio de auxílio-aluguel”, disse em referência às “várias dezenas de pessoas”, que estavam vivendo nos casarões que haviam sido deixados sem uso pelos donos.

De acordo com Ariel Machado, nas disputas judiciais envolvendo as desapropriações, alguns proprietários acabaram obtendo negócios vantajosos e outros podem ter sido prejudicados. “Muitos ali foram desapropriados só pelo valor do terreno. Os peritos diziam que os imóveis estavam inutilizáveis, não tinham valor nenhum”, afirma.

Histórico de demolições

Diferentemente das desapropriações do Largo Coração de Jesus, além de casarões usados como pensões e cortiços, que também existem dentro do novo perímetro, agora, podem ser desapropriados edifícios residenciais de até nove andares.

Segundo o Laboratório Espaço Público e Direito à Cidade (LabCidade) da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (USP), moram na área afetada 800 pessoas. Em nota conjunta com movimentos sociais, o LabCidade pede a suspensão do projeto. “A presença da assim chamada Cracolândia nesse pedaço da cidade funcionou como verdadeira cortina de fumaça para uma série de ilegalidades urbanísticas promovidas pelo estado”, diz no documento assinado também pelo União de Movimentos de Moradia de São Paulo e pelo Observatório de Remoções.

“Trata-se de inúmeras iniciativas e projetos públicos que partem do pressuposto de que aquele território está vazio ou inabitado, que projetos podem chegar para ‘revitalizar’ uma área, como se não houvesse pessoas que há décadas vivem e constroem esse território, que não são ouvidos e respeitados. Ainda, o projeto desconsidera a regulação urbanística municipal: nos termos do plano diretor municipal, projetos urbanos como esse devem seguir procedimentos de participação social”, acrescenta o comunicado dos pesquisadores e movimentos sociais.

A nota técnica lembra ainda de dois momentos em que foram feitas remoções e demolições na região, para a construção de uma unidade do Hospital Pérola Byington, especializado em saúde da mulher, e para a construção de um conjunto habitacional também por PPP.

Indenizações justas

Afif Domingos informa que serão feitas “realocações” de moradores e o pagamento de indenizações “justas” aos proprietários. O secretário também aponta a possibilidade de os empreendimentos habitacionais em construção serem incorporados ao projeto. “Aqueles prédios que estão em um estágio bastante avançado serão incorporados. Aqueles que são de interesse social serão remanejados em áreas no entorno. Todo o processo de desapropriação vai ser com justa indenização e realocação em habitação de interesse social”, disse Afif, ao participar de evento sobre a PPP para construção do novo centro administrativo na Associação Comercial de São Paulo nesta quarta-feira (3).

 Secretário estadual de Projetos Estratégicos, Afif Domingos, aponta a possibilidade de os empreendimentos em construção serem incorporados – Valter Campanato/Agência Brasil

Afif ressaltou, no entanto, que os critérios para pagamento das indenizações pelas propriedades vão considerar a perda de valor de mercado. “Você vai pagar o valor que vale”, enfatiza. De acordo com o secretário, esses procedimentos serão feitos pela concessionária ganhadora da licitação. “A desapropriação quem vai fazer é o concessionário que ganhar, porque eles têm mais facilidade para poder negociar.” O secretário afirma ainda que todo o processo vai respeitar os bens tombados e o plano diretor. 

Taiwan: helicóptero resgata mineiros; número de feridos ultrapassa mil

Um helicóptero resgatou nesta quinta-feira (4) seis pessoas que estavam presas em uma área de mineração após o pior terremoto de Taiwan dos últimos 25 anos, enquanto centenas de tremores secundários que sacudiram a região leste, perto do epicentro, levaram muitas pessoas a buscar abrigo.

O número de mortos pelo terremoto de magnitude 7,2 ocorrido na quarta-feira subiu para 10, com 1.067 feridos, informaram as autoridades. A maioria dos cerca de 50 funcionários de um hotel que ficaram ilhados em uma rodovia quando se dirigiam a um resort, em um parque nacional, foi localizada.

Mas 660 pessoas ainda estavam presas, a maioria delas em hotéis no parque, depois que a estrada foi interditada, informou o corpo de bombeiros, enquanto a descoberta de um corpo em uma trilha de caminhada perto da entrada de um desfiladeiro elevou o total de mortes para 10.

Danos provocados por terremoto de 7.2 na escala Richter em Hualien, Taiwan – REUTERS/Carlos Garcia Rawlins

Um helicóptero levou para segurança seis mineiros presos em um penhasco em um resgate dramático depois que o terremoto fechou as estradas para as montanhas de Hualien, em imagens exibidas pelo departamento.

O Ministério da Agricultura pediu que as pessoas se mantivessem longe das montanhas devido ao risco de queda de rochas e à formação de “lagos de barreira”, pois a água se acumula atrás de escombros instáveis.

Quinta-feira foi o início de um feriado prolongado para o festival de varredura de túmulos, quando as famílias tradicionalmente voltam para casa para cuidar dos túmulos dos ancestrais, embora outras também visitem atrações turísticas.

As pessoas do condado de Hualien, em grande parte rural e pouco povoado, estavam se preparando para ir ao trabalho e à escola quando o terremoto atingiu a costa na quarta-feira (3).

Os prédios também tremeram violentamente em Taipé, mas a capital sofreu danos mínimos.

Tendas em Hualien funcionam como abrigo para pessoas afetadas pelo terremoto que atingiu Taiwan- REUTERS/TYRONE SIU

Todas as pessoas presas em prédios na cidade de Hualien, a mais atingida, foram resgatadas, mas muitos moradores, com medo pelos mais de 300 tremores secundários, passaram a noite ao ar livre.

“Os tremores secundários foram aterrorizantes”, disse Yu, uma mulher de 52 anos que informou apenas seu sobrenome. “É ininterrupto. Não me atrevo a dormir em casa.”

Com muito medo de voltar para seu apartamento, que ela descreveu como estando uma “bagunça”, ela dormiu em uma barraca em um campo esportivo que estava sendo usado como abrigo temporário.

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Fluminense arranca empate com Alianza Lima na Libertadores

O Fluminense iniciou a caminhada em busca do bicampeonato da Copa Libertadores arrancando um empate de 1 a 1 com o Allianza Lima (Peru) nesta quarta-feira (3) no estádio Alejandro Villanueva, em Lima. A Rádio Nacional transmitiu o confronto ao vivo.

Fim de jogo. Com gol de Marquinhos, o Fluminense empata em 1 a 1 com o Alianza Lima-PER, fora de casa! Voltamos a campo na terça-feira, contra o Colo-Colo, no Maracanã! pic.twitter.com/pZyrVplBMy

— Fluminense F.C. (@FluminenseFC) April 4, 2024

Com o resultado o Tricolor das Laranjeiras somou um ponto e divide a vice-liderança do Grupo A da competição com a equipe peruana. A liderança da chave é do Colo-Colo (Chile), que bateu o Cerro Porteño (Paraguai) por 1 a 0 no estádio Monumental de Santiago.

Sem poder contar com os suspensos John Kennedy (atacante) e Diogo Barbosa (lateral) e os lesionados Paulo Henrique Ganso (meio-campista), Germán Cano (atacante), Manoel (zagueiro), Marlon (zagueiro), Keno (atacante) e Gabriel Pires (meio-campista), a equipe comandada pelo técnico Fernando Diniz não conseguiu apresentar um bom futebol diante de um adversário que abusou dos contra-ataques.

E foi desta forma que o Allianza Lima abriu o placar aos 34 minutos do primeiro tempo, quando Waterman encontrou Serna, que partiu em velocidade e se livrou de Thiago Santos antes de bater colocado para superar o goleiro Fábio. A partir daí o Fluminense sofreu muito. Mas, aos 26 minutos da etapa final, Marquinhos marcou de cabeça após cobrança de escanteio de Douglas Costa para dar números finais ao placar.

O primeiro com nossas cores, Marquinhos! Que jogaço, brabo! ⚡️⚡️

📸: Lucas Merçon/FFC pic.twitter.com/Y9L6p0gMou

— Fluminense F.C. (@FluminenseFC) April 4, 2024

Empate do Palmeiras

Outra equipe brasileira a empatar fora de casa foi o Palmeiras, que, jogando no estádio Nuevo Gasómetro, em Buenos Aires, ficou no 1 a 1 com o San Lorenzo (Argentina) pelo Grupo F. A equipe da casa abriu o placar aos 19 da etapa inicial com Romaña, mas Piquerez acertou bela cobrança de falta aos 35 do segundo tempo para deixar tudo igual.

Fim de jogo: San Lorenzo-ARG 1×1 Palmeiras.#AvantiPalestra #SLOxPAL#AlmaECoração pic.twitter.com/lyYE0nmF6B

— SE Palmeiras (@Palmeiras) April 4, 2024

O detalhe é que o técnico Abel Ferreira optou, nesta partida, em dar descanso para sete titulares de sua equipe (Weverton, Murilo, Marcos Rocha, Mayke, Zé Rafael, Raphael Veiga e Endrick) pensando na final do Campeonato Paulista diante do Santos.

Derrota do Botafogo

O terceiro representante do Brasil a entrar em campo nesta quarta pela principal competição de clubes da América do Sul foi o Botafogo, que, em pleno Nilton Santos, foi derrotado por 3 a 1 pelo Junior Barranquilla (Colômbia).

Fim de jogo: Botafogo 1 x 3 Júnior Barranquilla.

📸 Vítor Silva/ BFR pic.twitter.com/djiQzOzSE9

— Botafogo F.R. (@Botafogo) April 3, 2024

Apesar de contar com o apoio de sua torcida, o Alvinegro fez um primeiro tempo muito ruim e viu os visitantes abrirem uma vantagem de 3 a 0 graças a gols de Fuentes e Baca (duas vezes, uma dela em cobrança de pênalti). Já o Botafogo descontou com Hugo. Com o resultado a equipe de General Severiano ocupa a lanterna do Grupo D da competição sem ponto algum.

Lula: governo tem que garantir oportunidades a crianças e adolescentes

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva ressaltou nesta quarta-feira (3) o papel do governo na garantia de oportunidades iguais para crianças e adolescentes. Ao participar da reunião plenária da 12ª Conferência Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente, em Brasília, Lula disse que tem obsessão pela educação porque não teve oportunidade de dar continuidade aos estudos. 

“Eu tenho obsessão de garantir para as pessoas que não nasceram em berço de ouro o direito de ter aquilo que é a essência do Estado. Não existe uma criança mais inteligente que a outra, o que precisa é garantir igualdade de oportunidade para todo mundo disputar as coisas nesse país”. 

Lula lembrou que a última conferência foi realizada em 2019. “Quando se parou de convocar, o que estava por trás da decisão, era fazer com que caísse no esquecimento. Porque para muita gente, quanto mais silenciosa for a humanidade, quanto menos protesto e reivindicação fizer, melhor para quem governa com espírito e cabeça no autoritarismo”.  

Lula quis dedicar o encontro às crianças e adolescentes que passam fome, aos órfãos da Covid-19 e às crianças que morreram na guerra entre Israel e o Hamas. “É uma homenagem a quase 12,3 milhões de crianças que morreram na Faixa de Gaza em Israel, bombardeadas em uma guerra insana. Não podemos perder a capacidade de nos indignar”, disse. 

O presidente lembrou os programas do governo voltados à essa parcela da população, como o Pé-de-meia, para incentivar a permanência de adolescentes no ensino médio; o Compromisso Nacional Criança Alfabetizada, para garantir a alfabetização na idade certa; e a construção de novos institutos federais. 

“É isso que a gente tem que fazer para garantir às crianças e adolescentes brasileiros uma oportunidade digna de vida decente e de um futuro promissor, muitas vezes melhor do que ele recebeu de seus pais”.

Propostas

A etapa nacional da 12ª Conferência Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente ocorre entre os dias 2 e 4 de abril, em Brasília. Convocada pelo Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda), o evento reúne milhares de pessoas e tem como tema central “A situação dos direitos humanos de crianças e adolescentes em tempo de pandemia pela Covid-19: violações e vulnerabilidades, ações necessárias para reparação e garantia de políticas de proteção integral, com respeito à diversidade”. 

Durante ato com a participação do presidente Lula, a presidenta do Conanda, Marina Poniwas, comentou sobre o legado sombrio da pandemia, especialmente para o público infantil e adolescente.

“É necessário reconhecer que os efeitos da pandemia no Brasil foram agravados pelo negacionismo científico e pelas decisões políticas e sociais protagonizadas pelo governo anterior. Chegamos a mais de 711 mil mortes contabilizadas pela pandemia. Milhares de vítimas da orfandade”, afirmou.

O ministro dos Direitos Humanos, Sílvio Almeida, destacou a importância da conferência e defendeu a política como caminho de construção de um destino melhor. “A única coisa que nos salva dessa tragédia e dessa miséria, é a política, a boa política, a democracia, a participação social”, disse o ministro.

Almeida lembrou que a própria ideia de criança e adolescente é uma criação recente, da política. “Antes, criança era considerada apenas um adulto incompleto, alguém que deveria aprender a ser adulto por meio do trabalho. Então, vocês devem imaginar que o trabalho infantil não era um problema e há até hoje quem considere que criança deve trabalhar, ao invés de brincar, ou mesmo estudar”, observou.

Os estudantes Eduarda Naiara, de 16 anos, e Willian Eleutério, de 17 anos, integrantes do Comitê de Participação do Adolescente do Conanda, cobraram a efetiva aplicação do Estatuto da Criança e do Adolescente e a destinação de mais recursos para programas voltados a esse público. 

“Além de novas leis, precisamos que as que já existem sejam implementadas e efetivadas. O lugar de criança e adolescente, é sim, no Orçamento”, disseram os jovens. 

Feira de Livros da Unesp começa nesta quarta com 160 editoras

“O livro ainda é um dos elementos mais eficazes para transmissão de pensamentos complexos e essa organicidade da palavra escrita em livro ela não é alcançada pela imagem, não é alcançada pelo áudio. Ela só é alcançada pelo processo de leitura tradicional”. É com essas palavras que o diretor-presidente da fundação responsável pela Editora Unesp, Jézio Hernani Bomfim Gutierre, apresenta o evento literário que a Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho abriga a partir desta quarta-feira (3), no campus paulistano: a Feira de Livros em sua sexta edição.

Até domingo, 160 editoras, das maiores às menores, segmentadas ou não, ofertam aos leitores uma infinidade de títulos com descontos que partem dos 50%. Os estandes ficam espalhados pelo campus localizado ao lado da estação Metrô Palmeiras-Barra Funda, no bairro do mesmo nome, na capital. Há também uma versão virtual do evento, de olho no público leitor de fora da capital paulista.

Pelo site do evento é possível adquirir os livros com desconto e saber qual é a programação, embora não seja possível acompanhar as mesas-redondas, apresentações e debates, que não são transmitidas em tempo real.

A programação cultural é um outro capítulo da feira. A cada dia, escritores, tradutores, acadêmicos, sociólogos, historiadores, comandam apresentações e discussões sobre assuntos diversos pertinentes ao universo literário e ao mercado editorial. Hoje, por exemplo, o sociólogo e escritor José de Souza Martins fez a conferência de abertura sobre Capitalismo e Escravidão na Sociedade Pós-escravista. À tarde, as escritoras Luciane Bonace Lopes Fernandes, Nanci Nascimento de Souza e Sarita Mucinic Sarue falam sobre Crianças Refugiadas e Vitimadas por Guerras na Literatura Brasileira. .

A última das apresentações será a única a ser transmitida ao vivo pela internet. Trata-se de um bate-papo com o brasilianista James Green sobre seu mais recente lançamento, o livro Escritos de um Viado Vermelho, com mediação do jornalista e escritor Jean Wyllys.

“A programação da feira procura atender aos mesmos objetivos da feira em geral: aproximação de autores e leitores”, resume o diretor-presidente da Fundação Editora Unesp.

Fomento à leitura

Fundamentais na preparação do caminho para se alcançar um maior número de leitores no país, feiras literárias promovidas por universidades são uma realidade nos grandes centros do Brasil. Do mesmo modo como é realidade também um número constante de leitores no país, que não cresce e delimita um problema que o diretor-presidente da Editora Unesp define como crônico.

“É um problema tanto para o avanço da indústria editorial quanto realmente – e agora eu falo mais como pessoa ligada à universidade do que ao mundo editorial – isso limita o alcance do conhecimento, seja ele científico ou não. Quando se pergunta se nós temos público para comprar o que se produz, eu diria que sim, mas isso faz com que as tiragens [dos livros], o escopo de publicações que o Brasil tem hoje, ainda fique muito a dever diante dos patamares de outros países. Particularmente países desenvolvidos, mas países latino-americanos também”, explica.

Para Jézio Gutierre é fato que existe uma massa de leitores potencialmente interessante no Brasil, mas que ainda precisa ser significativamente desenvolvida. “Como produzir e fomentar inquietas e fiéis gerações de leitores? Essa é a pergunta de um milhão de dólares que todos os estrategistas, sejam estrategistas editoriais, sejam estrategistas de políticas educacionais, procuram. Esse é um ponto que merece muita atenção por parte de todos os que trabalham dentro da ordem do livro”, diz.

A equação do fomento à leitura, observa, não é simples. Políticas públicas relacionadas ao assunto, como isenção de impostos para o mercado editorial, por exemplo, são parte da solução. “O que se pode fazer é basicamente propiciar ganho de escala. Ou seja, se tivermos a possibilidade de aumentar o universo de leitores, talvez possamos fazer com que o livro nacional seja mais barato. Isso poderia propiciar um círculo virtuoso onde os livros possam ficar cada vez mais baratos e assim aumentar a base de leitores de forma constante”, avalia o diretor da Editora Unesp.

Editoras

Reconhecida no mercado de livros do país, a Editora 34 é um dos exemplos de editora com larga trajetória, entre as 160 que participam da feira. Na feira, a editora oferece 250 títulos com 50% de desconto, dos mais variados gêneros: ficção, poesia, filosofia, ciências sociais, economia, história e outras áreas publicadas em 30 anos de vida.

Segundo informação da assessoria de imprensa da editora, a expectativa pela participação na feira é sempre grande. “Pessoas nos escrevem perguntando se estaremos na Feira do Livro da Unesp, perguntam se teremos um determinado título – dos mais recentes aos mais específicos -, preparam as suas listas de desejo o ano todo. Além dos nossos livros mais técnicos, também há muita demanda pelos mais recentes e as nossas traduções dos clássicos da literatura estrangeira, especialmente a russa”, informa.

Do outro lado do espectro das editoras em exposição na feira, há a segmentada Ediotora Malê, com foco na literatura afrobrasileira e que há dois anos participa do evento. Nesta edição, expõe para o público 57 títulos do catálogo.

“Acho super importante participarmos das feiras universitárias que acontecem em São Paulo e outros estados porque nossa literatura não chega tão fortemente às livrarias e esses espaços são qualificados para a gente atingir leitores qualificados e com isso nossos títulos passam a ser conhecidos por um perfil leitor que busca leituras que estão além dos espaços comerciais”, sintetiza Francisco Jorge, sócio e editor da Malê.

Serviço

6ª Feira do Livro da Unesp

Data: de 3 a 7 de abril

Horário:- das 9h às 21h (domingo até 18h)

Local: Presencial – Campus da Unesp em São Paulo, localizado à Rua Dr. Bento Teobaldo Ferraz, 271, ao lado da Estação Palmeiras–Barra Funda do Metrô (saída à esquerda, ao passar pelas catracas).

Entrada franca.

TV 3.0 será viabilizada com união do setor, diz presidente da EBC

O presidente da Empresa Brasil de Comunicação (EBC), Jean Lima, destacou, nesta quarta-feira (3), durante a apresentação da TV 3.0 pelo governo federal, a importância da união do setor para que a TV Digital possa evoluir e chegar a toda a população brasileira. Durante o evento, o Fórum Brasileiro de TV Digital apresentou inovações que a tecnologia vai disponibilizar aos telespectadores.

“É importante garantir a permanência de todos os canais abertos na TV3.0 e a permanência dos canais públicos ou estatais. Porque 70% da população brasileira se informa por esse meio de comunicação. E aí, é preciso investimento do Estado brasileiro, do Executivo, do Judiciário e Legislativo”, destacou Jean Lima.

O dado citado é da pesquisa Kantar Ibope Media, que também apontou que os brasileiros assistem, em média, 5 horas e 17 minutos de televisão por dia, e cerca de 80% do tempo é voltado a TV linear, ou seja, segue a programação disponibilizada pelas emissoras.

Os ministros das Comunicações, Juscelino Filho, e da Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República (Secom), Paulo Pimenta, e o presidente do Fórum do Sistema Brasileiro de TV Digital Terrestre (SBTVD), Raymundo Barros, participaram da abertura do evento de apresentação e debate sobre a TV 3.0 – novo padrão tecnológico para evolução da TV Digital – no auditório do Ministério das Comunicações, em Brasília.

TV 3.0

Brasília (DF) 03/04/2024 – O ministro das Comunicações, Juscelino Filho, durante evento de apresentação e debate sobre a TV 3.0. Foto: Fabio Rodrigues-Pozzebom/ Agência Brasil

Com a TV 3.0, a escolha de canais será substituída por aplicativos, que podem disponibilizar conteúdo ao vivo ou por demanda. A interatividade será o diferencial. Além disso, a nova tecnologia promete qualidade de imagem que pode chegar ao 8K, som imersivo, como no cinema, e ferramentas de segurança e acessibilidade.

“Não precisa de internet para acessar a TV 3.0, que é TV aberta, gratuita para a população brasileira. É uma transmissão com melhor qualidade de imagem, de som, que vai ser transmitida para todos. A interatividade é um atributo a mais que será possibilitada para aqueles aparelhos que estiverem conectados com a internet”, explicou o ministro das Comunicações Juscelino Filho. 

De acordo com Jean Lima, a EBC tem participado de todo o processo de debate sobre a aquisição de novas tecnologias para a TV 3.0, com a Secretaria de Comunicação da Presidência da República (Secom) e o Ministério das Comunicações, que coordena a iniciativa. A intenção é garantir a isonomia na distribuição dos canais e deixar a liberdade de escolha aos telespectadores.

“Para o campo público, a TV 3.0 representa a possibilidade de incluir novos atores e democratizar a comunicação”, afirmou.

Rede pública

Durante o evento, o ministro Juscelino Filho assinou duas portarias de consignação à EBC, para a execução dos serviços de radiodifusão em frequência modulada (FM) e de som e imagens de TV Digital, em cidades e estados brasileiros, com fins educativos.

“Já são mais de 100 novos canais que poderão levar educação, ciência e informação precisa às comunidades”, afirmou o presidente da EBC.

Segundo Jean Lima, desde outubro de 2023, 60 universidades públicas e institutos federais assinaram acordo de cooperação com a EBC, com a expectativa de operar mais de 150 novas emissoras de TV e de rádio FM. “Essa expansão também gera empregos, melhora as condições de formação dos nossos profissionais e garante o envolvimento da indústria e do mercado local, além de reforçar o papel da radiodifusão como um dos serviços centrais da comunicação”, ressaltou.

Médico relata horror vivido em hospital de Gaza: “desastre humano”

A situação dos hospitais na Faixa de Gaza piora a cada dia. De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), apenas 10 dos 36 hospitais da região seguem funcionado e, ainda assim, de forma parcial, com escassez de medicamentos, combustível e pessoal.

O ataque de Israel, nos últimos dias, ao hospital Al Shifa, no Norte do enclave, reduziu ainda mais a capacidade de atendimento às centenas de milhares de feridos. A OMS exige o fim dos ataques aos hospitais em Gaza e apela pela proteção do pessoal da saúde.

O médico francês Pascoal André, de 60 anos, trabalhou como voluntário por quatro semanas no Hospital Europeu, em Khan Yunis, no sul de Gaza, e relatou, em entrevista para Agência Brasil e TV Brasil, os horrores de se trabalhar em um hospital da região.

“É sempre a mesma coisa. Cinco horas da manhã, bum, ban, bum (barulho de bombardeios) e, meia hora depois, os primeiros carros chegando, carros particulares, com pacientes moribundos, com pacientes muito graves e com casos não muito importantes, mas muitos pacientes chegando nas emergências sem qualquer triagem”, contou Pascoal, que foi para Gaza como voluntário do PalMed France, ONG de médicos palestinos em países europeus.

O infectologista relatou que é preciso escolher qual paciente atender diante da demanda, que é difícil dormir por causa do barulho dos drones, que a fome tem tirado a vida de muitas crianças, especialmente as recém-nascidas, que não há material nem mesmo para higiene, e que as equipes médicas estão exaustas.

“Você tem que escolher um paciente. Se ele não estiver muito bom, ele morrerá. Ou não é muito urgente, ele tem que esperar”, relatou o profissional, que gravou dezenas de depoimentos, trouxe imagens perturbadoras dos atendimentos e da desnutrição para denunciar na Europa.

“Voltamos com muitos depoimentos dos médicos deste hospital e não fomos ouvidos de verdade nos países europeus. Passamos no Parlamento Europeu, mas apenas três deputados nos receberam. É uma vergonha”, lamentou o especialista, que estava de passagem por Brasília para visitar o filho que vive na capital brasileira.

Confira a entrevista completa:

Agência Brasil: Por que você decidiu trabalhar em Gaza?

Pascoal André: Para mim, ser médico é ser estar a serviço do paciente e estar com os outros médicos solidários. Há alguns anos eu queria conhecer médicos palestinos. Fui em abril [de 2023] para a Cisjordânia. Vi o que significa o apartheid, trabalhei com o Crescente Vermelho (organização humanitária que atua na Palestina) e com o governo Palestino para tentar melhorar o atendimento pré-hospitalar.

Quando chegou o 7 de outubro, decidi reservar um tempo para ir a Gaza. Foi muito difícil encontrar pessoas e ONGs com permissão para cruzar a fronteira. Temos um acordo com a ONG Fundação Rahma e, desde 25 de janeiro, temos um rodízio de 20 médicos indo pra lá. Talvez uma centena de médicos já estiveram no Hospital Europeu de Gaza, localizado em Khan Younes. Alguns deles trabalham no Hospital Emirates, em Rafah.

Agência Brasil: O que você viu no hospital? Pode descrever um pouco como era a situação?

Pascoal André: No hospital, tem muitos profissionais de saúde locais e de equipes de todos os outros hospitais de Gaza. Eles me explicaram que Gaza era como Paris, com 2,5 milhões de pessoa e 36 hospitais de muito bom nível. Semelhante às práticas brasileiras para a medicina, semelhante às europeias.

Agora, no Sul de Gaza, você tem um hospital, o maior deles, em Khan Yunis, com apenas cinco salas de cirurgia e está superlotado. E as equipes médicas e as paramédicas estão muito exaustas, muito cansadas.

Eles não são bem remunerados, talvez US$ 100 a US$ 500 em cinco meses, mas o custo de vida é muito alto. Se precisar de farinha, é muito caro. Se você precisar de um pouco de açúcar, um quilo de açúcar custa US$ 10. Alguns deles estão realmente exaustos e muito mal, mentalmente.

Por exemplo, em um dos hospitais você, em tempos normais, tinha 40 leitos para pacientes cirúrgicos e agora está com 120 leitos. Pessoas morando dentro de salas cirúrgicas. É muito difícil trabalhar assim.

Eu, como infectologista, sem antisséptico na sala de cirurgia, sem sabão, sem água para limpar o paciente antes da operação. Portanto, temos visto muitas infecções com muitas complicações, com morte e amputações. É uma pena porque você tem todos os medicamentos, todos os aparelhos, a seis ou oito quilômetros, não muito longe do hospital, mas bloqueados na fronteira do Egito.

Agência Brasil: Como é a triagem dos pacientes diante da alta demanda e baixa capacidade de atendimento?

Pascoal André: A triagem é muito difícil. Você tem que escolher um paciente. Se ele não estiver muito bom, ele morrerá. Ou não é muito urgente, ele tem que esperar. É o caminho normal. É realmente uma pena o que acontece.

É sempre a mesma coisa. Cinco horas da manhã, bum, ban, bum (barulho de bombardeios) e, meia hora depois, os primeiros carros chegando, carros particulares, com pacientes moribundos, com pacientes muito graves e com casos não muito importantes, mas muitos pacientes chegando nas emergências sem qualquer triagem.

Trabalhei com muitos cirurgiões. Gravei muitos relatos sobre o que aconteceu. Temos muitos vídeos e fotos do tipo de lesões que eles sofreram. E realmente, os atiradores escolhem matar crianças, matar mulheres grávidas ou feri-las para o resto da vida. É realmente um desastre humano.

Por outro lado, se quiserem viver neste tipo de situação dramática, têm que viver em solidariedade. E foi muito impressionante ver que a vida ainda funciona. Eles têm uma hospitalidade muito importante, apesar da situação terrível. E eles têm uma fé muito profunda.

Infectologista Pascoal André, da Palmed France, denuncia inação de países europeus, diante dos relatos de horror que acontece na Faixa de Gaza- Joédson Alves/Agência Brasil

Agência Brasil: Israel acusa o Hamas de usar os hospitais para atividades militares. Você viu algo desse tipo?  

Pascoal André: Não, nenhum de nós viu isso. Cem médicos estiveram lá desde 25 de janeiro. Foi no Hospital Europeu, não foi no Norte porque não temos muita informação do que acontece no Norte. Em Rafah, nenhum de nós viu isso. Não vimos nenhum combatente do Hamas. Não vimos nenhum túnel sob o hospital.

Você ouve, o que talvez sejam lutadores, lá fora. Às vezes ouvíamos alguns pa pa pa (sons de tiros). Talvez dois minutos depois, os drones estavam lá, os tanques estavam lá, e se não bastasse, os F-16 (aviões de guerra) estavam lá.

Mas, considerando os cem médicos que passaram por lá, não vimos nenhum soldado israelense e nenhum soldado ou combatente do Hamas.

Agência Brasil: Como é viver toda essa situação, emocionalmente falando?

Pascoal André: No meu trabalho como médico de emergência, vivencio situações muito difíceis. Embora tenha experiência, posso conviver com isso porque estou bem de vida, com meus filhos e minha esposa. Está tudo bem para mim.

Durante as quatro semanas, não dormimos bem porque na nossa cabeça estavam sempre os sons dos drones, mesmo tapando os ouvidos com um bloqueador. Vimos muita destruição, muitos civis com crianças, com mulheres, sem nenhuma atuação política, só civis que foram mortos, que foram feridos e é realmente uma pena.

Mas o que é muito, muito difícil para mim e para os meus amigos é voltar aos Estados Unidos ou à Europa e falar sobre a situação e ver o silêncio da mídia, da política, e da maioria dos cidadãos à sua frente. Essa experiência para mim, e para a maioria de nós que esteve lá, é um sofrimento real maior do que a experiência pessoal que vivi lá

Voltamos com muitos depoimentos dos médicos deste hospital e não fomos ouvidos de verdade nos países europeus. Passamos no Parlamento Europeu, mas apenas três deputados nos receberam. É uma vergonha. A maior parte dos cidadãos, dos políticos e dos meios de comunicação não falam sobre o tema com liberdade porque temem a acusação de anti-semitismo e de apologia do terrorismo e, por isso, calam-se.

Existe um sofrimento enorme. É desesperador. Mas há uma enorme humanidade no povo palestino na forma como acreditam na justiça. Eles têm certeza de que vencerão porque a justiça está com eles.

Agência Brasil: Como está a situação da fome em Khan Yunis?

Pascoal André: A maioria dos médicos palestinos que conheci perderam entre 10 e 15 quilos. Todos eles nos explicam que é muito difícil encontrar comida. Mas o mais difícil está realmente no Norte. Mas mesmo no Sul, por exemplo, você pode ver algumas fotos que são muito impressionantes de pessoas passando fome.

Você tem uma taxa enorme de infecção porque quando você não come o suficiente, seu corpo não consegue reagir contra a infecção. Muitos bebês têm que sair do hospital com a mãe seis horas após o parto ou 16 horas após a cesariana.

Mas eles não vão para uma casa tranquila. Eles vão para uma barraca e está muito frio. E alguns deles estão morrendo por causa da desnutrição e da hipotermia. É realmente desumano e não é aceitável que os países europeus e os países norte-americanos apoiem isto.

Agência Brasil: Você pretende voltar para Gaza?

Pascoal André: Sim, eu espero voltar em junho, mas tenho que tomar cuidado porque é muito difícil ser um repórter. Eu quero ser médico, mas quando o paciente sofre bombardeios e tiros, sinto que tenho que registrar o que ocorre.

Eu tenha alguns registros de vozes palestinas, porque o mais importante é que as vozes palestinas sejam ouvidas no mundo. Por isso, tenho que tomar cuidado porque você sabe o que aconteceu com os repórteres em Gaza.

Militares israelenses consideram o ataque aéreo que matou 7 trabalhadores humanitários em Gaza um “grave erro”

3 de abril de 2024

 

Os militares de Israel disseram na quarta-feira que o ataque aéreo que matou sete trabalhadores humanitários em Gaza foi “um erro grave”.

O chefe militar israelita, tenente-general Herzi Halevi, atribuiu o ataque, que matou membros do grupo de ajuda World Central Kitchen (WCK), a “um erro de identificação durante a noite, durante uma guerra, em condições muito complexas”.

“A WCK é uma organização cujas pessoas trabalham em todo o mundo, inclusive em Israel, para fazer o bem em condições difíceis”, disse Halevi num comunicado em vídeo. “A IDF trabalha em estreita colaboração com a World Central Kitchen e aprecia muito o importante trabalho que eles realizam.”

O fundador da World Central Kitchen, José Andrés, disse em um ensaio publicado quarta-feira no The New York Times que Israel realizou “um ataque direto a veículos claramente marcados, cujos movimentos eram conhecidos pelas Forças de Defesa de Israel”.

Andrés disse que o ataque foi o resultado de “uma política que comprimiu a ajuda humanitária a níveis desesperadores”, referindo-se às queixas de organizações humanitárias sobre a dificuldade de levar ajuda para Gaza e para as mãos dos palestinos que precisam desesperadamente de ajuda em meio à crise israelense. Guerra do Hamas.

“Nas piores condições, depois do pior ataque terrorista da sua história, é hora de o melhor de Israel aparecer”, disse Andrés. “Não é possível salvar os reféns bombardeando todos os edifícios em Gaza. Você não pode vencer esta guerra matando de fome uma população inteira.”

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Nova tecnologia de TV 3.0 conectará canais abertos com a internet

O ministro das Comunicações, Juscelino Filho, antecipou – durante participação no programa Bom Dia Ministro, do canal Gov, veículo da EBC – o anúncio da evolução da TV Digital para um novo padrão tecnológico chamado TV 3.0, a ser lançado em Brasília, nesta quarta-feira (3). A novidade promete mais qualidade de imagem e acesso facilitado pela conectividade.

“O grande diferencial vai ser justamente a questão da integração da transmissão da televisão com uma melhor qualidade de imagem, qualidade de som, com a conectividade, com a internet, com a banda larga” afirmou.

Segundo o ministro, o Brasil ainda é um dos maiores mercados consumidores da televisão aberta no mundo e a forma de acesso a esse canal de comunicação será revolucionada com a mudança. A tradicional escolha de canais será substituída por aplicativos que disponibilizarão conteúdo, tanto ao vivo como por demanda, tornando a navegação mais interativa.

Juscelino Filho disse ainda que essa interatividade vai proporcionar também novas oportunidades de negócios, por meio da oferta e consumo de propagandas, marketplace (ambiente de compra e venda) e ambiente de compras.

De acordo com o ministro, até o final de 2024 deverá ser definida a tecnologia a ser adotada. Com isso, a indústria deverá atuar na produção de equipamentos e conversores para que seja efetivada a integração dos sinais abertos com a internet. A migração será gradativa e terá início nas grandes capitais, onde o sinal será disponibilizado inicialmente.

Parceria

O ministro das Comunicações também destacou a parceria entre os Correios e Caixa para viabilizar a oferta de serviços como solicitação de seguro-desemprego, questões relacionadas ao Bolsa Família, Programa de Integração Social (PIS), FGTS e pagamento do INSS.

Ele disse que essa parceria vai facilitar o acesso das populações que precisam percorrer grandes distâncias em busca de atendimento. “Estamos, através da parceria, usando toda a capilaridade que os Correios possuem para poder ser um vetor para que esses programas, essas ações sociais do governo, estejam mais perto da população”, observou.

A iniciativa teve início com uma experiência piloto, implantada em dezembro de 2023, na cidade de Peixe-Boi, no estado do Pará. Atualmente, o Ministério das Comunicações trabalha na adaptação dos sistemas para que a parceria chegue em todas as cidades do Brasil. Segundo o ministro, uma nova etapa deverá ser anunciada oficialmente quando os serviços estiverem em pleno funcionamento e disponibilidade em todo o país.

Escolas de samba foram espaço de resistência à repressão da ditadura

 

Consideradas território de alegria, diversão e preservação cultural, as quadras das escolas de samba já foram locais de dor e sofrimento. Durante os anos do regime militar, algumas agremiações acabaram se transformando em espaços de resistência da cultura e das liberdades sociais para se contrapor às ações de agentes do governo federal.

A repressão e a censura se impuseram às atividades dos sambistas. Até aquele momento as batidas policiais que sofriam eram por discriminação porque os sambistas eram considerados uma categoria marginalizada da sociedade. Com a ditadura, a situação se agravou. Escolas como Vai-Vai, Camisa Verde e Branco e Unidos do Peruche, em São Paulo, e Império Serrano, no Rio de Janeiro, além de verem suas quadras invadidas, tiveram que buscar meios para manter seus enredos e as atividades em comunidade.

Aos 77 anos, o jornalista Fernando Penteado, atual diretor cultural da Vai-Vai, considerado um griô ou griot do samba, que na cultura africana é a pessoa que mantém viva a memória do grupo, contando as histórias e mitos daquele povo, lembrou que na década de 1960 o samba era meio marginalizado e não tinha a aceitação pública que tem atualmente. Mas, durante o regime militar a perseguição ficou maior, especialmente, contra compositores que eram mais de esquerda política. Segundo Penteado, o Bixiga, onde a escola foi fundada, era um bairro contestador, o que a tornou mais visada pela repressão.

Diretor cultural da Vai-Vai, Fernando Penteado lembra a perseguição a sambistas no regime militar – Rovena Rosa/Agência Brasil

“O samba na época era marginalizado, então, o ensaio, independentemente se era na época da ditadura ou não, quando a gente via uma viatura de polícia chegar no domingo à tarde ou em uma quinta-feira, sabíamos que eles iam reprimir”, contou à Agência Brasil, relatando ainda que, no fim da década de 1960, quando componentes da escola faziam um ensaio, em um domingo, em uma praça da região da Bela Vista, a polícia chegou com violência.

“Entraram para dentro, furaram os instrumentos. Isso era em um domingo. Na quinta-feira, nós estávamos lá de novo ensaiando com os instrumentos que eles furaram, e a gente encourou [botar peça de couro no instrumento] outra vez. Assim foi. Alguns compositores, que eram presos por causa de samba-enredo, eram presos de noite e soltos de dia e iam fazer samba outra vez. A contestação sempre houve”, disse.

De acordo com Penteado, outra forma de resistência foram os encontros de samba que algumas escolas começaram a realizar. O primeiro foi da Camisa Verde e Branco, que recebia estudantes de uma universidade próxima. “Eles não iam mais para os bares porque eram fechados e começaram a vir para o sambão. Aí foi criado o samba universitário.”

“A nossa resistência [na escola Vai-Vai] era fazer o que não podia. Diziam ‘não pode ensaiar na Rua 13 de Maio’, era lá que a gente ia ensaiar. Sabe aquele moleque malcriado, que na minha época, já estou com 77 anos, era buliçoso. Sempre tinha alguém para nos defender, principalmente jornalistas. A gente escrevia letras de enredos com outras palavras e aí passava [na censura]”, disse o diretor cultural.

Ainda conforme Penteado, quando a Vai-Vai se transformou de cordão carnavalesco para escola de samba, teve a integração do compositor Geraldo Filme, que era do Peruche. Ele, o jornalista Dalmo Pessoa e a escritora e artista plástica Raquel Trindade formaram o departamento cultural. “Pessoas da ultraesquerda formaram, aqui na Bela Vista, no Vai-Vai, o primeiro departamento cultural de uma escola de samba. Isso foi em 72, 73, dentro do regime militar. Eles começaram a fazer enredo no Vai-Vai com essa perspicácia de maquiar o enredo”, descreveu.

O compositor Cláudio André de Souza, do Peruche, contou que teve de passar por momentos de apreensão na infância. “Evitavam levar crianças nos ensaios justamente com receio desses enfrentamentos entre componentes e polícia. A gente ia a ensaios à tarde, mas tinha um distanciamento com as crianças. Quando a gente dizia que queria ir à escola diziam ‘sozinho você não vai’. “Mas porquê?’ ‘Porque tem muita briga e polícia’. Foi dessa forma que a gente acompanhou quando criança”, recordou.

Cláudio André, diretor do Peruche, diz que compositores foram reprimidos pelo regime militar – Rovena Rosa/Agência Brasil

Em 1972, a escola escolheu o enredo Chamada aos Heróis da Independência, de autoria de Geraldo Filme, e teve que passar pelo crivo da censura. “O seu Carlão era presidente na época, fizemos o enredo que foi um sucesso na avenida no carnaval, e os dois foram convidados entre aspas a comparecerem ao Dops [Departamento de Ordem Política e Social] para explicarem o enredo que eles achavam subversivo e que o Peruche estava incitando o povo a se rebelar contra o regime. Ficaram uns dias lá respondendo perguntas. Não falaram que estavam presos, mas para averiguações”, relatou o compositor.

“Os compositores foram reprimidos e tiveram que ficar um tempo afastados do Unidos do Peruche porque não podiam mais fazer samba, não podiam escrever”, apontou.

Simone Tobias, neta de Inocêncio Tobias, um dos fundadores da Camisa Verde e Branco, e filha de Carlos Alberto Tobias, que foi presidente da escola, lembrou o que passou. “Eu era criança, mas lembro de pararem ensaio, furarem instrumentos e nem tinha um volume grande de gente como hoje tem. Para eles, independia se tinha criança, mulher, idoso, eles chegavam com truculência e desciam pauladas. Era uma época muito tensa. Tenho na memória as cenas”, relatou à reportagem.

“A gente tinha que fazer o desenvolvimento do tema, do enredo, das alegorias, e aí era submetido a um auditor fiscal. Se eles achassem que tinham alguma coisa que não estava a contento, que não fosse a favor do governo e fosse algum protesto, não podia e tinha que mudar”, acrescentou.

Simone contou que,  embora em 1982 a perseguição aos temas da escola tenha começado a ficar menos intensa, os compositores ainda precisaram fazer mudanças na letra do enredo daquele ano, Negros Maravilhosos, Mutuo Mundo Kitoko. As alterações, no entanto, não foram seguidas na avenida, e os componentes cantaram o samba original.

“Óbvio que nós não ganhamos o carnaval. Meu pai acabou tomando uns petelecos. Acho que foi a primeira grande guinada para que a gente pudesse expressar realmente. Não era só o Camisa, eram todas as escolas. A gente não podia falar de temas que eles achassem polêmicos”, relatou Simone.

“Foi um período bem difícil. Para quem viveu aquilo à flor da pele e quando se fala ‘temos que voltar com a ditadura’, chega a arrepiar a alma. As pessoas realmente não têm noção do que uma ditadura é capaz de fazer”, apontou Simone, lembrando que a Nenê da Vila Matilde também foi uma escola de samba de resistência durante o regime militar.

Carnaval carioca

No Rio de Janeiro, em plena vigência do Ato Institucional nº 5 (AI-5), o Império Serrano escolheu um tema que se contrapunha à ditadura. Em 1969, desfilou com o enredo Heróis da Liberdade, composto por Silas de Oliveira, Mano Décio e Manoel Ferreira, que defendia a liberdade por meio de manifestações populares. Por isso, teve que se explicar aos agentes da censura, e os compositores tiveram que alterar a letra do samba.

Escola de Samba Império Serrano desfilou com o enredo Heróis da Liberdade em 1969, em meio à vigência do AI-5 – Império Serrano/YouTube

“Houve, sim, repressão aos compositores do Império Serrano. Eles sofreram perseguição e proibições do regime muito mais por uma atitude focada nesta resistência individualizada do que um processo mais organizado de repressão à escola como um todo”, contou à Agência Brasil o jornalista e professor da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio) Chico Otávio.

O professor de história Leandro Silveira, mestre pela Universidade Federal Fluminense (UFF) e doutorando pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), lembrou que, antes de ser enredo do campeonato da Mangueira em 1998, o cantor e compositor Chico Buarque tinha sido escolhido para tema da escola Canarinhos da Engenhoca, de Niterói, na região metropolitana do Rio. A presença do homenageado causou confusão com a presença da polícia. Hoje a escola não existe mais.

“Ele [Chico Buarque] veio, e a polícia foi atrás. Foi uma coisa bem tensa”, revelou Silveira, um dos autores do livro Antigamente É que Era Bom: a Folia Niteroiense entre 1900-1986.

O professor destacou que, durante o regime militar, as escolas de Niterói precisavam negociar com os agentes até os locais de ensaio. “Escola de samba ensaiar nos grandes clubes aqui em Niterói, só se tivesse alguém que fizesse uma ponte com o censor. Elas conseguiam driblar um pouco a censura nos bairros, porque a censura não costumava entrar na favela para reprimir”, relatou.

Outra repressão lembrada por Leandro Silveira nas escolas das duas cidades tinha como alvo o material de desfiles. “Muitos croquis e desenhos de fantasias eram literalmente proibidos, censurados e tinham que fazer de novo. O que eu vejo tanto para Niterói, quanto para o Rio, é que as escolas quando foram reprimidas tiveram que desfocar as temáticas. Tem um período em que a repressão foi maior de 69 a 76 e os enredos não versam muito sobre nada progressista”, apontou o historiador, acrescentando que “o Império Serrano nunca perdeu a marca da resistência”.

Escola Em Cima da Hora levou para a avenida no carnaval de 1976 o samba-enredo Os Sertões – Cola na História

Além do Império Serrano, Silveira lembrou que a escola de samba Em Cima da Hora montou em 1976 o enredo Os Sertões, composto por Edeor de Paula. Inspirado no clássico do escritor Euclides da Cunha, o samba destacou as dificuldades enfrentadas pelo povo no Nordeste: “O Homem revoltado com a sorte/ do mundo em que vivia/ Ocultou-se no sertão espalhando a rebeldia/ Se revoltando contra a lei/ Que a sociedade oferecia.”

“São dois momentos em que a temática é mais progressista, as escolhas conseguem furar um pouco essa bolha, porque no Rio e em Niterói tem muito enredo falando de ufanismo, de Brasil, do futuro ou de folclore”, disse Silveira, destacando que as agremiações só retomaram os enredos mais progressistas depois da abertura do regime no governo do general João Figueiredo.

“Gradativamente vai aparecer a crítica social e aí vai ter a Caprichosos de Pilares e Cabuçu, no Rio, e, em Niterói, a Souza Soares, do bairro de Santa Rosa. A escola União da Ilha da Conceição, já extinta hoje, na virada da abertura ganhou um carnaval com um enredo sobre favela e critica tudo, inclusive a censura. Aí já em 85”, comentou o historiador.

“As escolas eram vigiadas. Quem tinha mais garrafas para vender [em Niterói] eram Cubango e Viradouro porque de certa forma tinham um trânsito maior com essa estrutura de poder”, disse ele.

Ufanismo

Ao mesmo tempo em que algumas escolas enfrentavam a repressão e a censura, outras no Rio faziam enredos ufanistas e de apoio ao governo militar. Uma delas foi a Beija-Flor de Nilópolis que levou para a avenida enredos como O Grande Decênio, de 1975, no qual reverenciava programas sociais do governo militar como o Programa de Integração Social (PIS), o Programa de Formação do Patrimônio do Servidor Público (Pasep), o Fundo de Assistência ao Trabalhador Rural (Funrural) e o Movimento Brasileiro de Alfabetização (Mobral).

“Ela comemorou o Grande Decênio na avenida, os dez anos do golpe”, pontuou Silveira, indicando que a Azul e Branco de Nilópolis ainda fez os enredos ufanistas Educação para o Desenvolvimento e Brasil Ano 2000, como a nação do futuro. “O samba dizia o ‘Funrural que ampara o homem do campo com segurança total’, quer dizer a ideia de que o homem do campo está bem com o governo. O interessante é que, no ano seguinte, a Em Cima da Hora consegue burlar e faz uma denúncia, via Os Sertões”, observou Silveira.

Trocas de interesses

A aproximação das escolas com o regime militar, segundo o professor Chico Otávio, era de interesse das duas partes. O governo buscava mais apoio popular, e as agremiações que tinham como patronos contraventores do jogo do bicho queriam evitar a identificação com o crime e possíveis prisões.

“O regime, no momento em que já começava a entrar em declínio, precisava da popularidade das escolas de samba para se reafirmar junto à população. Então, foi uma espécie de troca de interesses. Eu não te incomodo e você me deixa pegar carona no prestígio e popularidade das escolas de samba na avenida”, disse Chico Otávio, autor do livro Os Porões da Contravenção Jogo do Bicho e Ditadura Militar: a História da Aliança que Profissionalizou o Crime Organizado.

A ramificação do jogo do bicho na cidade favorecia o “trabalho” extenso que colaborava com a repressão. “Eles ajudavam, contribuíam com informações para que a ditadura pudesse prender subversivos. Os bicheiros de certa forma contribuíram para isso. Tinham muita presença nas ruas e formaram uma rede de espiões para abastecer a ditadura de informações a respeito dos inimigos do sistema”, completou Chico Otávio.

Para o professor, mais uma ligação de militares e contravenção ocorreu quando o governo Ernesto Geisel começou a abertura política para encerrar o regime militar. Naquele momento, agentes da repressão que não concordaram com esse processo se aliaram aos bicheiros do jogo do bicho. “À contravenção interessava ter gente que tinha essa expertise de torturar, matar, espionar, então foi um bom negócio para ambas as partes. Os agentes militares que encontraram essa acolhida e continuaram a ter poder, via bicheiros, eram seguranças de bicheiros ou muito mais que isso, viraram capos também”, afirmou o professor da PUC-Rio.

Em 1971, bem diferente da linha de enredos que vinha apresentando, a Mangueira levou para a avenida Modernos Bandeirantes, uma homenagem à Aeronáutica Brasileira.

“As escolas fizeram isso espontaneamente. Eles foram colaboradores do regime sem precisar sofrer qualquer pressão para isso. Fizeram de bom grado. Tinham interesses estratégicos de agradar o regime. Os bicheiros estavam no processo de legitimação da sua atividade criminosa junto à população através do carnaval”, concluiu Chico Otávio.